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{"id":23178,"date":"2022-07-14T16:43:19","date_gmt":"2022-07-14T19:43:19","guid":{"rendered":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/?p=23178"},"modified":"2022-07-14T16:46:57","modified_gmt":"2022-07-14T19:46:57","slug":"yuuta-nishio-um-mangaka-para-as-angustias-de-nosso-tempo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/2022\/07\/14\/yuuta-nishio-um-mangaka-para-as-angustias-de-nosso-tempo\/","title":{"rendered":"Yuuta Nishio: um mangak\u00e1 para as ang\u00fastias de nosso tempo"},"content":{"rendered":"\n

Uma mulher anda de bicicleta. O terno e mochila de laptop entregam que n\u00e3o pedala a passeio.<\/p>\n\n\n\n

Um caminh\u00e3o a ultrapassa. A motorista lembra algu\u00e9m que conhece. Algu\u00e9m importante, insubstitu\u00edvel. Algu\u00e9m que lhe prometera construir uma vida com ela, que jamais a largaria para rodar Jap\u00e3o afora. A n\u00e3o ser que algo de muito errado tivesse acontecido.<\/p>\n\n\n\n

Ela acelera, indiferente ao penteado desfeito e o suor que arruinava sua maquiagem. No retrovisor do caminh\u00e3o ela enxerga a ponta de um cigarro. A pessoa de seu cora\u00e7\u00e3o nunca fumava. A ciclista sorri, deixando que a bicicleta a embale em uma descida enquanto caminh\u00e3o segue seu caminho.<\/p>\n\n\n\n

Ela est\u00e1 feliz.<\/p>\n\n\n\n

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A sequ\u00eancia \u00e9 uma de tantas pitadas de poesia visual encontradas nas p\u00e1ginas de Yuuta Nishio. Chamado por alguns de um Inio Asano dos mang\u00e1s yuri, <\/em>Nishio combina um olhar apurado para problemas \u00edntimos com uma leveza que serve de ant\u00eddoto aos anos de fadiga em que vivemos.<\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n

Um novo Inio Asano?<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Compara\u00e7\u00f5es costumam ser armadilhas. \u00c0s vezes, o paralelo est\u00e1 menos nas p\u00e1ginas que na nossa mente. \u00c0s vezes, trazer \u00e0 discuss\u00e3o uma obra ou autor de sucesso cria expectativas que hist\u00f3ria nenhuma \u00e9 capaz de cumprir.<\/p>\n\n\n\n

Meu primeiro contato com Yuuta Nishio veio justamente de uma compara\u00e7\u00e3o. No caso, com Inio Asano, mangak\u00e1 de quem escrevi \u00e0 exaust\u00e3o nesse blog<\/a> e que, para o bem ou para o mal, conquistou uma posi\u00e7\u00e3o \u00fanica nas discuss\u00f5es sobre a m\u00eddia. H\u00e1 um espa\u00e7o em formato de Boa Noite Punpun<\/em> no universo dos mang\u00e1s que apenas Asano \u00e9 capaz de preencher.<\/p>\n\n\n\n

Isso n\u00e3o impediu Rebecca Silverman do ANN<\/a> de chamar Nishio de um \u201cInio Asano-lite\u201d: um autor que \u201ctoca em muitos temas e estil\u00edsticas similares\u201d, dentro de \u201chist\u00f3ria[s] mais gente[is] com um apelo um pouco diferente\u201d.<\/p>\n\n\n\n

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N\u00e3o \u00e9 preciso abrir seus mang\u00e1s para entender o mais vis\u00edvel desses apelos: Nishio escreve hist\u00f3rias yuri. <\/em>Isto, por si s\u00f3, j\u00e1 lhe abre um terreno que os protagonistas de Asano enxergam apenas com o canto dos olhos.<\/p>\n\n\n\n

O autor de Nijigahara Holograph<\/a> <\/em>j\u00e1 foi considerado \u201ca voz de uma gera\u00e7\u00e3o\u201d, mas \u00e9 uma voz distorcida pelas preocupa\u00e7\u00f5es dos homens jovens, problem\u00e1ticos e sexualmente precoces que encabe\u00e7am a maioria de suas hist\u00f3rias. H\u00e1 conflitos humanos que personagens como estas nunca experimentaram. Em especial quando se desenrolam em espa\u00e7os aos quais homens n\u00e3o s\u00e3o convidados.<\/p>\n\n\n\n

