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{"id":11065,"date":"2016-10-04T17:06:52","date_gmt":"2016-10-04T20:06:52","guid":{"rendered":"http:\/\/finisgeekis.com\/?p=11065"},"modified":"2019-02-25T14:09:27","modified_gmt":"2019-02-25T17:09:27","slug":"o-atentado-ao-metro-de-toquio-e-a-literatura-japonesa","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/2016\/10\/04\/o-atentado-ao-metro-de-toquio-e-a-literatura-japonesa\/","title":{"rendered":"O atentado ao metr\u00f4 de T\u00f3quio e a literatura japonesa"},"content":{"rendered":"

Em 20 de mar\u00e7o de 1995, cinco\u00a0membros do culto apocal\u00edptico Aum Shinrikyo<\/a> embarcaram em linhas diferentes do metr\u00f4 de T\u00f3quio. Sob os bra\u00e7os, levavam \u00a0bolsas do neuro-agente sarin enroladas em\u00a0jornal. Em dado momento, armados com guarda-chuvas de pontas limadas, eles furaram as bolsas e fugiram.<\/p>\n

O atentado<\/a> ganhou as manchetes, nem tanto pela sua letalidade, mas pela natureza de suas consequ\u00eancias.<\/p>\n

<\/p>\n

Apenas 12 pessoas morreram, mas milhares desenvolveram sintomas que iam de cegueira tempor\u00e1ria a sequelas neurol\u00f3gicas permanentes. Muitos foram aposentados por invalidez, for\u00e7ados a se demitir e impossibilitados de se integrar \u00e0 sociedade.<\/p>\n

De l\u00e1 para c\u00e1, o Jap\u00e3o jamais seria o mesmo.<\/p>\n

\"shoko_subway3-760x714\"<\/p>\n

O g\u00e1s sarin<\/a> \u00e9 uma arma qu\u00edmica experimental desenvolvida pelos nazistas na \u00e9poca da Segunda Guerra. 26 vezes\u00a0mais t\u00f3xico que o g\u00e1s cian\u00eddrico<\/a>, n\u00e3o chegou a ser usado no conflito, mas encontrou seu lugar depois, entre os executores de Pinochet<\/a>, soldados de Saddam Hussein<\/a> e apoiadores de Bashar al-Assad<\/a> na S\u00edria.<\/p>\n

A subst\u00e2ncia n\u00e3o tem cheiro nem cor, e os corpos de suas v\u00edtimas n\u00e3o apresentam qualquer dano f\u00edsico. \u00c9 a arma perfeita para assassinos – e genocidas que querem apagar seus rastros.<\/p>\n

Em mar\u00e7o de 1995, nenhuma explos\u00e3o, palavra de ordem ou jato de sangue para indicou\u00a0 o terror que estava para imperar. Pessoas misteriosamente come\u00e7aram a passar mal e desmaiar. Algumas, para nunca mais acordar.<\/p>\n

Numa coluna passada<\/a>, eu mencionei como o atentado\u00a0foi um dos eventos mais marcantes da hist\u00f3ria japonesa contempor\u00e2nea. Sua repercuss\u00e3o inspirou um movimento pr\u00f3prio na cultura pop – o g\u00eanero sekaikei<\/a><\/em> –\u00a0que persiste at\u00e9 os dias hoje.<\/p>\n

\"penguindrum-train-station1\"<\/p>\n

O que \u00e9 v\u00e1lido para animes e mang\u00e1s tamb\u00e9m \u00e9 v\u00e1lido para a literatura.\u00a0A histeria midi\u00e1tica, a atmosfera de incerteza e aura de inconceb\u00edvel que cercava o atentado\u00a0inspirou v\u00e1rios escritores a encarar seu pa\u00eds de outra forma.<\/p>\n

Para amantes da literatura japonesa, o resultado s\u00e3o alguns dos livros mais intrigantes a terem sa\u00eddo da Terra do Sol Nascente nos \u00faltimos tempos.<\/p>\n

Fantasmas entre n\u00f3s<\/h3>\n

\"banana-yoshimoto-6.jpg\"<\/p>\n

N\u00e3o deixe o pseud\u00f4nimo criativo engan\u00e1-lo. Banana Yoshimoto (nascida Mahoko) \u00e9 uma das mais populares escritoras contempor\u00e2neas do Jap\u00e3o.<\/p>\n

