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{"id":20576,"date":"2018-10-10T21:58:08","date_gmt":"2018-10-11T00:58:08","guid":{"rendered":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/?p=20576"},"modified":"2019-02-24T10:06:53","modified_gmt":"2019-02-24T13:06:53","slug":"anime-x-livro-as-memorias-de-marnie","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/2018\/10\/10\/anime-x-livro-as-memorias-de-marnie\/","title":{"rendered":"Anime x livro: “As Mem\u00f3rias de Marnie”"},"content":{"rendered":"

Anime x Livro\u00a0tem como objetivo comparar romances da literatura com suas adapta\u00e7\u00f5es na telinha japonesa. A proposta \u00e9 sair do fla-flu e esmiu\u00e7ar essas s\u00e9ries (e livros) em detalhe.\u00a0<\/em><\/p>\n

Nos idos de 2014, o Studio Ghibli se despediu de seus f\u00e3s com um filme um tanto diferente:\u00a0As Mem\u00f3rias de Marnie.\u00a0<\/em>O longa chamou a aten\u00e7\u00e3o pelo seu estilo\u00a0low key<\/em>, pela est\u00e9tica um tanto ocidental e pelo seu diretor, Hiromasa Yonebayashi, menos conhecido que os decanos Miyazaki e Takahata.<\/p>\n

<\/p>\n

F\u00e3s do est\u00fadio talvez n\u00e3o saibam que o filme foi baseado em um antigo cl\u00e1ssico da literatura brit\u00e2nica. Que o pr\u00f3prio Miyazaki elegeu como um dos melhores romances<\/a> j\u00e1 escritos para jovens.<\/p>\n

Qu\u00e3o parecido ficou a adapta\u00e7\u00e3o do original? Vamos juntos descobrir.<\/p>\n

Clique nos t\u00edtulos para ir direto \u00e0s se\u00e7\u00f5es. Ou ent\u00e3o s\u00f3 continue abaixo, se estiver com tempo.\u00a0<\/em>AVISO (DESNECESS\u00c1RIO): Cont\u00e9m SPOILERS para\u00a0<\/em>As Mem\u00f3rias de Marnie)<\/p>\n

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As Mem\u00f3rias de Marnie\u00a0<\/em>n\u00e3o \u00e9 um romance t\u00e3o conhecido fora do Reino Unido. Mesmo assim, foi um grande sucesso da literatura brit\u00e2nica, rendendo uma indica\u00e7\u00e3o \u00e0 Medalha Carnegie<\/a>.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Ele conta a hist\u00f3ria de Anna, uma garota solit\u00e1ria que n\u00e3o consegue de forma alguma se encaixar. \u00d3rf\u00e3, ela descobre certo dia que sua m\u00e3e adotiva recebe dinheiro para cri\u00e1-la.<\/p>\n

Subs\u00eddios do governo a pais de \u00f3rf\u00e3os s\u00e3o coisa super normal. Anna, por\u00e9m, n\u00e3o sabe disso. A seus olhos de crian\u00e7a, aquele cheque significa que sua “tia” (como a chama) n\u00e3o a ama de verdade. E que ela \u00e9, no final das contas, apenas uma despesa.<\/p>\n

Aflita com a melancolia de Anna, sua m\u00e3e adotiva a leva \u00e0 casa de um casal de amigos na praia, esperando que a mudan\u00e7a de ares ajude a garota a se encontrar.<\/p>\n

Na pequena cidade portu\u00e1ria, Anna encontra um misterioso casar\u00e3o beirando a areia que parece esconder um mist\u00e9rio ainda maior: uma linda garota loira que aparece em suas janelas.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Ela diz se chamar Marnie e logo se torna a melhor amiga de Anna. Mas algo n\u00e3o parece muito certo.<\/p>\n

Por que Marnie se veste com roupas antigas, como se viesse do passado? Por que sua casa parece ora abandonada, ora polvilhada de aristocratas, camareiras e mordomos?<\/p>\n

Seria Marnie uma garota de verdade? Um del\u00edrio, uma amiga imagin\u00e1ria… um fantasma?<\/p>\n

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\n\"\"<\/p>\n

Marnie<\/em> n\u00e3o \u00e9 uma hist\u00f3ria estranha ao mestres do Ghibli, e provavelmente deve sua longevidade ao est\u00fadio japon\u00eas.<\/p>\n

Como mencionei na introdu\u00e7\u00e3o, o livro aparece em quarto lugar em uma lista de 50 melhores livros-infanto juvenis<\/a> elaborada por Hayao Miyazaki. Mesmo assim, n\u00e3o foi o criador de Totoro, e sim Hiromasa Yonebayashi (Arriety, Mary to Majo no Hana)<\/a>\u00a0<\/em>quem o levou \u00e0 telona.<\/p>\n

O longa foi o \u00faltimo filme do Studio Ghibli antes de seu hiato em 2014. O encerramento das atividades levou uma s\u00e9rie de criadores (entre os quais o pr\u00f3prio Yonebayashi) a fundar uma empresa sucessora, o Studio Ponoc, pela qual lan\u00e7ariam outros filmes.<\/p>\n

Tudo isso fez com que\u00a0Marnie <\/em>fosse lan\u00e7ado em um clima de certa melancolia, ofuscado pela sombra de\u00a0Princesa Kaguya<\/em><\/a>, contra o qual sua atmosfera pacata e ambienta\u00e7\u00e3o simples custou a competir.<\/p>\n

Se Marnie\u00a0<\/em>n\u00e3o foi um arrasa-quarteir\u00f5es para os padr\u00f5es ghiblianos, o mesmo n\u00e3o pode ser dito de seu material de origem. O anime renovou o interesse no livro original, tornando-o um sucesso mundial de p\u00fablico d\u00e9cadas depois da morte da autora.<\/p>\n

Ser\u00e1 que alguma coisa se perdeu na tradu\u00e7\u00e3o? Ou teriam os ares japoneses at\u00e9 mesmo melhorado essa hist\u00f3ria?<\/p>\n

