De onde, por\u00e9m, vem todo esse entusiasmo? \u00c9 consequ\u00eancia\u00a0apenas do sucesso da s\u00e9rie, nas m\u00e3os primeiro da Interplay, depois da Bethesda (e brevemente da Obsidian)? Acredito que n\u00e3o. Tal como a fantasia medieval e a Segunda Guerra, a Terra p\u00f3s-apocal\u00edptica \u00e9 um cen\u00e1rio sedutor como poucos outros.\u00a0Com uma tradi\u00e7\u00e3o liter\u00e1ria e cinematogr\u00e1fica respeit\u00e1vel, o g\u00eanero caiu como uma luva nos RPGs, aos quais trouxe uma vibe completamente nova.<\/p>\n
<\/h3>\nO futuro que nunca veio<\/strong><\/h3>\nA escolha do cen\u00e1rio \u00e9 uma das decis\u00f5es mais b\u00e1sicas para o criador de fic\u00e7\u00e3o.\u00a0Aqueles que desejam fazer\u00a0games realistas encontram logo de cara um problema consider\u00e1vel:\u00a0precisam representar com fidelidade o cen\u00e1rio do qual pretendem tratar. Isso significa semanas de pesquisa, muita leitura, consultoria profissional e mal\u00edcia para evitar quest\u00f5es espinhosas. O mundo real \u00e9 s\u00e9rio, e muitos de seus epis\u00f3dios mais interessantes provocam debates acalorados. N\u00e3o fosse o suficiente, o produto final de um jogo como esse dificilmente\u00a0ser\u00e1 t\u00e3o vibrante quanto um mundinho de faz-de-conta. Gamers j\u00e1 t\u00eam uma vida inteira para acordar cedo, estudar para a prova, declarar impostos e ler not\u00edcias terr\u00edveis sobre a invas\u00e3o do pa\u00eds X ou Y.\u00a0 Por que passar o\u00a0tempo de lazer com a mesma tortura?<\/p>\n
A fantasia resolve alguns desses pepinos, mas arruma outros. Para os f\u00e3s de um enredo mais \u201ccabe\u00e7a\u201d, o estilo \u2013 em especial sua vers\u00e3o mais \u201cpomposa\u201d, a high fantasy<\/em> \u2013 \u00e9 bastante insosso. A Bioware pode dar a severidade que quiser \u00e0s suas tramas; um elfo com roupas coloridas ou um banqueiro alien\u00edgena atarracado jamais provocar\u00e3o\u00a0a mesma rea\u00e7\u00e3o de um veterano da Guerra da Iugusl\u00e1via\u00a0ou um refugiado et\u00edope\u00a0morto de fome. A \u201csuspens\u00e3o de descren\u00e7a\u201d age aqui com for\u00e7a total. O p\u00fablico sabe que vai ouvir sobre fadas e drag\u00f5es e pega o controle j\u00e1 pensando em bolas de fogo e armas laser. E ai do jogo se n\u00e3o entregar.<\/p>\n![\"me3-fem-shep-and-catalyst-e1331618002668\"](\"https:\/\/i1.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/06\/me3-fem-shep-and-catalyst-e1331618002668.jpg?resize=545%2C301\")
Casey Hudson\u00a0aprendeu isso do jeito mais dif\u00edcil<\/p><\/div>\n
Fic\u00e7\u00f5es p\u00f3s-apocal\u00edpticas, no entanto, oferecem um meio termo. De um lado, elas podem \u2013 e at\u00e9 devem \u2013 ter um p\u00e9 no mundo real. A fidelidade n\u00e3o \u00e9 necess\u00e1ria, como Miyazaki t\u00e3o bem mostrou quarenta anos atr\u00e1s na sua obra prima dos quadrinhos,\u00a0 Nausicaa do Vale do Vento. <\/em>Por\u00e9m, \u00e9 um toque a mais que pode enriquecer um cen\u00e1rio, sobretudo se bem feito. Do outro lado, seu \u201cretro-futurismo\u201d \u2013 o retrato de um futuro que nunca aconteceu, tal como imaginado pelas pessoas que o esperavam \u2013 d\u00e1 aos desenvolvedores carta branca para deixar a criatividade rolar solta e carregar nas tintas no que acham mais legal, seja o jetpack<\/em> de uma power armor<\/em> ou um tanque-escorpi\u00e3o.<\/p>\n![\"wasteland](\"https:\/\/i0.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/06\/wasteland-scorpion.jpg?resize=502%2C284\")
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A fic\u00e7\u00e3o p\u00f3s-apocal\u00edptica tem ainda outro atrativo. Poucas coisas dizem mais sobre a nossa cultura do que v\u00ea-la desaparecer. O que seria das pessoas sem as leis para p\u00f4-las nos trilhos? Sem rem\u00e9dios, medicina ou tecnologias de transporte? Sem os confortos mais simples de nosso dia a dia? Ser\u00edamos capazes de viver na pen\u00faria ou (como dizem os cr\u00edticos do \u201cconsumismo\u201d) somos, no final, aquilo que temos?<\/p>\n