A fama \u00e9 merecida.\u00a0O que Inio Asano e seus mang\u00e1s<\/a>\u00a0um dia fariam com as ang\u00fastias dos millenials<\/em>, Yoshimoto fez com as atribula\u00e7\u00f5es da Gera\u00e7\u00e3o X, divididas entre anos\u00a01980 que parecia bons demais para serem verdade e\u00a0uma d\u00e9cada de 1990\u00a0cujas feridas ainda custam a fechar.<\/p>\n

\"sarin<\/p>\n

De toda a sua obra, O Lago<\/em> (em japon\u00eas, Mizuumi<\/em>) \u00e9 um dos exemplos mais\u00a0diretamente relacionados ao atentado – e sutis na sua abordagem.<\/p>\n

\"lake<\/p>\n

O enredo acompanha Chihiro, uma artista em seus 30 anos que garante seus sustento pintando murais. Med\u00edocre na profiss\u00e3o, sem grandes ambi\u00e7\u00f5es, namorado ou mesmo amigos insepar\u00e1veis, ela existe\u00a0sem saber que se fato vive ou apenas espera o tempo passar.<\/p>\n

Tudo muda quando conhece Nakajima, um rapaz fr\u00e1gil e introvertido, doutorando em gen\u00e9tica, inteligente e anti-social. A princ\u00edpio um “nerd”\u00a0cl\u00e1ssico, Chihiro logo percebe que o garoto esconde um lado\u00a0sombrio.<\/p>\n

Nakajima sofre de crises de choro\u00a0e ins\u00f4nia. Para dormir, precisa se abra\u00e7ar em uma grelha de mochi<\/em>. Sexo o apavora mais do que qualquer coisa, e basta uma avan\u00e7o para que tenha uma ataque de p\u00e2nico.<\/p>\n

Chihiro suspeita\u00a0que ele tenha sido abusado na inf\u00e2ncia. Para sua surpresa, a verdade \u00e9\u00a0ainda mais terr\u00edvel – e surreal.<\/p>\n

O horror na narrativa de\u00a0Yoshimoto n\u00e3o \u00e9 aquilo que esperamos quando lemos sobre\u00a0cultos apocal\u00edpticos. Isto porque a Aum Shinrikyo n\u00e3o \u00e9 um culto como outro qualquer.<\/p>\n

Nakajima, ponto focal de O Lago<\/em>, conta que foi raptado enquanto crian\u00e7a e levado para viver em uma comuna isolada do mundo exterior. L\u00e1, como tantos outros que vivem o mart\u00edrio do cativeiro, precisou aprender a \u201camar seus captores\u201d. A diferen\u00e7a \u00e9 que, para a seita de Shoko Asahara, isto era\u00a0estranhamente\u00a0f\u00e1cil.<\/p>\n

\"wind_up_bird_by_anodyne_for_the_weak.jpg\"

Cena de\u00a0A Cr\u00f4nica do P\u00e1ssaro de Corda<\/a>\u00a0\u00a0<\/em>de Haruki Murakami.\u00a0Cr\u00e9ditos<\/a>.<\/p><\/div>\n

No seu auge, a Aum Shirikyo foi\u00a0mais do que uma cabala de terroristas. A organiza\u00e7\u00e3o se tornou\u00a0um verdadeiro mundo \u00e0\u00a0parte, com seus pr\u00f3prios minist\u00e9rios, departamentos de pesquisa e membros infiltrados em institui\u00e7\u00f5es de toda sorte.<\/p>\n

Era tamb\u00e9m uma fam\u00edlia, composta por pessoas que compartilhavam um forte sentimento de irmandade umas para com as outras. Muitas das quais, ao contr\u00e1rio de Nakajima, haviam vindo voluntariamente,\u00a0arrastando c\u00f4njuges e filhos consigo.<\/p>\n

Para garantir a obedi\u00eancia, os membros da comuna recebiam \u201creceitas\u201d de LSD e outras drogas, ministradas como rem\u00e9dio para que n\u00e3o suspeitassem que estavam sendo dopados. Asahara e seus s\u00faditos\u00a0os induziam a pensar que n\u00e3o estavam mais no Jap\u00e3o, e sim num outro mundo\u00a0\u2013 como a dimens\u00e3o\u00a0paralela de 1Q84<\/em><\/a> ficcionalizada por Haruki Murakami. \u00c0 merc\u00ea de alucina\u00e7\u00f5es, amortecidos \u00e0 uma realidade na qual n\u00e3o podiam mais confiar, os membros da seita s\u00f3 tinham a acreditar nos captores.<\/p>\n

