Eu cheguei a criar um fanclube entre meus amigos. Fizemos planos para publicar uma revista sobre a s\u00e9rie, que obviamente nunca vingou. Em um mundo sem blogs, a ideia de crian\u00e7as escreverem sobre qualquer coisa ainda era um sonho distante.<\/p>\n
Eu poderia continuar, mas sei que n\u00e3o preciso: cada um de voc\u00eas t\u00eam hist\u00f3rias muito parecidas. De fato, come\u00e7o esse post com esta confiss\u00e3o n\u00e3o porque ela \u00e9 \u00fanica, mas justamente porque \u00e9 muito comum.<\/p>\n
O meu comportamento \u2013 e o de boa parte da minha gera\u00e7\u00e3o \u2013 foi o modus operandi <\/em>de toda uma uma fanbase. E para mim \u2013 e, suspeito, boa parte da minha gera\u00e7\u00e3o \u2013 nada me preencheria com mais alegria do que saber que a s\u00e9rie poderia continuar.<\/p>\n O dia tardou, mas parece ter chegado<\/a>. F\u00e3s de Sakura j\u00e1 devem ter se deparado com a not\u00edcia de que a s\u00e9rie de maior sucesso da CLAMP voltaria \u00e0s telinhas para uma nova temporada.<\/p>\n <\/p>\n O rumor, espalhado sobretudo por p\u00e1ginas latino-americanas, tem sua origem em um edi\u00e7\u00e3o especial da revista japonesa Animedia <\/em>lan\u00e7ada dois anos atr\u00e1s, na celebra\u00e7\u00e3o do anivers\u00e1rio de 15 anos do anime. Nela, o produtor da s\u00e9rie, Eizo Kondo, manifestou o interesse em\u00a0voltar aos mares.<\/p>\n O leitor que entenda japon\u00eas pode ver a not\u00edcia diretamente em sua fonte<\/a>:<\/p>\n H\u00e1 um grande salto entre a opini\u00e3o de um produtor e um novo lan\u00e7amento. Por\u00e9m, se Sailor Moon Crystal <\/em>e Dragon Ball Super <\/em>s\u00e3o algum indicativo, estamos em uma \u00e9poca ideal para esse tipo de retorno.\u00a0A avalanche de merchandise oficial que chegou ao mercado confirma que estamos diante de uma renascen\u00e7a de Sakura<\/a>.<\/p>\n No entanto, se Tsubasa Reservoir Chronicles <\/em>me ensinou alguma coisa, \u00e9 que o passado \u00e9 o passado e o presente \u00e9 o presente. Como bem disse Jorge Lu\u00eds Borges, n\u00e3o h\u00e1 sentido em reescrever Dom Quixote. Uma obra dos nossos tempos nunca ser\u00e1 igual \u00e0 sua antecessora.<\/p>\n A CLAMP n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o velha quanto Cervantes. Mesmo assim, muita coisa mudou desde o lan\u00e7amento de Sakura <\/em>em 1998. E n\u00e3o apenas nos animes, mas tamb\u00e9m naqueles que os assistem.<\/p>\n Cinco anos atr\u00e1s, o comediante americano Patton Oswalt publicou um artigo<\/a> chamado Acorde, cultura geek. Est\u00e1 na hora de morrer.<\/em><\/p>\n Em nossa \u00e9poca de orgulho nerd, em que conven\u00e7\u00f5es de anime re\u00fanem trekkies<\/em>, estandes de Harry Potter e colecionadores de Lego, o t\u00edtulo \u00e9 de co\u00e7ar a cabe\u00e7a.<\/p>\n Oswalt, no entanto, tem um ponto. Para ele, a \u201ccultura geek\u201d nunca existiu.<\/p>\n 30 anos atr\u00e1s \u2013 diz ele \u2013 n\u00e3o havia nada em comum entre jogadores de D&D<\/em>, f\u00e3s de Star Trek<\/em>, leitores de quadrinhos autorais underground e espectadores de Space Battleship Yamato. <\/em>O que unia as diversas tribos n\u00e3o era um conjunto de paix\u00f5es em comum, mas a devo\u00e7\u00e3o com a qual\u00a0se dedicavam a suas obras mais queridas.<\/p>\n A chave aqui \u00e9 a internet \u2013 ou, melhor dizendo, a aus\u00eancia dela. Em um mundo sem google, redes sociais e informa\u00e7\u00e3o infinita, ser um f\u00e3 dava muito mais trabalho. Era preciso correr atr\u00e1s de lan\u00e7amentos, acompanhar revistas f\u00edsicas \u2013 algumas estrangeiras \u2013e se fiar em especula\u00e7\u00f5es de todo tipo.<\/p>\n Mais: o tempo entre um lan\u00e7amento e outro era t\u00e3o grande que a obsess\u00e3o vinha naturalmente. Sem um backlog<\/em> de 400 jogos no steam ou uma s\u00e9rie nova no\u00a0Netflix a cada tr\u00eas meses, n\u00e3o havia escolha sen\u00e3o assistir reprises e memorizar linhas de di\u00e1logo.