Para responder, vamos por partes.<\/p>\n

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\n\"\"<\/p>\n

A diferen\u00e7a mais \u00f3bvia entre livro e filme \u00e9 o lugar onde sua hist\u00f3ria se passa.\u00a0Marnie,\u00a0<\/em>o livro, \u00e9 ambientado em Norfolk, na Inglaterra, prov\u00edncia em que a pr\u00f3pria Robinson viveu.<\/p>\n

Que Yonebayashi a transportaria ao Jap\u00e3o era inevit\u00e1vel. Por\u00e9m, h\u00e1 uma peculiaridade do condado que vale a pena comentar.<\/p>\n

Para aqueles que n\u00e3o conhecem muito a Inglaterra, Norfolk \u00e9 aquela “bundinha” da regi\u00e3o de East Anglia, virada para o Mar do Norte:<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Como o mapa deixa claro, n\u00e3o \u00e9 apenas um condado interiorano. \u00c9 um lugar que est\u00e1 completamente fora das grandes rotas ligando cidades importantes como Londres, Manchester, Birmingham ou York. Se voc\u00ea foi parar em Norfolk, \u00e9\u00a0porque quis<\/strong> ir para Norfolk.<\/p>\n

Como escreveu Kazuo Ishiguro no seu bel\u00edssimo\u00a0N\u00e3o me Abandone Jamais:\u00a0<\/em><\/p>\n

“Voc\u00eas v\u00eaem, porque est\u00e1 saltado para fora aqui no leste, nessa corcunda saindo para o mar, [Norfolk] n\u00e3o est\u00e1 no caminho de nada. Pessoas indo para o norte ou para o sul” ela mexia a varinha para cima e para baixo “elas o evitam completamente. Por essa raz\u00e3o, \u00e9 um canto pacato da Inglaterra, bastante agrad\u00e1vel. Mas \u00e9 tamb\u00e9m um canto perdido.”\u00a0(p. 60)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

\u00c9 nesse “canto perdido” que Anna, uma garota da cidade, se v\u00ea exilada durante sua crise de solid\u00e3o.<\/p>\n

Yonebayashi teve uma tarefa ingrata ao transpor esse cen\u00e1rio ao Jap\u00e3o. Felizmente, a Ilha do Sol Nascente possui sua cota de condados pacatos.<\/p>\n

O local escolhido foi um vilarejo pr\u00f3ximo a Kushino, na ilha de Hokkaido no extremo norte do Jap\u00e3o.<\/p>\n

\"\"

A cidade de Kushiro em Hokkaido, onde se passa o filme.<\/p><\/div>\n

Prov\u00edncia rural, isolada do “mei\u00e3o” urbano de Kanto e Kansai, \u00e9 de fato o mais pr\u00f3ximo de um “canto perdido” que o pa\u00eds tem a oferecer.<\/p>\n

<\/a>
\n\"\"<\/p>\n

Marian (aka Marnie)<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Ela olhava diretamente \u00e0 frente conforme remava, seus olhos abertos jamais piscando, esfor\u00e7ando-se para absorver cada detalhe de sua nova amiga atrav\u00e9s da escurid\u00e3o. Ela viu que seu cabelo liso e loiro estava preso naquela noite, pendurado sobre seus ombros em duas longas tran\u00e7as que balan\u00e7avam para frente e para tr\u00e1s cada vez que ela se debru\u00e7ava. Debaixo de seu cardig\u00e3 ela usava novamente um vestido longo e branco que se estendia quase at\u00e9 seus p\u00e9s. Teria ficado estranho em qualquer outra pessoa, mas Anna o aceitava sem titubear. Parecia certo que aquela garota parecesse uma personagem de um conto de fada.\u00a0(p. 77)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

O trecho acima diz tudo o que h\u00e1 de ser dito sobre Marnie: ela \u00e9 uma personagem sa\u00edda de um conto de fadas.<\/p>\n

Com cachos loiros que parecem feitos de ouro, olhos penetrantes e roupas anacr\u00f4nicas, ela arrebata a aten\u00e7\u00e3o de Anna (e de n\u00f3s, leitores) quase de imediato.<\/p>\n

Yonebayashi n\u00e3o fez qualquer mudan\u00e7a \u00e0 caracteriza\u00e7\u00e3o de Robinson. Pelo contr\u00e1rio, adaptou o seu pr\u00f3prio cen\u00e1rio para que Marnie se mantivesse exatamente a mesma, a despeito de ser transportada a outro pa\u00eds e \u00e9poca.<\/p>\n

Para que preservasse seus tra\u00e7os caucasianos, o anime deu a ela um pai estrangeiro. Tanto ela quanto Anna (que, descobrimos, \u00e9 sua neta) herdaram seus olhos azuis, coisa inusitada para japonesas que contribui para que a protagonista se sinta ainda mais deslocada.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Princesa europeia perdida no interior do Jap\u00e3o, Marnie ganha assim uma aura mais et\u00e9rea e fantasmag\u00f3rica do que contava no livro. Mais do que uma garota de outra \u00e9poca, ela parece uma figura de\u00a0outro mundo<\/strong>, habitado por dignat\u00e1rios estrangeiros e mans\u00f5es ocidentais.<\/p>\n

Exatamente como os ricos japonesas da Era Meiji<\/a> (1867-1912), que constru\u00edram casar\u00f5es muito parecidos com a casa em que Marnie vive:<\/p>\n

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Casar\u00e3o em estilo ocidental na cidade de Fukuoka. Fonte<\/a><\/p><\/div>\n

Os Pegg\/Oiwa<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Claro, a mo\u00e7oila podia vir e seria bem vinda. Ela e o Sam adorariam receb\u00ea-la, embora a gente n\u00e3o fosse mais t\u00e3o jovem e o Sam sofresse daquele reumatismo sei l\u00e1 o qu\u00ea cr\u00f4nico desde o inverno passado. Mas vendo que ela \u00e9 uma coisinha mansa que n\u00e3o curtia muito aprontar eles torciam para que ela ficasse feliz. “Como voc\u00ea se lembra” escreveu a Sra. Pegg “Somos gente simples e de casa aqui na nossa, mas as camas s\u00e3o confort\u00e1veis e n\u00e3o carecemos de nada agora com a tev\u00ea\u00a0\u00a0(p.12)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

