H\u00e1 uma cena em Noir <\/em>que penetra com mais for\u00e7a que uma bala de Walther P99.<\/p>\n Mireille, uma assassina de aluguel, confronta sua parceira Kirika ap\u00f3s retornarem de uma execu\u00e7\u00e3o.<\/p>\n \u201c\u00c9 por isso que eu te disse!\u201d<\/p>\n Ela rapidamente foge para a cozinha da quitinete em que vivem, torcendo para esconder a fraqueza \u2013 e as l\u00e1grimas que batalha para segurar.<\/p>\n \u201cEu te disse…\u201d ela repete, e agora n\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas de que fala consigo mesma.<\/p>\n <\/p>\n A cena \u00e9 o domin\u00f3 final de uma trag\u00e9dia engatilhada no in\u00edcio do epis\u00f3dio. Contra as advert\u00eancias de sua parceira, Kirika forja uma amizade com um soldado aposentado que passa os dias pintando ao ar livre.<\/p>\n Mireille imediatamente ordena que ela corte rela\u00e7\u00f5es. O crime, explica, s\u00f3 possui porta de entrada. Uma vez nesta vida, s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel deix\u00e1-la dentro de um saco.<\/p>\n Kirika se recusa. Dias depois, capangas de uma gangue inimiga a emboscam durante um de seus encontros. O pintor morre na troca de tiros.<\/p>\n Animes, quase sempre, s\u00e3o uma m\u00eddia hiperb\u00f3lica. Olhos grandes, gestos exagerados, dublagem caricata, frames repetidos: nenhum esfor\u00e7o \u00e9 poupado para que o espectador sinta o que o diretor deseja \u2013 ainda que o \u2018sentimento\u2019 em quest\u00e3o o atropele como um rolo compressor.<\/p>\n A cena de Noir\u00a0<\/em>\u00e9 um ponto fora da curva. O roteiro n\u00e3o se d\u00e1 ao trabalho de soletrar que Mireille, tamb\u00e9m, perdeu algu\u00e9m para a vida criminosa. N\u00e3o ficamos sabendo quem foi esta pessoa. A pr\u00f3pria cena nunca mais \u00e9 retomada. O arroubo de emo\u00e7\u00e3o que flagramos \u00e9 um fim em si: um raro vislumbre do cora\u00e7\u00e3o de uma mulher obrigada pela profiss\u00e3o a mant\u00ea-lo trancado a sete chaves.<\/p>\n S\u00e3o pequenos momentos como esse, espalhados pelos seus 26 epis\u00f3dios, que fazem da s\u00e9rie dirigida por Koichi Mashimo uma pequena obra-prima da anima\u00e7\u00e3o japonesa.<\/p>\n Com seu vig\u00e9simo anivers\u00e1rio celebrado esse ano, n\u00e3o h\u00e1 ocasi\u00e3o mais apropriada para explorarmos o que a tornou t\u00e3o especial.<\/p>\n <\/p>\n <\/p>\n Cl\u00e1ssicos cult raramente s\u00e3o ovacionados de primeira. Geralmente, por um bom motivo.<\/p>\n Com Noir <\/em>n\u00e3o \u00e9 diferente. Olhando para tr\u00e1s, \u00e9 dif\u00edcil entender como a produ\u00e7\u00e3o da Bee Train conseguiu se destacar entre tantos outros hits dos anos 2000.<\/p>\n Sua estrutura epis\u00f3dica, com direito a \u201cassassinatos da semana\u201d e abund\u00e2ncia de flashbacks, causa estranhamento a uma gera\u00e7\u00e3o acostumada a cours <\/em>de 12 epis\u00f3dios e s\u00e9ries da Netflix que funcionam como filmes de 8 horas.<\/p>\n Seu enredo alterna entre as \u201cruas perigosas\u201d da fic\u00e7\u00e3o noir <\/em>\u2013 de onde empresta seu t\u00edtulo \u2013 e teorias da conspira\u00e7\u00e3o que for\u00e7am a amizade do mais cr\u00e9dulo dos espectadores. H\u00e1 furos suficientes em sua trama para merecer um drinking game<\/em>, de informa\u00e7\u00f5es conflitantes sobre a idade de suas protagonistas a cen\u00e1rios interiores que n\u00e3o batem com seus exteriores.<\/p>\nUm cl\u00e1ssico cult<\/strong><\/h3>\n