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Uma Aventura no Japão – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Sun, 24 Feb 2019 16:07:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Uma Aventura no Japão – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Uma aventura no Japão #10: quem tem medo do teatro noh? https://www.finisgeekis.com/2017/07/17/uma-aventura-no-japao-10-quem-tem-medo-do-teatro-noh/ https://www.finisgeekis.com/2017/07/17/uma-aventura-no-japao-10-quem-tem-medo-do-teatro-noh/#comments Mon, 17 Jul 2017 21:41:42 +0000 http://finisgeekis.com/?p=17461 Você já deve­ ter ouvido falar do noh, o mais famoso e pomposo dos teatros japoneses.

Você já deve ter ouvido falar do noh, aquela ópera esquisita em que homenzarrões interpretam papéis femininos.

Você já deve ter ouvido falar do noh, cujas máscaras parecem saídas de um filme de terror.

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Como amante da cultura japonesa, eu já havia escutado as três coisas. O teatro noh, de fato, parece ter uma reputação ambivalente. Por um lado, é uma das artes mais luxuosas e tradicionais do Japão. Por outro, é vista como uma coisa meio démodé – quanto não completamente anacrônica.

Como cosplayer, tenho um enorme fascínio por máscaras. As de noh em particular, graças à escritora Fumiko Enchi, que escreveu um romance perturbador sobre o tema. Assim, não pude de deixar de conferir como é, realmente, o famigerado teatro.

Mas afinal, o que é o noh?

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Noh é um tipo de dramaturgia que envolve canto, dança e uso de máscaras. Ao contrário do kabuki, que preza pela extravagância, ou o rakugo, que dialoga com a experiência popular, o noh é extremamente codificado, tradicional e sisudo.

Isso não quer dizer que tenha se tornado apenas uma curiosidade de museu. Peças de noh geralmente falam de mortais assombrados por fantasmas, demônios ou deuses. Se você já se deparou com o famoso “terror japonês” (ou suas muitas paródias na cultura pop) saiba que ele já teve um pé no teatro noh.

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Paródia de assombração na série Midnight Diner do Netflix.

Embora grite “Nihon!” por todos os poros, o noh teve uma influência gigantesca na arte ocidental. Dramaturgos como Samuel Beckett, W.B. Yeats e Bertold Brecht basearam-se nele para escrever algumas de suas peças mais famosas.

Como o anime também é uma arte de performance, é óbvio que também paga homenagem ao gênero. Não só indiretamente, em muitos de seus roteiros, mas, às vezes, também diretamente.

Em Millenium Actress, por exemplo, a anciã que persegue a protagonista é ninguém menos que a Ryo no Onna: o fantasma de uma mulher destruída pelo sofrimento do amor.

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Na verdade, Ryo no Onna não é extaamente uma personagem, e sim uma máscara. Pode parecer estranho, mas no teatro noh as máscaras, de certa forma, têm vida própria.

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Embora haja muitas peças (e outras tanto têm sido escritas na modernidade), existe um número limitado de máscaras. Todos os papéis do noh se encaixam nestas categorias, que denotam não apenas aparência física, mas o próprio caráter da personagem.

Não são os papéis que vestem as máscaras; são as máscaras que vestem os papéis.

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Eu não precisei saber mais nada para decidir que o teatro noh era uma experiência que eu precisava viver. O que eu encontrei foi uma aventura tão sobrenatural quanto as histórias interpretadas no palco.

Ao longo desses artigos, eu narrei a vocês vários de meus passeios pelo Japão. Alguns mais turísticos, outros nem tanto. Nenhum deles, porém, foi mais exclusivo de japoneses do que esse.

O choque começou ao chegar no teatro. Nossa performance foi no Teatro Nacional de Noh em Tóquio, um prédio deslumbrante e moderno, verdadeira Sala São Paulo da dramaturgia nipônica.

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A pompa se refletia na indumentária. Foi o primeiro (e único) lugar no Japão em que encontrei japoneses (e não turistas) socialmente vestidos com kimonos.

Foi também o único lugar em que até mesmo o preço de algumas coisas na lojinha estava escrito em kanji (!). Por mais que a Vivian tenha tentado comprar o libretto, o staff simplesmente se recusou a nos vender: deu-nos apenas uma xérox em inglês do roteiro.

A diferença não é apenas estética. O libretto possui todos os diálogos da peça. Isso é importante porque o teatro noh, além de ser cantado em uma espécie de vibrato (como a ópera) é narrado em japonês antigo, que mesmo os nihonjin atuais não conseguem entender.

Felizmente, isso não significa que estrangeiros não podem curtir também. O Teatro Nacional de Noh possui telas na frente de cada assento, com legendas em japonês e inglês.

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O que rola no palco

O Noh é frequentemente chamado de “ópera japonesa”, mas essa comparação é enganosa. Ao contrário da arte de Wagner, peças de noh costumam ser curtas. Tão curtas, na verdade, que geralmente são acompanhadas de peças menores.

Para destilar o clima sisudo, as histórias são intercaladas com um teatro cômico, chamado de kyogen. O espírito é o mesmo do rakugo: uma espécie de “sitcom” da era Edo, descontraída e irreverente.

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A comparação não é gratuita: as duas artes se comunicam, ou passaram a se comunicar. Nos últimos anos, certas peças de rakugo foram adaptadas ao kyogen, encenadas por um grupo de atores.

Em Showa Genroku Rakugo Shinjuu, o escritor Eisuke Higuchi sugere salvar o rakugo mudando-o à imagem da modernidade. Quão surpreso ele ficaria ao saber que a comédia encontrou outro caminho para sobreviver: mudando os outros à sua própria imagem.

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Contudo, as peças noh são outro universo. Não existem cortinas: observamos os atores entrando e saindo do palco. Este é ligado aos bastidores por um longo corredor diagonal, que eles percorrem bem devagar para não estragar os figurinos. Uma mera montagem de cena pode levar vários minutos.

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Não existe, também, muita ação. Boa parte da história é narrada, seja por um protagonista, seja por um coro. As falas dizem respeito a questões existenciais, e os mesmos pontos são repetidos várias vezes.

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Jiutai, coro de uma peça Noh, ao fundo com kimonos pretos.

Pode parecer uma ladainha, mas eu adorei. Aos meus olhos enviesados de ocidental, o Noh me pareceu um teatro grego.

Tal como nas peças de Sófocles e Eurípides, existe um coro que ora situa a ação, ora nos narra os pensamentos das personagens. Tal como na Grécia, o noh costumava a ser interpretado só por homens, de onde as máscaras femininas. Até mesmo o kyogen lembra as peças de sátiros, interlúdios cômicos montados entre as tragédias.

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Performance de Orestéia, obra-prima de Ésquilo

Curiosamente, não acho que minha opinião seja popular mesmo no Japão. Na apresentação que assistimos, uma parte significativa do público dormiu durante a peça. Se pessoas que vestem kimono e se demovem ao melhor teatro de Tóquio não conseguem se manter acordadas no espetáculo, imagine o cidadão médio.

O noh, de fato, não é para todos. É, no entanto, uma arte inesquecível, que eu amaria experimentar de novo.

Seus fantasmas amargurados ficaram na minha cabeça – e não acho que sairão tão cedo.