O Sr. e Sra. Pegg (em japon\u00eas, os Oiwa) s\u00e3o os amigos da Sra. Preston, m\u00e3e adotiva de Anna, que a recebem durante sua estada em Kushino.<\/p>\n

Casal simp\u00e1tico, de modos simples e jeito caloroso, eles ficam aflitos com a dificuldade de Anna em se enturmar. Ao longo do livro, suas personalidades conflitantes trar\u00e3o algumas fa\u00edscas.<\/p>\n

Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras, e isso sem d\u00favida \u00e9 verdade para os Oiwa. A produ\u00e7\u00e3o luxuosa do Studio Ghibli deu vida ao casal de forma que supera a pr\u00f3pria prosa de Robinson. Seja dirigindo seu carro min\u00fasculo, seja esculpindo corujas de madeira, o casal parece sa\u00eddo de Mem\u00f3rias de Ontem<\/em>, um dos melhores animes sobre o Jap\u00e3o rural.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Se nada mais, \u00e9 poss\u00edvel que Yonebayashi tenha gostado dos Oiwa at\u00e9 demais. No livro, eles s\u00e3o retratados de maneira cordial, por\u00e9m distante; dispostos a ajudar Anna, mas incapazes (de um jeito quase grosseiro) de entender o que a aflige.<\/p>\n

No filme, pelo contr\u00e1rio, eles s\u00e3o incrivelmente compreens\u00edveis, mesmo quando Anna perde a compostura de forma indesculp\u00e1vel.<\/p>\n

Ap\u00f3s xingar uma menina da vizinhan\u00e7a (vide \u201cSandra\u201d, abaixo), os Oiwa s\u00e3o emboscados pela m\u00e3e revoltada. Ao saber do ocorrido, eles tentam colocar panos quentes, e em momento algum se irritam com a garota. Ao descobrir que ela os estava escutando, escondida, dizem apenas que ela foi \u201cum pouco dura demais\u201d com suas palavras.<\/p>\n

No livro, pelo contr\u00e1rio, brigar com sua vizinha deixa Anna apavorada. Ela passa cap\u00edtulos a fio temendo a rea\u00e7\u00e3o da Sra. Pegg, e quando ela chega, \u00e9 t\u00e3o dura quanto ela \u2013 e os leitores \u2013 estavam esperando.<\/p>\n

O epis\u00f3dio \u00e9 importante porque ressalta o distanciamento de Anna para com as outras pessoas. A garota foge para a companhia de Marnie porque est\u00e1 legitimamente apavorada com a perspectiva de uma bronca. E, de uma forma geral, de ser apenas um fardo na vida dos adultos, seja dos Pegg, seja de sua m\u00e3e adotiva.<\/p>\n

Sem esse contraponto, a separa\u00e7\u00e3o entre os dois mundos no anime se torna muito mais sutil. De onde os muitos palpites errados que apostavam em um romance entre Anna e Marnie.<\/p>\n

Afinal, o que faria uma garota se obcecar tanto por outra se n\u00e3o o amor?<\/p>\n

Wuntermenny\/Toichi<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Sim, claro que Anna podia descer at\u00e9 a angra. Se a mar\u00e9 estivesse baixa ela podia andar pelo charco at\u00e9 a praia e se estivesse alta ela sempre podia descer no barco de Wuntermenny. “Desde que voc\u00ea n\u00e3o se incomode em n\u00e3o ter companhia” ela disse.\u00a0(p. 32)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

O barqueiro rabugento com que Anna faz amizade \u00e9 uma personagem secund\u00e1ria na hist\u00f3ria. Mesmo assim, ele \u00e9 um dos motivos que fazem de\u00a0Marnie\u00a0<\/em>um conto fora de s\u00e9rie.<\/p>\n

No livro, ele recebe seu nome peculiar por ser o d\u00e9cimo primeiro (!) filho de uma fam\u00edlia muito pobre. Cansado dos frequentes partos, sua m\u00e3e nem tem mais energia para batiz\u00e1-lo. “Deus me livre” ela diz “esse j\u00e1 \u00e9 demais da conta”.<\/p>\n

O “nome” colou, e ele passou a ser conhecido por Wuntermenny (pron\u00fancia fon\u00e9tica de “one-too-many”, <\/em>“um demais da conta” em ingl\u00eas).<\/p>\n

O trecho original \u00e9 uma das passagens mais primorosas do livro, que mostra o cuidado de Robinson em reproduzir o sotaque caipira de Norfolk:<\/p>\n

\u201cAh! I\u2019ll tell you how it was, then, since you\u2019re asking,\u201d said Sam. \u201cWuntermenny\u2019s ma \u2013 old Mrs West, that was \u2013 she had ten already when he was born. \u2018What\u2019re you going to call him, mam?\u2019 they all says, and she says, tired-like, \u2018Lord knows! He\u2019m one-too-many and that\u2019s a fact.\u2019 So that\u2019s how it was!\u201d he said, laughing and spluttering into his mug of tea. \u201cAnd\u00a0Wuntermenny West he\u2019s been ever since.\u201d (pp. 32-33)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Ca\u00e7ula de uma fam\u00edlia paup\u00e9rrima, Wuntermenny sofria bullying frequente das crian\u00e7as da aldeia. Coisa que n\u00e3o escapou a Marnie, que escrevia sobre o garoto em seu di\u00e1rio.<\/p>\n

Nada disso aparece no filme, mas Yonebayashi conseguiu colocar a por\u00e7\u00e3o certa de refer\u00eancias na forma de Easter Eggs.<\/p>\n

Seu Wuntermenny se chama Toichi (\u5341\u4e00), literalmente “onze”, uma refer\u00eancia a seus dez irm\u00e3os mais velhos. Para a surpresa de Anna, que o julgava mudo, ele tamb\u00e9m tem recorda\u00e7\u00f5es de Marnie, que compartilha ao final do anime. Sua primeira – e \u00fanica – fala no filme.<\/p>\n

