Haru no Noroi\u00a0<\/em>(“A Maldi\u00e7\u00e3o de Haru)\u00a0\u00e9 uma hist\u00f3ria sobre dor.<\/p>\n

Suas personagens s\u00e3o receosas, indecisas, mas tamb\u00e9m valentes e determinadas \u2013 contra, muitas vezes, seus melhores interesses.<\/p>\n

\u00c9 um mang\u00e1 sobre a morte e o luto. Por\u00e9m, como outras hist\u00f3rias de seu g\u00eanero, \u00e9 fundamentalmente sobre aqueles que ficam para tr\u00e1s. E as terr\u00edveis dist\u00e2ncias que est\u00e3o dispostos a percorrer para n\u00e3o sucumbir ao desespero.<\/p>\n

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\u00c9 dif\u00edcil adivinhar aonde o mang\u00e1 josei <\/em>de Asuka Konichi<\/a> pretende nos levar a julgar apenas por suas primeiras p\u00e1ginas. Isto porque o enredo se debru\u00e7a sobre habitantes de uma realidade t\u00e3o ex\u00f3tica \u00e0 maioria de n\u00f3s que parece sa\u00edda de um livro empoeirado.<\/p>\n

Haru e Natsumi s\u00e3o descendentes do zaibatsu <\/em><\/a>Tachibana, uma das linhagens mais influentes do Jap\u00e3o no s\u00e9culo XIX. Hoje, a fam\u00edlia \u00e9 uma sombra do que foi um dia, mas ainda preserva seu orgulho \u2013 e seu respeito quase fan\u00e1tico \u00e0 tradi\u00e7\u00e3o. Haru, filha mais nova, tem o casamento arranjado a Togo, filho de outro importante magnata.<\/p>\n

Pouco tempo depois, ela morre de c\u00e2ncer. Tinha apenas 19 anos.<\/p>\n

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A doen\u00e7a n\u00e3o a levou de forma s\u00fabita. Pelo contr\u00e1rio, foi uma batalha que se estendeu por anos. Como tantas fam\u00edlias amaldi\u00e7oadas por este fardo, os Tachibana se v\u00eaem sem prop\u00f3sito quando a filha finalmente morre. O fato de serem uma linhagem tradicional\u00edssima, que prezam uni\u00e3o e continuidade acima de tudo, s\u00f3 torna a trag\u00e9dia mais traum\u00e1tica.<\/p>\n

Para Natsumi, a perda tem contornos mais pessoais. Mais do que qualquer membro da fam\u00edlia, ela tornou proteger a vida da irm\u00e3 como miss\u00e3o de vida. Sua morte a faz se sentir como um s\u00fadito que falhou a seu mestre. No vel\u00f3rio, ela n\u00e3o esconde que contempla o suic\u00eddio.<\/p>\n

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Pensar em um ente querido nesses termos pode parecer um exagero, mas a rela\u00e7\u00e3o entre as irm\u00e3s nada tem de sutil. A devo\u00e7\u00e3o de Natsumi a Haru era tamanha que ela decidiu mudar sua carreira e estudar nutri\u00e7\u00e3o para ajudar a manter-se saud\u00e1vel.<\/p>\n

Quando Haru foi hospitalizada, passou a dedicar cada hora livre de seu dia a acompanh\u00e1-la no hospital. O pre\u00e7o desta dedica\u00e7\u00e3o foi a neglig\u00eancia completa de sua vida amorosa, podada no talo justamente na \u00e9poca em que Natsumi deveria estar curtindo sua juventude, aprendendo a se relacionar.<\/p>\n

Em uma conversa com Togo, ela confessa sequer saber se gosta de homens ou mulheres. A adora\u00e7\u00e3o \u00e0 irm\u00e3 a consumiu de tal forma que n\u00e3o deixou espa\u00e7o para qualquer exerc\u00edcio de afeto.<\/p>\n

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\u00c9 essa obsess\u00e3o doentia que faz Natsumi tomar uma decis\u00e3o chocante, mesmo para um mang\u00e1 que fala de suic\u00eddio e casamentos arranjados.<\/p>\n

Contra seus melhores instintos, Haru decide come\u00e7ar um relacionamento com Togo, marido de Haru. Seu objetivo \u00e9 menos aplacar a solid\u00e3o que tentar, por todos os meios a seu alcance, manter vivo o que restou de sua irm\u00e3. Nem que seja apenas a mem\u00f3ria de encontros passados.<\/p>\n