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Uma aventura no Japão #9: Sanja Matsuri: o festival dos yakuza https://www.finisgeekis.com/2017/07/10/uma-aventura-no-japao-9-sanja-matsuri-o-festival-dos-yakuza/ https://www.finisgeekis.com/2017/07/10/uma-aventura-no-japao-9-sanja-matsuri-o-festival-dos-yakuza/#comments Mon, 10 Jul 2017 22:05:08 +0000 http://finisgeekis.com/?p=17397 Cidades não são apenas lugares. São também comunidades de pessoas, teias de rotinas, confusão. A “selva de pedra” não é feita só de concreto. É orgânica, como um ecossistema.

Em Tóquio, a selva de pedra por excelência, isso fica evidente em seus festivais. E nenhum festival sacode mais a capital japonesa – no sentido literal da palavra – do que o Sanja Matsuri.

Tive a oportunidade de frequentar vários festivais na vida. Com a exceção da gastronomia, creio que poucas ocasiões são melhores para entender uma cidade quando está “desarmada”, pronta para a descontração.

Festivais, contudo, muitas vezes pecam pela teatralidade. Toda festa é uma interrupção. Porém, se ela for brusca demais, sentimo-nos apenas como espectadores, esperando o desfile passar.

O Sanja Matsuri é o maior festival de Tóquio, mas isto diz pouco. É, também, um daqueles raros eventos para os quais não existem transeuntes. Todos participam, seja em um palanque, seja no burburinho das calçadas.

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A festa se inicia no templo de Asakusa, no bairro de mesmo nome de Tóquio. Santuários portáteis chamados mikoshi são desfilados ao redor do bairro.

Talvez eu tenha me expressado mal. Por “desfilados”, não estou pensando nos bonecos do Carnaval de Olinda. Os mikoshi são violentamente sacudidos de um lado para o outro, com uma fúria que o fará pensar que entrou em uma partida da seleção neozelandesa de rúgbi por engano.

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Não é preciso muito para entender que, a despeito das tintas budistas, o Sanja Matsuri parece mais um carnaval do que uma procissão religiosa. Os mikoshis são carregados por “times” específicos, uniformizados com seus próprios kimonos, que gritam e agitam os santuários como se em uma competição de gogó.

O evento é tão absurdo e hilário que serviu de inspiração para o hit do humor nonsense nos animes, Sayonara Zetsubou Sensei. No episódio 7 da primeira temporada, os alunos do Prof. Itoshiki decidem ir a um festival, onde são jogados sobre mikoshis e “homenageados” com o tratamento de Asakusa.

Se isso tudo ainda lhe parece pacato, talvez seja bom especificar que, por “kimono”, não estou me referindo ao traje formal japonês, mas ao happi, uma sobrecapa leve.

E o resto, você pergunta? Tradicionalmente, apenas roupa de baixo.

Nem todo mundo segue o costume à risca, mas esteja avisado: você verá sua cota de bundas nipônicas, não importa quanto tempo fique no festival.

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Não diga que eu não avisei

Curiosamente, a “pouca roupa” de alguns participantes acabou por se tornar uma atração em si. Isto porque o Sanja Matsuri é o festival favorito dos yakuza, que aproveitam a ocasião para ostentar suas tatuagens.

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A presença da máfia já se tornou tão famosa que se reflete até nos souvenirs. Andando pelas lojinhas do bairro, é possível encontrar até bonecas dos icônicos gângsters.

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Neto de calabreses que sou, confesso que tive medo de interagir com os yakuza. No entanto, não havia falta de gaijins serelepes importunando mafiosos atrás de fotografias.

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Para além dos mikoshi e da companhia seleta, o Sanja Matsuri também é uma excelente oportunidade para se visitar o bairro de Asakusa (imperdível por uma série de razões, algumas das quais contarei em colunas vindouras).

A própria estrutura do festival estimula a exploração. Pequenos palcos estão dispostos ao longo das ruas, onde grupos se apresentam com dança e músicas tradicionais.

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Se você, como eu, é fã de Showa Genroku Rakugo Shinjuu, o bairro é uma atração em si. Isto porque Asakusa é o lar do famosíssimo Engei Hall, um dos quatro teatros de Tóquio a exibir rakugo com regularidade.

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Passeando pela rua, é possível conferir a escalação de apresentações, igualzinha à mostrada no prestigiado anime.

Ao ver aqueles rostos, pensei em todos os Sukerokus e Yakumos do Japão, insistindo para manter sua arte viva em pleno século XXI.

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O passeio, já aviso, é exaustivo. Mesmo sem sacudir o mikoshi, é quase certo que terminará o dia suado. Isto não significa que não seja possível parar para respirar. E que local melhor para a ocasião do que o ponto mais alto do Japão?

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A Tokyo Sky Tree, próxima de Asakusa, é a torre mais alta do Japão e segunda estrutura mais alta do mundo, atrás apenas do Burj Khalifa.  O monumento oferece uma vista sem paralelos da capital – e um bônus específico aos otakus.

No Japão, é comum que mirantes ofereçam exposições sobre a cultura pop, aproveitando seu excelente (e super impressionante) espaço. Nesse ano, a escolha foi óbvia. A Sky Tree celebrou a segunda temporada de Attack on Titan com uma exibição que incluiu figures em tamanho real e células de animação.

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Não fosse o bastante, ainda realizaram sessões interativas do anime. O curta, transmitido nas próprias janelas do mirante, retrata um ataque dos titãs à torre, e as manobras da Divisão de Exploração para proteger os visitantes.

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Novamente me expressei mal: embora o passeio seja uma quebra depois da euforia de Asakusa, está longe de ser um descanso. As filas da Sky Tree podem ser quilométricas, e seu mirante, em balbúrdia, rivaliza com a Torre Eiffel.

Contudo, se quiser pagar de “diferentão” e evitar o pior, vá de noite. Não só você desfrutará de uma vista fenomenal, como evitará as hordas de turistas que sobem na torre para ver o pôr do sol.

Tudo por uma boa causa. Afinal, não é sempre que vemos Mikasa e Levi em ação a 634 metros do chão.

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Uma aventura no Japão #8: finalmente Hiroshima https://www.finisgeekis.com/2017/07/07/uma-aventura-no-japao-8-finalmente-hiroshima/ https://www.finisgeekis.com/2017/07/07/uma-aventura-no-japao-8-finalmente-hiroshima/#comments Fri, 07 Jul 2017 20:41:23 +0000 http://finisgeekis.com/?p=17360 Se você tivesse uma única oportunidade de ir ao Japão, que lugar que você não deixaria de visitar em hipótese alguma?

Para mim e para minha esposa, a resposta sempre foi óbvia: Hiroshima.

Existem lugares que todo historiador deve conhecer para fazer jus ao diploma. Existem lugares aos quais devemos o mundo moderno. Hiroshima está no topo de ambas as listas.

Como todos sabem, a cidade foi obliterada pela primeira bomba atômica já utilizada militarmente. O horror acelerou a rendição japonesa – e, no longo prazo, alimentou os pesadelos da Guerra Fria.

De minha parte, no entanto, confesso que tinha motivos ulteriores para visitar a cidade. Como já disse diversas vezes no blog, japoneses têm uma relação complicada com o seu passado.