Para aqueles que leram o livro, a cena tem um qu\u00ea de poesia. A Marnie do romance observava Wuntermenny com pena, aflita por n\u00e3o poder ajud\u00e1-lo. O Toichi de Yonebayashi a responde, confessando que ele, tamb\u00e9m, sofria com a separa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Sandra\/Nobuko<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Sandra era loira e maci\u00e7a. Seu vestido era curto demais, e seus joelhos, gordos demais, e ela n\u00e3o tinha nada a dizer. Anna passou uma tarde insuport\u00e1vel jogando cartas com ela na mesa da cozinha enquanto a Sra. Pegg e a m\u00e3e de Sandra se sentavam e conversavam na sala. Sandra e Anna conheciam vers\u00f5es diferentes de todos os jogos, Sandra trapaceava, e elas n\u00e3o tinham nada a dizer.\u00a0(p.40)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Desesperados com a apatia de Anna, os Pegg decidem lhe dar uma amiguinha. A escolhida \u00e9 Sandra (em japon\u00eas Nobuko), filha de uma vizinha.<\/p>\n

Sandra \u00e9 uma garota que n\u00e3o tem, a princ\u00edpio, nada de errado. Mesmo assim, Anna n\u00e3o consegue sentir afeto por ela. Tudo na menina lhe inspira antipatia, de seu corpo roli\u00e7o ao seu jeito espevitado.<\/p>\n

\u00c9 um (de tantos) problemas que apenas crian\u00e7as entendem e que contribuem para piorar cada vez mais a solid\u00e3o da protagonista.<\/p>\n

No anime, Sandra \u00e9 retratada com uma fidelidade que chega a ser cruel. Yonebayashi a imagina como uma esp\u00e9cie de \u201cdona da rua\u201d, metendo-se na vida das outras crian\u00e7as e liderando-as em trabalho volunt\u00e1rio.<\/p>\n

A \u201cgota d\u2019\u00e1gua\u201d acontece durante um festival de ver\u00e3o, cerim\u00f4nia tipicamente japonesa que obviamente n\u00e3o est\u00e1 no livro original. Pressionada por Nobuko a se entrosar, Anna estoura e a xinga. \u00c9 o estopim de um mal-estar que s\u00f3 ser\u00e1 resolvido no final do filme.<\/p>\n

O epis\u00f3dio \u00e9 um exemplo curioso de adapta\u00e7\u00e3o. Seu di\u00e1logo foi puxado quase que diretamente do livro, mas ele ganhou uma conota\u00e7\u00e3o toda diferente.<\/p>\n

Anna diz que Sandra parece uma \u201cporca gorda\u201d. Ultrajada, a garota responde que Anna parece \u201cexatamente o que ela \u00e9\u201d. Tanto no original como na adapta\u00e7\u00e3o a frase mexe com a protagonista, mas n\u00e3o pelos mesmos motivos.<\/p>\n

No livro, ela alimenta as inseguran\u00e7as de Anna de que ela seria uma garota completamente normal, sem gra\u00e7a. Uma menina, nas suas pr\u00f3prias palavras, com um \u201crosto de madeira\u201d.<\/p>\n

No anime, pelo contr\u00e1rio, Anna se aflige porque tem medo de n\u00e3o ser normal<\/strong>. Em vez de mostr\u00e1-la direto na plataforma de trem, Yonebayashi abre seu filme com uma tomada da garota em um trabalho da escola, sentindo-se exclu\u00edda pelos demais alunos.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

A Anna de Robinson sofre porque desaparece na multid\u00e3o. A Anna de Yonebayashi, porque \u00e9 incapaz de faz\u00ea-lo.<\/p>\n

\u00c9 uma diferen\u00e7a sutil, mas que revela bem as diferentes press\u00f5es sociais que acometem os jovens na Inglaterra dos anos 1960 e no Jap\u00e3o dos dias de hoje.<\/p>\n

Scilla\/Sayaka<\/strong>\"\"<\/strong><\/h3>\n

“A Priscilla viu voc\u00ea primeiro” disse a garota com as tran\u00e7as. “Ela \u00e9 aquela ali”. Ela apontou para uma menina de cabelos castanhos que estava olhando para a frente, em sil\u00eancio, com os olhos arregalados.\u00a0(p. 184)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Scilla (apelido de Priscilla) \u00e9 a garota que faz Anna entender que Marnie n\u00e3o \u00e9 apenas uma obra da sua imagina\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Depois de um tempo sem ver sua amiga, Anna se surpreende ao encontrar a casa do p\u00e2ntano em reformas. Uma nova fam\u00edlia \u2013 bem mais moderna e \u201ccomum\u201d \u2013 passa a habitar as janelas onde antes via Marnie e suas governantas.<\/p>\n

Anna come\u00e7a a pensar que estivera delirando, at\u00e9 que uma das crian\u00e7as a chama de \u201cMarnie\u201d. \u00c9 a deixa para que entenda que mais algu\u00e9m al\u00e9m dela fez contato com a menina de cabelos loiros.<\/p>\n

Batizada de Sayaka no anime de Yonebayashi, Scilla se manteve relativamente fiel \u00e0 sua origem. Se no livro de Robinson ela era londrina, o filme a transformou em uma nativa de T\u00f3quio, preservando a pompa de uma garota da cidade grande.<\/p>\n

Infelizmente, as pouco menos de 2h do anime n\u00e3o foram suficientes para reproduzir todos os detalhes do romance. E Scilla, personagem secund\u00e1ria, acabou v\u00edtima da sala de edi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Embora o conte\u00fado da sua participa\u00e7\u00e3o n\u00e3o tenha mudado, a forma como \u00e9 contada sofreu algumas das mudan\u00e7as mais expressivas.<\/p>\n

No filme, Anna conhece Sayaka quando esta grita o nome de \u201cMarnie\u201d da janela. No livro, o encontro \u00e9 a conclus\u00e3o de uma persegui\u00e7\u00e3o de dias, em que ambas as garotas pensam que est\u00e3o atr\u00e1s de um fantasma.<\/p>\n

Quando a revela\u00e7\u00e3o de fato aparece, \u00e9 de uma forma t\u00e3o doce que nos faz sentir pena de n\u00e3o ter sido adaptada \u00e0s telas:<\/p>\n