Imaginar um mundo em que a fartura do nosso cotidiano n\u00e3o existe nos obriga a pensar sobre ela e em por que ela \u00e9 t\u00e3o importante. \u00c0s vezes, a resposta pode nos suspreender. Em The Last of Us<\/em>, quando Ellie pergunta a Joel o que ele mais sente falta do mundo antigo, ele responde\u00a0“o caf\u00e9”. E o momento mais tocante do jogo, para 11 em cada 10 jogadores, \u00e9 a cena em que a dupla encontra uma girafa. Creio que se eu perguntasse aos leitores que coisas eles salvariam no caso de um apocalipse caf\u00e9 e zool\u00f3gicos n\u00e3o estariam no topo da lista. S\u00e3o coisas aparentemente irrelevantes, mas mesmo elas deixam um vazio quando desaparecem. E, num mundo de subsist\u00eancia, est\u00e3o entre as primeiras a sumir.<\/p>\n![\"last](\"https:\/\/i0.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/06\/last-of-us-giraffe.jpg?resize=591%2C337\")
<\/a><\/p>\nSe tudo isso n\u00e3o fosse o bastante, h\u00e1 ainda outra raz\u00e3o para a popularidade do g\u00eanero. Por mais que critiquemos nossos av\u00f3s por repetirem qu\u00e3o maravilhoso era o \u201cseu tempo\u201d, n\u00f3s somos muito piores. Poucas gera\u00e7\u00f5es s\u00e3o mais saudosas de sua juventude do que a galera que passou a inf\u00e2ncia e adolesc\u00eancia nos anos 1990. Os exemplos s\u00e3o quase infinitos: a febre dos amiibos e de outros merchans da Nintendo (destaque para o MacLanche feliz do Mario que esgotou nos primeiros dias), a devo\u00e7\u00e3o ao SNES e ao Megadrive, os reboots de Sailor Moon e Dragon Ball Z, o boom de games retr\u00f4 e de pixel art no mercado indie e outras coisas de que falei aqui<\/a>. Diante da tarefa de recriar nosso mundo depois do apocalipse, poucos desenvolvedores resistem \u00e0 tenta\u00e7\u00e3o de pensar no que aconteceria com essa nostalgia depois das bombas nucleares.<\/p>\nWasteland 2 <\/em>levou isso ao extremo, a ponto de incluir o disquete do game original de 1986 como uma rel\u00edquia encontrada no jogo. Outra quest\u00a0leva o jogador ao encontro de um\u00a0antiqu\u00e1rio\u00a0de videogames, que pede sua ajuda\u00a0para completar sua cole\u00e7\u00e3o. Ele deseja colocar suas m\u00e3os naquele que acredita ter sido o maior console de todos os tempos: O CD-i, com seus incr\u00edveis 1MB de mem\u00f3ria RAM. A piada, para aqueles que nunca o conheceram in loco<\/a>, \u00e9 que o CD-i est\u00e1 entre os maiores flops da hist\u00f3ria dos games. Nada como um apocalipse nuclear para melhorar uma reputa\u00e7\u00e3o falida.<\/p>\n
A escolha do cen\u00e1rio \u00e9 uma das decis\u00f5es mais b\u00e1sicas para o criador de fic\u00e7\u00e3o.\u00a0Aqueles que desejam fazer\u00a0games realistas encontram logo de cara um problema consider\u00e1vel:\u00a0precisam representar com fidelidade o cen\u00e1rio do qual pretendem tratar. Isso significa semanas de pesquisa, muita leitura, consultoria profissional e mal\u00edcia para evitar quest\u00f5es espinhosas. O mundo real \u00e9 s\u00e9rio, e muitos de seus epis\u00f3dios mais interessantes provocam debates acalorados. N\u00e3o fosse o suficiente, o produto final de um jogo como esse dificilmente\u00a0ser\u00e1 t\u00e3o vibrante quanto um mundinho de faz-de-conta. Gamers j\u00e1 t\u00eam uma vida inteira para acordar cedo, estudar para a prova, declarar impostos e ler not\u00edcias terr\u00edveis sobre a invas\u00e3o do pa\u00eds X ou Y.\u00a0 Por que passar o\u00a0tempo de lazer com a mesma tortura?<\/p>\n
A fantasia resolve alguns desses pepinos, mas arruma outros. Para os f\u00e3s de um enredo mais \u201ccabe\u00e7a\u201d, o estilo \u2013 em especial sua vers\u00e3o mais \u201cpomposa\u201d, a high fantasy<\/em> \u2013 \u00e9 bastante insosso. A Bioware pode dar a severidade que quiser \u00e0s suas tramas; um elfo com roupas coloridas ou um banqueiro alien\u00edgena atarracado jamais provocar\u00e3o\u00a0a mesma rea\u00e7\u00e3o de um veterano da Guerra da Iugusl\u00e1via\u00a0ou um refugiado et\u00edope\u00a0morto de fome. A \u201csuspens\u00e3o de descren\u00e7a\u201d age aqui com for\u00e7a total. O p\u00fablico sabe que vai ouvir sobre fadas e drag\u00f5es e pega o controle j\u00e1 pensando em bolas de fogo e armas laser. E ai do jogo se n\u00e3o entregar.