<\/p>\n \u00c9 por isso que f\u00e3s de Star Wars faziam festas de lan\u00e7amento para os livros do universo expandido<\/a>. \u00c9 por isso que colecionadores de action figure corriam atr\u00e1s de cat\u00e1logos<\/a> para ver o que faltava em suas cole\u00e7\u00f5es. \u00c9 por isso que f\u00e3s de anime se organizavam em mailing lists <\/em>trocando informa\u00e7\u00e3o privilegiada do que acontecia no Jap\u00e3o – produzindo\u00a0no caminho volumes infind\u00e1veis de fanfic.<\/p>\n Nas palavras de Oswalt, ser um otaku \u2013 palavra que ele usa no sentido original, como um f\u00e3 inveterado de qualquer coisa \u2013 implicava em construir seu pr\u00f3prio \u201cmundo imagin\u00e1rio\u201d para organizar sua paix\u00e3o pelos hobbies.<\/p>\n Se isso hoje parece meio demod\u00e9, \u00e9 porque\u00a0o mundo mudou. O Crunchyroll e outros servi\u00e7os de streaming permitem que assistamos a animes com meras semanas de atraso. Canais<\/a> especializados<\/a>\u00a0nos permitem conhecer o fim de uma s\u00e9rie antes mesmo de toparmos com o primeiro epis\u00f3dio.<\/p>\n Trinta anos atr\u00e1s, para descobrir quem \u00e9 J\u00e9ssica Jones seria necess\u00e1rio acampar em sebos de quadrinho e passar alguns meses enterrado em pilhas de gibi. Hoje, qualquer f\u00e3 do seriado pode em quest\u00e3o de minutos consultar a wiki e recitar a primeira apari\u00e7\u00e3o do Homem P\u00farpura.<\/p>\n Para quem teve de sofrer com as edi\u00e7\u00f5es irregulares de Ranma 1\/2 <\/em>da Animang\u00e1, com material licenciado de segunda m\u00e3o dos EUA, ou com os cortes que os animes recebiam na TV aberta,\u00a0 n\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas de que a mudan\u00e7a foi positiva.<\/p>\n Pelo menos escapamos dessa<\/a><\/p><\/div>\n Por que, ent\u00e3o, Oswalt quer que tudo isso desapare\u00e7a?<\/p>\n Por que, para o comediante, eram justamente as dificuldades em se acompanhar as p\u00e9rolas da cultura pop que criavam grandes f\u00e3s. A informa\u00e7\u00e3o de m\u00e3o beijada, pelo contr\u00e1rio, \u00a0produz \u201cotakus ruins\u201d que t\u00eam \u201crolos\u201d e n\u00e3o paix\u00f5es; \u201cpassatempos\u201d e n\u00e3o \u201cmundos virtuais\u201d. F\u00e3s como esse podem bastar no curto prazo, mas, como eu argumentei em outra ocasi\u00e3o<\/a>, v\u00e3o t\u00e3o r\u00e1pido como v\u00eam.<\/p>\n Creio, no entanto, que Oswalt foi pessimista demais. Existem ainda sinais da \u201cvelha fandom\u201d dos anos \u00e1ureos. Voc\u00ea a percebe nos fan\u00e1ticos que criam infogr\u00e1ficos<\/a> superdetalhados sobre s\u00e9ries de TV, nos contribuidores das wikis que espectadores casuais consultam e em autores de obras de arte como essa:<\/p>\n Isso, \u00e9 claro, sem falar no mundo dos AMVs, cosplays e fanarts, que continuam fortes a despeito de eventuais escaramu\u00e7as<\/a> com a justi\u00e7a.<\/p>\n Anos atr\u00e1s, escutei uma garota em um dos corredores da faculdade queixando-se sobre a ignor\u00e2ncia dos “jovens\u201d. O motivo da indigna\u00e7\u00e3o era uma crian\u00e7a que, aparentemente, nunca havia ouvido falar de Sailor Moon<\/em>.<\/p>\n Como seria poss\u00edvel \u2013 ela pensava \u2013 que o marco m\u00e1ximo do anime shoujo<\/em>, melhor desenho dos anos 1990, hoje fosse relegado ao esquecimento?<\/p>\n![\"animedia](\"https:\/\/i1.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/11\/animedia-sakura.jpg?resize=1340%2C1005\")
<\/p>\nO que aconteceu com os f\u00e3s?<\/h3>\n
![\"patton](\"https:\/\/i1.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/11\/patton-oswalt.jpg?resize=240%2C357\")
<\/p>\n![\"Daredevil_Vol_1_4\"](\"https:\/\/i0.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/11\/daredevil_vol_1_4.jpg?resize=231%2C383\")
<\/p>\n![\"cardcaptors\"](\"https:\/\/i1.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/11\/cardcaptors.jpg?resize=334%2C475\")
![\"skyrim](\"https:\/\/i0.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/11\/skyrim-food.jpg?resize=636%2C358\")
<\/p>\nO que esperar de um novo Sakura <\/em>nesse momento?<\/h3>\n
![\"evangelion](\"https:\/\/i0.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2015\/11\/evangelion-figures.jpg?resize=930%2C620\")