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Haruki Murakami – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Wed, 16 Mar 2022 21:50:27 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 Haruki Murakami – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Drive My Car”: para que serve uma adaptação? http://www.finisgeekis.com/2022/03/16/drive-my-car-para-que-serve-uma-adaptacao/ http://www.finisgeekis.com/2022/03/16/drive-my-car-para-que-serve-uma-adaptacao/#respond Wed, 16 Mar 2022 21:41:48 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=23121 Adaptações têm uma fama ambígua no mundo do cinema. Se é verdade que livros e filmes flertam um com o outro desde os primórdios da sétima arte, poucas opiniões são mais repetidas que a máxima “o livro é melhor”.

Quando soube que o conto Drive My Car de Haruki Murakami havia sido adaptado ao cinema, contive meu entusiasmo. Embora Murakami seja o escritor japonês mais popular da atualidade, adaptações de suas obras foram, até hoje… menos que ótimas, para dizer o mínimo. Saber que o novo filme possuía quase três horas pouco fez para aliviar minha desconfiança. Roteiristas frequentemente patinam para adaptar romances a uma história deste tamanho. O que seria de um conto de menos de 40 páginas?

Como quem assistiu Drive My Car sabe, a resposta é um primor do cinema japonês contemporâneo.

Mas comentar por que o filme de Ryusuke Hamaguchi conseguiu acertar em cheio é apenas pretexto para uma discussão mais importante: talvez esteja na hora de repensarmos na nossa relação com as adaptações.

Qual é, afinal de contas, o sentido de contar de novo uma história que já foi escrita?

E o que, exatamente, torna uma adaptação ‘bem’ ou ‘mal’ sucedida?

Drive My Car em palavras…

Capa original do livro “Homens sem Mulheres”

Se o filme de Hamaguchi é qualquer indicativo, a primeira escolha começa antes mesmo que as filmagens. Drive My Car, o conto, é um excelente material para adaptações.

Haruki Murakami é conhecido por seu realismo fantástico e por um estilo intuitivo, quase anárquico de escrita. O escritor já afirmou diversas vezes que não é um “contador”, e sim “observador de histórias”: simplesmente registrando as ideias que saem de sua cabeça. Boa sorte para adaptar um livro destes a um roteiro – mais ainda para fazê-lo funcionar em movimento.

Para complicar as coisas, Homens sem Mulheres, coletânea a que Drive My Car pertence, está longe de seu melhor trabalho. Suas histórias, em grande parte, giram em tornos de homens desprezíveis que insistem em atribuir às mulheres a culpa de suas mágoas. Há mais autocomiseração e misoginia em suas páginas que frases bem construídas. Pelo contrário, alguns períodos, como “todas as mulheres nascem com um órgão especial, independente que lhes permite mentir”, nos fazem perguntar o que passou pela cabeça do editor ao publicá-las.

Drive My Car é uma exceção às duas regras. O conto não apenas demonstra um controle da linguagem de que suas obras posteriores parecem ter perdido, como esbanja uma empatia que falta a seus colegas de coletânea. Seu protagonista é, de fato, um “homem sem mulher” – mas quem é essa mulher e o real significado de sua ausência são questões nada óbvias que nos acompanham pelo conto inteiro – e que o final, em aberto, pouco se esforça para elucidar.

O homem em questão é Kafuku, ator veterano de teatro. Sua esposa (Oto no filme, sem nome no conto) é uma companheira perfeita e colega de trabalho, que grava os diálogos de sua peça para que estude no carro enquanto dirige. Ela também o trai. Serialmente. Com múltiplos homens.

Dividido entre a estabilidade conjugal e um acerto de contas que sem dúvida a destruiria, Kafuku opta pela inação. Em tempo, nenhuma outra escolha lhe será possível. Sua esposa morre (de câncer fulminante no conto, de uma doença súbita não declarada no filme). A dúvida, o choque, e os assuntos inacabados corroem o que resta do homem que um dia foi.

Não é difícil simpatizar com Kafuku. Embora seja a personagem ponto de vista, o ator parece viver pelo mote de outra personagem de Murakami, que certa vez disse que “apenas escrotos sentem pena de si mesmos”.  O conto é quase que inteiramente contado do banco de trás de seu Saab 900, em conversas com Misaki, motorista contratada pelo teatro depois que um diagnóstico de glaucoma o impossibilita de dirigir.

É Misaki que, em dado momento, lhe dispara uma Pergunta-Gretchen – “Por que você não tem amigos?” – depois da qual Kafuku se abre como uma rede esgarçada por toneladas de pensamentos vergonhosos.

… e em imagens

E é aqui que as semelhanças do filme com seu material de origem acabam.

Em seu longa, Hamaguchi força Kafuku para fora de seu Saab com a mesma violência da pergunta de Misaki. Sua esposa, antes uma recordação mal digerida, ganha um nome. Flashbacks da traição nos mostram os detalhes que o protagonista do conto reluta até em imaginar.

Enquanto que Murakami apenas nos informa que Kafuku estava ensaiando a peça Tio Vânia de Tchekov, Hamaguchi transforma sua montagem em uma história dentro da história, praticamente nos forçando a enxergar os paralelos entre uma obra e outra.

Em mãos menos habilidosas, a inclusão de toda essa bagagem extra afundaria a história mais rapidamente do que levaríamos para dizer que “o livro era melhor!”.  Mas há duas características do filme de Hamaguchi que o põe em um caminho diferente.

Em primeiro lugar, a despeito de todos os desvios, ambas as obras chegam ao mesmo lugar.

Kafuku, descobrimos no conto, é um homem sem mulheres, no plural. Muito antes de descobrir a traição, seu casamento foi abalado com a morte precoce de sua filha. Murakami nunca soletra o paralelo, mas é possível deduzir que, como Molly e Leopold Bloom de Ulisses, foi a morte da criança que colocou Kafuku e sua esposa em uma crise que apenas os braços de terceiros podia aliviar.

E Misaki, sua motorista, é uma mulher sem homem. Especificamente, uma mulher da idade de sua filha, consternada pela ausência de uma figura paterna. É da aproximação entre os dois, mais do que a traição que sofreu, que o conto verdadeiramente trata.

O filme de Hamaguchi subverte essa prioridade, afogando o relacionamento de Misaki e Kafuku sob o peso de quase três horas de tramas paralelas. Até mesmo o amante de sua esposa (no conto, apenas um de muitos) ganha um holofote para chamar de seu – junto com um arco pessoal que envolve suas ambições como ator e até mesmo um passado criminoso.

Mas Misaki e Kafuku ainda assim se encontram e abrem-se um para outro e percebem que são peças de um mesmo quebra-cabeças, ainda que tão maltratado pelos anos que dificilmente pode ser montado.

“Isso é tudo o que fazemos” disse, certa vez, outra personagem de Murakami, “tomamos infinitamente o caminho mais comprido”. Drive My Car, o filme, vive por esta máxima.

Em segundo lugar, mesmo o conteúdo original de Hamaguchi parece misteriosamente Murakamiano.

A traição de sua esposa, no conto apenas mencionada, ganha no longa uma cena de sexo ao som do Rondó K.485 de Mozart– tocado de um disco de vinil, ainda por cima. Leitores veteranos do autor reconhecerão de pronto o apreço de Murakami por música clássica – e por cenas eróticas (segundo seus críticos) mais tristes que prazerosas de se ler.

Se originalmente uma tomboy nas linhas de Kaoru, a durosa dona de um motel e Após o Anoitecer, a Misaki do filme mais se aproxima de uma contraparte jovem de Reiko, ex-pianista de Norwegian Wood que aconselha o protagonista Toru à luz dos sofrimentos de seu próprio passado.

O longa, de fato, parece quase uma releitura de Norwegian Wood, com jovens universitários com as emoções à flor da pele trocados por adultos de meia-idade. Mesmo as digressões mais originais de Hamaguchi – as cenas e mais cenas sobre o processo de criação de Kafuku, a subtrama sobre uma atriz surda-muda – lembram o enredo livre de seu romance de 1987, que acompanhar suas personagens sem a mordaça de um Kishotenketsu ou uma estrutura em três atos.

É possível imaginar um mundo paralelo em que Muramaki em pessoa tivesse concebido cada um desses detalhes. Provavelmente, enquanto escutava o Rondó K.485. Ou corria pela manhã.

Um ponto de partida… para a própria obra

Nada disso desmerece o trabalho de Hamaguchi e Takamasa Oe, que coassina o roteiro. Pelo contrário, suas escolhas mostram que seu filme possui algo cada vez mais raro no campo do entretenimento. Um propósito.

Hoje em dia, gastamos tanta energia debatendo se uma adaptação é ou não boa que raramente nos perguntamos para que serve uma adaptação.

Qual é o propósito de reescrever uma história que já existe? Para que revisitar conflitos, plot twists e retratos conhecidos de antemão?

Hamaguchi e Oe têm uma resposta: ela é apenas um ponto de partida – não, necessariamente, para novas ideias, ao menos não como um fim em sim, mas para fisgar aquelas escondidas no próprio texto; não para negar ou substituir a obra, mas para torná-la mais a obra que é.

Leiam comigo as últimas linhas do conto:

— Eu vou dormir um pouco – disse Kafuku.

Misaki não respondeu. Ela estudou quietamente a estrada. Kafuku estava grato pelo seu silêncio.