Ninguém duvida que a bomba atômica é uma arma desumana, nem que o Japão pagou – com juros – pelo sofrimento que dispensou durante a Segunda Guerra. Ao mesmo tempo, poucos episódios históricos já foram tão contestados como a detonação que inaugurou o pós-guerra.

Teria a bomba sido uma crueldade imensurável? Ou apenas o último dominó em uma longa fila de violências que começou em 1937, com a 2ª Guerra Sino-Japonesa? Ou ainda antes, em 1922, com o Tratado Naval de Washington? É possível falar de uma tragédia humana em termos tão analíticos?

Decidi ir eu mesmo à Hiroshima para descobrir.

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Memorial da Paz em Hiroshima

Talvez o mais surpreendente em andar pelas ruas de cidade é imaginar que esta é a mesma metrópole destruída pela bomba mais famosa do mundo. Seus bairros não foram apenas reconstruídos: eles possuem uma identidade própria, uma vibe particular, atrações distintas, que valeriam uma visita independente de seu passado assombroso.

Algumas cidades, tocadas por grandes traumas, param no tempo. Hiroshima ressuscitou, no sentido quase orgânico da palavra. Seu okonomiyaki, o melhor do Japão, está de prova.

Isso não significa que haja uma falta de marcos lembrando o dia mais fatídico da história japonesa.

O edifício que mais chama a atenção é sem dúvida o Memorial da Paz, colosso em ruínas do que antes foi um centro de convenções da cidade. Localizado exatamente abaixo do hipocentro (ponto de detonação) ele absorveu o impacto da onda de choque, preservando sua forma original.

O Memorial encara um parque pontilhado de monumentos, pequenos ou imponentes, que dividem o seu fardo. Paradoxalmente, ao caminhar entre eles somos lembrados da principal razão que levou Hiroshima ao seu destino.

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Uma ponte pode não dizer muito, a não ser que você more no Japão dos anos 1940.

Isso porque Hiroshima não possui uma ponte, mas várias. A cidade é situada na foz de um rio. Sua área urbana está quase inteiramente disposta entre as ilhas, entrecortada por cursos d’água.

Durante a Segunda Guerra, isso fez com que fosse poupada dos ataques aéreos americanos. Bombas incendiárias de napalm, usadas para grande efeito em outras metrópoles japonesas, teriam pouco efeito em uma cidade em que nenhuma casa estava longe de um balde d’água.

A sorte de Hiroshima se provou mortal. Para potencializar o efeito surpresa, os Estados Unidos escolheram cidades não-bombardeadas para testar sua nova arma. Seus canais, outrora uma feliz coincidência, a colocaram no topo da lista de alvos potenciais.

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Mapa de Hiroshima, em que fica visível a foz do rio

Os jardins, contudo, são apenas um aquecimento antes do coração de qualquer visita: o imponente Museu da Paz. Se você leu meu artigo sobre o santuário Yasukuni e ficou apavorado com a apologia que prega ao fascismo, o centro de exibições é um antídoto quase perfeito.

Ao contrário do museu militar Yushukan, ele não esconde que o Japão se colocou na guerra por culpa própria, iniciando uma guerra de agressão contra a China. Em vez de justificar as políticas de Hirohito, ele foca no sofrimento humano: nas pessoas normais que foram pegas no fogo cruzado.

É uma mensagem poderosa, fácil de simpatizar. Para eu, que cresci ouvindo minha avó falar sobre os bombardeios aliados no sul da Itália, os testemunhos tinham um quê de pessoal.

Militantes fanáticos adoram falar no “lado certo da História”, mas a verdade é que, se a história tem mesmo um “lado”, só descobrimos qual é o nosso quando as ogivas começam a cair.

Ideologias vêm e vão, mas o sofrimento, tal como a arte, é atemporal.

O Museu da Paz, contudo, talvez tenha passado essa mensagem bem demais. De tanto insistir na excepcionalidade da bomba, ela parece quase alheia da guerra – e da época histórica – na qual foi concebida.

Hiroshima era sede de uma importante base militar japonesa. Foi isso, juntamente à geografia favorável, que a levou a ser escolhida para o bombardeio.

Sua exposição, entretanto, foca quase que exclusivamente nas crianças em idade escolar. A Segunda Guerra é narrada em cartazes, mas as imagens e artefatos são cacos (em alguns casos, melodramáticos) de infâncias perdidas.

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Brinquedo destruído na exposição do museu. Fonte

É como se a bomba deixasse de ser uma arma de guerra para se tornar algo mais: uma metáfora das vidas tolhidas no conflito, da geração de adultos que nunca existiu, pois foram obliterados ainda no berço.

Se digo que me incomodo com isso, não é porque acredito que os responsáveis devam ser “perdoados”. Pelo contrário, é para que possamos entender a verdadeira dimensão desse horror.

Hiroshima não se tornou notável pela contagem de corpos nem pelo sofrimento imediato – nisso, os bombardeios incendiários de Tóquio, dramatizados em O Túmulo dos Vagalumes, levam a coroa.

Era um sofrimento, acima de tudo, com que o Estado estava disposto a arcar. Sob seu regime totalitário, imperava o juízo de que todas as “vidas” pertenciam ao imperador – e poderiam ser “gastas”, sem parcimônia, para o esforço de guerra.

“Cem milhões de pessoas morrerão juntas”, foi o slogan fascista em voga em 1945. Se o Japão não pudesse vencer a guerra, ele resistiria até o último suspiro de seu último cidadão. O museu Yushukan celebra esse espírito até hoje.

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Hideki Tojo, primeiro ministro fascista do Japão, no mangá Showa de Shigeru Mizuki

O Museu da Paz enfatiza a perda de vida humana, mas não explica que os anos 1940 foram um período em que o valor de uma “vida” se tornou perigosamente pequeno.

Sem essa explicação, não é possível entender como o que mundo virou de pernas para o ar em 1937-39. Nem como uma tragédia como essa pôde ser cogitada – e levada a cabo.

Contudo, é mesmo possível esperar diferente? Muito provavelmente não.

Nós historiadores somos pagos para racionalizar fenômenos, dissecá-los em padrões sistêmicos. Para aqueles como eu que usam métodos das ciências sociais, literalmente reduzir a realidade a uma equação.

Nisso, muitas vezes esquecemos que certos episódios têm uma voz própria. O Museu da Paz pode não fazer jus à complexidade causal daquele dia fatídico. Não explica como o mundo eclodiu em guerra, nem o paradoxo da “paz” que se seguiu (garantida, até os dias de hoje, pelas próprias bombas atômicas que condena).

Ele mostra, não obstante, o preço que foi pago para assegurar a calmaria que hoje damos por natural. Isto, por si só, é uma mensagem que merece ser contada.

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Uma aventura no Japão #6: os ninjas de verdade não eram como você imagina https://www.finisgeekis.com/2017/06/26/uma-aventura-no-japao-6-os-ninjas-de-verdade-nao-eram-como-voce-imagina/ https://www.finisgeekis.com/2017/06/26/uma-aventura-no-japao-6-os-ninjas-de-verdade-nao-eram-como-voce-imagina/#comments Mon, 26 Jun 2017 22:34:48 +0000 http://finisgeekis.com/?p=17223 Em toda viagem, há muito a se ganhar saindo das rotas mais óbvias. Em qualquer momento da vida, há ainda mais a se lucrar abandonando pré-concepções simplórias.