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O que n\u00e3o significa que n\u00e3o haja uma vibe indiscutivelmente \u201cas\u00e2nica\u201d nas hist\u00f3rias que Nishio conta. Como os adolescentes de Umibe no Onnanoko, <\/em>as personagens do autor mostram uma completa franqueza em rela\u00e7\u00e3o ao sexo. As mulheres sobre as quais escreve usam o corpo para se relacionar com o mundo, sem atentar para charminhos, tropos rom\u00e2nticos \u2013 ou mesmo, em alguns casos, conven\u00e7\u00f5es sociais.<\/p>\n\n\n\n

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Em contraste com a pobreza tem\u00e1tica de certos mang\u00e1s de romance, as personagens de Nishio n\u00e3o se deixam definir por seus afetos. Elas n\u00e3o s\u00e3o <\/em>namoradas, apenas est\u00e3o <\/em>com outras \u2013 por pouco ou muito tempo, a depender das circunst\u00e2ncias, mas sempre cientes de que a vida \u00e9 uma jornada que dever\u00e3o realizar sozinhas. E o amor e o sexo, apenas duas \u2013 e n\u00e3o necessariamente as mais importantes \u2013 das paradas.<\/p>\n\n\n\n

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Em Mizuno & Chayama, <\/em>esse relacionamento une duas garotas separadas por rivalidades entre suas fam\u00edlias. Mizuno \u00e9 a filha de um pol\u00edtico ambientalista em combate contra uma grande empresa do ramo de ch\u00e1 que emprega metade da cidade. Chayama \u00e9 ningu\u00e9m menos que a filha do dono da empresa, cujo rosto estampa outdoors.<\/p>\n\n\n\n

Ambas se se sentem frustradas: Mizuno porque todos a veem como uma extens\u00e3o de seu pai: uma celebridade influente a quem podem pedir favores; Chayama, porque a riqueza de seus pais causa rancor entre os colegas mais humildes.<\/p>\n\n\n\n

Chayama, em particular, \u00e9 v\u00edtima de um bullying t\u00e3o violento que parece tirado das p\u00e1ginas de um romance de Mieko Kawakami<\/a>. A tortura vem das m\u00e3os de Aikawa, que em origem \u2013 e at\u00e9 apar\u00eancia \u2013 lembra uma vers\u00e3o mal\u00e9vola da Aiko Tanaka de Boa noite Punpun. <\/em>Pobre, divide uma casa enterrada no lixo com uma m\u00e3e que torra dinheiro em produtos milagrosos vendidos por seitas. Aikawa odeia sua vida e p\u00f5e a culpa na Corpora\u00e7\u00e3o Chayama, menos por acreditar que s\u00e3o culpados por suas dores que para mascarar sua viol\u00eancia com um verniz de justi\u00e7a.<\/p>\n\n\n\n

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Como Asano, Nishio usa e abusa do sexo para ati\u00e7ar o desconforto do leitor. Mizuno \u00e9 molestada por um aliado de seu pai durante um jantar da campanha. Ningu\u00e9m se move para ajud\u00e1-la: a elei\u00e7\u00e3o \u00e9 mais importante que o desconforto da filha. O irm\u00e3o de Aikawa, pr\u00e9-adolescente, adquiriu o h\u00e1bito de se masturbar contra os m\u00f3veis. Por conta da neglig\u00eancia da fam\u00edlia, n\u00e3o aprendeu como seu corpo funciona. Sobra \u00e0 jovem limp\u00e1-lo quando chega ao orgasmo.<\/p>\n\n\n\n

Quando todas essas viol\u00eancias acumuladas atinge um ponto de ebuli\u00e7\u00e3o, n\u00e3o nos surpreendemos ao ver o sangue derramado. H\u00e1 algo de As Flores do Mal<\/a> <\/em>na maneira como Mizuno & Chayama <\/em>migra lentamente para uma trag\u00e9dia anunciada.<\/p>\n\n\n\n

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Novos rumos depois dos 30<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Sob muitos aspectos, o mang\u00e1 n\u00e3o poderia ser mais diferente de After Hours, <\/em>trabalho anterior de Nishio. Aqui, o foco \u00e9 a rela\u00e7\u00e3o de Emi, uma mulher de 24 anos, perdida e desempregada, por Kei, charmosa DJ seis anos mais velha.<\/p>\n\n\n\n