Quando Misaki aparece na última cena do filme de Hamaguchi, ela também estuda quietamente a estrada. Ela não está na companhia de Kafuku, dirigindo-o a mais uma peça. Não está mais sequer no Japão. Hamaguchi não nos explica o que faz na Coreia ou porque dirige o carro que pertencera ao ator.

Mas nós, como ele, somos gratos pelo seu silêncio.

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“First Person Singular”: retrato de um Murakami sob ataque http://www.finisgeekis.com/2021/04/28/first-person-singular-retrato-de-um-murakami-sob-ataque/ http://www.finisgeekis.com/2021/04/28/first-person-singular-retrato-de-um-murakami-sob-ataque/#respond Wed, 28 Apr 2021 20:42:00 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22817 Haruki Murakami é conhecido por um estilo inimitável de realismo fantástico. E por retratos tão comoventes sobre a solidão que fazem qualquer um procurar um copo de whisky ao som de um jazz melancólico.

Suas histórias reproduzem  a esquisitice típica dos sonhos. Nos seus melhores momentos, sua prosa empresta a vida e imaginação de um de seus maiores ídolos, Raymond Chandler.

O Assassinato do Comendador, seu último romance publicado no Japão em 2017 e aqui no Brasil em 2019, não foi um desses trabalhos.

O New York Times o chamou de “uma decepção vinda de um autor que já escreveu trabalhos muito melhores.” O Irish Times comparou suas personagens a móveis baratos que o autor esqueceu de montar. Uma de suas cenas de amor foi nomeada ao Bad Sex award, premiação que “prestigia” as piores descrições de sexo da literatura.

Na minha própria resenha, comentei que “boa parte de suas 700 páginas são perdidas em divagações pseudo-profundas” e ideias recauchutadas de seus livros mais inspirados.

O próprio Murakami não ajudou a si próprio. Em entrevista para o site The Guardian, ele argumentou que dar sentido a histórias é tarefa de “pessoas inteligentes” – coisa que escritores não precisam ser.

First Person Singular, sua primeira obra depois de Comendador, pode não ser o livro que seus fãs merecem. Mas ele é, sem dúvida aquele de que o próprio Murakami precisava.

Coletânea de contos com um forte tom autobiográfico, é um retrato tragicômico de um escritor cuja prosa já viu dias melhores – e que veste seus defeitos como uma confortável e puída camiseta de estimação.

Primeira pessoa do singular

Algumas das edições do livro ao redor do mundo

First Person Singular é o título de uma das histórias que livro traz, mas também uma assinatura que fã nenhum do autor falhará em identificar. Por mais que tenha experimentado com outras vozes em obras como 1Q84 e Após o Anoitecer, a língua natal de Murakami é a primeira pessoa.

É difícil saber onde os homens solitários, auto-depreciativos e intelectualmente sofisticados de suas histórias terminam e o  autor que os escreve começa. Em sua nova coletânea, Murakami joga a distinção pela janela, com contos que se passariam pela autoficção não fosse a presença de macacos falantes e LPs sobrenaturais.

Um de seus contos  (The Yakult Swallows Poetry Collection) é explicitamente narrado por um “Haruki Murakami”. Mesmo nos outros, porém, não é preciso muito para saber que estamos enxergando o mundo através de seus olhos – e de mais de 40 anos de carreira literária.

De fato, First Person Singular é praticamente uma retrospectiva dos tiques mais marcantes de sua ficção, convenientemente agrupados em uma espécie de bingo mental.

Há aqui o prazer vazio – e solitário – do sexo casual (On Stone Pillow), que tanto atormentou Toru, protagonista de Norwegian Wood. O paralelo com os Beetles aparece no título de outra história (With the Beetles), que bem poderia ser um capítulo cortado de seu celebrado romance.

Há o surrealismo-assinatura de Caçando Carneiros e boa parte de sua obra (Confessions of a Shinagawa Monkey), desta vez encarnado por um macaco sapiente que trabalha em uma estação de termas.

Há sua paixão característica por jazz (Charlie Parker Plays Bossa Nova), em um conto sobre uma resenha musical que subitamente traz um álbum à vida (quem dera os textos do Finisgeekis tivessem o mesmo poder!).

Por fim, há os “homens sem mulheres” que batizaram uma de suas coletâneas anteriores: narradores masculinos irremediavelmente fascinados, ameaçados e frustrado pelo sexo oposto (praticamente todos os contos, mas em especial Carnaval e First Person Singular).

A morte de um sonho

Ilustração para o conto “With the Beetles”, publicado na revista New Yorker

A bem da verdade, nem todas essas histórias funcionam como contos. Mas talvez encará-las como histórias separadas seja perder de vista o que realmente tentam dizer. Mais do que em qualquer outro livro de sua carreira, o tema de First Person Singular é o próprio Murakami.

Não é sempre que a idade de um escritor pesa sobre sua escrita – ainda mais no caso de um autor reconhecido por sua incrível saúde. Cada uma dessas histórias, contudo, parecem carregar a melancolia própria de quem percebe que o melhor da vida já passou.

“Pessoas envelhecem em um piscar de olhos” ele escreve em um dos contos. “Em todo e cada momento, nossos corpos estão em uma jornada só de ida em direção ao colapso e a deterioração”.

“O que eu acho estranho sobre envelhecer não é o fato de que eu fiquei mais velho” ele diz amargamente em outro “é que me força a admitir, de novo e de novo, que meus sonhos de juventude acabaram para sempre.”

“A morte de um sonho pode ser, de uma certa maneira, mais triste que aquela de um ser vivo”.

Por mais que doa admitir, essa é uma deterioração que se reflete na escrita.

Nenhum conto da coletânea chega aos pés de Sono, história publicada na revista New Yorker em 1992 que o tornou um queridinho do mercado americano. Sua prosa repete a mesma banalidade de O Assassinato do Comendador e partes de 1Q84.

Ao topar com frases insípidas como “esse artigo [… ] reemergiu na minha vida como um bumerangue que você jogou e rodopia de volta quando você menos espera”, é difícil acreditar que esse é o mesmo escritor que produziu Kafka à Beira Mar e um dia foi cotado para o Nobel.

Nesse sentido, é chocante, mas também explicativo as recentes revelações de que as primeiras edições de seus livros para o inglês foram significativamente maquiadas por seus tradutores.

Segundo David Karashima em seu livro Quem Nós Estamos Lendo quando Lemos Murakami, os tradutores do autor para a língua inglesa tomarem liberdades brutais com seu conteúdo. E não falo apenas de honoríficos traduzidos ou referênciais culturais, mas de páginas cortadas às centenas.

O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo teve mais de cem páginas omitidas. As Crônicas do Pássaro de Corda, cerca de 25 mil palavras. Caçando Carneiros foi “atualizado” dos anos 1970 aos 1980 para surfar na onda da nostalgia que cercava a época no mundo americano.

Livro de Karashima, publicado em 2020

Karashima explica que essas mudanças foram feitas para eliminar passagens mais caóticas e tornar seus livros mais ágeis, “ocidentalizados” e diferentes da literatura japonesa então popular no mercado ocidental.

Esse não é, até onde eu sei, o caso das traduções ao português. Porém, para leitores como eu, que leram boa parte de sua obra antes de estarem disponíveis no mercado nacional, gera uma dúvida aterradora.

Até que ponto o Murakami modernoso, americanizado e criativo de seus primeiros livros não foi um fenômeno literário inflado por uma jogada de marketing?

Escrevendo na defensiva

Diga o que for dos defeitos de First Person Singular, há nele uma diferença crucial em relação a Comendador. Murakami mostra estar completamente a par de seus defeitos – e os assume com uma ousadia que beira o atrevimento.

“Eu não faço ideia se isso pode ser chamado de poema” ele escreve ao nos presentear com alguns versos “Se você o fizesse, é capaz de deixar poetas de verdades irritados, de fazê-los querer me amarrar no poste mais próximo.”

Ainda mais evidente é o caso de sua inexplicável necessidade de descrever o corpo feminino, hábito que levou a escritora Mieko Kawakami a criticá-lo como misógino.

Carnaval inicia com seu narrator contando que “[D]e todas as mulheres que conheci até agora, ele foi a mais feia”. Ao que procede, com um sarcasmo pouco disfarçado: “Eu poderia usar um eufemismo, obviamente, e dizer menos bonita no lugar de feia, o que poderia ser mais fácil aos leitores, especialmente às leitoras, aceitar”.

Menos sarcástico é o conto que dá nome ao volume, possivelmente a melhor história da coletânea.  Sua trama acompanha um narrador acostado por uma mulher vingativa, que o acusa de ter feito um grande mal a uma amiga. “Você deveria ter vergonha de si mesmo”, ela rosna.

Nunca sabemos o que aconteceu entre eles – um quê de subjetividade que eleva esse conto acima dos outros. Ao lê-lo, fico me perguntando se o próprio Murakami não se sente igualmente confuso com a recepção morna de seus últimos trabalhos.

“Mas naquele dia […] eu fui acometido por um sentimento desconfortável.” Ele escreve “Eu estou apenas imaginando isto, mas pode ser parecido ao sentimento de homens que secretamente se vestem de mulher”. Se isto não é uma indireta às críticas que tem recebido por conta de suas personagens femininas, devo um álbum do Charlie Parker em desculpas ao ilustre escritor.