É isso o que me levou, nos meus dias de Japão, a explorar a obscura cidade de Iga.

Seu nome pode não ser tão conhecido como Nara, Ise ou Himeji, grandes sítios históricos no país. Mesmo assim, ela desempenhou um papel importantíssimo – e misterioso – no passado do Japão.

Iga é o berço do iga-ryu ninjutsu e sede da mais famosa escola de ninjas da Sengoku Jidai. É o lar de ninguém menos que Hattori Hanzo, guarda-costas do shogun Tokugawa Ieyasu, uma das figuras mais celebradas da história japonesa.

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Hanzo no Mon, mangá de Koike e Kojima sobre Hattori Hanzo

Como historiador, confesso que o passeio me deixava apreensivo. A “história” das artes marciais, tal como contada por seus praticantes, geralmente não passa de invencionices. Com um grupo tão romantizado como os ninjas, estava quase certo de que ouviria baboseiras.

A surpresa que eu tive, porém, não poderia ter sido melhor.

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Castelo de Ueno em Iga

Já aviso de início: Iga não é um passeio de estrangeiros. Em nossa viagem, Vivian e eu fomos os únicos ocidentais entre os turistas que encontramos.

O motivo se torna claro assim que se começa a viagem. Embora seja (relativamente) perto de Kyoto, Iga é uma cidadela perdida entre montanhas e terraços com arrozais. Para alcançá-la, é preciso tomar pelo menos dois trens locais.

A dificuldade faz sentido, se pensarmos nos antigos habitantes da cidade. Uma escola de ninja não seria lá tão boa – nem duraria tanto – se fosse de fácil acesso a qualquer um.

Mesmo assim, não é difícil encontrá-la. Assim que você chegar em uma das estações interioranas que levam à ela, é provável que se depare com trens como esse:

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Se o traço parece familiar, não é por acaso. Os trens foram pintados por ninguém menos que Leiji Matsumoto, homenageado por uma estátua de Tetsuro e Maetel, personagens de Galaxy Express 999, na estação da cidade.

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Os trens são apenas um aperitivo, uma das muitas graças que a cidade arranjou para celebrar seu passado. Até mesmo o guard rail na sua praça principal está decorado com shurikens.

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O apelo dos famosos assassinos é tão grande que influenciou até suas atrações mais “sérias”.

Entre os japoneses, Iga é conhecida por ser o berço de Matsuo Basho, o mais famoso autor de haicais do país. Hoje, mesmo ele anda ombro a ombro (literalmente) com os lendários espiões do passado.

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A pena e a shuriken

Contrário às minhas expectativas, o Museu Ninja traz uma imagem bastante realista (e surpreendente) dos míticos assassinos vestidos de preto.

Para começar, porque não eram, de fato, “assassinos”. Embora ninjas tenham sido contratados para assassinar pessoas, sua principal função era como batedores e sabotadores. Muitas de suas “armas” serviam, na verdade, outros propósitos.

As garras de ferro nas mãos? Usadas para escalar muralhas. As famosas kunais, que Naruto e afins tornaram famosas? Eram brocas para furar paredes, permitindo que o ninja espionasse na calada da noite.

Nem, tampouco, usavam preto. A imagem do guerreiro vestindo um pijama escuro é coisa da ficção. Os verdadeiros ninjas andavam disfarçados, geralmente de camponeses, o que permitia que carregassem certas armas improvisadas sem atrair suspeita.

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Kama, pequena foice usada como arma pelos ninjas

Talvez o maior “mito” que o museu desbanca, no entanto, é a ideia de que o “ninjutsu” foi uma grande arte marcial organizada, como o karatê ou o judô. Como a exibição deixa bem claro, ninjas eram uma gama de profissionais com as mais diversas especialidades.

Suas perícias iam desde técnicas budistas de meditação – para baixar a frequência cardíaca – ao manejo de pólvora. Não apenas bombas de fumaça ou flechas explosivas: ninjas foram um dos principais disseminadores das armas de fogo no Japão, tanto mosquetes quanto artilharia.

Sim, artilharia. Ninjas tinham menos a ver com o Jiraya do que com engenheiros de cerco. No acervo de Iga, há exemplos de bombardas – canhões de madeira que podiam ser facilmente construídos, levados nas costas e abandonados no caso de uma retirada.

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Museu Ninja de Iga. Note a bombarda no expositor esquerdo. Fonte

Se você cresceu assistindo a ninjas nos animes, talvez sinta que eu esteja destruindo sua infância. Iga, contudo, não passa essa impressão. Mesmo “mundanos”, os ninjas do mundo real são fascinantes a ponto de nos deixar boquiabertos.

Ao lado do museu, existe a “casa dos ninjas”, uma residência em que espiões se encontravam para suas missões.

Por fora, parece uma típica fazenda japonesa. Por dentro, possui portas falsas, rotas de fuga escondidas, compartimentos secretos para armas, acionados com toques especiais. Todo tipo de artifício para lidar com possíveis invasores.

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O tour é infelizmente apenas em japonês, mas os apetrechos dispensam explicação. É também o caso do show ninja,  a mais popular atração da cidade.

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Realizado por artistas marciais, é uma demonstração de vários tipos de armas ninjas, de flautas que atiram dardos a flechas sibilantes usadas para distrair exércitos.

Se estiver inspirado, há também a competição de arremesso de shuriken, em que você também pode experimentar a mais icônica arma japonesa depois da katana.

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De minha parte, dispensei o campeonato. De alguma forma, os ninjas “pés-no-chão” do museu, disfarçados de fazendeiros, usando kunais para abrir buracos me despertaram um fascínio maior que os guerreiros míticos da cultura pop.

Esses ninjas não eram mestres das sombras, e sim espiões, sabotadores, engenheiros de cerco.

Profissões que existiram em quase todas as culturas, mas que o Japão – para variar  -transformou em um ícone global.

Uma aventura no Japão volta na próxima segunda. Fique de olho!

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Uma aventura no Japão #5: o tofu e o sake que você nunca conheceu https://www.finisgeekis.com/2017/06/23/uma-aventura-no-japao-5-o-tofu-e-o-sake-que-voce-nunca-conheceu/ https://www.finisgeekis.com/2017/06/23/uma-aventura-no-japao-5-o-tofu-e-o-sake-que-voce-nunca-conheceu/#respond Fri, 23 Jun 2017 21:49:30 +0000 http://finisgeekis.com/?p=17167 Na minha última coluna, eu trouxe a vocês algumas das atrações mais badaladas (e zicadas) da antiga capital japonesa.

Espero que com isso eu não tenha passado a impressão errada. Kyoto é uma cidade como poucas outras no mundo. Com um pouquinho de esforço – e uma mente aberta – é possível sair do óbvio (e da sobriedade) com muito gosto.

Fushimi é conhecido pelo seu santuário, a atração mais batida – e absurdamente lotada – de todo o Japão. Porém, se você estiver disposto a olhar fora da caixa, verá que o distrito oferece uma senhora imersão em cultura japonesa.