\"murakamish__1q84_by_heriette-d7vzr27.jpg\"

Cr\u00e9ditos<\/a><\/p><\/div>\n

Yoshimoto nos apresenta uma depravidade muito pior que as torturas, abusos sexuais e confinamentos pelos quais sua personagem, Chihiro, imagina que Nakajima passou. Tal como o protagonista de Imp\u00e9rio do Sol<\/a> <\/em>\u2013 inspirado nas pr\u00f3prias experi\u00eancias de J.G. Ballard em um campo de concentra\u00e7\u00e3o japon\u00eas \u2013 ele descobre, aterrorizado, que \u00e9 feliz em sua jaula dourada.<\/p>\n

Nas algemas da Aum, Nakajima ganha uma fam\u00edlia adotiva, cresce, tem suas primeiras experi\u00eancias sexuais. Ao escapar e descobrir que sua m\u00e3e havia quase destru\u00eddo a si mesma para salv\u00e1-lo, a culpa \u00e9\u00a0grande demais para que ele consiga viver como um adulto funcional:<\/p>\n

\n

“Todo aquele amor que minha m\u00e3e for\u00e7ou em mim logo depois que eu escapei… foi como uma sopa muito quente,\u00a0penetrou\u00a0fundo demais. As emo\u00e7\u00f5es dela eram muito\u00a0fortes,\u00a0como roupas espalhafatosas ou com muitos babados. Foi assim que eu a via.<\/p>\n

No final, eu acho que foi culpa minha\u00a0que meus pais se separaram e minha m\u00e3e faleceu\u00a0logo depois.(…) Ela morreu porque usou muita energia. Ela escolheu fazer isso em troca de me ter de volta. Tudo aquilo que ela colocou em mim foi tirado dela. Ela sabia e o fez assim mesmo.(…)<\/p>\n

Claro, eu n\u00e3o acredito que eu tenha muito tempo de vida \u00e0 minha frente tamb\u00e9m, ent\u00e3o na \u00e9poca era natural que eu pensasse:\u00a0O que voc\u00ea est\u00e1 fazendo, m\u00e3e? Eu n\u00e3o quero essa vida, ela \u00e9 sua!<\/em>“<\/p>\n<\/blockquote>\n

Nakajima teve sorte. Por conta do consumo desenfreado de alucin\u00f3genos, alguns sobreviventes da seita acabaram desenvolvendo problemas de f\u00edgado e sequelas permanentes. Sem uma Chihiro para lhes dar suporte, passaram a viver como fantasmas, isolados da sociedade, presos no limiar entre o real e o pesadelo:<\/p>\n

\n

Mino assentiu sem falar.<\/p>\n

Ent\u00e3o ele disse: “Eu n\u00e3o podia dizer antes quando voc\u00ea me mostrou as imagens mas… obrigado. Obrigado por nos pintar. Obrigado por ver, da primeira vez que nos encontrou, que apesar de sermos fantasmas, n\u00f3s dois, que muito embora n\u00e3o dever\u00edamos existir, n\u00f3s estamos vivos.”<\/p>\n<\/blockquote>\n

O atentado\u00a0de 1995\u00a0foi um dos eventos mais traum\u00e1ticos da hist\u00f3ria japonesa recente. N\u00e3o, segundo Yoshimoto, pelos motivos mais \u00f3bvios.<\/p>\n

Por mais horripilante que tenha sido o g\u00e1s sarin, t\u00e3o terr\u00edvel quanto foi a insanidade que Aum provocou em seus pr\u00f3prios convertidos. E nas milh\u00f5es de pessoas que, assistindo de suas poltronas, lendo as manchetes de jornal e deparando-se nas ruas com as v\u00edtimas do ataque, entenderam que o mundo em que viviam precisava ser repensado.<\/p>\n

O submundo da humanidade<\/strong><\/h3>\n

\"haruki-murakami-1.jpg\"<\/p>\n

Ningu\u00e9m entende mais dessas ang\u00fastias que o romancista Haruki Murakami. Em livros como after the quake<\/em>, Kafka \u00e0 Beira Mar <\/em>e 1Q84,<\/em> os eventos de mar\u00e7o de 1995 se tornaram uma mitologia em si. Como o pr\u00f3prio Murakami admitiu,\u00a0a mera ideia de um caminho subterr\u00e2neo, oculto, j\u00e1 enche sua\u00a0mente\u00a0de hist\u00f3rias.<\/p>\n

