Sim, \u00e9 de voc\u00eas mesmo que estou falando<\/p><\/div>\n

Em alguns casos, o misticismo\u00a0est\u00e1 l\u00e1 em doses homeop\u00e1ticas, para dar aquele twist <\/em>de estranheza. Madoka, <\/em>por exemplo, criou uma meta-lore <\/em>em latim – o que\u00a0inclui at\u00e9 seu pr\u00f3prio t\u00edtulo. Em outros,\u00a0\u00e9 acompanhado por toda uma elocubra\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica, com direito a rituais, protocolos e men\u00e7\u00f5es a personagens hist\u00f3ricas.<\/p>\n

Dessas \u00faltimas, poucas\u00a0s\u00e9ries\u00a0apelaram mais para o exotismo do que Mahou Tsukai no Yome, <\/em>ou The Ancient Magus\u2019 Bride<\/em>, um mang\u00e1 despretensioso que conquistou a cr\u00edtica e ser\u00e1 adaptado em anime a partir desse ano. A obra n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 uma cole\u00e7\u00e3o do que h\u00e1 de mais peculiar na “magia de anime”, mas uma verdadeira jornada\u00a0aonde tudo come\u00e7ou.<\/p>\n

Atrav\u00e9s do espelho<\/h3>\n

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Se uma personagem com um cr\u00e2nio de boi no lugar da cabe\u00e7a n\u00e3o for suficiente para adivinhar, o mang\u00e1, escrito e desenhado por Kore Yamazaki, mergulha de cabe\u00e7a no que h\u00e1 de mais diferente, bizarro e indecifr\u00e1vel\u00a0no mundo do ocultismo.<\/p>\n

A hist\u00f3ria segue Chise Hatori, uma garota abandonada que \u00e9 feita escrava\u00a0e vendida em um leil\u00e3o. Quem a compra \u00e9 Elias Ainsworth, um \u201cmago\u201d de apar\u00eancia inumana (para dizer o m\u00ednimo). Ele revela \u00e0 Chise que \u00a0deseja transform\u00e1-la em sua aprendiz… e\u00a0em sua esposa.<\/p>\n

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O que poderia dar pano para um terror exploitation <\/em>dos mais macabros se desenrola, pelo contr\u00e1rio, em uma hist\u00f3ria surpreendentemente doce. Chise, que sempre viveu \u00e0 deriva, v\u00ea em Elias a fam\u00edlia que nunca teve. O mago revela, para a surpresa de ningu\u00e9m, que n\u00e3o \u00e9 humano, e usa a amizade com a garota para tentar compreender o mundo de uma esp\u00e9cie que lhe parece t\u00e3o estranha.<\/p>\n

O que se segue \u00e9 uma jornada surreal pelo folclore europeu para esgotar qualquer enciclop\u00e9dia de mitologia. O que xxxHolic <\/em>fez com o terror japon\u00eas,\u00a0The Ancient Magus\u2019 Bride <\/em>entrega com o ocultismo ocidental.<\/p>\n

Seu mundo paranormal \u00e9 surpreendente vasto, e inclui de \u201ccl\u00e1ssicos\u201d como drag\u00f5es e fadas a personagens mais obscuros:\u00a0reimagina\u00e7\u00f5es kawaii<\/em> das selkies<\/a>\u00a0<\/em>(mulheres-foca da mitologia irlandesa) e\u00a0will-o-wisps<\/a><\/em> (luzes fantasmas),<\/p>\n

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Titania e Oberon, reis das fadas em Sonhos de Uma Noite de Ver\u00e3o<\/em>, e personagens recorrentes nos quadrinhos\u00a0de Neil Gaiman<\/a>,<\/p>\n

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o\u00a0C\u00e3o Negro, ou barghest<\/a><\/em>, apari\u00e7\u00e3o do folclore ingl\u00eas que inspirou O<\/em> C\u00e3o Dos Baskervilles <\/em><\/a>e que at\u00e9 j\u00e1 fez ponta em The Witcher<\/a>,<\/em><\/p>\n