Entrevista de Murakami com Mieko Kawakami, em 2017. Fonte

First Person Singular é um livro escrito na defensiva, admitindo erros mais do que tentando corrigi-los, respondendo com bom-humor em vez de orgulho ferido.

Mais do que um livro narrado por Murakami, é um livro, parece, escrito para Murakami. E, interpretado dessa maneira, é difícil não sentir um certo carinho pela sua honestidade desajeitada.

Como ele escreve em The Yakult Swallows Poetry Collection, essencialmente uma comparação entre o sucesso literário e a vitória no beisebol,

Claro, vencer é muito melhor do que perder. Não há o que discutir. Mas vencer ou perder não afeta o peso e o valor do tempo. É o mesmo tempo, de uma forma ou de outra. Um minuto é um minuto, uma hora é uma hora. Nós temos de curti-lo. Nós temos de nos reconciliar com o tempo e deixar para o futuro o maior número de memórias que pudermos.”

É uma “filosofagem” que disputa, em profundidade, com o mais medíocre dos animes slice of life. Ainda assim, ela é escrita de forma tão humilde, tão sincera em sua auto-piedade que desarma o mais rábido dos críticos.

Se Murakami agora mesmo batesse na minha porta, não teria o que lhe dizer além de oferecer um abraço.

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“My Broken Mariko”: por que não devemos sucumbir ao desespero http://www.finisgeekis.com/2021/01/27/my-broken-mariko-por-que-nao-devemos-sucumbir-ao-desespero/ http://www.finisgeekis.com/2021/01/27/my-broken-mariko-por-que-nao-devemos-sucumbir-ao-desespero/#respond Wed, 27 Jan 2021 18:26:27 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22559 Há um motivo pelo qual histórias de vingança raramente terminam bem.

O ódio não é um sentimento passivo. Ele é uma arma que corta dos dois lados. Ele cobra de nós cada gota de sofrimento que infligimos aos outros – frequentemente, com juros inimagináveis.

A tragédia dessas histórias não está tanto na morte que propele o herói à ação, e sim no fato de que nos deixam com uma perda ainda maior: uma vida inutilmente desperdiçada honrando uma pessoa que jamais voltará.

My Broken Mariko, mangá de Waka Hirako, é esse tipo de história.

Uma tragédia anunciada

A Mariko do título é uma mulher de 26 anos que comete suicídio. Sua melhor amiga, Shii, fica a par da morte pelo noticiário. Há apenas algumas semanas elas haviam saído juntas. Mariko parecia perfeitamente normal.

“Normal”, claro, é uma mentira que ambas combinaram em se contar. Mariko foi abusada pelo pai durante toda a infância e adolescência. Sua mãe a abandonou nos braços do marido, culpando-a pelo crime de “tê-lo seduzido”. Adulta, caiu nos braços do primeiro homem que lhe abriu um sorriso: um cafajeste que a espancava regularmente.

Shii entende que sua morte é um ‘mistério’ apenas porque ela se recusava a enxergar a verdade escancarada diante de seus olhos. Uma vida de abusos e silêncios havia transformado Mariko em uma bomba relógio que finalmente explodira. E ela, a amiga que falhara em protegê-la, em uma cúmplice da tragédia.

Dizer que My Broken Mariko é um soco no estômago não chega perto de fazer jus ao seu impacto. Com uma história enxugada aos detalhes essenciais e um traço que salienta o descompasso emocional da protagonista, ele corta mais fundo que a exuberância visual de Happy Sugar Life ou mesmo a ironia de um Inio Asano.

Hirako disse em entrevista que baseou a história em sua mãe, uma sobrevivente de abuso doméstico. “Em vez de fazer pesquisa adicional” ela disse ao ANN “eu desenhei a história enquanto revivia os sentimentos e emoções que já estavam no meu coração”.

A inspiração salta aos olhos a cada página. Mesmo seus quadros mais absurdos estremecem com o terror inapagável de quem experimentou aquilo de verdade.

Shii decide que precisa fazer algo, qualquer coisa, para vingar a injustiça sofrida pela amiga. Lembrando-se de férias que nunca chegaram a fazer em vida, ela resolve remediar o problema em morte, roubando as cinzas de Mariko e levando-a consigo para uma última viagem juntas.

O que se inicia como uma viagem de luto movida por amizade – ou, talvez, amor reprimido – logo sucumbe a um pesadelo. De sapatos perdidos a mochilas roubadas, tudo o que é possível dar errado a Shii acontece. Insone e devastada, a protagonista é rapidamente corroída pela inutilidade de seu plano.

Ela sabe que cinzas nenhuma preencherão o vazio em seu peito. Ela jamais conseguirá se perdoar se não fizer alguém pagar pela morte de Mariko.

Mas quem, afinal de contas, seria essa pessoa?

O pai, que a abusou na adolescência?

A mãe, que a abandonou nas suas garras, imputando a ela a culpa pela violência que sofria?

O namorado que a espancava – e a quem Mariko insistia em retornar, surra após surra, a despeito dos aviso de Shii?

Da própria Shii, por não ter sido capaz o suficiente,  atenta o suficiente para impedir que a pessoa que amava cometesse suicídio?

Nas suas noites mal-dormidas, Shii é assombrada por memórias de seus anos com Mariko:  momentos em que a amiga lhe deu todas as pistas de que sofria, conversas em que implorou por sua ajuda.

A culpa de ter negado tais pedidos dá lugar ao desespero de que eles eram inaceitáveis. Em uma dos flashbacks mais chocantes, Mariko ameaça se matar se Shii arranjasse um namorado.

A cena não é uma confissão de amor.  Mariko nunca demonstrou interesse em Shii, por mais que ela, entre soluços e copos de cerveja, tenha vez ou outra sugirido que aceitaria ser sua parceira.

Mas a ideia de que poderia entregar-se a um terceiro – de que poderia, enfim, curtir a felicidade de que ela fora privada – a move a ponto de cortar os pulsos em público.

Estaria Mariko realmente  pedindo socorro? Ou não seria tudo aquilo uma tentativa de puxá-la consigo ao abismo? De empurrar a Shii, a única pessoa que lhe demonstrou amor, uma culpa que ela sabia não ser sua, mas que não sabia a quem mais entregar?

Shii chega ao auge de sua dor quando contempla ela própria se matar, movida não por ódio próprio, mas por rancor à própria Mariko.

A mensagem não seria mais clara se fosse escrita com um estilete em nossa pele. A violência não é uma pessoa que possa ser derrotada , um mal que possa ser extirpado com um estalar de dedos. É algo que nos corroi aos poucos, de maneiras que sequer enxergamos, até não haver mais diferença entre a ferida inicial e as pequenas rachaduras que se seguem — e, lentamente, nos demolem.

O mundo gira, indiferente

Uma obra menor se daria por satisfeita largando-nos desamparados nesse poço de amargura, apostando na visceralidade de seu material para chocar os leitores. Hirako, porém, encara o abismo de frente e se recusa a ceder ao desespero.

E é nessa fé valente – quase insana – no melhor da natureza humana que My Broken Mariko se mostra uma obra-prima.

Surpreendentemente para um mangá sobre abuso e suicídio, My Broken Mariko é recheado de humor e ironia visual.

Fiel à etiqueta japonesa, Shii tira os sapatos antes de entrar na casa dos pais de Mariko. Ao fugir com a urna debaixo dos braços, é obrigada a correr descalça e pisa em uma barata. Na praia onde pretende espalhar as cinzas da amiga encontra a seguinte placa: “Suicídio não é crime, mas espalhar lixo é”.

Em parte, esse humor funciona para avivar o desespero que Shii enfrenta. Como na literatura de Franz Kafka, as personagens de Hirako habitam um mundo desalmado que insiste em girar à revelia de suas dores.

Mas ele mostra, também, que o mundo deve continuar a girar. Como escreveu Haruki Murakami em Norwegian Wood, outra história sobre um jovem devastado por um suicídio, “Os mortos sempre estarão mortos, mas nós temos de continuar vivendo”.

Não é possível dizer que My Broken Mariko tem um final feliz. De certa maneira, não existem finais felizes após uma tragédia como a que Shii enfrenta.

Mas Hirako nos guia a uma conclusão que, se não de todo positiva, ao menos proporciona a Shii o privilégio que ela nunca imaginou obter: uma resposta.

O que exatamente Shii aprende é um mistério que Hirako deixa propositalmente em aberto. No fundo, é também irrelevante. O milagre que a resgata do ódio próprio não vem de mensagens ou palavras, mas de sobreviver a uma grande reviravolta e então descobrir, espantada, que a vida não lhe tolheu a capacidade de aprender.

Toru, protagonista de Norwegian Wood, sofre uma epifania parecida. Talvez não haja palavras melhores que as de Murakami para ilustrar o Shii também experimenta:

 – Há pessoas que conseguem abrir seus corações e pessoas que não conseguem. Você é uma das que consegue. Ou, mais precisamente, você pode abrir se quiser.

— O que acontece quando pessoas abrem seu coração?

Com o cigarro pendurado na boca, Reiko uniu as mãos sobre a mesa. Ela estava gostando daquilo.

— Elas melhoram.