O melhor jeito de começar a aventura é com um passeio de barco. Os jikkokubune são antigos transportes de sake que hoje transportam passageiros, navegando por vielas que parecem a Little Venice em Londres, ou os canais de Amsterdã.

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Digo aventura sem aspas: o passeio é completamente em japonês. Não espere encontrar muitos gaijin, mas também não se assuste. Um onegai shimasu ali e um arigatou gozaimasu acolá dão conta de muita coisa. E você não precisará de um guia para curtir o melhor que a viagem tem a oferecer.

Fushimi é famoso por ser o lugar onde Ryoma Sakamoto, um dos heróis da modernização japonesa, foi assassinado por capangas do shogun. Margeando seus canais, é possível ver uma estátua do ativista, assim como o ryokan Teradata, onde ele foi assassinado.

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Como os jikkokubune já sugerem, no entanto, a estrela do distrito é o sake. Fushimi é o lar de vários produtores do icônico vinho de arroz, incluindo a Gekkeikan, que hospeda um belo museu.

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Barris de sake no museu da Gekkeikan

Eu e a Vivian somos formados como sommeliers, então sempre fazemos questão de visitar fábricas de bebida mundo afora. Como é de praxe em outros museus, o da Gekkeikan oferece uma degustação de alguns sakes da marca ao fim da visita.

Sake não é uma bebida muito badalada no Brasil. Em parte, porque as marcas mais populares no comércio são bastante ruins. Em parte, também, porque entendê-la é uma tarefa incrivelmente complexa.

Mesmo para mim, acostumado a decorar terroirs da França, o líquido é um grande mistério. Não ajuda o fato dos rótulos serem escritos apenas em kanji – em muitos casos, a mão.

Como leigo, no entanto, posso dizer que gostei do que bebi. O Ginjoshu é um sake mais adocicado, enquanto que o Tama no Izumi Daiginjo é bem seco. O museu também serve “vinho” de ameixa, um fermentado japonês estupidamente doce que parece uma ume (ameixa de onigiri) reimaginada como bebida de festa junina.

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Bebidas oferecidas na degustação. Fonte

Se você não bebe, outra boa maneira de sair do óbvio é procurar restaurantes especiais, fora do eixo turístico. E não falo do mercado de peixes, nem de franquias gigantes como o Sushi Zanmai.

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É o caso do Tousuiro, especializado no ingrediente mais subestimado da culinária japonesa: o tofu.

Não, não faça careta. Se você pensa no tofu como apenas aquele “queijo” gelatinoso feito de soja, é porque nunca o experimentou em seu país de origem.

O Tousuiro oferece vários menus degustação com séries de pratos cuja estrela é o dito cujo. São tofus preparados de todas as formas imagináveis: cru, cozido no vapor, em blocos rígidos, em pastas, fritos como polenta, grelhados e com todo o tipo de acompanhamento.

Se te parecer exótico demais, uma alternativa bem romântica (fica a dica, namorados) é a famosa culinária kaiseki.

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Kaiseki, originalmente, era uma pequena refeição preparada por monges budistas. Hoje em dia, virou o nome de menus-degustação que servem vários pequeninos pratos (em alguns casos, mais de quinze).

Esses restaurantes podem ser encontrados por todo o Japão, mas em Kyoto parecem brotar em toda parte. Reserve uma noite em um desses lugares e você terá uma noite na cidade para nunca mais esquecer: longe das hordas de turistas, servido por garçonetes de kimono e comendo uma das melhores comidas do Japão.

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karyo kaiseki

Só não se esqueça de reservar – o que, já aviso, não é tão fácil quanto parece. Restaurantes japoneses não costumam fazer reservas pela internet. Os mais tradicionais nem possuem site.

Para garantir um lugar, é preciso ligar – de um endereço japonês, ainda por cima! Isso significa que, muito embora alguns dos endereços sejam bastante procurados, não é sempre possível reservar com antecedência.

Mas não se preocupe: basta pedir para a recepcionista de seu hotel para que faça a reserva para vocês. Não tenha vergonha, elas estão acostumadas.

Os restaurantes kaiseki podem ser bastante salgados (com o perdão do trocadilho). Entretanto, lembre-se que o Japão possui uma excelente comida de rua. Pagando de 500¥ a 1000¥ por uma refeição ao longo da semana, é fácil economizar para um jantar super especial.

Acredite em mim, vale a pena. Aquele sashimi de baigai não reaparecerá na sua frente tão cedo.

Uma Aventura no Japão continua segunda feira. Fique de olho!

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Uma aventura no Japão #4: a Kyoto que os guias não mostram https://www.finisgeekis.com/2017/06/19/uma-aventura-no-japao-4-a-kyoto-que-os-guias-nao-mostram/ https://www.finisgeekis.com/2017/06/19/uma-aventura-no-japao-4-a-kyoto-que-os-guias-nao-mostram/#respond Mon, 19 Jun 2017 20:53:00 +0000 http://finisgeekis.com/?p=17088 Ah, Kyoto! Patrimônio da humanidade. Paris do Oriente!

Se você, como eu, é apaixonado pelo Japão, já teve ter ouvido que sua antiga capital é o lugar para se visitar. Se Tóquio é o templo da modernidade, Kyoto é a metrópole da tradição.

Isso tudo é verdade, mas não necessariamente da forma como você imagina. Ao visitar a cidade, percebi que ela é realmente a “Paris do Oriente” – para o bem e também para o mal.

A primeira impressão é a que fica. Para Kyoto, no entanto, isso pode ser problemático. Ao chegar na cidade, é muito provável que você se depare com uma cena como essa:

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Todo mundo sabe que o kimono é a roupa típica do Japão. Mesmo assim, é um traje cerimonial, usado apenas em ocasiões solenes, como casamentos ou festivais.

Não parece ser o caso em Kyoto. Na antiga capital nipônica, não é preciso sair da estação para ser soterrado por multidões inteiras desfilando seus obis.

Para um gaijin recém-saído de Tóquio, a impressão é que o Shinkansen é, na verdade, uma máquina do tempo. De uma metrópole histérica povoada por maids e homens de terno, chegamos a uma cidade que parece saída do Período Muromachi.

O problema é que tudo mentira.

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Kyoto possui centenas de lojas de aluguel de kimono. As hordas de homens e mulheres vestidos a caráter são na verdade turistas (na sua maioria chineses) que pagaram para viver um “dia de japonês”.

Essas lojas existem por todo o Japão, mas em nenhum lugar são tão numerosas quanto em Kyoto. Não é difícil entender por quê: os destinos turísticos mais famosos do Japão se encontram na antiga capital imperial.

Pense em uma imagem tradicional do “Japão”, e é muito provável que ela seja de Kyoto. É o caso do santuário de Fushimi, onde milhões de turistas (na sua maioria chineses) se amontoam para tirar fotos com a sanha de quem pega o metrô de São Paulo no horário de pico.

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Queria tirar foto só do torii? Boa sorte

Ou o célebre Kinkakuji, o Templo do Pavilhão Dourado, que estampa 9 de cada 10 guias turísticos sobre o país.

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Maravilhoso, né? Seria melhor ainda se fosse o original.

Sim, você leu corretamente. O prédio dourado que serve de para-raios a estrangeiros de kimono é uma cópia. O original foi completamente destruído em 1950 por um noviço piromaníaco.