<\/p>\n

e, como n\u00e3o podia deixar de ser, uma\u00a0lore\u00a0<\/em>extremamente rebuscada, em que “magia” n\u00e3o \u00e9\u00a0apenas truque, mas um sistema filos\u00f3fico e espiritual pr\u00f3prio, quase uma ci\u00eancia para um mundo\u00a0al\u00e9m da raz\u00e3o.<\/p>\n

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The Ancient Magus Bride\u00a0<\/em>n\u00e3o inventou esse fasc\u00ednio com o conhecimento m\u00edstico. Pelo contr\u00e1rio, ele pode ser visto\u00a0em obras das mais variadas, de X\/1999<\/em> e Cardcaptor Sakura <\/em>a Fullmetal Alchemist <\/em>e Fate\/Stay<\/em> Night<\/em>. O site TVtropes.com<\/a> chegou a afirmar que a magia herm\u00e9tica \u2013 como ela foi chamada, em raz\u00e3o de sua proximidade com um\u00a0movimento\u00a0de mesmo nome<\/a>\u00a0\u2013 \u00e9 hoje mais popular em animes do que em obras ocidentais, a despeito de seu flair <\/em>inconfundivelmente europeu.<\/p>\n

A princ\u00edpio, \u00e9 estranho que o\u00a0pa\u00eds do xinto\u00edsmo, dos\u00a0youkai\u00a0<\/em>e de um dos imagin\u00e1rios mais populares da cultura pop atual fosse dar tanta aten\u00e7\u00e3o ao folclore de outros lugares. \u00a0Por\u00e9m, em um olhar mais atento\u00a0\u00e9 poss\u00edvel ver que esses dois mundos aparentemente t\u00e3o distantes t\u00eam muita coisa em comum.<\/p>\n

Aurora dourada<\/h3>\n

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Para entender como o ocultismo ocidental chegou ao Jap\u00e3o, \u00e9 preciso primeiro entender de onde ele veio.<\/p>\n

Como eu j\u00e1\u00a0mencionei em uma outra coluna<\/a>, quando a ci\u00eancia e tecnologia come\u00e7aram a mudar o mundo, nem todos gostaram do que viram. Para alguns, o universo misterioso dos mitos e lendas era mais interessante do que as teorias cient\u00edficas; a vida no campo mais suport\u00e1vel que nas grandes metr\u00f3poles, e o respeito \u00e0 “voz\u00a0da natureza” era mais digno do que a rotina endiabrada\u00a0da nova era.<\/p>\n

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Alguns viram nisso inspira\u00e7\u00e3o para produzir arte, poesia<\/a> e m\u00fasica<\/a>. Outros, mais radicais, tentaram ressuscitar religi\u00f5es do passado<\/a>. Muitos, horrorizados com as barbaridades do\u00a0mundo moderno, buscaram\u00a0um sentido para a vida em outro lugar.\u00a0Assim, o apelo do ocultismo, em suas mais variadas formas, come\u00e7ou a crescer.<\/p>\n

Alguns se satisfizeram com filosofias alternativas.\u00a0Por exemplo, a teosofia<\/a>, doutrina m\u00edstica que buscava entender a natureza e o lugar do ser humano para al\u00e9m do mundo aparente. O movimento ganhou v\u00e1rios adeptos no come\u00e7o do s\u00e9culo XX, inclusive o famoso pintor Piet Mondrian.<\/p>\n

“Evolu\u00e7\u00e3o”, de\u00a0Piet Mondrian<\/p><\/div>\n

J\u00e1 outros foram mais al\u00e9m, e preferiram grupos com mais\u00a0pompa e circunst\u00e2ncia. Ao mesmo tempo em que a sociedade se industrializava e as grandes teorias cient\u00edficas come\u00e7avam a dar frutos, algumas pessoas come\u00e7aram a se organizar em seitas ou irmandades, com uniformes e rituais elaborados e um entendimento enciclop\u00e9dico de magia e sobrenatural.<\/p>\n