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“O Assassinato do Comendador”: até a imaginação precisa de ordem http://www.finisgeekis.com/2019/01/21/o-assassinato-do-comendador-ate-a-imaginacao-precisa-de-ordem/ http://www.finisgeekis.com/2019/01/21/o-assassinato-do-comendador-ate-a-imaginacao-precisa-de-ordem/#respond Mon, 21 Jan 2019 22:23:48 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20800 Nenhum escritor está à prova de críticas. Mesmo assim, há aqueles que cimentaram tão bem sua voz no mercado literário que conseguem perseverar ao sabor das opiniões.

Haruki Murakami, de volta à ativa em 2017 com O Assassinato do Comendador, é um desses autores. Nem o desprezo de alguns críticos japoneses nem o desdém do comitê do Nobel foram suficientes para reduzir sua popularidade – no Japão e no estrangeiro.

O escritor Haruki Murakami

Lançado no Brasil em duas partes (a segunda das quais ainda não chegou às prateleiras), O Assassinato do Comendador é uma verdadeira enciclopédia de tudo o que faz de sua ficção única – para o bem e para o mal.

O Assassinato do Comendador

Capa da edição brasileira

O romance é narrado pelo típico homem sem mulher que Murakami transformou, história após história, em sua marca registrada: melancólico, amargando a meia-idade em uma rotina doméstica, abandonado ou menosprezado pelo sexo oposto.

O protagonista (cujo nome nunca conhecemos) é um pintor de retratos em crise com a vida. Após se separar de sua mulher, ele aceita a oferta de um amigo para ocupar a antiga casa de seu pai, Tomohiko Amada, nas montanhas de Kanagawa.

Amada é um conhecido pintor de arte japonesa, cuja vida é cercada de mais mistério que suas telas de visitantes. Ao descobrir uma obra inédita escondida em seu sótão, o protagonista engatilha um dominó de coincidências, surpresas e absurdos que o levarão aos limites da própria realidade.

Parte desses mistérios chegam até ele por meio de Menshiki, um vizinho milionário obcecado pelos seus retratos – e por uma jovem adolescente que vive em uma casa ao lado.  Não é preciso muito para saber que ele não é o que parece.

“Eu não pude deixar de sentir” o narrador nos diz “lá fundo em seu sorriso, uma solidão que vem de um certo tipo de segredo”.

Na medida em que o enredo avança, esses segredos envolverão monges budistas mumificados, um perigoso mundo subterrâneo, um sino sobrenatural e uma assombração que se apresenta como O Comendador: personagem da ópera Don Giovanni de Mozart, cujo assassinato inspirou Amada a compor sua última e misteriosa tela.

Capa sueca de “O Assassinato do Comendador”

Esses elementos talvez seriam incompatíveis se não tivessem sido escritos pelo autor de 1Q84 e Crônica do Pássaro de Cordas.

Todo escritor possui um rol de imagens favoritas. Murakami parece ter um universo inteiro, e seu novo romance soa quase um trabalho antológico, trazendo todas à linha de frente.

Temos a obsessão com subterrâneos (o poço de Pássaro de Corda, o submundo de Impiedoso País das Maravilhas), as mulheres inseminadas em sonhos (a irmã de Kafka de Kafka, a Aomame de 1Q84), as entidades extramundanas (a ovelha de Caçando Carneiros, o Povo Pequeno de 1Q84),  o fascínio por música clássica (Murakami já escreveu um livro com o mastro Seiji Ozawa), as inúmeras descrições de vida doméstica.

É difícil, porém, afastar a impressão de que já vimos essas mesmas ideias – melhor articuladas – em outros lugares. Amada, pintor em cuja casa o protagonista vem a morar, participou de um atentado contra um oficial nazista nos anos 1930. Os esqueletos em seu armário vêm à tona ao longo do romance, mas parecem uma cópia tímida da história de Tenente Mamiya, o misterioso veterano de guerra de Crônica do Pássaro de Corda.

Exemplo de seu realismo fantástico, o Comendador é o ponto alto do livro, mas não tão alto quanto Johnny Walker ou Coronel Sanders de Kafta à Beira Mar. Entre as entidades extramundanas, o motorista de um Subaru Forrester e uma versão sinistra de Menshiki repetem o papel do cobrador da NHK, pai do protagonista Tengo em 1Q84.

Isso não significa que o romance não agregue ao cânone murakamiano. Uma troca específica, entre o protagonista e uma aparição que se apresenta como uma “metáfora”, é um dos diálogos mais deliciosos que já pude encontrar em sua obra:

“- Então o que raios você é? Outro tipo de Ideia?

– Deus me livre! Eu sou uma Metáfora, nada mais.

– Uma Metáfora?

– Sim. Uma simples Metáfora. Usada para ligar duas coisas juntas. Então por favor, desfaça minhas amarras, por favor, eu imploro.

Eu estava ficando confuso.

– Se você é quem você diz que é, me dê uma metáfora agora, de cabeça.

– Eu sou a forma mais baixa e humilde de Metáfora, senhor. Eu não consigo conceber nada de qualidade.

– Uma metáfora de qualquer tipo está bem. Ela não precisa ser brilhante.

– Ele era alguém que chamava a atenção – ele disse após uma pausa momentânea – como um homem vestindo um chapéu de cone laranja em um vagão de trem.

Não era uma metáfora impressionante, de fato. Na verdade, não era sequer uma metáfora.

– Isso é uma comparação, não uma metáfora.”

 

Murakami escreve com uma prosa simples que nunca falha em nos morder quando necessário.

Nos seus melhores trabalhos, ela resulta em agulhadas memoráveis (“Quem na Terra deseja a coisa certa afinal de contas? Mas que sentido poderia existir se nada fosse certo?”), pérolas de imaginação (“Existem sonhos simbólicos – sonhos que simbolizam alguma realidade. E também existem realidades simbólicas – realidades que simbolizam um sonho”) e descrições de uma melancolia visceral (“Seu choro foi o mais triste som de orgasmo que eu já tinha escutado”).

O Assassinato do Comendador também possui seus momentos inspirados.  O portão de Menshiki, o narrador nos conta, era digno de um filme do Kurosawa, “do tipo que cairia bem com algumas flechas crivadas”. “Não que alguém se importe” diz o Comendador sobre a origem de sua forma física. “[O] Comendador não é uma marca registrada. Se eu tivesse aparecido como o Mickey Mouse ou a Pocahontas a Walt Disney Company teria o maior prazer em me processar”.

Não obstante, boa parte de suas 700 páginas são perdidas em divagações pseudo-profundas. “Se isso foi um sonho, então o mundo em que eu estou vivendo deve ele próprio ser um sonho”; “Esse era o momento que eu mais gostava. O momento quando existência e não-existência coalesciam”; “Nenhum de nós está acabado. Cada um de nós é uma obra em andamento”; “Nesse nosso mundo real, afinal de contas, nada permanece o mesmo para sempre”.

Não há nada de muito errado nessas reflexões. Mas, também, nada de muito certo, sobretudo porque são meros slogans de ideias já desenvolvidas em seus outros livros.

A indicação de seu livro para o Bad Sex Award – premiação literária que celebra a pior descrição de coito do ano – foi um exagero dos críticos. Ainda assim, Murakami deveria ter se lembrado da lição de Oshima, sua própria personagem em Kafka à Beira Mar: “Os artistas são aqueles que conseguem escapar da verborragia.”:

“Minha ejaculação foi violenta e repetida. De novo e de novo o sêmen escapava de mim, transbordando sua vagina, tornando os lençóis grudentos. Não havia nada que eu pudesse fazer para fazê-lo parar. Se eu continuasse, eu pensava, eu me secaria por completo. Yuzu dormiu profundamente durante todo o ato sem produzir um único ruido, sua respiração regular. Seu sexo, porém, havia contraído ao redor do meu e não me deixava sair. Como se tivesse ele próprio uma vontade inabalável e estivesse determinado a arrancar cada última gota do meu corpo. “

É difícil culpar o autor quando o livro – defeitos e tudo – é tão autenticamente seu.

Murakami, afinal, é o autor que diz que livros são metáforas, e que metáforas são coisas que não podemos explicar, apenas aceitar. Que seu trabalho como escritor é “registrar o que aparece”, não o analisar, pois isso é trabalho para pessoas inteligentes, e escritores não precisam ser inteligentes.

Há uma poesia única nessa insanidade criativa. E é provável que, sem ela, Murakami não seria Murakami.

Livros de Murakami em sua edição brasileira, pelo selo Alfaguara

O autor ganhou espaço na literatura mundial por sua capacidade de traduzir sonhos em palavras. Poucos escritores, antigos ou modernos, chegam perto da sensação de que as experiências que lemos em suas páginas poderiam ter vindo de nossa própria mente – e não saberíamos apontar a diferença.

Sonhos, de fato, são confusos, inacabados e pessoais. Em forma, não só em conteúdo, O Assassino do Comendador nos faz sentir que estamos em sono REM – acessando, como Murakami diz, nosso próprio subconsciente.

Mesmo assim, seus outros trabalhos conseguiram conciliar esse estilo freestyle com um sentimento de conclusão que falta a sua nova obra. Quando Hoshino e Nakata desviram a Pedra da Entrada em Kafka à Beira Mar– ou Aomame e Tengo voltam a 1984 em 1Q84 – temos algo maior que a conclusão de uma trama.

