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{"id":170,"date":"2015-04-20T14:58:30","date_gmt":"2015-04-20T17:58:30","guid":{"rendered":"http:\/\/finisgeekis.com\/?p=170"},"modified":"2019-02-25T15:12:49","modified_gmt":"2019-02-25T18:12:49","slug":"lagrimas-e-mais-lagrimas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/2015\/04\/20\/lagrimas-e-mais-lagrimas\/","title":{"rendered":"L\u00e1grimas e Mais L\u00e1grimas"},"content":{"rendered":"

Exclama\u00e7\u00f5es de “kawaii!!”<\/i>\u00a0n\u00e3o s\u00e3o as \u00fanicas emo\u00e7\u00f5es de que otakus se vangloriam. Para o observador de fora, pode parecer estranho que uma m\u00eddia povoada por cabelos coloridos, espadas gigantescas, rob\u00f4s de combate\u00a0e acrobacias sobre-humanas possa despertar sentimentos mais profundos. \u00c0 exce\u00e7\u00e3o dos longa metragens autorais, nosso anime televisivo de cada dia nos oferece, na melhor das hip\u00f3teses, uma overdose sensorial; na pior, um passatempo en\u00e9rgico.\u00a0 Quando at\u00e9 mesmo os animadores<\/a> mostram desd\u00e9m pelo seu pr\u00f3prio meio \u00e9 porque h\u00e1 alguma coisa errada.<\/p>\n

Ou, talvez, seja porque estamos\u00a0olhando para o lugar errado.<\/p>\n

\u00c9 not\u00e1vel, nesse caso, a popularidade do melodrama no anime. N\u00e3o a trag\u00e9dia s\u00f3bria da dita \u201calta\u201d cultura, mas \u2013 o que \u00e9, de certa forma, ainda mais surpreendente \u2013 o drama pastel\u00e3o, de rea\u00e7\u00f5es exageradas e estereotipadas. A trama que se leva a s\u00e9rio demais, e t\u00e3o bem cumpre a tarefa que parece se tornar outra coisa (um comercial de si mesma, talvez). Ao lado de artistas marciais, garotas m\u00e1gicas e namoradas perfeitas, os otakus mostram um ponto fraco para l\u00e1grimas f\u00e1ceis, abundantes e sinceras.<\/p>\n

<\/p>\n

O recente Shigatsu wa Kimi no Uso <\/em>nos traz a hist\u00f3ria \u00a0de um jovem pianista sujeito \u00e0\u00a0viol\u00eancia dom\u00e9stica durante a inf\u00e2ncia e\u00a0ao trauma de amigos sucumbindo a doen\u00e7as terminais. Ano Hi Mita Hana no Namae o Bokutachi wa Mada Shiranai, <\/em>ou Ano Hana<\/em>, para os entendidos, acompanha um grupo de adolescentes disfuncionais cuja inf\u00e2ncia foi arruinada pela morte de uma colega. Angel Beats<\/em>, disfar\u00e7ado de filho ileg\u00edtimo de Haruhi Suzumiya <\/em>e K-ON<\/em>, retrata um purgat\u00f3rio para jovens que morreram antes de desfrutarem a vida. J\u00e1 do futurista A Voice of a Distant Star <\/em>ao mundano The Garden of Words<\/em>, Makoto Shinkai contou hist\u00f3rias \u2013 para alguns, a mesma hist\u00f3ria v\u00e1rias vezes \u2013 da solid\u00e3o inescap\u00e1vel do mundo contempor\u00e2neo.<\/p>\n

\"shigatsu\"<\/a><\/p>\n

Nada disso \u00e9 novo. O nicho j\u00e1 foi fincado h\u00e1 muitos anos com filmes live-action como Love Letter\u00a0<\/em>e\u00a0Crying out Love in the Center of the World<\/em>\u00a0– e suas respectivas fontes e adapta\u00e7\u00f5es. No anime, o g\u00eanero bebe de sucessos como Honey & Clover <\/em>e as visual novels da Key (Kanon, Air, Clannad<\/em>). Obras, \u00e9 claro, que empalidecem em tristeza\u00a0diante\u00a0da rainha absoluta do melodrama, a incont\u00e1veis vezes adaptada – e sugestivamente intitulada –\u00a0Um Litro\u00a0de L\u00e1grimas<\/em>.<\/p>\n

