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{"id":1219,"date":"2015-12-14T19:09:47","date_gmt":"2015-12-14T21:09:47","guid":{"rendered":"http:\/\/finisgeekis.com\/?p=1219"},"modified":"2019-03-02T06:18:27","modified_gmt":"2019-03-02T09:18:27","slug":"por-que-fargo-e-a-melhor-serie-da-tv","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/2015\/12\/14\/por-que-fargo-e-a-melhor-serie-da-tv\/","title":{"rendered":"Por que ‘Fargo’ \u00e9 a melhor s\u00e9rie da TV"},"content":{"rendered":"

Que o sucesso arrebatador de Demolidor,\u00a0<\/em>Breaking Bad,\u00a0<\/em>Game of Thrones,\u00a0<\/em>Mad Men <\/em>e tantos outros\u00a0n\u00e3o nos iluda. A s\u00e9rie mais impressionante da \u201cEra de Ouro<\/a>\u201d da telinha pode estar em outro castelo.<\/p>\n

Fargo, <\/em>seriado do FX que encerra sua segunda temporada essa semana, passou meio batido no radar entre tantos lan\u00e7amentos de peso. Remake (ou spin-off) de um filme<\/a>\u00a0um tanto obscuro dos irm\u00e3os Coen ambientado no meio-oeste americano, a produ\u00e7\u00e3o n\u00e3o parecia ter os quesitos para competir com her\u00f3is de aluguel, traficantes internacionais e g\u00eanios da publicidade.<\/p>\n

<\/p>\n

Errou quem apostou no fracasso. Sua primeira temporada faturou o Globo de Ouro<\/a> de melhor miniss\u00e9rie e melhor ator, e a segunda est\u00e1 no p\u00e1reo para repetir a dose, com indica\u00e7\u00e3o a tr\u00eas estatuetas<\/a>.<\/p>\n

O sucesso n\u00e3o poderia ser mais justo. Fargo <\/em>n\u00e3o \u00e9 apenas uma \u00f3tima s\u00e9rie; \u00e9\u00a0uma compila\u00e7\u00e3o do melhor que a TV de alto n\u00edvel tem a oferecer.<\/p>\n

Das m\u00e3os de Noah Hawley<\/a>, autor de quatro romances e roteirista de\u00a0Bones, <\/em>o seriado\u00a0se destaca n\u00e3o pelo que foge das f\u00f3rmulas, mas pelo qu\u00e3o bem se apropriada daquilo que deu de\u00a0mais certo nas produ\u00e7\u00f5es recentes.<\/p>\n

Se h\u00e1, como alguns acham, uma “nova forma” de se fazer TV,\u00a0Fargo\u00a0<\/em>\u00e9 o seu maior monumento.\u00a0Poucas produ\u00e7\u00f5es, por exemplo, j\u00e1 incorporaram t\u00e3o bem:<\/p>\n

1- Os “her\u00f3is”\u00a0com defeitos.<\/h3>\n

Uma das maiores viradas\u00a0da TV contempor\u00e2nea foi o abandono dos paladinos da justi\u00e7a e suas miss\u00f5es altru\u00edsticas. Brett Martin atribuiu a revolu\u00e7\u00e3o \u00e0 popularidade dos \u201cHomens dif\u00edceis<\/a>\u201d: personagens em crise, com mais defeitos que virtudes, que fogem do didatismo esperado dos role models<\/em>.<\/p>\n

A mudan\u00e7a pode ser vista dos livros<\/a> aos quadrinhos<\/a>, mas foi na TV que encontrou sua express\u00e3o mais bomb\u00e1stica. Com o sucesso de The Sopranos e The Wire<\/em>, depois Mad Men <\/em>e Breaking Bad <\/em>at\u00e9 chegar em Jessica Jones<\/em>, as produtoras entenderam que anti-her\u00f3is s\u00e3o muito mais carism\u00e1ticos do que indiv\u00edduos perfeitos.<\/p>\n

Fargo <\/em>leva isso \u00e0 estratosfera. Seu elenco, surpreendentemente grande e bem desenvolvido para uma miniss\u00e9rie de dez epis\u00f3dios, traz algumas das melhores misturas de ang\u00fastia, raiva, amor e confus\u00e3o a terem\u00a0agraciado a telinha.<\/p>\n

