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The Last of Us – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 17:57:50 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 The Last of Us – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Os museus, o apocalipse e a fé de ‘Fallout’ na humanidade https://www.finisgeekis.com/2015/11/23/os-museus-o-apocalipse-e-a-fe-de-fallout-na-humanidade/ https://www.finisgeekis.com/2015/11/23/os-museus-o-apocalipse-e-a-fe-de-fallout-na-humanidade/#comments Mon, 23 Nov 2015 18:45:06 +0000 http://finisgeekis.com/?p=899 (ATENÇÃO: contém pequenos spoilers de Fallout 4)

Escolha qualquer jogo de fantasia. Encontre um fã de carteirinha. Pergunte a ele se já sonhou em viver dentro de seu mundo virtual. Com quase toda a certeza ele dirá sim, soltará um suspiro e contará das noites em que sonhou em morar em Whiterun ou Balmora.

Escolha um jogo de ficção científica e faça o mesmo experimento. Você custará a achar alguém que prefira bater ponto a passear pela galáxia.

E fãs de jogos pós- apocalípticos? Decerto ninguém é louco o suficiente para preferir uma horda de zumbis ou prédios irradiados ao nosso conforto contemporâneo.

Bem, mais ou menos. Como eu disse em uma outra ocasião, existe um charme irresistível no apocalipse. A New California Republic pode não ser nosso destino favorito de férias, mas imaginar o que será de nosso mundo quando tudo for para as cucuias sempre excitou a imaginação dos mais criativos.

Explorando a Commonwealth de Fallout 4, não pude deixar de notar que os pensamentos coletivos têm alguma semelhança.

Para começar: todos, por algum acaso, envolvem museus.

bioshock museum

Lugares de memória

O padrão fica claro quando analisamos os truques que os games usam para conquistar nossa atenção. Como é sempre a primeira impressão aquela que fica, jogos costumam ter muito cuidado com os primeiros ambientes que apresentam ao jogador.

Mass Effect não perde tempo em apresentar a Citadel. Skyrim nos dá logo de cara acesso a Whiterun, com Jorrvaskr e a Sky Forge. Planescape: Torment introduz a metrópole interplanar de Sigil tão cedo o jogador termina o primeiro dungeon. Esses lugares não são apenas bonitos ou interessantes. Eles dão o tom para toda a experiência.

citadel ME1

Fallout 4 leva isso ao extremo. Após saírmos do vault e visitarmos as ruínas de nossa antiga casa, uma missão nos coloca dentro de uma power armor com uma minigun em mãos, lutando contra um deathclaw. Para completar a experiência, ganhamos até um bobblehead de brinde.

bobblehead

Tudo o que há de mais característico na série Fallout parece ter sido condensado em um único momento. O objetivo, claro, é o convencimento. Se esta setpiece meteórica não despertar vontade de experimentar o restante do jogo, provavelmente nada despertará.

É de se esperar, portanto, que o cenário escolhido para uma missão tão importante seja igualmente icônico. E ele é – olha lá! – um museu.

Fo4-museum-of-freedom-concept

Há alguns anos, The Last of Us nos trouxe outro mundo pós-apocalíptico para explorar. Tal como em Fallout 4, um episódio inicial dás as cartas do enredo. Com a morte de sua parceira, o protagonista Joel se vê sozinho com Ellie, começando uma relação que se tornará o cerne da trama.

Onde se passa esse momento crucial da história? Em vários lugares, entre os quais – você adivinhou – um museu.

last of us museum

Se as semelhanças acabassem por aí, poderia ser coincidência. O problema é o que está em exposição nesses museus.  Fallout 4 nos leva ao sugestivamente intitulado “Museu da Liberdade”, com uma coleção patriótica sobre a história dos Estados Unidos. Entre os destaques, manequins com uniformes da época da Guerra da Independência e murais ufanistas.

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Já no museu de Last of Us, nós encontramos… uma coleção patriótica sobre a história dos Estados Unidos, com destaque para manequins com uniformes da época da Guerra da Independência.

last of us museum 2

Os ingleses estão chegando

À Primeira vista, é tentador dizer que se trata de puro nacionalismo. Jogos, como toda produção cultural, tendem a prestar homenagem à cultura que os produziu. Considerando que estamos falando do país que desenvolvou America’s Army, parece óbvio que um game americano fosse aproveitar a chance de demonstrar seu orgulho.

Em Fallout 4, a homenagem não poderia ser mais escancarada. Os “bom moços” da Wasteland chamam-se minutemen, originalmente uma milícia de colonos formada durante a Guerra de Independência. Para a eventualidade do jogador não entender a referência, seu líder se veste com roupas do século XVIII, muito embora viva em 2287

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Mesmo assim, há algo além de patriotismo nessas exposições virtuais. Com o risco de dizer o óbvio, estes museus estão destruídos. E por “destruídos”, não digo apenas em ruínas, mas extintos.

O Museu da Liberdade em Fallout 4 e a galeria em The Last of Us não são mais museus. São apenas prédios reaproveitados – ou completamente abandonados. Não existem mais “museus” no futuro; não há coisas para preservar. Afinal de contas, para que se preocupar com o passado em um mundo que já acabou?

Essa é uma reflexão poderosa, que não foi incluída nesses jogos à toa. Pelo contrário, ela é uma referência a uma das obras fundadoras do gênero pós-apocalíptico.