Essas obras s\u00e3o t\u00e3o universais em sua proposta e t\u00e3o \u00f3bvias na entrega que fica\u00a0at\u00e9 pedante buscar\u00a0um padr\u00e3o. Num ju\u00edzo um tanto simplista, mas nem por isso falso, parece haver uma demanda japonesa por hist\u00f3rias melosas envolvendo entes queridos, passados saudosos\u00a0e, por algum motivo, os anos 1980.<\/p>\n

Para alguns, isso n\u00e3o \u00e9 uma coincid\u00eancia. H\u00e1 quem veja<\/a> no melodrama um consolo ao Jap\u00e3o contempor\u00e2neo, \u00e0 sensa\u00e7\u00e3o de que os melhores dias j\u00e1 se passaram e a vida fica mais e mais dif\u00edcil. Entre crises econ\u00f4micas, desilus\u00e3o com o emprego e ang\u00fastias para com o futuro, resta o palpite de que o mundo era melhor quando as pessoas n\u00e3o tinham celular e salvavam arquivos em disquete.\u00a0O passado pr\u00f3ximo dos anos 1980 seria aqui o limiar entre os dois est\u00e1gios, o \u00faltimo momento de calmaria antes das complica\u00e7\u00f5es. E da nostalgia pelos\u00a0anos de ouro passa-se \u00e0 nostalgia pela juventude, pelos entes amados perdidos e, finalmente, pela nostalgia por si s\u00f3. Chega-se. enfim, \u00e0\u00a0sensa\u00e7\u00e3o de vazio espiritual dos filmes de Shinkai, um oco t\u00e3o profundo que faz mesmo do contato humano um al\u00edvio passageiro.<\/p>\n

\"30513_5_centimeters_per_second_makoto_shinkai\"<\/a><\/p>\n

A explica\u00e7\u00e3o \u00e9 plaus\u00edvel, mas n\u00e3o responde\u00a0por que essas s\u00e9ries se tornaram\u00a0t\u00e3o populares no Ocidente. Nem como a comunidade otaku internacional, do alto de sua juventude, irrever\u00eancia e descaso com as tradi\u00e7\u00f5es, veio a vibrar com representa\u00e7\u00f5es t\u00e3o cafonas de afeto. Ou h\u00e1 algo mais no melodrama, ou h\u00e1 algo em comum entre os millenials <\/em>ocidentais e a gera\u00e7\u00e3o X japonesa. Provavelmente ambos.<\/p>\n

O segundo ponto \u00e9 mais evidente. Por mais que reclamem do conservadorismo das gera\u00e7\u00f5es passadas, os jovens ocidentais s\u00e3o incrivelmente aferroados \u00e0 sua mem\u00f3ria. O culto aos anos 1990s como um para\u00edso terreno da inf\u00e2ncia e cultura pop \u00e9 arraigado no cora\u00e7\u00e3o dos nerds. Games e animes de dez anos atr\u00e1s ganham o status de cl\u00e1ssicos n\u00e3o por serem influentes (ou minimamente decentes), mas por carregarem uma esp\u00e9cie de sabedoria ancestral. \u00c9 lugar comum rir de velhos que comparam tudo ao \u201cseu tempo\u201d. Quando\u00a0vemos jovens de 20 anos fazendo o mesmo, \u00e9 sinal de que \u00e9 hora de pararmos para refletir.<\/p>\n

Tempos atr\u00e1s, diante da cr\u00edtica de que o \u00faltimo \u201cjogo\u201d de \u201carte\u201d do momento n\u00e3o passava de um simulador de caminhada, um comentarista de games<\/a> chegou a afirmar que s\u00f3 quem viveu os anos 1990 \u00e9 capaz de entend\u00ea-lo. Houve um tempo em que a arte nos trazia experi\u00eancias novas e nos levava a lugares desconhecidos.\u00a0 Hoje em dia, \u201ccultura\u201d aparentemente virou\u00a0privil\u00e9gio da casta iluminada que jogava Pok\u00e9mon no gameboy e ouvia Walkman\u00a0andando nas ruas de San Francisco. Nem todos os pa\u00edses passaram por momentos econ\u00f4micos parecidos com os do Jap\u00e3o. Para alguns (como o Brasil), a era das vacas gordas s\u00f3 viria vinte anos depois. Mas \u00e9 \u00f3bvio, para a gera\u00e7\u00e3o do\u00a0\u00a0before it was cool,<\/em>\u00a0o apelo do drama nost\u00e1lgico japon\u00eas. Podemos ter chegado a este ponto de lugares distintos, mas falamos a mesma l\u00edngua.<\/p>\n