Frequentemente subestimado por editores (e leitores) ocidentais, que o tratam apenas como um exemplo de realismo fant\u00e1stico, a mistura de nonsense, descri\u00e7\u00f5es da vida cotidiana e vibe<\/em>\u00a0\u201cpop\u201d de seus livros trazem um prop\u00f3sito maior:<\/p>\n

\n

[Quando Asahara se candidatou a deputado, em 1990], sua campanha foi um teatro singular. Dia ap\u00f3s dia uma m\u00fasica estranha tocava de carros de som enquanto jovens em batas brancas e e m\u00e1scaras gigantes de elefantes e do pr\u00f3prio Asahata\u00a0ocupavam a cal\u00e7ada ao lado da esta\u00e7\u00e3o de metr\u00f4, acenando e dan\u00e7ando uma giga incompreens\u00edvel.<\/p>\n

(…)<\/p>\n

Eu n\u00e3o achei que fosse importante na \u00e9poca. Simplesmente tirei a imagem da minha mente como “algo que n\u00e3o me diz respeito”. (…) Muito provavelmente os intelectuais alem\u00e3es durante a Rep\u00fablica de Weimar se comportaram da mesma forma quando viram Hitler pela primeira vez.<\/p>\n<\/blockquote>\n

Murakaki explora o absurdo para tentar dar sentido \u00e0quilo que, aparentemente, n\u00e3o o tem. Pois, como\u00a0ele mesmo diz, “em nosso mundo multifacetado, a inconsist\u00eancia pode ser mais eloquente do que a consist\u00eancia”.<\/p>\n

\"1q84_by_degdeg-d41pkme.jpg\"

Cena de\u00a01Q84.\u00a0<\/em>Cr\u00e9ditos<\/a><\/p><\/div>\n

Curiosamente, para um romancista t\u00e3o talentoso no mundo do absurdo, seu trabalho mais incisivo veio justamente da n\u00e3o-fic\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

E n\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil entender o porqu\u00ea.<\/p>\n

Em 1995, Murakami tinha acabado de voltar ao Jap\u00e3o ap\u00f3s morar na Europa e Estados Unidos. Seus romances, escritos em um estilo despojado, com uma overdose de refer\u00eancias \u00e0 cultura pop, levaram alguns conterr\u00e2neos a critic\u00e1-lo como um \u201canti-japon\u00eas\u201d.<\/p>\n

Com A Cr\u00f4nica do P\u00e1ssaro de Corda <\/em>(1994), Murakami silenciou os cr\u00edticos ao abordar o pol\u00eamico incidente de Nomonhan<\/a> (1939), em que tropas japoneses tentaram ocupar territ\u00f3rio mongol. Anos depois, retornou ao Jap\u00e3o para se reaclimatar ao pa\u00eds ap\u00f3s um “ex\u00edlio auto-imposto”.<\/p>\n

O que encontrou ao chegar ultrapassou todas as suas expectativas. N\u00e3o contente em reclamar do \u201csistema\u201d e oferecer as platitudes de sempre, Murakami foi mais al\u00e9m: compilou uma gigantesca s\u00e9rie de entrevistas com sobreviventes do atentado.<\/p>\n

Num contexto t\u00e3o traum\u00e1tico e numa sociedade t\u00e3o marcada pela vergonha e pelo desejo de n\u00e3o chamar a aten\u00e7\u00e3o, o projeto foi verdadeiramente herc\u00faleo. Felizmente, ele viu a luz do dia, e o livro Underground: O Ataque de G\u00e1s de T\u00f3quio e a Mentalidade Japonesa<\/a> <\/em>foi publicado.<\/p>\n

\"murakami<\/p>\n

Ler O Lago <\/em>e Underground <\/em>lado a lado \u00e9 uma experi\u00eancia que chega a ser assustadora. Ap\u00f3s o 11\/09, a palavra \u201cterrorismo\u201d penetrou de tal forma nossos notici\u00e1rios, vocabul\u00e1rio e fic\u00e7\u00e3o que criou para si uma apar\u00eancia de familiaridade.<\/p>\n