Konichi equilibra tantos temas espinhosos, com tanto desapego, que \u00e9 nada menos que um milagre que Haru no Noroi<\/em> n\u00e3o sucumba \u00e0 far\u00e7a. \u00c9 m\u00e9rito da autora ter conseguido n\u00e3o s\u00f3 fazer sua premissa improv\u00e1vel funcionar, como apontado na experi\u00eancia de Natsumi e sua fam\u00edlia uma humanidade que todos somos capazes de reconhecer.<\/p>\n

Cada fam\u00edlia infeliz \u00e9 infeliz a sua pr\u00f3pria maneira, lembrava Tolst\u00f3i<\/a>, mas os dramas dos Tachibana s\u00e3o universais.<\/p>\n

A m\u00e3e de Natsumi e Haru abandonou a fam\u00edlia, incapaz de viver sob a felicidade posti\u00e7a de um casamento arranjado. Sua madrastra fez o melhor para ser aceita pelas enteadas, mas \u00e9 t\u00e3o incapaz de esconder a dor da rejei\u00e7\u00e3o quanto Natsumi e Haru s\u00e3o dispostas a aceit\u00e1-la.<\/p>\n

Togo erige uma fachada de indiferen\u00e7a mas nos perguntamos, p\u00e1gina ap\u00f3s p\u00e1gina, se aqueles sentimentos s\u00e3o deles ou de sua fam\u00edlia. \u201cPessoas mortas n\u00e3o sentem tristeza!\u201d ele esbraveja, alto o suficiente para que saibamos que n\u00e3o acredita de verdade naquilo que diz.<\/p>\n

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A rela\u00e7\u00e3o de Natsumi e Togo nunca se materializa como amor. Quanto mais aprendemos sobre suas vidas, mais percebemos que este nunca foi o ponto.<\/p>\n

Por tradi\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m afeto, as outras pessoas da sua vida se apressam para varrer Haru de seus pensamentos e devolv\u00ea-los a sua vida antiga. O que est\u00e1 realmente em jogo, eles logo aprendem, \u00e9 quanto tempo conseguir\u00e3o andar na corda bamba entre este esquecimento e a mem\u00f3ria da irm\u00e3 que os contamina como uma maldi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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O mang\u00e1 veste seu simbolismo com orgulho. Haru significa \u201cprimavera\u201d; Natsumi, \u201cver\u00e3o\u201d. Os nomes de cada um dos oito cap\u00edtulos acompanham o desenrolar do ano, com \u00eanfase na passagem das esta\u00e7\u00f5es. O primeiro e o \u00faltimo formam uma \u00fanica frase que se torna mais sinistra quanto mais avan\u00e7amos na hist\u00f3ria: \u201cA primavera se foi\u201d, \u201ce o inverno vir\u00e1\u201d.<\/p>\n

\u201cInverno\u201d, pois \u00e9 poss\u00edvel que, ao buscarem conforto, tudo o que encontrem sejam galhos secos. E se h\u00e1 alguma certeza \u00e9 de que o percurso ser\u00e1 longo e dif\u00edcil e doloroso.<\/p>\n

\u201cTalvez n\u00f3s n\u00e3o estejamos amaldi\u00e7oados\u201d diz Togo a Natsumi \u201cmas esse sentimento provavelmente nunca ir\u00e1 embora\u201d.<\/p>\n

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Certas hist\u00f3rias usam o sofrimento humano como muleta para l\u00e1grimas f\u00e1ceis. Outras torturam suas personagens para conquistar uma respeitabilidade que n\u00e3o merecem. Muitas vezes, apenas por sadismo.<\/p>\n

Haru no Noroi\u00a0<\/em>pertence a um outro tipo, que prefere a descri\u00e7\u00e3o \u00e0 explica\u00e7\u00e3o, a compaix\u00e3o \u00e0 li\u00e7\u00e3o de moral, a sutileza ao valor de choque. Um tipo de hist\u00f3ria corajosa o suficiente para nos olhar nos olhos e admitir que contra certas dores n\u00e3o existem al\u00edvios.<\/p>\n

\u00c9 pouco. Por\u00e9m, como Togo e Natsumi nos mostram, mesmo um pouco de honestidade pode salvar o futuro de uma pessoa.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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