Foi dessa fonte que o universo estranho, complexo e minuciosamente catalogado da magia nos animes bebeu. Em alguns casos, a inspira\u00e7\u00e3o \u00e9 declarada. Aleister Crowley<\/a>, um dos mais famosos ocultistas da \u00e9poca, apareceu de nome pr\u00f3prio em\u00a0Toaru Majutsu no Index<\/a>,\u00a0<\/em>al\u00e9m de ter sido base para Clow Reed, criador das cartas Clow de\u00a0Sakura.<\/em><\/p>\n

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A fascina\u00e7\u00e3o com a magia herm\u00e9tica foi t\u00e3o forte na Europa – em especial na Inglaterra – que pelo menos um livro<\/a> a considerou como o terceiro componente mais importante da cultura ocidental, ao lado da tradi\u00e7\u00e3o b\u00edblica e dos saberes greco-romanos.<\/p>\n

Mas o que tudo isso tem a ver com o Jap\u00e3o? Acontece que, do outro lado do mundo, outras pessoas tiveram ideias bastante parecidas.<\/p>\n

Em defesa da escurid\u00e3o<\/h3>\n

Junichiro Tanizaki<\/p><\/div>\n

O escritor japon\u00eas Junichiro Tanizaki<\/a> certa vez disse que a diferen\u00e7a entre japoneses e ocidentais estava na sua rela\u00e7\u00e3o com as sombras<\/a>. Enquanto que o Ocidente busca a luz, a claridade e o \u201cprogresso\u201d acima de todas as coisas, os japoneses aprenderam a aceitar a\u00a0penumbra.<\/p>\n

Isso se dava n\u00e3o s\u00f3 de uma forma literal \u2013 ambientes pouco iluminados, o gosto pelo\u00a0escuro na arte \u2013 como em um sentido figurado. Para Tanizaki, a cultura japonesa preferia o misterioso ao revelado, o sutil ao direto, o despojado ao luxuoso, \u00a0o imperfeito<\/a> ao milimetricamente pensado.<\/p>\n

Os ocidentais tratam a escurid\u00e3o como inimiga; os japoneses viviam em harmonia com ela.\u00a0Os ocidentais se preocupam em modificar o mundo, em torn\u00e1-lo mais claro e explic\u00e1vel. Os japoneses, por outro lado, viam beleza no\u00a0misterioso e irregular.<\/p>\n

<\/p>\n

Se esse lamento lembra o misticismo europeu, n\u00e3o \u00e9 por acaso. Quando o Jap\u00e3o abriu as portas para o resto do globo, as mesmas\u00a0seitas, movimentos e filosofias que haviam chachoalhado o velho mundo repetiram o seu\u00a0sucesso. Pouco a pouco, ao mesmo tempo em que a Terra do Sol Nascente se tornava um pa\u00eds do futuro, cartas de tar\u00f4, s\u00edmbolos alqu\u00edmicos e palavras em latim ganharam seu espa\u00e7o na cultura popular.<\/p>\n

N\u00e3o foi s\u00f3 no entretenimento\u00a0que o ocultismo ganhou adeptos. Mesmo autoridades tradicionais em filosofia\u00a0oriental se renderam ao seu apelo.<\/p>\n

D.T. Suzuki<\/p><\/div>\n

D.T.\u00a0Suzuki<\/a>, um dos maiores divulgadores\u00a0do budismo no Ocidente, n\u00e3o poupou palavras para apontar semelhan\u00e7as entre o pensamento asi\u00e1tico e essa \u201ccontracultura\u201d espiritual europeia. Ele se casou com uma adepta<\/a> da teosofia e se tornou um \u00e1vido leitor<\/a> de m\u00edsticos europeus. Em especial,\u00a0Emanuel Swedenborg<\/a>, criador de uma seita m\u00edstica derivada do pensamento crist\u00e3o.<\/p>\n