Esses dois relatos \u2013 fict\u00edcio e ver\u00eddico \u2013 deixam bem claro o quanto essa\u201capar\u00eancia\u201d n\u00e3o passa da superf\u00edcie.<\/p>\n

Ao contr\u00e1rio da profissional\u00edssima Al-Qaeda com seus experts em explosivos e tecnologia, os cultistas da Aum Shinrikyo eram amadores. A maioria\u00a0sequer\u00a0conseguiu furar todas as bolsas de sarin. \u00a0Pelo menos dois acabaram eles pr\u00f3prios se envenenando<\/strong> com o g\u00e1s<\/strong>.<\/p>\n

Se por um lado devemos a isso o baixo n\u00famero de mortes, por outro o fato s\u00f3 escancara o qu\u00e3o aleat\u00f3rio, imprevis\u00edvel e arbitr\u00e1rio foi o epis\u00f3dio. Uma impress\u00e3o que a biografia dos envolvidos s\u00f3 confirma.<\/p>\n

Os\u00a0asseclas da Aum n\u00e3o eram loucos, b\u00e1rbaros, alienados, inimigos do \u201cprogresso\u201d. Eram algumas das mentes mais exemplares que seu pa\u00eds havia produzido.<\/p>\n

Ikuo Hayashi<\/a> \u2013 de quem Sanetoshi Watase<\/a> de Penguindrum <\/em>\u00e9 uma refer\u00eancia descarada \u2013 era um m\u00e9dico brilhante empregado no Minist\u00e9rio da Ci\u00eancia e Tecnologia. Kenichi Hirose, que executou o ataque a uma outra linha, era doutor em f\u00edsica pela Universidade de Waseda.<\/p>\n

Mesmo os membros \u201ccomuns\u201d do culto, se n\u00e3o compartilhavam o curr\u00edculo dos terroristas, sem d\u00favida compartilhavam sua obsess\u00e3o pela raz\u00e3o. Hiroyuki Kano, um dos cultistas entrevistados por Murakami, diz que se uniu \u00e0 Aum para encontrar uma f\u00f3rmula matem\u00e1tica capaz de sistematizar o budismo.<\/p>\n

Para o escritor, esses sinais nos deveriam fazer refletir sobre o que foi feito de errado. N\u00e3o apenas no n\u00edvel pr\u00e1tico (a resposta das autoridades foi terrivelmente lenta), mas naquilo que se esconde al\u00e9m.<\/p>\n

Como diz em um ensaio\u00a0que acompanha as entrevistas:<\/p>\n

\n

O “fen\u00f4meno Aum” me perturba precisamente porque n\u00e3o \u00e9 um\u00a0problema dos outros<\/strong>. Ele nos mostra uma imagem distorcida de n\u00f3s mesmos de uma maneira que nenhum de n\u00f3s poderia ter previsto.<\/p>\n

(…)Agora, \u00e9 claro que um reflexo no espelho \u00e9 sempre mais sombrio e distorcido. O c\u00f4ncavo e o convexo se invertem, mentiras triunfam sobre a realidade, luz e sombra nos enganam. Por\u00e9m, remova estas falhas escuras e as duas imagens se tornam\u00a0inquietantemente similares; alguns detalhes quase parecem conspirar um com o outro. \u00c9 por isto que evitamos olhar diretamente para a imagem e porque, conscientemente ou n\u00e3o, n\u00f3s continuamos a eliminar esses elementos sombrios do rosto que desejamos ver. Estas sombras subconscientes s\u00e3o um\u00a0“underground<\/em>” que n\u00f3s carregamos conosco e um\u00a0sabor amargo que continua a nos afligir muito tempo depois do ataque de g\u00e1s a T\u00f3quio ter nos infiltrado pelo subterr\u00e2neo.<\/p>\n<\/blockquote>\n

Murakami n\u00e3o \u00e9 partid\u00e1rio da Aum, nem (como tantos outros intelectuais amam fazer) deseja relativizar ou justificar as a\u00e7\u00f5es de terroristas.<\/p>\n

Seu ponto \u00e9 que o germe que resultou no atentado, a obsess\u00e3o com certezas e a espiritualidade doentia que se materializou na seita de Asahata faz parte de n\u00f3s – e pode brotar novamente\u00a0a qualquer momento.<\/p>\n

Yoshimoto n\u00e3o podia concordar mais. Como diz sua personagem Nakajima:<\/p>\n