A mar\u00e9 j\u00e1 havia virado quando ela alcan\u00e7ou a praia. O c\u00e9u estava encoberto e parecia cinza e solit\u00e1rio, muito diferente do local ensolarado onde eles tinham jogado cr\u00edquete naquela tarde. Tinha sido est\u00fapido fazer todo aquele caminho at\u00e9 ali s\u00f3 para ver alguma coisa escrita na areia por uma garotinha, ela pensou. Mas ela desejara vir. Ela gostava de Scilla e estava feliz em saber que ela desejava compartilhar um segredo com ela, mesmo se fosse um segredo infantil.<\/p>\n

Ela andou at\u00e9 a beira da \u00e1gua e o viu. Conchas e tiras de algas tinham sido usadas para fazer o padr\u00e3o detalhado de cada letra, e o nome MARNIE estava escrito na areia. (p. 201)<\/em><\/p>\n

\"\"<\/p><\/blockquote>\n

\u00a0<\/em><\/p>\n

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A vendedora de flores<\/strong><\/h3>\n

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A amizade entre Marnie e Anna come\u00e7a de forma t\u00edmida. Ciente das suas visitas, a habitante do casar\u00e3o passa a deixar um barco para que Anna possa visit\u00e1-la. Sua casa, afinal, fica de frente a um p\u00e2ntano, inacess\u00edvel a p\u00e9 na mar\u00e9 alta.<\/p>\n

\u00c9 apenas ao tomar os remos e surpreender a amiga durante uma festa que sua estrepolia de ver\u00e3o se transforma em uma aventura para nunca mais esquecer. Em vez da amiga, Anna encontra uma festa de arromba povoada por rica\u00e7os e mordomos sa\u00eddos de\u00a0Downtown Abbey<\/em>:<\/p>\n

“Homens e mulheres em uniformes negros e vestidos brilhantes moviam-se de um lado para o outro. Anna viu o cintilar de j\u00f3ias, o lustro de correntes de ouro, a luz reluzindo em ta\u00e7as de vinho, vasos de rosas vermelhas e brancas e um fundo de cortinas carmesins. O corredor foi subitamente preenchido pelo som de vozes e gargalhadas e m\u00fasica.\u00a0(p. 99)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

\"\"<\/p>\n

Anna tenta fugir, mas Marnie lhe d\u00e1 uma ideia melhor. Emprestando-lhe um xale e um cesto de flores, ela disfar\u00e7a a amiga de “cigana” e pede que se intrometa no baile fingindo ser uma mendiga.<\/p>\n

O plano, surpreendentemente, d\u00e1 certo. Anna se torna uma sensa\u00e7\u00e3o, bebe vinho pela primeira vez e dan\u00e7a b\u00eabada nos bra\u00e7os de Marnie sob a luz do luar.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

A cena \u00e9 t\u00e3o perfeita ao esp\u00edrito e \u00e0 letra do livro de Robinson que mal deixa o que comentar. Os animadores chegaram at\u00e9 a reproduzir a mesm\u00edssima flor que Anna colhe no livro: a lavanda do mar, g\u00eanero nativo de Norfolk.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

A realidade come\u00e7a a se dissolver<\/strong>\"\"<\/strong><\/h3>\n

A festa leva Anna a pensar que seus dias com Marnie s\u00e3o bons demais para serem verdade. Em tempo, ela descobre que de fato s\u00e3o.<\/p>\n

Depois daquela noite, Marnie convida Anna para participar de um jogo. Cada uma responder\u00e1 a tr\u00eas perguntas sobre sua vida.<\/p>\n

Tudo parece normal at\u00e9 que Marnie lhe pergunta como \u00e9 morar na casa dos Pegg:<\/p>\n

Anna abriu sua boca para responder e descobriu, para sua surpresa, que ela n\u00e3o conseguia se lembrar. Talvez fosse porque ela estivesse pensando na resposta de Marnie e se perguntando se era Pluto quem ela \u00e0s vezes escutava latindo de noite. Como\u00a0era\u00a0<\/em>estar na casa dos Pegg? Nem um m\u00edsero detalhe ela conseguia lembrar. Tudo havia sa\u00eddo de sua cabe\u00e7a t\u00e3o completamente como se algu\u00e9m tivesse apagado uma lousa com uma esponja. Marnie, que at\u00e9 ent\u00e3o s\u00f3 parecia meio real, tinha agora se tornado mais real que os Pegg.\u00a0(p. 81)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Anna sente como se estivesse habitando duas realidades diferentes que n\u00e3o se misturam. Quando est\u00e1 com Marnie, o mundo “normal” parece desaparecer. Quando est\u00e1 na cidade na companhia dos outros, a amiga desaparece, e seu casar\u00e3o volta a ser uma ru\u00edna.<\/p>\n

A dualidade come\u00e7a a afetar sua pr\u00f3pria mente. Com o tempo, ela se v\u00ea repetindo a Marnie coisas que a amiga disse a ela – e escutando, em troca, frases que um dia sa\u00edram de sua boca:<\/p>\n

“Isso \u00e9 o que eu disse a voc\u00ea – da \u00faltima vez em que n\u00f3s est\u00e1vamos aqui.”<\/p>\n

“Foi mesmo?”<\/p>\n

“Sim, voc\u00ea n\u00e3o lembra? Oh, pobre Marnie! Eu amo voc\u00ea. Eu amo voc\u00ea mais do que qualquer garota que eu j\u00e1 conheci”. Ela estendeu a m\u00e3o para tocar os cabelos de Marnie, ent\u00e3o parou a meio caminho. “E foi isso que voc\u00ea disse para mim” ela disse devagar, com um olhar surpreso em seu rosto. “Que engra\u00e7ado. At\u00e9 parece que estamos trocando de lugar.”\u00a0(p. 145)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Yonebayashi n\u00e3o se contentou em reproduzir a cena nos seus m\u00ednimos detalhes.\u00a0 Ele usou toda a bagagem visual do Studio Ghibli para contrastar (e misturar) a realidade com o mundo dos sonhos.\u00a0 Repetindo uma t\u00e9cnica usada por Miyazaki em\u00a0Vidas ao Vento,\u00a0<\/em>o diretor acrescentou uma cena deliberadamente fant\u00e1stica \u00e0 sua hist\u00f3ria realista.<\/p>\n