Seu enredo acompanha uma fam\u00edlia de mafiosos de Fargo \u2013uma cidade<\/a> na Dakota do Norte \u2013 tentando resistir \u00e0 expans\u00e3o de um grupo rival. H\u00e1 uma for\u00e7a-tarefa de policiais lutando para evitar que a guerra vire um banho de sangue. E h\u00e1 um casal de civis que, tal como Buscap\u00e9 em\u00a0Cidade de Deus<\/em>, se v\u00ea perdido na linha de tiro, com balas a voar para todos os lados.<\/p>\n

Quem est\u00e1 \u201ccerto\u201d nessa hist\u00f3ria? Isto \u00e9 para o espectador determinar. A \u00fanica certeza que ele pode ter \u00e9 que no mundo de Noah Hawley n\u00e3o existem mocinhos ou vil\u00f5es simples. Os Gerhardts, a m\u00e1fia de Fargo, mostram respeito \u00e0 fam\u00edlia, lealdade e certa \u201chonra entre ladr\u00f5es\u201d, mas s\u00e3o malfeitores truculentos \u2013 mesmo com seus subordinados. Seus rivais formam um imp\u00e9rio criminoso que n\u00e3o perde em nada para as redes de corrup\u00e7\u00e3o de True Detective<\/em>, mas cujos membros, de t\u00e3o frios e corporativos, nos parecem at\u00e9 bons profissionais. \u00a0A pol\u00edcia supostamente zela pela ordem, mas est\u00e1 infiltrada pelo crime organizado e corro\u00edda por disputas internas. E a pobre donzela que foge do perigo ao lado de seu esposo\u00a0\u00e9 uma psicopata new age.<\/p>\n

\"fargo<\/p>\n

2- O nonsense<\/strong><\/h3>\n

\u00a0\"Fargo-TV-Show.png\"<\/strong><\/p>\n

Dois guarda-costas mudos com sobretudos de couro. Um assassino de aluguel chamado \u201cO Agente Funer\u00e1rio\u201d que trabalha\u00a0de smoking e \u00e9 acompanhado por dois meninos orientais. Um rei do crime de black power que recita poemas do Lewis Carroll. Um capanga que parece a fus\u00e3o de Aldo Raine<\/a> com o P\u00e1ssaro Trovejante<\/a>. Um \u00f3vni.<\/p>\n

\"fargo<\/p>\n

Ser \u201cs\u00e9rio\u201d, \u201cadulto\u201d, e \u201cgritty\u201d \u00e9 muito f\u00e1cil. O dif\u00edcil, como Christopher Nolan aprendeu do jeito mais duro, \u00e9 chegar a isso sem ser rid\u00edculo.<\/p>\n

\"batman-inside-out\"<\/p>\n

Nem s\u00f3 de sofrimento, bufadas e grunhidos se faz uma pessoa. Qualquer s\u00e9rie que se proponha a ser \u201crealista\u201d precisa encontrar espa\u00e7o para essas outras facetas do ser humano: o humor, o inesperado, o irracional, o nonsense.<\/p>\n

Sem as trapalhadas de Jesse Pinkman e a campainha de T\u00edo Salamanca, Breaking Bad <\/em>n\u00e3o passaria de um Traffic <\/em>de baixo or\u00e7amento. Sem o cortador de grama e Roger Sterling vomitando na frente dos clientes, Mad Men <\/em>bem serviria de novela de \u00e9poca.<\/p>\n

\"mad-men-lawnmower-blood\"

Como esquecer?<\/p><\/div>\n

Assim atestou True Detective<\/em>\u00a0na sua\u00a0<\/em>temporada 2. <\/em>Com\u00a0personagens unidimensionais que n\u00e3o abriam um sorriso nem para o dentista, a miniss\u00e9rie virou um epis\u00f3dio alongado de Law & Order<\/em>.<\/p>\n