É lema conhecido na literatura que a realidade não corresponde à melhor ficção. De onde as obras decepcionantes de escritores iniciantes que sabem apenas falar de si próprios.

Talvez, no fundo, isso também valha para os sonhos. Mesmo a mais selvagem imaginação precisa de uma pitada de ordem.

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“O Infinito no Meio”: algo fundamental escapa pelos dedos http://www.finisgeekis.com/2017/09/04/o-infinito-no-meio-algo-fundamental-escapa-pelos-dedos/ http://www.finisgeekis.com/2017/09/04/o-infinito-no-meio-algo-fundamental-escapa-pelos-dedos/#respond Mon, 04 Sep 2017 21:57:20 +0000 http://finisgeekis.com/?p=18162 Prisão epifânica é um tipo de cárcere em que não sabemos que estamos presos. É só quando tentamos fugir que descobrimos que nossa vida, na verdade, é uma cela.

É a Caverna de Platão, a Matrix, a Seahaven Island de O Show de Truman, o Museu do Silêncio de Yoko Ogawa, o Fim do Mundo de Haruki Murakami.

Não parece, à primeira vista, ser o caso do “Infinito no Meio”, cenário do livro homônimo de Priscilla Matsumoto. Que o romance consiga subverter esta expectativa é um de seus aspectos mais satisfatórios.

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O Infinito no Meio é a história de Cecília, uma mulher que vive “fora do tempo”. Há trinta anos, ela habita um apartamento do qual não pode sair.

Lá, os ponteiros do relógio não se mexem. Cecília não envelheceu um único dia. Machucados nunca saram. Feridas abertas continuam abertas.

Na sua prisão curiosa, espécie de limbo do mundo real, a garota é visitada por criaturas misteriosas e aparições daqueles que conheceu. No entanto, quando alguém de carne e osso finalmente bate à porta, tudo o que ela acha que sabe ameaça cair por terra.

O “Infinito no Meio” é uma prisão óbvia, e talvez na sua simplicidade esteja sua mais força. Em um estilo eclético, misturando conversas com seres fictícios a descrições viscerais de sofrimento, Matsumoto nos convida a uma história de que não sabemos, a princípio, o que esperar.

O romance é publicado pela Editora Draco, que fez um nome no mercado na seara da literatura de gênero – fantasia, sci fi, mistério, chick-lit. Não pense, porém, que o livro é facilmente reduzível a qualquer uma destas categorias. Não mais, pelo menos, que O Outro Pé da Sereia pode ser descrito como “fantasia”, ou Não me Abandone Jamais como “ficção científica”. Priscilla mira mais alto.

Sua protagonista ama o filme Persona (1966), e sua trama de fato segue as linhas da película de Bergman. As duas histórias dizem respeito a mulheres fechadas ao mundo e aos esforços (nem sempre benquistos) para trazê-las de volta.

Logo de início fica evidente que seu texto opera num nível metafórico. O livro é uma alegoria sobre o trauma – e seus efeitos nas vidas de quem toca.

Cecília foi “partida” em várias após um incidente terrível e fica fadada a revivê-lo eternamente. Qualquer semelhança com Mawaru Penguindrum, anime com que compartilha sensibilidades políticas, não é mera coincidência.

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Tal como Ikuhara em Penguindrum, Matsumoto cita Haruki Murakami como referência, e é evidente em suas páginas os empréstimos do escritor japonês.

Em uma de suas cenas mais inspiradas, Nathan, o garoto que bate à porta de Cecília, lhe traz um laptop para conectá-la ao mundo. Enquanto assistem a um seriado sobre vampiros, um sanguessuga habitué do Infinito no Meio surge para dar pitacos sobre sua “verossimilhança”.

É o tipo de casualidade pós-moderna que esperamos de uma Kafka à Beira Mar, em que Johnnie Walker e Coronel Sanders dividem espaço com desertores fantasmagóricos de uma carga banzai.

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Assim, é uma pena que a prosa de Matsumoto não esteja à altura de seu argumento.

Sua escrita é afetada por aliterações (“seu perfume perdurou junto a meus poros”), repetições (“o silêncio enlutado… o silêncio presta luto”) e lugares comuns (“minha ferida jorra sangue”).

Na sanha de se expressar como uma “alma envelhecida”, o linguajar de sua narradora cai no vale de estranheza: não exatamente naturalista, nem rebuscado o suficiente para convencer pelo contraste.

Em nenhum instante isto é mais evidente que em seus quadros surrealistas, nos quais o sutil perde espaço ao trivial:

Então ele me explicou o que era um dokkaebi. Tratava-se de uma espécie de demônio advindo do folclore coreano, um espírito que não era maligno nem benigno, mas que andava por aí pregando peças nas pessoas. Algo entre o saci-pererê e o deus Loki da mitologia nórdica. O dokkaebi, porém, provinha de um objeto inanimado que ganhara vida.

Nunca vi um dokkaebi. Mesmo assim, tenho dificuldade em imaginar que um espírito arteiro se descreva com a formalidade de um verbete da Wikipedia.

Não existe fórmula para lidar com o sobrenatural, mas há circunstâncias onde menos é mais.

A ovelha estrelada de Caçando Carneiros e os INKlings de O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo, para citar dois exemplos, não têm razão de existir. São entidades acima da lógica, que habitam a zona cinza do nonsense própria a toda experiência humana.

O Infinito no Meio é uma narrativa seca e intimista. Sobrecarregado com tanta bagagem, o feitiço se rompe. E suas criaturas, tão interessantes, se reduzem a gimmicks retóricos.

A brutalidade do texto ajuda pouco. E é justamente quando o romance expõe seus segredos mais chocantes que sua mensagem titubeia.

Não foi por acaso que Roberto Benigni escolheu a comédia para falar sobre o Holocausto. Nem que Murakami optou por quebrar a exasperação de Norwegian Wood com as travessuras da irreverente Midori.

O humor, o nonsense, o patético e o satírico são ferramentas que inventamos para contextualizar nossa dor. A vida, tal como a música, é melhor servida com dinâmica.

O Infinito no Meio, pelo contrário, é quase inteiramente monotônico. Quando finalmente mostra suas cartas e entendemos a real tragédia que nos é contada, já estamos amortecidos pelo seu pathos.

Tudo isso é coerente com o propósito da obra. Mas é uma pena que o conceito se articule às custas da complexidade moral.

Cecília cruza com várias personagens, algumas humanas e outras nem tanto, mas não há aqui Settembrinis ou Naphtas. Cada novo encontro parece apenas reafirmar seu desejo de ver aqueles que a feriram sangrar.

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Mas seria o “sangue”, de fato, a chave da prisão? É o que perguntaria o jovem Bergman, mas o mero ato de perguntar já traz uma nuance que a trama pretere em função de respostas fáceis: o “mundo podre”, a “decadência humana”, os homens nocivos por natureza. Ao ceder a estas generalizações, algo fundamental escapa pelos dedos.

Como disse o próprio Murakami a respeito de outro grande trauma:

Talvez seja um risco ocupacional da profissão de romancista, mas eu sou menos interessado no “quadro geral” tal como ele é do que na humanidade concreta e irreduzível de cada indivíduo.

A mídia japonesa nos bombardeou com tantos perfis aprofundados dos criminosos da seita Aum – os “atacantes” – formando uma narrativa tão esbelta e sedutora que o cidadão médio – a “vítima” – se tornou quase um afterthought. O “espectador A” era vislumbrado só de passagem. Muito raramente uma narrativa “menor” era apresentada de uma forma que recebesse atenção. As poucas histórias que surgiram foram contextualizadas em glosas formulaicas. Nossa mídia provavelmente queria criar uma imagem coletiva do “sofredor japonês inocente”, o que é muito mais fácil de se fazer quando você não tem de lidar com rostos reais. (…)

É por causa disso que eu queria, se possível, me afastar de qualquer fórmula; reconhecer que cada pessoa no metrô naquela manhã tinha um rosto, uma vida, uma família, esperanças e medos, contradições e dilemas – e que todos estes fatores tiveram um lugar no drama.

Mesmo assim – ou, talvez, por causa disso – o romance envereda para uma conclusão sofisticada.

O fim de O Infinito no Meio convence, se nada mais, pela distração. Tal como num truque de mágica, o romance revela as cartas no primeiro ato para mostrar, no final, que o truque estava lá desde o começo.

Pode uma história se apoiar na força de um twist? O finado Roger Ebert diria que não. De minha parte, não posso negar que a trama, mesmo em seus trechos mais insípidos, me inspirou  fascínio.

Cada vez que pousava o livro minha mente permanecia com suas personagens torturadas. Ao retomá-lo, tinha medo do que iria encontrar.

Às vezes, apenas isso é necessário.

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4 livros para quem curte “Kuzu no Honkai” http://www.finisgeekis.com/2017/03/06/4-livros-para-quem-curte-kuzu-no-honkai/ http://www.finisgeekis.com/2017/03/06/4-livros-para-quem-curte-kuzu-no-honkai/#comments Mon, 06 Mar 2017 20:27:09 +0000 http://finisgeekis.com/?p=15661 Grande sucesso da temporada, Kuzu no Honkai tem colecionado elogios por nos apresentar uma história que não vemos todos os dias: um antirromance.