O episódio foi tão chocante – e bizarro – que serviu de inspiração ao romance O Templo do Pavilhão Dourado do grande escritor Yukio Mishima.

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Kinkakuji após o incêndio de 1950

O novo Kinkakuji ainda assim é muito bonito, e serve de fundo para aquela sua foto linda com o kimono.

Ou, caso a grana esteja curta, você pode em vez disso visitar o Kinkakuji do Brasil, uma réplica idêntica do monumento construído em Itapecerica da Serra.

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Meu sarcasmo pode ter passado a impressão errada, então é melhor que eu diga de pronto: Kyoto é uma cidade espetacular, um dos lugares mais emocionantes que já conheci.

A impressão não é só minha, mas também de Henry L. Stimson, que assim como eu passou sua lua de mel na cidade.

Quem é esse sujeito, você me pergunta? Apenas o secretário de guerra dos EUA durante a Segunda Guerra, que fez o possível e o impossível para que Kyoto não virasse alvo da bomba atômica.

Sim, Kyoto é uma cidade tão maravilhosa que escapou de um apocalipse nuclear. Da próxima vez que seu amigo de exatas disser que museus não servem para nada, esse é o exemplo que você precisa dar.

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O homem que salvou Kyoto

Infelizmente, como toda cidade histórica, Kyoto é hoje vítima de seu próprio sucesso. A invasão de estrangeiros torna o centro histórico um caos, e dá incentivo a toda sorte de “armadilhas de turista” feita para te fazer gastar dinheiro.

Em Gion, o antigo bairro das gueixas, restaurantes cobram pequenas fortunas por comidas que não necessariamente são lá aquelas coisas. Isso sem falar nas gueixas em si, que sofrem assédio frequente nas ruas.

Tive o desprazer de testemunhar um episódio do tipo durante a minha viagem, e o mal-estar ainda não me abandonou. Uma maiko (aprendiz de gueixa) tentou atravessar a rua e foi prontamente emboscada por uma turba de turistas, enfiando flashes e câmeras de iPads em seu rosto como se ela fosse um animal exótico.

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Não foi na minha viagem, mas não é difícil achar fotos do tipo.  Sério, não seja esse turista

Felizmente, nem todas as “armadilhas de turista” são ruins. Se estiver pensando em pernoitar em Kyoto, fique de olho nos ryokans. São pousadas típicas japonesas com quartos de tatame, com futons nos aposentos e buffets típicos de café da manhã.

Já fiz um post sobre comidas bizarras semana passada, então não entrarei nesse mérito agora. Mas vou dizer apenas uma coisa: se você nunca comeu arroz com flocos de bonito na primeira refeição do dia, você ainda não sabe o que é acordar.

Ryokans são muito cobiçados – e, por causa disso, podem ser bem caros. A boa notícia é que a demanda levou a vários empreendedores a abrir “réplicas” de ryokans, com todas as características dos originais, mas localizados em prédios novos.

Leitores do blog sabem que não é minha proposta fazer propaganda, mas seria omissão da minha parte não recomendar o lugar onde fiquei. O Lucky You, perto da estação Gojo do metrô, é simplesmente um mimo.

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Lucky You em Kyoto, registrado por outro brasileiro.

Nada melhor para descansar depois de passar o dia sanduichado entre turistas chineses.

Nem todo turismo em Kyoto é farofa. Uma Aventura no Japão volta na sexta-feira, quando vou lhes contar o que fazer para sair da mesmice na cidade imperial.

 

 

 

 

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Uma aventura no Japão #3: as esquisitices do mar que você PRECISA experimentar https://www.finisgeekis.com/2017/06/12/uma-aventura-no-japao-3-as-esquisitices-do-mar-que-voce-precisa-experimentar/ https://www.finisgeekis.com/2017/06/12/uma-aventura-no-japao-3-as-esquisitices-do-mar-que-voce-precisa-experimentar/#respond Mon, 12 Jun 2017 19:38:55 +0000 http://finisgeekis.com/?p=16938 Que o Japão é o país dos peixes todo mundo sabe. É preciso um amor particular pelos seres escamosos das profundezas para comê-los crus, das mais variadas formas.

A geografia explica. Como deveria ser o caso de toda ilha (estou olhando para você, Irlanda), sua gastronomia gira em torno daquilo que o mar lhe traz.

A diferença é que os japoneses, como sempre, levaram sua paixão a um outro patamar. Amantes de frutos do mar podem desfrutar desse fascínio em Tsukiji, o maior mercado de peixes do mundo.

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Chuva nenhuma dissuade os fãs de peixe

Para paulistanos como eu, acostumados a comer peixes congelados vindos do Chile, a experiência é um passeio de outro mundo.

Se você é daqueles que já se retorce ao pensar em salmão ou atum crus, Tsukiji talvez pareça um delírio lovecraftiano. Já se você é bom de garfo e não se assusta com pouco, prepare o babador, pois terá a refeição de sua vida.

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O mercado fica aberto das 5h às 11h da manhã, mas esteja avisado: se você quiser ver a grande atração, o leilão de atum, é bom estar disposto a madrugar.  Os leilões são realizados assim que o mercado abre, e há restrição para o número de visitantes.

Se não está claro para você porque peixes precisam de um leilão, talvez seja útil colocar as coisas em perspectiva.

Embora nós, citadinos, estejamos acostumados a lembrar do atum como aquele peixe da latinha, ele é uma verdadeira vaca do mar. E digo isso literalmente: com mais de 2m de comprimento e pesando meia tonelada, ele é o mais próximo do nosso ruminante leiteiro que você encontrará no oceano.

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Kiyoshi Kimura, dono da rede Sushi Zanmai, com um atum que faturou em Tsukiji. Fonte

Atuns são tão grandes, na verdade, que possuem cortes diferentes, tal como o porco ou o boi. Não é só frescura: cada parte possui seu próprio teor de gordura, consistência e sabor.

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Em Tsukiji (e muitos bons restaurantes Japão afora) é possível pedir uma seleção de cortes e ver como a diferença é gritante. O chamado otoro (大とろ), corte mais gorduroso, é marmorizado como um bife wagyu – e de fato tem o gosto de um!

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O super exclusivo otoro. Fonte

Seria possível passar a manhã degustando apenas peixes, mas acredite em mim: dificilmente acontecerá. Em Tsukiji, afinal, é quase impossível trafegar sem topar com esquisitices marinhas.

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Donburi ou don é um prato muito popular no Japão, que basicamente consiste em uma porção de arroz com alguma coisa por cima.

A delícia acima é um donburi de três cortes de atum, salmão, peixe branco, camarão, enguia, ovas de salmão, ouriço do mar e flocos de caranguejo.

Não se deixe levar pelo preconceito: os bichos mais bizarros são justamente os melhores.

As ovas estouram e se misturam ao arroz à medida que você come, dando mais sabor para o teco final do prato. O ouriço do mar possui uma textura viscosa, que dá um belo contraste com os peixes e o camarão.

Já a enguia (a melhor de todas, na minha opinião), tem a aparência e consistência de uma sardinha, mas sem as espinhas e com um sabor bem menos agressivo. Geralmente é servida com um molho agridoce a base de shoyu, numa preparação chamada de kabayaki.

