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Alguns jogos nos prometem repetir os feitos dos grandes da hist\u00f3ria. Outros, liderar uma civiliza\u00e7\u00e3o aos limites do potencial humano. Outros, ainda, descobrir o espa\u00e7o, colonizar novos mundos e tornar-se o imperador absoluto do universo.<\/p>\n
Jogos sempre prometeram o faz-de-conta, e \u00e9 f\u00e1cil imaginar que n\u00e3o existiram sem este tipo de fantasia.<\/p>\n
Se isso fosse verdade, Frostpunk<\/i>, que chegou \u00e0s lojas semana passada, nunca se tornaria realidade.\u00a0Ambientado num mundo congelado, o game \u00e9 uma aventura niilista, angustiante\u00a0 e extenuante sobre uma civiliza\u00e7\u00e3o nos seus \u00faltimos f\u00f4legos.<\/p>\n
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Nada disso estritamente \u00e9 novidade. De fato, Frostpunk<\/em>, criado pelo est\u00fadio polon\u00eas 11 bit, bebe em uma linha de games de estrat\u00e9gia hardcore <\/em>que t\u00eam deleitado cr\u00edticos tanto quanto feito\u00a0gamers\u00a0<\/em>sofrerem.<\/p>\n De Banished a Banner\u2019s Saga, Theia: The Awakening<\/a> a This War of Mine\u00a0<\/em>(criado pela pr\u00f3pria 11 bit), o mercado indie se tornou um reduto perfeito para aqueles que n\u00e3o t\u00eam medo de dificuldade – nem do abismo que nos encara de volta.<\/p>\n Frostpunk <\/em>se insere nessa tradi\u00e7\u00e3o com pompa e gl\u00f3ria, embora a leve a tais extremos que parecer\u00e1 ainda mais apavorante aos ne\u00f3fitos. Aqui est\u00e1 um jogo que n\u00e3o tem medo de declarar seu nicho, nem de comprometer sua vis\u00e3o de mundo a um\u00a0pitch\u00a0<\/em>de marketing.<\/p>\n<\/div>\n O game nos leva a uma Inglaterra steampunk<\/em> povoada\u00a0em que\u00a0tiras em chap\u00e9us pontuados dividem espa\u00e7o com aut\u00f4matos movidos a vapor.<\/p>\n Uma “Inglaterra” apenas no nome. Uma onda de frio varreu\u00a0o planeta,\u00a0congelando barcos no oceano e pessoas dentro de suas casas. Desesperado, o governo envia expedi\u00e7\u00f5es ao \u00e1rtico para construir a \u00faltima cidade na Terra.<\/p>\n<\/div>\n Jogamos como o l\u00edder de uma dessas expedi\u00e7\u00f5es, estabelecido em uma cratera na imensid\u00e3o gelada.\u00a0Nosso objetivos s\u00e3o simples: encontrar uma forma de sobreviver ao\u00a0gelo inclemente.<\/p>\n A tarefa \u00e9 mais dif\u00edcil do que parece\u00a0e far\u00e1 mesmo veteranos de estrat\u00e9gia beijarem a lona. Esque\u00e7a os s\u00e9culos (ou mil\u00eanios!)\u00a0que passou erguendo sua ordem mundial em\u00a0Civilization<\/em> ou Europa Universalis<\/em>. O tempo em Frostpunk \u00e9 medido em dias, e voc\u00ea batalhar\u00e1 por\u00a0cada minuto temendo o an\u00fancio de uma nova frente fria ou da \u00faltima crian\u00e7a amputada.<\/p>\n<\/div>\n Fiel ao cen\u00e1rio p\u00f3s-apocal\u00edptico, o jogo nos lan\u00e7a repetidos dilemas morais que podem ser resolvidos por\u00a0meio da promulga\u00e7\u00e3o de decretos. Amputar v\u00edtimas de ferimentos s\u00e9rios ou deixar que ocupem leitos indefinitivamente?\u00a0For\u00e7ar crian\u00e7as a trabalhar ou gastar suprimentos preciosos com quem n\u00e3o trabalha?<\/p>\n Sua “cidade” possui dois atributos: descontentamento\u00a0\u00e9 esperan\u00e7a. Manter o primeiro baixo e o segundo elevado \u00e9 a chave para o sucesso. Se o contr\u00e1rio acontecer, seus cidad\u00e3os perder\u00e3o a confian\u00e7a e voc\u00ea pode ser deposto.<\/p>\n N\u00e3o existem solu\u00e7\u00f5es\u00a0\u00f3bvias,\u00a0\u00e9 o jogo mostra suas garras com tanto niilismo que parece, em certos momentos, uma vers\u00e3o animada dos\u00a0trolley problems<\/em>\u00a0da internet.<\/p>\n Ao contr\u00e1rio dos memes, por\u00e9m, os batalhadores de\u00a0Frostpunk<\/em>\u00a0possuem nome e sobrenome, e sua morte nos choca com o fio de um punhal.