Enquanto que muitos autores nos trazem amores açucarados e previsíveis, o anime se destacou por trazer personagens imperfeitas, em relações que trazem mais dor que felicidade. Um balde de água fria em um gênero marcado pela idealização.

Antirromances podem ser raros no mundo da anime. Porém, como todos que passaram por uma grande decepção sabem muito bem, amores tóxicos e angustiantes existem desde que o mundo é mundo.

Não é de se esperar, portanto, que já tenham inspirado incontáveis histórias.

Se você ficou fascinado pela mescla de desejo, sonhos despedaçados e amadurecimento  de Kuzu no Honkai e está atrás de obras parecidas, abaixo vão quatro livros que retratam o amor jovem como ele muitas vezes é: triste, enlouquecedor e sexual.

Norwegian Wood – Haruki Murakami

 Norwegian-Wood.jpg– Há pessoas que conseguem abrir seus corações e pessoas que não conseguem. Você é um dos que conseguem. Ou, mais precisamente, você conseguiria se você quisesse.

–  O que acontece quando as pessoas abrem seus corações?

Cigarro pendurado entre os lábios, Reiko juntou as mãos sobre a mesa. Ela estava curtindo aquilo.

– Elas saram.

No Ocidente, Haruki Murakami é conhecido pelos seus livros surrealistas. No Japão, foi esse o romance que o lançou de vez ao estrelato.

Norwegian Wood é a história de jovens recém-saídos da adolescência. Ou, melhor dizendo, chutados escada abaixo ao mundo adulto.

Toru Watanabe e o casal Naoko e Kizuki eram melhores amigos no colégio, até Kizuki misteriosamente cometer suicídio. Prestes a entrar na faculdade e descobrir as alegrias da vida, Toru e Naoko desenvolvem uma relação de confidência, culpa e desejo reprimido.

Dividido entre os traumas do passado e a euforia da vida universitária, Toru se flagra em um triângulo amoroso entre Naoko e a excêntrica Midori, uma garota extrovertida que ameaça  virar sua vida de ponta cabeça.

Haruki Murakami é um dos melhores escritores do Japão, e Norwegian Wood deixa isso bem claro. Transbordando de sinceridade, o romance aborda o drama de jovens que não sabem se amam, não sabem se querem amar, mas precisam de algum afeto nesse mundo louco em que vivemos.

Há Nagasawa, o bon vivant que se gaba de ter dormido com mais de 70 garotas. Há Naoko, que como Hanabi de Kuzu no Honkai sente que o corpo não está em sintonia com sua libido. E há Toru, que como tantos outros homens, fica dividido em criar sua felicidade e “salvar” uma garota perdida.

Norwegian Wood é uma leitura triste, mas de uma tristeza que nos faz sorrir e apreciar melhor a vida. Direto, acessível e pé-no-chão, é um dos melhores romances contemporâneos sobre amadurecimento e despertar sexual.

Uma Outra Educação – Lynn Barberuma outra educação

Mas houve outras lições que Simon me ensinou que eu me arrependo de ter aprendido. Eu aprendi a não confiar nos outros; aprendi a não acreditar no que eles dizem, mas em observar o que eles fazem; aprendi a suspeitar que qualquer pessoa, toda pessoa, é capaz de “viver uma mentira”. Eu passei a acreditar que as outras pessoas – mesmo quando você acha que as conhece bem – são, em última medida, desconhecíveis.

Ao contrário dos outros livros da lista, Uma Outra Educação não é um romance, mas um livro de memórias. Na verdade, um capítulo de um livro de memórias.

Não deixe isso desanimá-lo. A história da adolescência de Lynn Barber é tão inusitada que parece uma obra de ficção.

Lynn é uma adolescente filha de pais caxias, que estudava em um colégio tradicional e sonhava em entrar em Oxford. Sua vida maçante toma uma curva vertiginosa quando conhece Simon, um  adulto charmoso que a introduz ao sexo e à vida boêmia.

Lynn é apresentada a um mundo com o qual até então nunca sonhara: filmes estrangeiros e concertos, restaurantes chiques e fins de semana em Paris. Nem mesmo a carolice de seus pais resistiu ao charme do namorado. Simon era de uma simpatia hipnotizante, e arrebatou sua família com a mesma facilidade com que tomou seu coração.

Tão simpático era, na verdade, que demorou para que Lynn percebesse que alguma coisa estava errada.

Quanto mais o conhecia, menos sua façada de bom-mocismo fazia sentido.  A garota descobriu que ele era um vigarista profissional, vivendo de golpes e desencontros com a lei.

Até que ponto podia confiar em tal sujeito? Seria seu namoro, também, um faz-de-conta elaborado?

Uma Outra Educação é o cenário distópico do que aconteceria a Mugi e Hanabi se seguissem às últimas consequências suas paixonices pelos professores.

Lynn Barber, no entanto, conta sua história com tanto bom humor e leveza que transforma sua tragédia pessoal em uma comédia de erros.

Perspectiva é tudo. Se histórias de formação geralmente são contadas pelos olhos de adolescentes – ou, pelo menos, de adultos saudosos da adolescência – Barber é uma jornalista sexagenária, que trabalhou para a revista masculina Penthouse.

Com maturidade de sobra e papas na língua de menos, ela nos mostra que o mundo é cheio de manipuladores, mas que mesmo o pior dos ardis é, em si próprio, uma educação.

Aos interessados, o livro foi adaptado a um excelente filme em 2009, com o roteiro escrito por ninguém menos que Nick Hornby, de Alta Fidelidade e Um Grande Garoto.

Amor sem Fim – Scott Spencer

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Tudo o que poderíamos ter dito é que você e Jade ainda não estavam prontos, de certa forma, para os prazeres da carne. Mas como nós poderíamos dizer isto quando estávamos praticamente loucos de inveja de seu amor um pelo outro? Vocês eram todos as nossas fantasias românticas subitamente encarnadas; negar vocês teria sido como negar a nós mesmos.

Amor sem Fim começa pegando fogo. Literalmente.

Proibido de ver sua namorada, o adolescente David resolve atear fogo em sua casa. Seu plano? Fingir que estava apenas de passagem, salvar sua família das chamas e readquirir o direito de vê-la.

Sua artimanha cai por terra tão cedo é colocada em prática. David é enviado a um hospital psiquiátrico, onde permanece por vários anos.

Quando é liberado, tenta reencontrar o amor de sua vida. Mal sabe ele que da sua paixão só virão mais tragédias – para ele e para aqueles ao seu redor.

Amor sem Fim é para os romances o que Oyasumi Punpun é para os mangás. Trata-se da história de um jovem que vê seu amor de juventude degringolar em uma espiral de perdas, morte e auto-destruição.

Como na obra-prima de Inio Asano, o sexo é apresentado de forma gráfica e chocante. Que Scott Spencer tenha conseguido juntar tudo isso em uma história tão bela é prova de sua habilidade como escritor.

Ao contrário do que sugere o título, o romance não é uma história sobre amor, e sim obsessão. Obsessão, porém, de um protagonista tão crente em seu próprio delírio que acaba por nos arrancar simpatia.

Grande parte dos “antirromances” nos trazem personagens que não se amam de verdade. Kuzu no Honkai não é uma exceção. Amor sem Fim, no entanto, nos mostra o que acontece quando se ama em excesso.

Há um quê de atraente na devoção de David, e é isto que faz da sua história apavorante. No fundo, no fundo, todos já desejamos matar ou morrer por paixão.

Bestseller na época em que foi lançado, o livro de Scott Spencer foi criminosamente esquecido com o passar dos anos. Duas adaptações horríveis ao cinema mancharam sua reputação com o grande público.  No Brasil, sua edição está há muito esgotada.

Felizmente, em tempos de Kindle e Estante Virtual, o erro pode ser finalmente remediado.

A Instrução dos Amantes – Inês PedrosaA Instrução dos Amantes.jpg

Dinis era triste como os outros são bonitos ou feios. Antes fosse mau, porque a maldade é uma deliberação da vontade, uma reacção à ferida própria dos grandes amantes. A tristeza, quando se apresenta assim de raiz, provoca danos irreparáveis. Porque a tristeza tem um único antídoto de sobrevivência, que é a crueldade.

A Instrução dos Amantes nos mostra um “erro” logo de início. Cláudia apaixona-se por Dinis no funeral da amiga Mariana, que todos pensam ter se suicidado.

Romance de estreia da portuguesa Inês Pedrosa, o livro acompanha um grupo de adolescentes perdidos, encontrados e ludibriados pelo primeiro amor.

Ricardo é o líder cobiçado de um grupo de bad boys (e bad girls). Cláudia é sua namorada, mas não o ama. Dinis, por quem perde a cabeça, é um intelectual blasé que aceita seu corpo, mas desdenha seu amor. Teresa, perdida nos confins da friendzone, ajuda os outros a desencalharem enquanto sonha com seu príncipe encantado.

Se Norwegian Wood e Amor sem Fim trazem à toca as mazelas de Mugi, Hanabi e Akane, A Instrução dos Amantes é sem dúvida o livro de Moca.

Mais inocentes (e um tiquinho mais novos) que os jovens de Murakami e Spencer, as personagens de Pedrosa sofrem a descoberta de que pensar sobre o amor e vivê-lo são duas coisas bem diferentes. Nem sempre conciliáveis.