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Donburi de unagi

Um cuidado com o vocabulário: a enguia acima é unagi (うなぎ),  ou enguia de água doce. Já a do donburi é a anago (あなご ou 穴子), enguia de água salgada. É outro peixe, com um gosto diferente, um pouco mais adocicado.

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Nigiri de anago, também chamada de conger eel em inglês

Se você não estiver disposto a encarar uma refeição inteira, é possível experimentar esquisitices em versões bite-size. Uma das minhas favoritas, sem sombra de dúvida, é o espeto de vieira com ouriço do mar.

Vieira é um molusco bem refinado (e, no Brasil, bem caro), com uma textura carnuda e saborosa. Já o ouriço, quando grelhado, derrete em uma espécie de creme, dando suculência ao prato.

Simplesmente imperdível.

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Mas nem só de peixe vive Tsukiji. Suas lojas oferecem todo tipo de sobremesa, e são uma oportunidade de ouro para experimentar alguns doces exclusivos do Japão.

No meu caso, a escolha foi fácil. Depois de vê-lo tantas vezes em animes, estava louco de vontade de experimentar o taiyaki.

Trata-se de um bolinho em formato de peixe, tradicionalmente recheado com pasta de feijão azuki. O que provamos no dia, em adição ao feijão, vinha com pêssego compotado.

Não é lá uma combinação muito óbvia às minhas sensibilidades ocidentais. Em circunstâncias normais, adoraria dizer que foi a coisa mais bizarra que comi no dia. Depois da Festa de Babette que Tsukiji me serviu, contudo, acho que perdi esse direito.

Tudo por uma boa causa. Foi o melhor café da manhã que já provei.

E a enguia (suspiro) deixará saudades.

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Uma Aventura no Japão continua segunda que vem. Fique de olho!

 

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Uma aventura no Japão #2: os fantasmas de Yasukuni https://www.finisgeekis.com/2017/06/09/uma-aventura-no-japao-2-os-fantasmas-de-yasukuni/ https://www.finisgeekis.com/2017/06/09/uma-aventura-no-japao-2-os-fantasmas-de-yasukuni/#respond Fri, 09 Jun 2017 16:53:39 +0000 http://finisgeekis.com/?p=16835 Esse artigo é parte de uma série. Para ver os demais, clique aqui.

Alguns passeios são óbvios. Outros, nos fazem coçar a cabeça em desassossego.

No Japão, esse é o caso do santuário Yasukuni.

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Trata-se de um templo dedicado aos heróis militares que morreram em nome do Japão.

Até aí, nada demais. O problema é que, entre os “homenageados” estão 14 criminosos de guerra classe A, incluindo Hideki Tojo, primeiro ministro fascista que liderou o país durante a segunda guerra.

Para entender o quão chocante isso é, imagine um monumento aos heróis da Alemanha em Berlim, com Hitler e Himmler entre os imortais consagrados.

Yasukuni é uma polêmica a céu aberto, que virá e mexe azeda a relação do Japão com seus vizinhos. Cada visita que o santuário recebe de um primeiro ministro (e acredite, foram mais de uma) é um incidente diplomático.

As objeções vêm sobretudo de chineses e coreanos, que dizem que o monumento esconde as pavorosas atrocidades que os japoneses cometeram contra seus povos. É fácil  simpatizar: a China foi o país com o segundo maior número de mortos de toda a guerra, atrás apenas da União Soviética.

Não é exatamente um passeio good vibe, muito menos um ponto turístico no topo da lista de qualquer guia. Entretanto, como historiador, senti que era meu dever enxergar esse monumento com meus próprios olhos.

O que encontrei foi de arrepiar, mas também foi fascinante.

A primeira coisa que chama a atenção, ao chegar da estação Ichigaya do metrô, é seu tamanho. Yasukuni não é apenas um santuário, mas um complexo que inclui até mesmo um teatro noh.  Mesmo visitando num dia de chuva, seus portões são uma visão de peso.

Não mentiria se dissesse que foi o templo mais imponente com que cruzei no Japão. E olha que não foram poucos.

Mais importante (e  controverso) é o museu militar Yushukan, que faz parte do complexo. Sua coleção possui legendas em inglês, mas não se engane: você não verá muitos ocidentais no passeio. Ao explorar as galerias, não é difícil entender o porquê.

O museu possui uma exibição sobre os primórdios da guerra no Japão, da antiguidade até o período Edo (1603-1868). A maior parte da sua exposição, contudo, diz respeito à modernização do Japão – e sua escalada como potência global no século XX.

À primeira vista, há muito mesmo do que se orgulhar. Em 1900 afinal de contas, um outrora primitivo Japão marchava lado a lado com as potências ocidentais. Em 1905, tornou-se a primeira nação não-ocidental a derrotar um império europeu. Em 1941, sua marinha era uma das mais formidáveis e modernas do mundo.

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Planador suicida Ohka e dive-bomber Suisei, em exposição no museu Yushukan

O que a exposição não fala (mas deixa subentendido) é que a cruzada do Japão contra o “imperialismo ocidental” fora feita na tentativa de imitá-lo. E que sua visão de “prosperidade asiática” implicou em um dos regimes mais sanguinários da história da humanidade.

A invasão japonesa da China, que ocupa boa parte da exibição, é mascarada como uma série de “incidentes” entre tropas japoneses e insurgentes chineses – os últimos, obviamente, sempre os agressores.

Suas explicações vão do patético (ao dizer que o Chi Ha era um tanque de respeito) ao humilhante (ao implicar que os civis massacrados no Estupro de Nanquim eram soldados chineses disfarçados).

O museu reitera em quase todas as salas que o Japão sempre foi uma “nação de paz”. Seus painéis, contudo, celebram baixas americanas na Guerra do Pacífico, e seus corredores estão decorados com fotos de Wildcats abatidos por Zeros.

O custo humano da beligerância de Tojo mal é mencionado. Pelo contrário, fãs do ditador podem conferir uma bandeira autografada por ele e pelos demais réus do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, o equivalente japonês de Nuremberg.

Não, não estou brincando. Isso é sério, e faz parte da exposição. O museu não permite fotos da maior parte de seu acervo (por que será?), mas eu por sorte guardei o flyer:

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Repare que o museu diz “supostos” criminosos de guerra, sugerindo que o Tribunal Internacional não foi um julgamento legítimo.

Yasukuni é um monumento ao vitimismo. É a apologia a uma ditadura que arruinou a vida de seus cidadãos, que esteve tão certa de sua vitória que, 70 anos depois, ainda não consegue entender como perdeu.

Ao rondar pelos destroços de torpedos e aviões, confesso que fantasiei em vê-los tomando vida e se integrando à natureza, como os robôs de Laputa. O museu faz o pacifismo caricato de Miyazaki finalmente ganhar sentido, e mostra como a mensagem de seus filmes, às vezes criticada por ser programática, é obrigatória em seu país de origem.

laputa-castle_crop.jpgNesse sentido, é digno que a parte mais honesta e tocante da exposição seja justamente o lixo.

Capacetes, cantis e armas destruídas, espalhados às centenas. Um epitáfio aos milhões de japoneses mortos na selva em nome de um regime odioso.