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N\u00e3o deixe o t\u00edtulo e as luzes de balada passarem a mensagem errada. Embora sua hist\u00f3ria se passe em becos escuros e raves alucinadas, n\u00e3o h\u00e1 nada de libidinoso e chocante em sua hist\u00f3ria de amor. As baladas de Emi e Kei pertencem ao mesmo universo de Paripi Koumei: <\/em>um underground <\/em>sempre \u00e0s claras \u2013 ainda que suas luzes sejam artificiais e estrobosc\u00f3picas.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 dif\u00edcil ler o mang\u00e1 sem pensar em Solanin, <\/em>obra de Asano sobre os dramas de um grupo de jovens adultos que se envolvem na cria\u00e7\u00e3o de uma banda de rock. Emi e Kei s\u00e3o mais velhas que o elenco daquele mang\u00e1, mas isso s\u00f3 d\u00e1 mais peso ao seu projeto de vingar na carreira das raves.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o h\u00e1 nada de misterioso em sonhar de viver de arte nos seus vinte e poucos anos. Faz\u00ea-lo depois dos trinta, por outro lado, \u00e9 uma decis\u00e3o intrigante a ponto de carregar todo um enredo.<\/p>\n\n\n\n

Ao contr\u00e1rio da titubeante Minare de Nami yo Kiitekure<\/a> <\/em>(ou de todo o elenco de Honey & Clover<\/em>), a Emi e Kei nem sempre sabem o que elas querem, mas sabem exatamente o que elas s\u00e3o. <\/strong>Elas n\u00e3o precisam de uma jornada de auto-conhecimento. O seu futuro pertence a elas.<\/p>\n\n\n\n

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Embora escondido sob a agressividade de sua trama, esse mesmo otimismo est\u00e1 tamb\u00e9m presente em Mizuno & Chayama. <\/em>Se Asano \u00e9 tr\u00e1gico mesmo quando tenta ser leve, h\u00e1 uma leveza nos mang\u00e1s de Nishio que se sobrep\u00f5e \u00e0s cenas mais chocantes.<\/p>\n\n\n\n

Mizuno & Chayama, <\/em>que se passa no \u00faltimo ano do Ensino M\u00e9dio \u2013 literalmente, o \u00faltimo ano (de suas adolesc\u00eancias\/antes do in\u00edcio de sua vida adulta). A despeito dos sapos que s\u00e3o obrigadas a engolir, suas protagonistas nunca perdem de vista de que aquilo que vivem \u00e9 uma fase que um dia passar\u00e1 sem deixar traumas ou rancores.<\/p>\n\n\n\n

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Ap\u00f3s tr\u00eas anos de pandemia, viol\u00eancia galopante, desmandos pol\u00edticos e histeria, hist\u00f3rias como essa soam como nada menos que um curativo mental. <\/p>\n\n\n\n

Muitos mang\u00e1s falam sobre os tombos, os machucados, o desespero de e ver sem rumo. Nishio escreve sobre o que acontece quando decidimos nos levantar. E este momento, ela nos ensina, sempre chega.<\/p>\n\n\n\n

Todos estamos na sarjeta…<\/strong><\/p>\n\n\n\n

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\u201cAfter hours\u201d, a DJ Kei explica, s\u00e3o aquelas horas entre o fim da balada e o in\u00edcio do pr\u00f3ximo dia \u00fatil. As horas incertezas que ainda n\u00e3o fazem uma manh\u00e3, mas tampouco pertencem \u00e0 noite; em que o frenesi do escapismo j\u00e1 passou, mas ainda n\u00e3o fomos rendidos pela chave-de-bra\u00e7o da rotina. Um momento para nos situarmos \u2013 e, quando a situa\u00e7\u00e3o pede, respirar.<\/p>\n\n\n\n

De certa forma, esses anos 20 que vivemos vem se mostrando as after hours <\/em>do s\u00e9culo XXI, tal como os anos 20 do s\u00e9culo passado foram a era do jazz. Que saibamos aproveit\u00e1-los t\u00e3o bem quanto Emi e Kei, ou Mizuno e Chayama; se n\u00e3o para fundar uma rave ou mudar de cidade, para dar \u00e0 nossa vida o rumo que precisa.<\/p>\n\n\n\n

Como escreveu Oscar Wilde, todos estamos na sarjeta, mas alguns olhamos para o c\u00e9u.<\/p>\n\n\n\n

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