Como Lynn Barber, Pedrosa encara o amadurecimento como um aprendizado. Mais do que a autora inglesa, no entanto, ela nos mostra como esse processo deixa marcas.

Nas palavras de um crítico português, sua instrução é uma ferida que deixa cicatrizes. Crescer implica em levar tombos e ver nossos sonhos rolarem pelo asfalto. Saímos da experiência mais forte, mas um pouco ralados.

Inês Pedrosa é uma escritora bem portuguesa, e seu livro está recheado de gírias do Velho Continente. Se palavras como “rapariga”, “rezingona” e “goínha” não atrapalharem sua suspensão de descrença, A Instrução dos Amantes não falha em ser uma leitura surpreendentemente agradável.


Embora falem de assuntos parecidos, esses quatro livros possuem muito pouco em comum. Seus autores nasceram e viveram em países diferentes. Como artistas, suas prioridades não poderiam ser mais distantes.

Montando essa lista, no entanto, não pude deixar de perceber uma coisa: as quatro histórias se passam nos anos 1960 e 1970. Justamente a época da Revolução Sexual

A historiadora Mary del Priore, que citei em outro artigo, parece ter razão. A liberdade amorosa trouxe consequências para nossos relacionamentos que nos perseguem até hoje. Nem sempre, esses romances nos mostram, da forma como imaginamos.

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“O Museu do Silêncio”: as memórias (e a literatura) são universais http://www.finisgeekis.com/2017/02/20/o-museu-do-silencio-as-memorias-e-a-literatura-sao-universais/ http://www.finisgeekis.com/2017/02/20/o-museu-do-silencio-as-memorias-e-a-literatura-sao-universais/#comments Mon, 20 Feb 2017 20:32:43 +0000 http://finisgeekis.com/?p=15258 Muitos anos atrás, um primo italiano, restaurador, deu para minha mãe um vaso que encontrou em um sítio arqueológico. Ele o escavara em Cariati, uma pequenina cidade do sul da Itália de onde veio a minha família.

Estava em pedaços e parecia ser muito antigo. Grego? Romano? Etrusco? Ninguém sabia ao certo, mas não importava. Minha família sempre o tratou como um tesouro sem igual.

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Não toda a minha família, é verdade. Minha vó, nascida e criada em Cariati, nunca entendeu para que tanto drama por causa de um simples vaso quebrado.

Eu, que sempre sonhei em ser arqueólogo, achava aquilo um disparate. Como ela não conseguia ver o valor de artefato tão antigo? Séculos (se não milênios!) atrás alguém criara, comprara e usara aquele vaso.

Como ela não podia se emocionar em ver que um item tão básico quanto um pote de barro podia unir duas pessoas separadas por eras históricas inteiras?

O tempo passou; meu entusiasmo, não. Eventualmente,  eu próprio virei um historiador e conheci minha cota de documentos e sítios históricos. Para minha surpresa, foi finalmente ao conversar com arqueólogos que descobri que minha vó estava certa.

Cerâmica (eles me contaram) era a garrafa PET do mundo antigo. Sim, elas são relíquias, mas estão longe de ser os pergaminhos do Mar Morto.

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Milhões de vasos maiores, mais bonitos e mais intactos que o meu já haviam sido encontrados em toda a Europa. Certos museus possuíam caixas inteiras de potes parecidos, guardadas em depósitos porque ninguém queria vê-los. Muitos foram destruídos, seja por descuido, seja para arrumar espaço para artefatos mais valiosos:

O momento mais difícil para quem trabalha em um museu é quando uma coleção é descartada.

Se por acaso algum visitante assíduo assistisse a esse descarte, provavelmente o seu afeto pelo museu desapareceria num átimo. Por isso, é necessária uma discussão séria para que seja determinado o descarte, e que sejam escolhidas somente as peças para as quais realmente não há alternativa.

Mas que tipo de consolo é esse?  Nada altera o fato de que um fragmento a muito custo coletado irá desaparecer.

Sim, que tipo de consolo é esse? E não, esse não é um dos depoimentos de meus colegas arqueólogos.

É um trecho de O Museu do Silêncio de Yoko Ogawa, um livro que traduziu tão bem meus pensamentos que imaginei, por um instante, que estava eu próprio nos pés do protagonista.

Memento Mori

Escrito em 2000 e publicado pela Estação Liberdade ano passado, o livro nos apresenta a uma das escritoras mais peculiares (e premiadas) do Japão contemporâneo.

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A escritora Yoko Ogawa

O Museu do Silêncio fala de paixões que o meu eu de criança, fascinado pelo vaso da minha família, com certeza entenderia.

A trama acompanha um museólogo contratado para organizar um museu em uma pequena cidade interiorana. Não qualquer museu, contudo: um museu para recordar os mortos.

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Não, não esses mortos. Pelo menos, não só eles. “O Museu do Silêncio”, como é chamado, deve celebrar todos os que morreram na cidade – e os que ainda estão para morrer.

O projeto é de uma excêntrica matriarca que coleciona lembranças das pessoas que falecem. Não precisam ser objetos de valor, apenas símbolos daquilo que foram. Algo para os lembrar depois de nos deixarem para trás.

Auxiliado pela filha de sua chefe e por um jardineiro obcecado por facas, o museólogo percebe que tem uma dupla tarefa. Não só precisa construir um museu impossível mas deve, ele próprio, adquirir os objetos dos “novos falecidos”.

Temperando realismo fantástico com uma pitada de melancolia, o romance de Ogawa é uma leitura leve, a despeito de seu tema mórbido. Os dramas do protagonista invadindo casas e prontos-socorros para obter itens para o acervo têm um quê de picaresco.

Como o título já entrega, no entanto, o livro fala sobre museus, e não há falta de trívias museológicas para quem sempre quis conhecer os bastidores de suas coleções. Dos sistemas de catálogo às técnicas de preservação, você dificilmente verá exposições da mesma forma.

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Depósito do Museu Smithsonian de História Natural, em Washington

No entanto, não é preciso muito para perceber que sua fábula tem uma dimensão mais profunda. Recheado de simbolismo, O Museu do Silêncio é uma parábola sobre a inevitabilidade do tempo – e da universalidade da perda.

Na sua missão inusitada de se recordar de todos, a velha e seu discípulo museólogo lembram que nossos anos na terra estão fadados ao esquecimento. “Todos querem decompor o mundo. Nada é imutável.” Não apenas nossos corpos, mas também nossas memórias, pensamentos, identidade.

E que nossa tentativa de preservar o que podemos é uma forma de nos ampararmos diante desse saber desconfortável. Mesmo que o “passado” que consigamos de fato salvar seja algo minúsculo – como um vaso quebrado em uma cidadezinha italiana.

Como diz o museólogo de Ogawa:

Nós nos aproximávamos uns dos outros como pequenas estrelas que, separadas de seus pares, foram empurradas até o limite do céu. Eu não fazia ideia do que poderia haver para além da escuridão, mas nem por isso estava apreensivo. Todos tínhamos a mesma paixão pelos objetos herdados dos mortos e isso criava um vínculo inabalável entre nós. Eu sabia que, enquanto estivéssemos buscando esses objetos, enquanto tivéssemos carinho por eles, nenhum de nós escorregaria para além das margens nem seria engolido pelas trevas.

Uma mensagem universal?

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Vila de Haibane Renmei, inspirada em O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo

O Museu do Silêncio já foi comparado a Haruki Murakami e, de fato, tem muito em comum com o expoente do pós-modernismo japonês.

Suas personagens não têm nome próprio. A própria cidade é descrita de uma forma vaga, em um lugar e época indefinidos.

Alguns de seus detalhes mais peculiares, como bisões misteriosos que morrem no inverno, uma dupla de detetives sinistros e um guardião apaixonado por lâminas parecem tirados direto de seu provocativo e surrealista O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo.

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Curiosamente, é uma literatura bem diferente do que imaginamos quando pensamos em “Japão”. Aqui, não há gueixas ou samurais, shinkansen ou hikikomori. A vila de O Museu do Silêncio poderia existir em qualquer lugar, da Grande São Paulo à Calábria onde nasceu minha família.

Sua mensagem, também, não é particularmente nipônica. Izanami, a deusa xintoísta da morte, não é a única a ludibriar mortais para seu reino. Ao preservar o passado de pessoas comuns, o museólogo de Ogawa faz o mesmo que os espíritos do Inferno de Dante, agarrando-se ao autor e implorando: “lembre-se de mim”.

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 Como disse Rita Kohl, tradutora da edição brasileira;

Essas escolhas da autora me atraíram não apenas pela riqueza da atmosfera que criam, mas também porque sei que as traduções de literatura japonesa ainda são vistas, muitas vezes, como representantes do Japão, e acho interessante desafiar essa postura e as ideias preconcebidas que elas podem trazer. É claro que esse papel da literatura traduzida, de ponte entre duas culturas, é importante. Mas, conforme aumenta o número de obras e autores disponíveis em português, acho fundamental vermos cada autor não apenas dentro do contexto japonês, mas também na sua individualidade e na sua relação com a literatura como um todo. Nesse sentido, gostei de traduzir uma obra que não é explicitamente conectada com o Japão, na qual as influências dessa cultura estão presentes de forma mais sutil.

Confesso que, ao ler seu testemunho, alguma coisa ressoou dentro de mim.

