Um jovem guerreiro encontra uma terra paradis\u00edaca. Aqui, n\u00e3o h\u00e1 velhice, fome ou pobreza. Ele pode ser quem ele quiser, ao lado da mulher de seus sonhos. Um mundo perfeito.<\/p>\n
Um dia, no entanto, ele descobre que a perfei\u00e7\u00e3o cansa. Come\u00e7a a sentir saudade do mundo real, apesar de todos os seus problemas. Resignado, embarca em uma jornada de volta.<\/p>\n
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Acontece que o tempo no para\u00edso passa mais devagar que no mundo real. O que para ele pareceram dias foram, na verdade, s\u00e9culos. Aterrorizado, ele descobre que seu mundo n\u00e3o existe mais.<\/p>\n
\u00c9 a hist\u00f3ria de \u00d3is\u00edn, um dos her\u00f3is mais conhecidos da mitologia irlandesa. Mas poderia ser a de Wade Watts, protagonista do livro que come\u00e7a a incendiar o mundo nerd.<\/p>\n
Falo, \u00e9 \u00f3bvio, de Jogador No 1, <\/a><\/em>hit de Ernest Cline cujo filme ganhou trailer<\/a> na \u00faltima San Diego Comic Con. Assinado por ningu\u00e9m menos que Steven Spielberg.<\/p>\n <\/p>\n <\/p>\n Bestseller instant\u00e2neo quando de seu lan\u00e7amento em 2011, o romance chegou a ser chamado de \u201csanto graal da cultura pop\u201d, \u00a0“o livro mais geek de todos os tempos<\/a>“. Os criadores do Oculus Rift<\/a> o citaram como inspira\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Seis anos depois, a lua de mel parece ter acabado. A recep\u00e7\u00e3o do an\u00fancio<\/a> na SDCC foi fria, para dizer o m\u00ednimo. Tweets maldosos <\/a>com “p\u00e9rolas” do romance dominaram a web. A pr\u00f3pria “cultura nerd”, antes dada como hegem\u00f4nica, se viu sob ataque<\/a>.<\/p>\n <\/p>\n Mas, afinal, o que \u00e9 esse livro que provocou rea\u00e7\u00f5es t\u00e3o apaixonadas? E o que essa briga significa?<\/p>\n \u00c9 o que eu tentei descobrir.<\/p>\n <\/p>\n Jogador No 1 <\/em>se passa em um futuro pr\u00f3ximo, em que a humanidade vive uma terr\u00edvel depress\u00e3o econ\u00f4mica. A sociedade est\u00e1 \u00e0 beira do colapso. Cidad\u00e3os vivem em favelas compostas de trailers empilhados.<\/p>\n Nem tudo, por\u00e9m, \u00e9 mis\u00e9ria. Para esquecer as agruras do cotidiano, as pessoas se logam ao OASIS, um MMO integrado \u00e0 realidade virtual que se espalha por todas as esferas da vida.<\/p>\n Internet, trabalho, escola e at\u00e9 relacionamentos. Em quest\u00e3o de anos, o que nasceu como um entretenimento vira uma realidade paralela de que todos podem participar. Impotentes para consertar o mundo, as pessoas o trocam por uma utopia virtual.<\/p>\n OASIS foi constru\u00eddo por James Halliday, misto de Elon Musk e Gabe Newell que sempre preferiu as telas de games \u00e0 companhia dos outros. Seu MMO global \u00e9 um monumento \u00e0 cultura nerd: um universo \u00e0 parte onde a gal\u00e1xia de Star Wars<\/em> divide espa\u00e7o com o sistema de Firefly<\/em>, e kaiju<\/em> e super sentais trocam golpes contra replicantes de\u00a0Blade Runner<\/em>.<\/p>\n <\/p>\n Gamer at\u00e9 o fim, Halliday decide esconder sua fortuna em um easter egg\u00a0<\/i>escondido no OASIS. Quando ele morre, em vez de testamento, deixa para tr\u00e1s um desafio: o primeiro que desvendar suas pistas (criptografadas por refer\u00eancias nerds) herdar\u00e1 seu tesouro.<\/p>\n O an\u00fancio estimula uma ca\u00e7a ao tesouro de propor\u00e7\u00f5es globais. Nerds de carteirinha chamados gunters<\/em> (egg hunters<\/em>)\u00a0vasculham cada pixel do OASIS em busca do legado de Halliday. Um deles \u00e9 Wade Watts.<\/p>\n Como \u00d3is\u00edn da mitologia, Wade tamb\u00e9m \u00e9 um jovem guerreiro. Na vida real, ele \u00e9 um \u00f3rf\u00e3o amargando a pobreza nas favelas. No OASIS, ele \u00e9 Parzival, o cavaleiro da T\u00e1vola Redonda que encontrou o santo graal. E que est\u00e1 disposto a encontrar a fortuna de Halliday.<\/p>\n A jornada de Parzival pelo OASIS \u00e9 um del\u00edrio lis\u00e9rgico pela cultura nerd. Um mar de refer\u00eancias t\u00e3o denso que far\u00e1 at\u00e9 o f\u00e3 mais hardcore <\/em>jogar a toalha \u2013 ou morrer em um orgasmo de fanboyismo.<\/p>\n Parzival joga Joust <\/em>contra o demi-lich Acererak<\/a>. Transforma-se em Ultraman numa luta contra Mechagodzilla. Invade os filmes Jogos de Guerra<\/a> <\/em>e Monty Python em Busca do C\u00e1lice Sagrado<\/a><\/em>, pilotando uma Firefly<\/a><\/i>\u00a0batizada de Vonnegut<\/a>.<\/em><\/p>\n <\/p>\n Jogador No 1 <\/em>\u00e9 o que aconteceria se destil\u00e1ssemos a Comic Con a um romance, com todos os cosplays, pain\u00e9is, merchandise <\/em>e luminosos.<\/p>\n N\u00e3o me espanta que o projeto tenha animado Steven Spielberg. Poucos cineastas fizeram mais para contribuir \u00e0 midiateca de refer\u00eancias que o romance celebra como evangelho.<\/p>\n A prosa de Cline \u00e9 ins\u00edpida, mas isto \u00e9 esperado do pr\u00f3prio conceito da obra. Jogador No 1 <\/em>\u00e9 narrado por um adolescente de 17 anos cuja cultura se resume a refer\u00eancias aos anos 1980. Sua express\u00e3o \u00e9 exatamente o que esperamos de um nerd nost\u00e1lgico alienado: pobre, cansativa e redundante.<\/p>\n Que Cline tamb\u00e9m seja um auto-intitulado nerd nost\u00e1lgico alienado diz muito sobre seus m\u00e9ritos<\/a> liter\u00e1rios<\/a>, mas n\u00e3o diminui seu romance de estreia. Parzival \u00e9 uma mary sue<\/em> de seu autor, mas sua jornada \u00e9 incrivelmente aut\u00eantica.<\/p>\nA vingan\u00e7a dos nerds<\/h3>\n