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DSC_6390Tal como nos filmes de Miyazaki, o orgulho militarista foi ao Japão sua asa de Ícaro. E é ao pó, à ferrugem e a sujeira que esteve fadado a se estatelar.

the wind rises end

Uma aventura no Japão continua na próxima segunda. Fique de olho!

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Uma aventura no Japão #1: Tóquio pela primeira vez https://www.finisgeekis.com/2017/06/05/uma-aventura-no-japao-1-toquio-pela-primeira-vez/ https://www.finisgeekis.com/2017/06/05/uma-aventura-no-japao-1-toquio-pela-primeira-vez/#comments Mon, 05 Jun 2017 20:41:27 +0000 http://finisgeekis.com/?p=16690

O Finisgeekis está de volta!

Nas últimas semanas, eu e minha esposa, a Vivian, tivemos a oportunidade de realizar um grande sonho e conhecer de perto a Terra do Sol Nascente. Para dois otakus como nós, foi uma experiência como nenhuma outra.

Estamos cansados de saber que a mídia não é o melhor espelho da realidade. É fascinante, mesmo assim, notar como os pequenos detalhes são bem reproduzidos. Visitar o Japão como um otaku é um grande dejà vu: certas peças você já viu em animes, outras em livros – algumas em sonhos.

Se você também planeja algum dia contornar o globo para visitar os samurais, ou se é apenas fascinado em cultura nipônica, preparei um guia em 10 partes com o melhor, mais estranho e divertido do Japão.

Confira abaixo!

Tóquio pela primeira vez

Toda cidade é um mundo próprio. Tóquio, no entanto, parece ser um mini universo.

Não digo apenas pelo tamanho (com uma população metropolitana de 37 milhões de habitantes, é maior que São Paulo). Como disse a Vivian durante a viagem, se acordássemos em bairros diferentes da capital japonesa, não perceberíamos que estávamos numa mesma cidade.

Veja por exemplo Shinkuju, onde ficamos hospedados. O distrito é um labirinto de ruas estreitas e letreiros luminosos. É talvez a primeira imagem que nos vem à mente quando pensamos em “Tóquio”. Não à toa, aparece na abertura da série da Netflix Midnight Diner: Tokyo Stories.

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Andando pelas suas ruas, dá para entender porque Ridley Scott se inspirou em Tóquio para o cenário de seu Blade RunnerShinjuku é uma pequena Coruscant terráquea, com bancas de lamen, bordéis de maids e esquisitices japoneses escondidas em cada beco.

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Apenas um dia normal em Shinkuju

Vire uma esquina, porém, e dará de cara com um passeio arborizado. Não qualquer passeio: você está diante da prefeitura de Tóquio, uma das barreiras de X/1999 e cenário de Tsubasa Chronicles: Tokyo Revelations. 

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Isso, claro, é apenas um bairro. Basta atravessar uma ponte (ou melhor, outra barreira) e somos transportados, tal como um livro do Murakami, a uma realidade paralela.

Odaiba

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Odaiba é uma ilha artificial separada de Tóquio pela imponente Rainbow Bridge. Quem topar uma boa caminhada pode atravessá-la a pé, ao lado de um corredor ensandecido de caminhões de frente cromada. Se existir uma forma melhor de se sentir como Aomame, protagonista de 1Q84, eu não conheço.

Próxima ao mar e coroada por uma roda gigante, o distrito salta aos olhos na skyline da cidade – um refresco em meio aos prédios quadrados dos anos 1970 e torres de karaokê que dominam o resto da metrópole.

A ilhazinha é uma paraíso de fins de semana saído de um romance shoujo. Como fã de Cardcaptor Sakura, não pude deixar de notar como algumas das casas pareciam o apartamento de Shaoran:

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Odaiba, de fato, parece ter sido criada de propósito para servir de cenário ao episódio da date no parque de diversões. A ilha conta com jardins, shoppings, showrooms de automóveis e até sua própria praia.

Mais do que tudo – ao menos para o otaku que vos escreve – é um prato cheio para uma das mais inusitadas paixões japonesas: os gashapons.

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Essas máquinas de brinde, que nos dão miniaturas em troca de moedas, são típicas da cena otaku. O que faz a diferença, como tudo no Japão, é a escala.

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Nos parques de Odaiba, existem muitos gashapons. E por “muitos”, quero dizer muitos.

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E não apenas gashapons. Há galpões inteiros de máquinas de brinde, jogos de garra, clones de Guitar Hero com taikô e fliperamas rodando Luigi’s Mansion, Final Fantasy e Kantai Collection.

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A jogatina parece ser bem-querida aos japoneses, o que comprovamos pela popularidade desse tipo de estabelecimento. Fora Odaiba, confinados pelo espaço, eles brotam na vertical, andares atrás de andares.

Curiosamente, uma das redes mais famosas, a Game Taito Station, também apareceu na opening de Midnight Diner.

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Dia após dia em nossa viagem, testemunhamos vários funcionários de escritório, paletó e tudo, dirigindo-se em grupo a esses espaços na tentativa de faturar uma figure da Madoka.

Falando em figures, algo interessante que pude constatar é que uma boa parte das linhas que chegam ao Brasil (e pelas quais pagamos fortunas) são originalmente brindes de máquinas como essas.

Óbvio, a rotatividade é bem alta, e elas são eventualmente vendidas em lojas. Com raridade e especulação, algumas chegam a valer bastante.

Mesmo assim, é desolador pensar que, lá do outro lado do mundo, elas estão ao alcance de uma moedinha de 100 ienes… e alguma sorte no jogo da garra.

Oh, well. Pelo menos a Vivian pegou uma Sailor Jupiter.

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Torre de Tóquio

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Nenhum passeio otaku estaria completo sem o cartão postal máximo dos animes. Localizada em Minato, ao lado de Odaiba, tivemos a oportunidade perfeita para visitá-la.

Em si, a Torre de Tóquio é apenas uma cópia da Torre Eiffel com uma pintura vermelha de gosto questionável. No entanto, por ter sido o edifício mais alto do Japão (até a inauguração da Tokyo Sky Tree, em 2012), ela figurou em quase todos os animes ambientados na metrópole.

Esse é um legado que a Torre ostenta a todo momento, da bilheteria até suas exposições temporárias.

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Aos otakus mais inveterados, a Torre possui uma loja dedicada a esvaziar seu bolso, com todo tipo de merchandise das séries mais (e também menos) conhecidas.

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Alguns produtos, como baralhos de Joker Game, nos fazem pensar “por que ninguém fez isso antes”. Outras, como perfumes de Attack on Titan, são um pouco mais difíceis de entender.

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Infelizmente, a Torre de Tóquio ainda é uma cópia da Torre Eiffel – e, infelizmente, Minato não é o Campo de Marte. Assim, ao contrário do monumento parisiense, sua versão japonesa possui um impacto bem menor sobra a paisagem.

Isso não significa que você não deva visitá-la. Porém, se você quiser uma super vista da Torre, faça-se um favor e suba ao mirante do Roppongi Hills (六本木ヒルズ), um dos arranha-céus mais famosos de Tóquio.

De preferência de noite, quando mau tempo algum estragará o seu passeio.

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Não é bem o primeiro episódio de Sakura. Mas, vai lá, chega perto.

Uma aventura no Japão continua na próxima sexta. Fique de olho!

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