Anos atrás, ainda na faculdade, lembro-me de ter lido um autor que dizia que os poemas de João Cabral de Melo Neto sobre a cidade de Sevilha não eram importantes. Sim, eram bons poemas, mas “poderiam ter sido escritos por qualquer um”. Não eram “brasileiros o suficiente”.

Aquilo me tirou do sério. Não porque eu gostasse particularmente daqueles poemas, mas por presumir que o autor era apenas um porta-bandeira de seu país. A ideia de que um profissional tão criativo quanto um escritor precisava se bitolar com ladainhas nativistas nunca me fez – e continua não me fazendo – sentido.

Construímos quem somos com base em nossas experiências. Se as peças vem de um mesmo país ou estão espalhadas pelos cantos, não faz diferença: o edifício final é sempre único. O indivíduo, bem disse uma escritora emigrada, é a menor das minorias.

Nisso também Ogawa tem muito em comum com Murakami. Embora seja adorado no Ocidente, críticos e escritores de seu país torcem o rosto para seus livros. Para eles, também, o autor de O Impiedoso País das Maravilhas não é “japonês o suficiente”.

Que um livro como O Museu do Silêncio tenha chegado ao Brasil é prova de que já sobrevivemos a uma visão mais globalizada de “cultura japonesa”. E um recado para que todos nós, ao montarmos nossos próprios museus para nossos próprios silêncios, tenhamos apreço pelas cerâmicas rachadas que a vida nos deixa pelo caminho.

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“Cultura otaku” é cultura japonesa? http://www.finisgeekis.com/2015/08/10/cultura-otaku-e-cultura-japonesa/ http://www.finisgeekis.com/2015/08/10/cultura-otaku-e-cultura-japonesa/#comments Mon, 10 Aug 2015 18:42:28 +0000 http://finisgeekis.com/?p=540 Para nós, do outro lado do mundo, essa pergunta soa estranha. O Guia da Cultura Japonesa carrega uma seção inteira sobre o assunto (algo de se esperar, já que é publicado pela JBC). No bairro da Liberdade em São Paulo mangás e merchandise otaku dividem espaço com kimonos, mistura para missô e cogumelos shiitake. Mesmo os mais ávidos “militantes” anti-anime reconhecem seu carimbo nipônico: anos atrás, um deputado americano declarou que a mídia é a prova de que duas bombas não haviam sido suficientes.

O leitor pode ficar surpreso ao saber que na terra do sol nascente essa opinião tem seus contrários. Políticos como Shintaro Ishihara, ex-prefeito de Tóquio, aproveitam cada oportunidade para atacar a influência da cultura otaku na “saúde dos jovens”, a ponto de terem trocado farpas com gigantes da indústria com um projeto de lei de controle da mídia anos atrás. Ishihara não é um único: para vários japoneses, mangá e anime não são cultura japonesa “de verdade”. Para eles, não passariam de perversões ocidentais que retratam – quando não zombam – de símbolos nipônicos legítimos. O “verdadeiro Japão” não usa palavras em inglês em seu vocabulário, nem baba com garotas estilizadas de pouca roupa e heróis de topetes coloridos. Estes são costumes ocidentais – em especial, americanos – que japoneses abraçaram por vergonha, ignorância ou degeneração.

Por mais histéricos que esses críticos soem, eles não estão 100% errados. Há algo de não-japonês na cultura otaku, que abala a própria ideia de uma “cultura japonesa”. Porém, como em todas as coisas, a verdade é sempre mais complicada.

Quando os japoneses foram proibidos de ser japoneses

Hiroki Azuma, um autor que já citei aqui algumas vezes, tem uma explicação. Além de crítico especialista em cultura otaku, ele é o escritor da história que inspirou o belo anime Fractale e é parceiro de Takashi Murakami no movimento Superflat. Para aqueles que não são familiares com o mundo da arte, Murakami é um pintor que incorpora influências da animação japonesa e da cultura pop em seus trabalhos. Dá para perceber, portanto, que para ele a questão é pessoal.

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Gero tan, de Takashi Murakami

Segundo Azuma, tudo começa – como as coisas, no Japão contemporâneo, geralmente começam – com a Segunda Guerra Mundial.  Entre 1945 e 1952, o Japão esteve ocupado pelas forças armadas dos Estados Unidos. Se por um lado os americanos acabaram com a terrível censura do regime de Hirohito, por outro colocaram, eles mesmos, suas proibições. Obras “indecentes” ou que fizessem apologia ao militarismo eram proibidas de circular. Na prática, isto significou que uma boa parte da cultura que os japoneses tinham de mais cara fosse banida ou controlada, dos filmes de samurai ao próprio shintoísmo, a religião oficial do país. De um dia para outro, um povo que se via no dever de se orgulhar da própria cultura teve de aprender a esquecê-la. Não é um trauma fácil de se resolver. Para a sorte dos japoneses, eles tiveram uma ajudinha do estrangeiro.

Nos anos 1970 e 1980, um novo jeito de encarar a arte e o mundo chegou ao Japão. Esta filosofia, criada na França para pensar na loucura e histeria das novas mídias que surgiam, se baseava em uma ideia simples.

Um dia, no passado, a realidade era apenas o que havia à nossa volta. Obras de arte, escritos e entretenimento eram um tempero a mais, um toque de criatividade que curtíamos de quando em quando e que sabíamos separar do mundo que nos cercava.

Alguns séculos depois, a situação era outra. Rádio e TV viraram itens indispensáveis cujos programas nos acompanhavam dia e noite. Com os walkmen (depois CD players e iPods) a música passou a ser algo presente em cada segundo de nossas vidas. Com as telas (primeiro na sala, depois nos quartos, bolsos e relógios) nosso dia a dia deixou de ser físico para abraçar o virtual. Programas, desenhos e comerciais não eram mais um tempero: eles haviam se tornado parte da realidade. Pense só em sua infância e em quantas memórias você tem de jingles, personagens de animação, locutores favoritos ou websites. Recentemente, passamos mais tempo com vídeo, internet e arquivos mp3 do que com um mundo que existe “de verdade” e que podemos “tocar”.

Essas mudanças fizeram a cabeça de uma legião de artistas, que criaram uma arte acessível e criativa, em que nada era o que parecia e a própria existência era posta em xeque. Neste mundo, personagens interagiam com seres imaginários e manifestações dos seus próprios sentimentos. Às vezes, eles temiam estar ficando loucos. Outras vezes, eles “descobriam” que são personagens em uma história e lutavam para se libertar do autor.

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O resultado é uma “fantasia” igual a nenhuma outra. Não é mágica ou coerente como os livros de Tolkien e seus milhares de imitadores. Não é séria como a low fantasy que lida com monstros (fantásticos ou humanos). Não é “afeiçoada à pátria” e politizada como o realismo fantástico da América Latina. É, fiel à sua origem, uma mistura desvairada de cultura pop, memes, cores vibrantes e doidices aleatórias.

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Qualquer semelhança com o anime não é mera coincidência. Quando os japoneses foram apresentados a essa corrente, algo incrível aconteceu.

A “domesticação” da cultura pop

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Para artistas ansiosos em expor a cultura, modo de vida e desassosegos de seu país, porém sem saber como escapar do rótulo de “americanizados”, essa nova arte trouxe uma saída inédita. E se o mundo moderno, os arranha-céus, as palavras em inglês e  os adereços modernos – do celular aos consoles de games – pudessem se transformar em uma nova cultura? Não, obviamente, do jeito que estavam, mas caso fossem modificados um pouco, misturados aos samurai, shamisen e cerimônias do chá? Afinal, se coisas imateriais já faziam parte da realidade e se não havia mais divisão entre o mundo “real” e “digital”, por que não combinar tudo?

Desse caldeirão surgiu o anime que amamos tanto. O Japão até produzia animações antes da guerra, mas basta uma olhada para perceber que elas não tinham nada a ver com o universo vibrante de Goku, Sakura e Usagi. Obviamente, o anime não foi a única coisa a sair desse choque. Outro Murakami, o escritor Haruki, trouxe à literatura o que seu xará fez com as artes plásticas. O autor, cuja obra influenciou uma série de animes, de Haibane Renmei Angel Beats!, a ponto de ser diretamente citada no surreal Mawaru Penguindrumescreveu histórias que trouxeram Johnnie Walker, Coronel Sanders, o ataque de gás sarin no metrô de Tóquio e a campanha japonesa na Manchúria na Segunda Guerra a um mundo fantástico.

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Livros de Murakami no anime Mawaru Penguindrum

Quase cem anos atrás, Virginia Woolf disse que a arte só começa onde termina a auto-afirmação. Muito se fala sobre preservar as “raízes”, celebrar a “nossa cultura” e acabar com as “influências de fora”. O advento do anime, no entanto, nos passa uma lição contrária. Afinal de contas, ele deu à cultura japonesa algo que ela (com exceção talvez dos trabalhos do Hokusai) nunca antes teve: popularidade inigualável no mundo inteiro. O otaku não tem país. Ele existe em qualquer parte do mundo, tal com os comerciais, mascotes, referências literárias, memes e toda a realidade recortada que celebra.

É importante ter orgulho de onde viemos e de quem somos. Mas às vezes, para compartilhar nossa experiência, nada é melhor do que deixar isso de lado por um instante.

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