Na cultura pop japonesa, essas leituras alternativas (quando n\u00e3o conspirat\u00f3rias) da doutrina da Igreja\u00a0eventualmente se tornaram insepar\u00e1veis \u00e0 \u00a0imagem da magia ocidental. Vide a frequ\u00eancia com que padres e freiras, geralmente com poderes ou armas badass<\/em>, d\u00e3o as caras em s\u00e9ries do g\u00eanero.<\/p>\n

<\/p>\n

Esse sincretismo pode ser visto a todo momento nos animes. Em X\/1999<\/em>, os Sete Anjos e Selos – em si pr\u00f3prios uma refer\u00eancia ao livro do Apocalipse –\u00a0combinam poderes inspirados por escolas orientais de ocultismo (como o Onmyoudou<\/a>)\u00a0com magia ocidental.<\/p>\n

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J\u00e1 em Kara no Kyoukai<\/em>, os ex-colegas da feiticeira Touko s\u00e3o Cornelius Alba, descendente do ocultista alem\u00e3o Henrich Cornelius Agrippa<\/a>\u00a0– famoso a ponto de ganhar men\u00e7\u00e3o em\u00a0Harry Potter<\/a>\u00a0–\u00a0<\/em>e Soren Araya<\/a>, um monge budista.<\/p>\n

E claro, eles estudaram na Inglaterra<\/p><\/div>\n

A adora\u00e7\u00e3o de animes e mang\u00e1s por essas correntes do ocultismo s\u00e3o uma das facetas mais divertidas da subcultura que criaram.<\/p>\n

Muita gente defende que cultura “otaku” n\u00e3o \u00e9 cultura japonesa<\/a>,\u00a0apenas uma releitura ocidentalizada das tradi\u00e7\u00f5es do Jap\u00e3o.\u00a0Com a magia herm\u00e9tica, no entanto, diretores e mangak\u00e1s fizeram o percurso contr\u00e1rio. Ao se apropriarem de uma conven\u00e7\u00e3o importada do ocidente, eles criaram um estilo inconfundivelmente\u00a0japon\u00eas.<\/p>\n

De que tiveram sucesso, n\u00e3o h\u00e1 d\u00favida. J\u00e1 duas vezes na minha vida, ao falar sobre\u00a0Para\u00edso Perdido<\/a>\u00a0<\/em>a amigos otakus, recebi a mesma resposta: “Parece legal. Tem OVA?”<\/p>\n

Fa\u00e7a o teste voc\u00ea tamb\u00e9m. Da pr\u00f3xima vez que ver um c\u00edrculo m\u00e1gico, veja qual \u00e9 a primeira torre que vem \u00e0 mente: a de Londres ou a de T\u00f3quio.<\/p>\n

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  Quem tem o h\u00e1bito de acompanhar mang\u00e1s e animes j\u00e1 deve ter reparado que esse meio\u00a0tem um p\u00e9 no esot\u00e9rico. Ao lado de mechas, uniformes escolares e doces baratos\u00a0\u2013 muitas vezes, ao mesmo tempo \u2013 a cultura pop japonesa parece ter uma queda por magia e ocultismo. N\u00e3o qualquer magia, mas uma bastante espec\u00edfica […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":3059,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"spay_email":"","jetpack_publicize_message":"","jetpack_is_tweetstorm":false},"categories":[576,580],"tags":[45,53,76,175,192,238,384,411],"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/i1.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2016\/03\/magus-cover.jpg?fit=1401%2C860&ssl=1","jetpack_publicize_connections":[],"jetpack_shortlink":"https:\/\/wp.me\/p9rUzW-J7","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2797"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=2797"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2797\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":21321,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2797\/revisions\/21321"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/media\/3059"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=2797"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=2797"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=2797"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}