Em dado momento, pr\u00f3ximo ao fim do longa, Anna se v\u00ea perdida em um dil\u00favio, que envolve toda a praia at\u00e9 deixar apenas um pequeno morro.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Ao subir \u00e0 seguran\u00e7a, uma onda de cor varre a paisagem, transformando o casar\u00e3o em ru\u00ednas na mans\u00e3o iluminada de seus sonhos.<\/p>\n

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\"\"<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

A cena n\u00e3o aparece no livro – pelo menos, n\u00e3o desse jeito. Apontar isso, contudo,\u00a0 \u00e9 perder o mais importante de vista. Sem as longas descri\u00e7\u00f5es e o discurso indireto do romance, Yonabayashi precisou de outros recursos para ilustrar a catarse de Anna. A solu\u00e7\u00e3o que arranjou conseguiu ser mais emocionante que seu material de origem.<\/p>\n

O di\u00e1rio de Marnie<\/strong><\/h3>\n

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A confus\u00e3o de Anna come\u00e7a a ser elucidada quando Scilla (Sayaka) entra na hist\u00f3ria.<\/p>\n

A revela\u00e7\u00e3o vem de um di\u00e1rio que a colega encontra no antigo quarto da garota, narrando em detalhes as aventuras que ela e Anna viveram juntas. O texto n\u00e3o deixa d\u00favidas de que Marnie foi uma garota de verdade, n\u00e3o apenas obra da sua imagina\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

S\u00f3 h\u00e1 um pequeno problema: o di\u00e1rio tem mais de cinquenta anos. Como ela pode se lembrar de coisas que aconteceram h\u00e1 tanto tempo?<\/p>\n

No filme, o pequeno caderno tem uma participa\u00e7\u00e3o mais expressiva do que no romance original. Encontrado com folhas arrancadas, Sayaka eventualmente o complementa com outras p\u00e1ginas achadas pelo casar\u00e3o. O resultado s\u00e3o duas cenas de revela\u00e7\u00e3o, completando o quebra-cabe\u00e7as ao longo do ter\u00e7o final do longa.<\/p>\n

No livro, pelo contr\u00e1rio, o di\u00e1rio d\u00e1 apenas as pistas iniciais \u00e0s garotas. O verdadeiro mist\u00e9rio s\u00f3 seria complementado depois (vide “A Hist\u00f3ria de Gillie” abaixo) em uma escolha narrativa que tirou muito do protagonismo de Anna e Scilla.<\/p>\n

O fundamental, no entanto, se manteve o mesmo. O di\u00e1rio lhes conta que Marnie sofria de um terr\u00edvel medo. Disposta a ajudar a amiga (e, no processo ,entend\u00ea-la), Anna decide enfrent\u00e1-lo.<\/p>\n

O moinho<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Na cidadezinha costeira havia um antigo moinho, que rumores diziam ser assombrado. Marnie morria de medo do edif\u00edcio – por motivos um tanto menos \u00f3bvios.<\/p>\n

Apesar de parecer viver uma vida de princesa, Marnie era maltratada pelas governantas. Quanto seus pais sa\u00edam para viajar (o que acontecia com bastante frequ\u00eancia), as criadas da mans\u00e3o aproveitavam para maltrat\u00e1-la.<\/p>\n

As puni\u00e7\u00f5es inclu\u00edam tranc\u00e1-la no quarto, machuc\u00e1-la de prop\u00f3sito (penteando seus cabelos com pentes duros) e algo ainda pior: arrast\u00e1-la at\u00e9 o moinho, amea\u00e7ando tranc\u00e1-la dentro da torre apodrecida.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Certo dia a tortura foi longe demais, e uma tempestade inesperada acabou trancando a pobre Marnie no moinho. A garota s\u00f3 foi salva por seu primo Edward (no filme, Kazuhiko) que depois tornar-se-ia seu marido.<\/p>\n

Com a inten\u00e7\u00e3o de faz\u00ea-la confrontar seu medo, Anna leva Marnie de volta ao moinho para mostrar como n\u00e3o a nada a temer. As duas s\u00e3o surpreendidas por outra tempestade, que termina deixando Anna apavorada, ensopada e delirante de febre.<\/p>\n

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Moinho de Burham Overy Sthaithe<\/a>, que inspirou o local do livro.<\/p><\/div>\n

O moinho (que existe de verdade) tamb\u00e9m ganhou espa\u00e7o na adapta\u00e7\u00e3o. Entretanto, o sentido do epis\u00f3dio variou um pouco de uma m\u00eddia para outra.<\/p>\n

Primeiro por conta da postura da pr\u00f3pria Marnie. Se no livro ela \u00e9 retratada como uma v\u00edtima de um staff<\/em> tirano, no filme ela \u00e9 uma garota simplesmente infernal.<\/p>\n

No seu pior momento, chega a prender sua governanta debaixo de um cobertor e a tranca dentro do quarto para que n\u00e3o atrapalhe sua travessura com Anna.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Somando a isso a diferen\u00e7a de classe entre Marnie e a governanta, n\u00e3o \u00e9 de se espantar que as criadas nutrissem rancor. Embora nada justifique as crueldades que infligiam \u00e0 menina, \u00e9 poss\u00edvel ver como, ao seus olhos, ela teve o que merecia.<\/p>\n

A diferen\u00e7a mais importante, por\u00e9m, diz respeito \u00e0 pr\u00f3pria Anna. No livro, j\u00e1 febril e delirante, a garota escuta Marnie sendo salva por Edward. Ao v\u00ea-los ir embora sem resgat\u00e1-la, ela fica desolada. Depois de tudo o que tinha feito por Marnie como ela ousava abandon\u00e1-la?<\/p>\n

A crise em sua amizade aparece nas telas, mas nem de longe com a intensidade com que foi trabalhada no romance. Na hist\u00f3ria de Robinson \u00e9 justamente fazer as pazes com aquela trai\u00e7\u00e3o que move Anna a desvendar o mist\u00e9rio at\u00e9 o fim.<\/p>\n