<\/p>\n Casey Hudson\u00a0aprendeu isso do jeito mais dif\u00edcil<\/p><\/div>\n Fic\u00e7\u00f5es p\u00f3s-apocal\u00edpticas, no entanto, oferecem um meio termo. De um lado, elas podem \u2013 e at\u00e9 devem \u2013 ter um p\u00e9 no mundo real. A fidelidade n\u00e3o \u00e9 necess\u00e1ria, como Miyazaki t\u00e3o bem mostrou quarenta anos atr\u00e1s na sua obra prima dos quadrinhos,\u00a0 Nausicaa do Vale do Vento. <\/em>Por\u00e9m, \u00e9 um toque a mais que pode enriquecer um cen\u00e1rio, sobretudo se bem feito. Do outro lado, seu \u201cretro-futurismo\u201d \u2013 o retrato de um futuro que nunca aconteceu, tal como imaginado pelas pessoas que o esperavam \u2013 d\u00e1 aos desenvolvedores carta branca para deixar a criatividade rolar solta e carregar nas tintas no que acham mais legal, seja o jetpack<\/em> de uma power armor<\/em> ou um tanque-escorpi\u00e3o.<\/p>\n A fic\u00e7\u00e3o p\u00f3s-apocal\u00edptica tem ainda outro atrativo. Poucas coisas dizem mais sobre a nossa cultura do que v\u00ea-la desaparecer. O que seria das pessoas sem as leis para p\u00f4-las nos trilhos? Sem rem\u00e9dios, medicina ou tecnologias de transporte? Sem os confortos mais simples de nosso dia a dia? Ser\u00edamos capazes de viver na pen\u00faria ou (como dizem os cr\u00edticos do \u201cconsumismo\u201d) somos, no final, aquilo que temos?<\/p>\n Imaginar um mundo em que a fartura do nosso cotidiano n\u00e3o existe nos obriga a pensar sobre ela e em por que ela \u00e9 t\u00e3o importante. \u00c0s vezes, a resposta pode nos suspreender. Em The Last of Us<\/em>, quando Ellie pergunta a Joel o que ele mais sente falta do mundo antigo, ele responde\u00a0“o caf\u00e9”. E o momento mais tocante do jogo, para 11 em cada 10 jogadores, \u00e9 a cena em que a dupla encontra uma girafa. Creio que se eu perguntasse aos leitores que coisas eles salvariam no caso de um apocalipse caf\u00e9 e zool\u00f3gicos n\u00e3o estariam no topo da lista. S\u00e3o coisas aparentemente irrelevantes, mas mesmo elas deixam um vazio quando desaparecem. E, num mundo de subsist\u00eancia, est\u00e3o entre as primeiras a sumir.<\/p>\n Se tudo isso n\u00e3o fosse o bastante, h\u00e1 ainda outra raz\u00e3o para a popularidade do g\u00eanero. Por mais que critiquemos nossos av\u00f3s por repetirem qu\u00e3o maravilhoso era o \u201cseu tempo\u201d, n\u00f3s somos muito piores. Poucas gera\u00e7\u00f5es s\u00e3o mais saudosas de sua juventude do que a galera que passou a inf\u00e2ncia e adolesc\u00eancia nos anos 1990. Os exemplos s\u00e3o quase infinitos: a febre dos amiibos e de outros merchans da Nintendo (destaque para o MacLanche feliz do Mario que esgotou nos primeiros dias), a devo\u00e7\u00e3o ao SNES e ao Megadrive, os reboots de Sailor Moon e Dragon Ball Z, o boom de games retr\u00f4 e de pixel art no mercado indie e outras coisas de que falei aqui<\/a>. Diante da tarefa de recriar nosso mundo depois do apocalipse, poucos desenvolvedores resistem \u00e0 tenta\u00e7\u00e3o de pensar no que aconteceria com essa nostalgia depois das bombas nucleares.<\/p>\n Wasteland 2 <\/em>levou isso ao extremo, a ponto de incluir o disquete do game original de 1986 como uma rel\u00edquia encontrada no jogo. Outra quest\u00a0leva o jogador ao encontro de um\u00a0antiqu\u00e1rio\u00a0de videogames, que pede sua ajuda\u00a0para completar sua cole\u00e7\u00e3o. Ele deseja colocar suas m\u00e3os naquele que acredita ter sido o maior console de todos os tempos: O CD-i, com seus incr\u00edveis 1MB de mem\u00f3ria RAM. A piada, para aqueles que nunca o conheceram in loco<\/a>, \u00e9 que o CD-i est\u00e1 entre os maiores flops da hist\u00f3ria dos games. Nada como um apocalipse nuclear para melhorar uma reputa\u00e7\u00e3o falida.<\/p>\n<\/p>\n![\"last](\"https:\/\/i0.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/06\/last-of-us-giraffe.jpg\")
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