Quem assistir Fargo <\/em>com as personagens de Collin Farrell, Vince Vaughn e Rachel McAdams na mente ter\u00e1 um choque ao se deparar com as atua\u00e7\u00f5es de Patrick Wilson, Jean Smart e Kirsten Dunst. A s\u00e9rie de Noah Hawley simplesmente explode com personalidade, e suas personagens s\u00e3o t\u00e3o \u00fanicas e \u00a0imprevis\u00edveis quando\u00a0sua trama endiabrada.<\/p>\n

Em uma das cenas mais marcantes, Nick Offerman, mais conhecido como o queridinho da internet Ron Swanson<\/a>, interpreta um advogado, veterano da Guerra do Vietn\u00e3 e te\u00f3rico da conspira\u00e7\u00e3o que tenta impedir uma\u00a0gangue de abrir fogo contra a\u00a0cidade. \u00a0O problema: ele est\u00e1 mais b\u00eabado que um gamb\u00e1 e mistura seus argumentos com cita\u00e7\u00f5es de George Washington e slogans da campanha presidencial de Ronald Reagan de 1980.<\/p>\n

\"fargo

E sim, ele usa\u00a0essa\u00a0<\/em>barba<\/p><\/div>\n

3- Um forte senso de justi\u00e7a<\/strong><\/h3>\n

\"floyd<\/p>\n

Em sua resenha de Batman Returns<\/em>, o grande cr\u00edtico Roger Ebert<\/a> disse que filmes de super her\u00f3is n\u00e3o deveriam tentar ser filmes noir<\/em>, pois \u201ca ess\u00eancia do noir<\/em> \u00e9 que n\u00e3o existem her\u00f3is\u201d.<\/p>\n

O conselho n\u00e3o parece ter intimidado os mais rebeldes, e n\u00e3o falo apenas do Nolan de Cavaleiro das Trevas<\/em>. Como eu disse no come\u00e7o, a rejei\u00e7\u00e3o aos “paladinos” foi\u00a0uma das mudan\u00e7as mais sens\u00edveis\u00a0da gera\u00e7\u00e3o p\u00f3s-Alan Moore.<\/p>\n

O problema \u00e9 quando, ao largar a armadura reluzente, as produ\u00e7\u00f5es se esquecem do que existe por tr\u00e1s dela. Dizer que os \u201cmocinhos t\u00eam nuances\u201d, nas palavras de David Tennant<\/a>, n\u00e3o significa dizer que o \u201cbem\u201d e o \u201cmal\u201d s\u00e3o relativos.<\/p>\n

H\u00e1 uma linha t\u00eanue entre a ambival\u00eancia moral e a misantropia. No primeiro caso, o her\u00f3i sofre porque deseja fazer o certo, mas tem medo de provocar o mal \u2013 por exemplo, tornando-se<\/a> ele mesmo um vil\u00e3o. No segundo, um protagonista veste a capa de \u201canti-her\u00f3i\u201d como desculpa para ser um humano desprez\u00edvel.<\/p>\n

Noah Hawley, em uma entrevista<\/a> \u00e0 Vanity Fair, coloca o problema de forma mais clara:<\/p>\n

\"noah<\/p>\n

\n

\u201cAs hist\u00f3rias [de Hollywood] come\u00e7aram a se tornar completamente diferentes da vida [real]. A ideia [desse] ca\u00e7ador de dem\u00f4nios torturado que \u00e9 o \u00fanico que pode solucionar esses casos porque ele j\u00e1 esteve naquela situa\u00e7\u00e3o antes e pode se colocar no lugar do assassino que destruiu sua vida. \u00c9 exaustivo.\u201d<\/p>\n<\/blockquote>\n

Uma personagem que s\u00f3 vive em fun\u00e7\u00e3o de si mesma dificilmente funciona. Pelo contr\u00e1rio, grandes anti-her\u00f3is causam \u2013 e sofrem \u2013 repercuss\u00f5es naqueles \u00e0 sua volta.<\/p>\n