\"\"<\/a>

Aposto que eles entenderiam Gone Home<\/p><\/div>\n

H\u00e1 ainda, eu acrescentaria, uma raz\u00e3o menos c\u00ednica.\u00a0A despeito da similaridade com os\u00a0\u00a0\u201csimuladores de caminhada\u201d da ind\u00fastria de games\u00a0contempor\u00e2nea, h\u00e1 nos animes de melodrama pontos de apelo universal. Para al\u00e9m dos finais emotivos e da trilha sonora pesada, eles carregam momentos de sutiliza.<\/p>\n

O primeiro dos tr\u00eas curtas de 5 Centimeters per Second <\/em>\u00e9 geralmente o mais comentado. De fato, \u00e9 dif\u00edcil superar a jornada de um casal de adolescentes ao\u00a0atravessar o pa\u00eds durante uma nevasca para se encontrarem uma \u00faltima vez. Mas \u00e9 o \u00faltimo (e menos badalado) dos curtas que fecha a hist\u00f3ria com chave de ouro. Os dois jovens, agora crescidos, perderam contato e seguiram com suas vidas. Ao longo de cinco minutos n\u00f3s os vemos coabitando os mesmos lugares, fazendo compras nas mesmas lojas e atravessando os mesmos cruzamentos. A cidade grande \u00e9 t\u00e3o indiferente, e a vida contempor\u00e2nea t\u00e3o individualista, que nada disso \u00e9 suficiente para manter um v\u00ednculo. Vivemos na era das conex\u00f5es, em que esquecer \u2013 ou ser esquecido pelo outro \u2013 \u00e9 suficiente para nos distanciarmos para sempre.<\/p>\n

\"ano<\/a>Em Ano Hana<\/em>, um grupo de jovens tenta reatar as amizades ap\u00f3s serem assombrados pelo fantasma de uma amiga morta. Mais interessante que a\u00a0catarse, no entanto, \u00e9 observar como cada um deles mudou com a experi\u00eancia. Uma garota em particular, a eterna nerd do grupo, cresce e se transforma em uma das jovens oferecidas que sempre repudiou. Ela veste uma m\u00e1scara sedutora sem tirar qualquer prazer do jogo da conquista. Na escola, ganha fama de vadia, e circulam boatos de que faz programa a adultos. Mesmo assim,\u00a0a atitude\u00a0\u00e9 prefer\u00edvel \u00e0 alternativa: ao se esconder atr\u00e1s de seu corpo, desvia a aten\u00e7\u00e3o dos problemas da mente e da necessidade de super\u00e1-los.<\/p>\n

Em uma m\u00eddia t\u00e3o preocupada em instigar emo\u00e7\u00f5es, \u00e9 curioso que os momentos menos apaixonados\u00a0sejam justamente os mais humanos. Por mais pasteurizadas que as s\u00e9ries possam se mostrar, esses pequenos detalhes n\u00e3o s\u00e3o gen\u00e9ricos. Antes, s\u00e3o espec\u00edficos at\u00e9 demais, e \u00e9 da\u00ed que vem a sua for\u00e7a. Todos temos contradi\u00e7\u00f5es e somos ainda mais r\u00e1pidos em apont\u00e1-las nos outros. Todos, cada um\u00a0\u00e0 sua maneira, tentamos enganar os outros enganando a n\u00f3s mesmos e apagamos pessoas da vida como se fossem nomes em uma lista de contatos. Nossa gera\u00e7\u00e3o pode ser c\u00ednica e acelerada, mas nem por isso descobriu a pedra filosofal das suas ang\u00fastias mais b\u00e1sicas. Tolst\u00f3i certa vez disse que todas as fam\u00edlias felizes s\u00e3o iguais, mas cada fam\u00edlia infeliz \u00e9 infeliz \u00e0 sua pr\u00f3pria maneira. O mesmo vale, penso eu, para qualquer cen\u00e1rio em que seres humanos cruzem olhares. Enquanto isso for verdade estaremos nos sof\u00e1s, len\u00e7o em m\u00e3os e olhos embargados, a torcer pela felicidade de nossos desenhos.<\/p>\n

\"Angel<\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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