De certa forma, toda a sua amizade \u00e9 apresentada como uma rivalidade n\u00e3o declarada entre ela e Edward. Considerando que o rapaz \u00e9 na verdade seu av\u00f4 e que Marnie a criou como m\u00e3e (vide abaixo), a sub-trama tem um sentido simb\u00f3lico mais profundo.<\/p>\n

Anna, afinal de contas, foi abandonada diversas vezes durante sua vida: pela sua m\u00e3e que morreu, pela sua av\u00f3; que faleceu logo depois; por Sra. Preston, sua m\u00e3e adotiva, que cuida dela (ao seu ver) apenas por dinheiro.<\/p>\n

Apavorada pelo espectro do abandono materno, ela o projeta sobre a garota misteriosa.<\/p>\n

Nada \u00e9 por acaso. Como Anna logo descobre, Marnie \u00e9 muito mais que uma “amiga”.<\/p>\n

A hist\u00f3ria de Gillie<\/strong><\/h3>\n

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No final, a verdade chega de onde Anna menos espera. Gillie, uma artista da cidade, visita a fam\u00edlia de Scilla pouco depois de se mudarem. Ao escutar a hist\u00f3ria das garotas, ela revela o twist que fez amantes de\u00a0yuri\u00a0<\/em>do mundo todo espumarem de desapontamento.<\/p>\n

Marnie, no final das contas, n\u00e3o \u00e9 uma paixonice imagin\u00e1ria de Anna. \u00c9 uma amiga de inf\u00e2ncia de Gillie, que viveu naquela mesma casa cinquenta anos atr\u00e1s.<\/p>\n

Mais: ela \u00e9\u00a0a avo da pr\u00f3pria Anna<\/strong>, que a criou quando beb\u00ea.\u00a0 Se Anna tem mem\u00f3rias t\u00e3o v\u00edvidas dela – mesmo de epis\u00f3dios que n\u00e3o est\u00e3o em seu di\u00e1rio – \u00e9 porque Marnie usava essas hist\u00f3rias para embal\u00e1-la no ber\u00e7o.<\/p>\n

As mem\u00f3rias foram embora, mas alguns fiapos permaneceram. Como uma foto antiga da casa do p\u00e2ntano, assinada por Marnie, que Anna segurava em sua m\u00e3o no dia em que foi adotada.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

No livro, quem une os pontos \u00e9 sua m\u00e3e adotiva, Sra. Preston, que viaja para encontr\u00e1-la e bate um papo com a m\u00e3e de Scilla. A decis\u00e3o resulta em uma s\u00e9rie de cap\u00edtulos expositivos, em um encerramento que j\u00e1 foi criticado<\/a> por ser \u00f3bvio demais.<\/p>\n

Gillie (em japon\u00eas, Hisako) tamb\u00e9m aparece no filme do Studio Ghibli. Feliz – e surpreendentemente – sua participa\u00e7\u00e3o \u00e9 muito mais sutil do que no romance.<\/p>\n

No longa, ela \u00e9 introduzida desde cedo como uma artista local, uma arma de Chechov<\/a> que disparar\u00e1 em uma das cenas finais, depois de ter reconhecido Marnie a partir do desenhos que Anna esbo\u00e7a.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Infelizmente, \u00e9 aqui que a “moderniza\u00e7\u00e3o” da hist\u00f3ria feita por Yonebayashi tem suas consequ\u00eancias mais dr\u00e1sticas.<\/p>\n

No filme, os pais de Marnie s\u00e3o\u00a0bon vivants<\/em> que esquecem Marnie nas m\u00e3os da governanta enquanto curtem festas dignas do Grande Gatsby.<\/em><\/p>\n

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No livro, eles tamb\u00e9m est\u00e3o ausentes, mas devido a uma obriga\u00e7\u00e3o de outra natureza: A Guerra para Acabar com Todas as Guerras<\/a>.<\/p>\n

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Navio afundando durante a Batalha da Jutl\u00e2ndia, 1916<\/p><\/div>\n

Marnie viveu cinquenta anos antes de Anna. Como a hist\u00f3ria se passa nos anos 1960, isso significa que ela viveu durante a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918.<\/p>\n

Seu pr\u00f3prio pai morreu em um navio afundado, deixando a m\u00e3e, sozinha, para administrar casa, neg\u00f3cios e fam\u00edlia. N\u00e3o \u00e9 \u00e0 toa que Marnie terminou largada nas m\u00e3os de suas governantas.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

O pr\u00f3prio fato de Marnie ter<\/strong> uma governanta – tr\u00eas, na falta de uma! – j\u00e1 diz muito sobre ela. A av\u00f3 de Anna n\u00e3o era uma garota qualquer. Era uma aristocrata brit\u00e2nica, vivendo em uma \u00e9poca em que divis\u00f5es de classe eram mais intranspon\u00edveis que as trincheiras do Somme<\/a>.<\/p>\n

Marnie n\u00e3o era trancada em seu quarto porque era bagunceira. A mans\u00e3o do p\u00e2ntano era uma gaiola dourada feita para separ\u00e1-la de outro perigo: as crian\u00e7as da “plebe” – como Wuntermenny – com quem era proibida de se relacionar.<\/p>\n

Nascida ela pr\u00f3pria em 1910, Joan Robinson conhecia muito bem esse mundo. E a sinceridade com que o explica \u00e0s crian\u00e7as em seu livro \u00e9 t\u00e3o inocente que chega a ser cruel:<\/p>\n

“Ela estava sempre muito animada – uma companheira maravilhosa – e sempre parecia alegre em brincar comigo. Aquilo era uma surpresa para mim, porque eu n\u00e3o era uma crian\u00e7a muito excitante, isso eu posso lhes dizer! Eu era careta e sem-gra\u00e7a. Mas eu n\u00e3o acho que ela tinha muitos outros amigos.<\/p>\n

“Por que n\u00e3o?” perguntou Scilla<\/p>\n

“Era diferente naquela \u00e9poca.” Gillie explicou. “Crian\u00e7as n\u00e3o faziam amizade umas com as outras casualmente, como elas fazem hoje” ela disse “N\u00f3s sempre t\u00ednhamos de pedir \u00e0s nossas m\u00e3es primeiro”\u00a0(p. 253)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