\n

Eu ent\u00e3o percebi, da forma mais f\u00edsica poss\u00edvel, que ser l\u00f3gico e l\u00facido n\u00e3o \u00e9 a mesma coisa que manter todas as coisas iguais, sem perturb\u00e1-las.\u00a0Quando voc\u00ea chega\u00a0a\u00a0um estado de homogeneidade\u00a0\u00e9 porque voc\u00ea j\u00e1 se perdeu. S\u00f3 assim voc\u00ea chega a este estado em primeiro lugar.<\/p>\n<\/blockquote>\n

\"penguindrum<\/p>\n

Nakajima, obviamente, fala da Aum.\u00a0Para garantir obedi\u00eancia completa ao l\u00edder, fam\u00edlias eram por vezes separadas;\u00a0v\u00ednculos emocionais, desencorajados. O pr\u00f3prio Asahara dispunha de um har\u00e9m de devotas – para seu pr\u00f3pria satisfa\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m para refor\u00e7ar sua pr\u00f3pria autoridade.<\/p>\n

Se Murakami tem medo, \u00e9 porque n\u00e3o acha que isso esteja\u00a0restrito \u00e0 seita. Tamb\u00e9m na sociedade humana, no mundo “normal” e “desej\u00e1vel”, a narrativa\u00a0do coletivismo, da hegemonia e da submiss\u00e3o absoluta \u00e9 uma realidade.<\/p>\n

Uma realidade que n\u00f3s, por mais que protestemos, n\u00e3o podemos negar:<\/p>\n

\n

E voc\u00ea? (Estou usando a segunda pessoa, mas \u00e9 claro que isso inclui a mim tamb\u00e9m).<\/p>\n

Voc\u00ea nunca ofereceu uma parte do seu Eu a algu\u00e9m (ou alguma coisa) e recebeu em troca uma “narrativa”? Ser\u00e1 que nunca confiamos alguma parte da nossa personalidade a algum grande Sistema ou Ordem? E, neste caso, ser\u00e1 que este Sistema em algum ponto j\u00e1 n\u00e3o nos pediu alguma esp\u00e9cie de “insanidade”? Ser\u00e1 que a narrativa que voc\u00ea possui \u00e9\u00a0real e verdadeiramente\u00a0<\/strong>sua? Ser\u00e1 que seus sonhos s\u00e3o\u00a0realmente<\/strong> os seus pr\u00f3prios sonhos? Ou ser\u00e1 que s\u00e3o vis\u00f5es de outras pessoas que podem a qualquer instante se transformar em um pesadelo?<\/p>\n<\/blockquote>\n

Obviamente, o oposto n\u00e3o \u00e9 a solu\u00e7\u00e3o. Para o bem ou para o mal, compartilhamos um espa\u00e7o e precisamos de normas para garantir o bem estar de todos. A alternativa para as leis, a hierarquia, a obedi\u00eancia e os valores comuns\u00a0\u00e9 um mundo\u00a0pior do que qualquer tirania.<\/p>\n

“Autonomia e depend\u00eancia”, diz Murakami, “s\u00e3o como luz e sombra”. Aqueles que encontram o equil\u00edbrio conseguem viver vidas felizes. Aqueles que fracassam, por outro lado, embarcam em uma jornada sombria. Com consequ\u00eancia funestas para todos ao seu redor.<\/p>\n

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Em 20 de mar\u00e7o de 1995, cinco\u00a0membros do culto apocal\u00edptico Aum Shinrikyo embarcaram em linhas diferentes do metr\u00f4 de T\u00f3quio. Sob os bra\u00e7os, levavam \u00a0bolsas do neuro-agente sarin enroladas em\u00a0jornal. Em dado momento, armados com guarda-chuvas de pontas limadas, eles furaram as bolsas e fugiram. O atentado ganhou as manchetes, nem tanto pela sua letalidade, […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":11212,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"spay_email":"","jetpack_publicize_message":"","jetpack_is_tweetstorm":false},"categories":[580,17],"tags":[],"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/i1.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2016\/10\/murakami-cover.png?fit=1280%2C1096&ssl=1","jetpack_publicize_connections":[],"jetpack_shortlink":"https:\/\/wp.me\/p9rUzW-2St","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/11065"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=11065"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/11065\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":21275,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/11065\/revisions\/21275"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/media\/11212"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=11065"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=11065"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=11065"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}