Em Breaking Bad <\/em>(SPOILERS EVERYWHERE) a transforma\u00e7\u00e3o de Walter White em Heisenberg lhe custa tudo. De membro respeitado da comunidade, ele se torna um p\u00e1ria temido e odiado por todos. Em Mad Man<\/em>, Don Draper, que construiu uma carreira sobre fraudes, adult\u00e9rios e abuso de funcion\u00e1rios, v\u00ea seu sucesso ruir durante duas temporadas at\u00e9 encontrar sua \u201creden\u00e7\u00e3o\u201d.<\/p>\n

\"\u00be\u00bb\u00ff\"<\/p>\n

A temporada 2 de True Detective<\/em>, apesar dos pesares, entendeu isso melhor do que ningu\u00e9m. O mafioso \u00e9 morto por outros g\u00e2ngsters. O policial corrupto \u00e9 fuzilado pelos seus comparsas ao tentar se redimir. A policial honesta, ao peitar sozinha uma cidade de vil\u00f5es, precisa se exilar para escapar com vida.<\/p>\n

N\u00e3o se trata de uma ordem c\u00f3smica de justi\u00e7a. N\u00e3o h\u00e1 um \u201cc\u00f3digo de conduta\u201d que essas personagens s\u00e3o compelidas a seguir, um \u201cbem maior\u201d que vai puni-las se sa\u00edrem dos trilhos. N\u00e3o \u00e9 quest\u00e3o de ter o \u201cdireito\u201d de ser antissocial e cobrar o respeito dos outros. Trata-se, pura e simplesmente, do fato de que nossas a\u00e7\u00f5es t\u00eam consequ\u00eancias, e n\u00f3s pagaremos por elas. Como diz o slogan de True Detective<\/em>, n\u00f3s recebemos o mundo que merecemos.<\/p>\n

Fargo <\/em>\u00e9 mais otimista, mas nem por isso menos\u00a0p\u00e9-no-ch\u00e3o em seu senso de justi\u00e7a. Patrick Wilson, em seu melhor papel desde Watchmen<\/em>, vive uma personagem\u00a0que bem poderia dar\u00a0uma hist\u00f3ria de origem\u00a0ao\u00a0seu Coruja. Ele \u00e9 Lou Solverson, um policial que cai de cabe\u00e7a em uma das mais sangrentas guerras de gangue do meio-oeste. O problema \u00e9 que, al\u00e9m de coragem, ele tem uma filha pequena, uma mulher com c\u00e2ncer terminal e um sogro como colega de delegacia. Ao longo do seriado, a sanha de \u201cfazer a coisa certa\u201d \u00e9 contraposta ao medo de que \u201cca\u00e7ar o dem\u00f4nio\u201d possa resultar na morte de todos que ama.<\/p>\n

\"600px-FargoS21E03_03\"

O heroi que Minnesota merece<\/p><\/div>\n

Lou n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico. Floyd Gerhardt, a matriarca da m\u00e1fia de Fargo, est\u00e1 dividida entre o dever de preservar a gangue da fam\u00edlia e a obriga\u00e7\u00e3o\u00a0de impedir que todos os seus filhos morram em uma guerra que ela n\u00e3o tem como vencer. J\u00e1 Mike Milligan e Hanzee Dent, os \u00fanicos n\u00e3o-brancos de suas gangues (a s\u00e9rie se passa em 1979) perguntam-se se o \u201ccerto\u201d \u00e9 ser leal aos seus padrinhos\u00a0ou se rebelar contra eles, j\u00e1 que s\u00e3o tratados como capachos.<\/p>\n

\"hanzee<\/p>\n

Para o bem ou para o mal, as personagens de\u00a0Fargo\u00a0<\/em>agem de acordo com seus valores e sofrem as consequ\u00eancias de seus atos. Infelizmente para elas, o futuro dos anti-her\u00f3is \u00e9 sempre mais nebuloso do que o dos paladinos.<\/p>\n

\"rorschach\"

“Do it!”<\/p><\/div>\n

Se Fargo\u00a0<\/em>ter\u00e1 uma mensagem final sobre o assunto n\u00f3s veremos nos pr\u00f3ximos dias.\u00a0Uma coisa, no entanto, \u00e9 certa: as estranhices, incertezas e crueldades que nos fazem humanos nunca foram t\u00e3o bem representadas na telinha.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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