As trag\u00e9dias n\u00e3o param por a\u00ed. No anime, Marnie manda sua pr\u00f3pria filha, m\u00e3e de Anna, a um col\u00e9gio interno depois da morte de seu marido. A Marnie do livro \u00e9 for\u00e7ada a coisa parecida, mas por motivos muito mais terr\u00edveis:<\/p>\n

Eles ca\u00edram em sil\u00eancio, desapontados e um pouco tristes. Ent\u00e3o Jane perguntou:\u00a0 “O que aconteceu com o beb\u00ea de Marnie?”<\/p>\n

Aquela tinha sido uma hist\u00f3ria triste, disse Gillie. Ela tinha apenas cinco ou seis anos quando a Segunda Guerra Mundial chegou e ela foi mandada para os Estados Unidos para se proteger dos bombardeios. Quando ela voltou j\u00e1 tinha quase treze anos e parecia outra crian\u00e7a, sua m\u00e3e disse – t\u00e3o crescida, t\u00e3o cheia de vontade e independente. E ela sempre pareceu ter rancor da m\u00e3e por t\u00ea-la mandado para longe, muito embora tenha sido para sua pr\u00f3pria seguran\u00e7a\u00a0(p. 263)<\/em><\/p><\/blockquote>\n

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Londres em ru\u00ednas ap\u00f3s os bombardeios nazistas<\/p><\/div>\n

Ao trazer sua hist\u00f3ria para o presente, Yonebayashi jogou toda essa bagagem pelo ralo. Se isso deixou sua hist\u00f3ria mais acess\u00edvel aos jovens contempor\u00e2neos, tamb\u00e9m mudou radicalmente seu sentido.<\/p>\n

Marnie,\u00a0<\/em>o livro, n\u00e3o \u00e9 apenas um\u00a0coming of age<\/em>. \u00c9 um romance geracional sobre duas garotas de \u00e9pocas diferentes confinadas por pris\u00f5es invis\u00edveis: a gaiola dourada da aristocracia pr\u00e9-guerra e a solid\u00e3o de um presente que for\u00e7a todos a serem felizes.<\/p>\n

\u00c9 um retrato de uma gera\u00e7\u00e3o de brit\u00e2nicos marcados pelo turbilh\u00e3o da\u00a0guerra – e pelas transforma\u00e7\u00f5es sociais dr\u00e1sticas, libertadoras, mas tamb\u00e9m violentas trazidas pelo conflito.<\/p>\n

Por que Yonebayashi n\u00e3o decidiu unir o \u00fatil ao agrad\u00e1vel, como fez Miyazaki em Vidas ao Vento<\/em> ou o n\u00e3o-Ghibli Sunao Katabuchi em Nesse Canto do Mundo<\/em><\/a> – \u00e9 dif\u00edcil de entender.<\/div>\n
<\/div>\n
O Jap\u00e3o afinal de contas, n\u00e3o \u00e9 um estranho ao trauma da\u00a0guerra. A morte do pai de Marnie na Batalha da Jutlandia<\/a> faria o mesmo sentido no Estreito de Tsushima<\/a>. E\u00a0o espectro\u00a0 da Blitz de Londres<\/a> n\u00e3o \u00e9 mais poderoso que o da bomba de Hiroshima.<\/div>\n
<\/div>\n
Seja como for, n\u00e3o tenho como afastar a impress\u00e3o de que isso fez de Marnie uma entrada menor do c\u00e2none ghibliesco, sem o poder e relev\u00e2ncia de Princesa Kaguya<\/em> ou\u00a0 T\u00famulo dos Vagalumes<\/em>.<\/div>\n
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Marnie,\u00a0<\/em>de Yonebayashi, \u00e9 fidel\u00edssimo ao romance original de uma forma que raramente se v\u00ea no cinema. Nenhum detalhe se perdeu na adapta\u00e7\u00e3o, nem mesmo seus personagens secund\u00e1rios e peculiaridades do cen\u00e1rio.<\/p>\n

Se o filme n\u00e3o supera o livro, no entanto,\u00a0 \u00e9 porque falha em capturar o que estava al\u00e9m das palavras. Sem o DNA brit\u00e2nico que Robinson deu \u00e0 sua hist\u00f3ria – do passado da Guerra ao sotaque de suas personagens –\u00a0 o longa perde aquilo que fazia dela \u00fanica.<\/p>\n

A escritora Linn Ulmann certa vez disse<\/a> que hist\u00f3rias precisam de um “senso de um lugar”. Ao arrancar\u00a0Marnie\u00a0<\/em>de sua Norfolk do p\u00f3s-Guerra, o filme do Studio Ghibli se tornou inofensivo, at\u00e9 um tanto gen\u00e9rico: mais um (de tantos) contos de ang\u00fastias adolescentes.<\/p>\n

Nada de errado com isso. Mas, at\u00e9 a\u00ed, tamb\u00e9m nada de novo sobre o sol.<\/div>\n
\n
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Gostou do artigo? Gostaria de ver outras adapta\u00e7\u00f5es destrinchadas? Deixe-me saber nos coment\u00e1rios!<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Anime x Livro\u00a0tem como objetivo comparar romances da literatura com suas adapta\u00e7\u00f5es na telinha japonesa. A proposta \u00e9 sair do fla-flu e esmiu\u00e7ar essas s\u00e9ries (e livros) em detalhe.\u00a0 Nos idos de 2014, o Studio Ghibli se despediu de seus f\u00e3s com um filme um tanto diferente:\u00a0As Mem\u00f3rias de Marnie.\u00a0O longa chamou a aten\u00e7\u00e3o pelo […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":20563,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"spay_email":"","jetpack_publicize_message":"","jetpack_is_tweetstorm":false},"categories":[576,581,580,17],"tags":[45,493,494,495,226,372],"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/i0.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2018\/10\/Marnie-cover.jpg?fit=1024%2C585&ssl=1","jetpack_publicize_connections":[],"jetpack_shortlink":"https:\/\/wp.me\/p9rUzW-5lS","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/20576"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=20576"}],"version-history":[{"count":6,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/20576\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":20578,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/20576\/revisions\/20578"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/media\/20563"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=20576"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=20576"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=20576"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}