\u00a0 Tal como os melhores\u00a0city builders<\/em>\u00a0dos anos 1990, como\u00a0Caesar<\/em> e Pharaoh<\/em>,\u00a0o game da 11 bit nos d\u00e1 vislumbres da mat\u00e9ria humana por tr\u00e1s das linhas de montagem, listas de recurso e \u00e1rvores tecnol\u00f3gicas.<\/p>\n Ver seus trabalhadores desafiando a neve para construir simples ruas, cercados por dep\u00f3sitos que parecem trincheiras, torna at\u00e9 um m\u00edsero segundo uma aventura angustiante. Escutar\u00a0snippets<\/em>\u00a0da opini\u00e3o do povo a cada dilema moral conjura uma sensa\u00e7\u00e3o de culpa que poucos games conseguem bater.<\/p>\n<\/div>\n Tive a oportunidade de conversar com Piotr Bajraszewski, gerente de\u00a0business development<\/em> da 11 bit Studios, durante sua visita ao Brasil na BGS de 2017. Ele me contou que Frostpunk<\/em> nasceu de seu \u00faltimo sucesso, This War of Mine<\/em>, uma par\u00e1bola sobre a guerra dos B\u00e1lc\u00e3s que colocou o pequeno est\u00fadio polon\u00eas no radar dos gamers<\/em>.<\/p>\n <\/p>\n Naquele jogo, um grupo de pessoas batalhava para sobreviver em uma cidade sitiada. A inten\u00e7\u00e3o de Frostpunk<\/em>,\u00a0ele me contou, foi expandir o conflito a toda uma civiliza\u00e7\u00e3o. O que aconteceria se n\u00e3o apenas um abrigo esburacado, mas todo o planeta batalhasse para sobreviver?<\/p>\n De fato, \u00e9 imposs\u00edvel n\u00e3o encarar sua distopia sem notar os ecos de seu trabalho anterior. A tens\u00e3o das primeiras horas, com o imperativo desesperado de obter um teto e comida, \u00e9 id\u00eantico em tom \u00e0 abertura do sucesso de 2014.<\/p>\n Ao organizar uma expedi\u00e7\u00e3o e envi\u00e1-la ao deserto gelado, senti o mesmo frio na espinha que me acometeu em This War of Mine<\/em>, incerto se \u00edcones do mapa me trariam recursos ou apenas a morte de meus exploradores.<\/p>\n <\/p>\n Uma varia\u00e7\u00e3o ampliada de um hit<\/em> passado \u00e9 mais do que a maioria das sequels<\/em> almeja ser. \u00c9 surpreendente, assim, que Frostpunk<\/em> consiga oferecer ainda mais.<\/p>\n Na medida em que a histeria d\u00e1 lugar \u00e0 rotina e nossos assentamentos come\u00e7am a crescer, as linhas de um enredo come\u00e7am a surgir. Nossas expedi\u00e7\u00f5es visitam bases e rel\u00edquias de um mundo passado e trazem consigo perguntas estarrecedoras.<\/p>\n <\/p>\n Em um observat\u00f3rio, encontramos os corpos de cientistas que preferiram morrer de fome a abandonar sua pesquisa. O que eles teriam visto de t\u00e3o apavorante? Que tipo de esperan\u00e7a em uma resposta \u2013 em uma solu\u00e7\u00e3o \u2013 os teria movido a desistir da pr\u00f3pria vida?<\/p>\n \u00c0 primeira vista, sua cat\u00e1strofe \u00e9 uma par\u00e1bola \u00f3bvia do aquecimento global e dos esfor\u00e7os de pesquisadores (\u00e0s vezes, histri\u00f4nicos<\/a>) para sensibilizar cidad\u00e3os e governantes.<\/p>\n N\u00e3o \u00e9 \u00e0 toa que o jogo escolhe a Inglaterra vitoriana em sua encarna\u00e7\u00e3o contrafactual, o\u00a0steampunk<\/em>, como cen\u00e1rio. Como seu pr\u00f3prio t\u00edtulo j\u00e1 entrega, o jogo da 11 bit \u00e9 um julgamento \u2013 e senten\u00e7a \u2013 do que a Revolu\u00e7\u00e3o Industrial trouxe de pior.<\/p>\n \u201cAgora saberemos o que os trabalhadores nas workhouses<\/em> comiam\u201d diz um cidad\u00e3o quando ratificamos uma lei para trocar refei\u00e7\u00f5es completas por sopas. N\u00e3o por acaso. O mundo de Frostpunk pode ser fict\u00edcio, mas a fome, gangrena e doen\u00e7as que afligem suas personagens foram a realidade daqueles que constru\u00edram o mundo moderno, pegos entre as engrenagens de uma nova ind\u00fastria insalubre e poluidora e uma ideologia de progresso que s\u00f3 tinha olhos ao que estava por vir.<\/p>\n<\/div>\n <\/p>\n\n