A máquina do tempo

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H.G. Wells é um dos grandes pioneiros de ficção científica, embora nossa geração tenha queimado seu legado com adaptações cinematográficas bastante medíocres.

Nada disso tira o mérito de A Máquina do Tempo, uma das grandes obras da história da literatura. O romance acompanha um inventor que descobre uma maneira de viajar ao futuro. Ele avança centenas de milhares de anos no futuro e encontra uma sociedade que perdeu todos os resquícios de humanidade.

A diferença entre ricos e pobres se tornou tão aguda que as duas classes evoluíram para espécies diferentes. As elites tornaram-se os eloi, um povo manso e inofensivo que não trabalha e passa seus dias descansando. Os trabalhadores transformaram-se nos morlocks, monstros que vivem na escuridão e se alimentam dos eloi, os quais criam como ovelhas.

Em dado momento, o protagonista visita o Palácio da Porcelana Verde, uma enorme ruína sem função aparente. Examinando o local, ele encontra corredores cercados por caixas acinzentadas. Com alguma surpresa, ele percebe que elas são expositores de vidro, abandonados há tanto tempo que haviam sido tomados pela poeira. O palácio misterioso era na verdade um museu.

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O protagonista, aterrorizado, percebe o que aconteceu com a humanidade. “Passado” e “futuro” só existem quando há o progresso. Reduzidos a animais, nascendo, engordando e morrendo sem pensar no amanhã, os eloi estão presos no presente eterno. Em seu mundo não existe mais história. Um povo que não vai a lugar algum é um povo que não tem um passado a relembrar.

A esperança na humanidade

Essa angústia está presente em toda ficção pós-apocalíptica, de A Estrada Mad Max. Nesses futuros destruídos, as pessoas não criam, apenas reaproveitam o que já foi feito. Elas não vivem, elas tentam não morrer. Elas não inventam, só “descobrem” saberes de outras épocas.

Os sobreviventes do apocalipse não precisam de museus porque, tal com os eloi, eles não estão indo para lugar nenhum. Em 50, 100 ou 200 anos, sua sociedade (caso ainda exista) continuará exatamente a mesma. Eles não precisam de patriotismo, porque “pátrias” não existem mais. A autoridade pública se reduziu a aldeias, senhores da guerra, justiceiros. Não há sentido celebrar a independência americana, pois não há mais Estados Unidos.

Nisso, Fallout 4 é diferente. Em um dado momento do jogo, um personagem diz que está cansado de “sobreviver”. Está na hora de reconstruir.

E reconstruir o jogador irá. Ao contrário da maioria dos jogos sobre o tema, o cenário de Fallout 4 não é um campo de batalha, mas um mundo esperando ser reerguido. O jogador passa mais tempo – e ganha mais experiência – devolvendo uma vida aos habitantes da Commonwealth do que explodindo cérebros de supermutantes.

sanctuary fallout 4

O mais brilhante é como, fiel ao clássico de H.G. Wells, conforme as pessoas conquistam o seu futuro elas “redescobrem” seu passado. Uma missão faz o jogador percorrer a Freedom Trail, uma rota turística que une os pontos históricos de Boston. Em outra, os minutemen pedem ajuda para reconquistar o Fort Independence, uma fortaleza do século XVIII.

fallout 4 castle

Na ficção pós-apocalíptica, a espécie humana dificilmente ganha uma chance de tentar de novo. Fallout parece acreditar que há esperança para a humanidade, que um novo recomeço é possível. Não é à toa que, a despeito dos ghouls, dos mutantes e de toda a radiação, os fãs da série adoram habitar seus mundos virtuais.

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O que “The Witcher 3” nos ensina sobre afeto https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/ https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/#respond Mon, 29 Jun 2015 20:54:06 +0000 http://finisgeekis.com/?p=421

Qual foi a última vez que você se pegou pensando em uma personagem de videogame como uma pessoa real? Que passou o dia agonizando após um criatura de pixels e voz pré-gravada lhe dar as costas, ou “morrer” graças às suas ações?

Para fãs de CRPG a pergunta é quase retórica. O gênero veio de histórias coletivas criadas em rodas entre amigos e levou a mesma vibe aos computadores e consoles. Se fãs de estratégia esperam nações e territórios e fãs de tiro olham para balas e alvos, RPGistas estão atrás de pessoas.

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

Jogos de interpretação… ou jogos de afeto?

Se você não é um recém-chegado ao gênero, sabe que o afeto não é uma firula, mas a lógica que dá sentido a tudo.  Com os orçamentos multimilionários, efeitos especiais e cenas de ação, é tentador tornar as experiências cada vez “maiores”, mais “decisivas” e “épicas”.  No entanto, maior não é sempre melhor. A morte de Obi-Wan nos toca muito mais do que a explosão de Alderaan. “Salvar o mundo das forças do mal” é uma premissa muito mais maçante do que encontrar a pessoa amada, ganhar reconhecimento ou apenas sobreviver.

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Na série Mass Effect, as decisões que mudam o destino da galáxia são importantes porque dizem respeito aos companheiros que reunimos ao longo da jornada. Impedir a guerra entre os Quarians e os Geth é vital não pelos seus motivos estratégicos, mas para salvar a vida de Tali, confidente de Shepard desde o primeiro jogo. Curar o genophage é uma decisão difícil porque envolve Wrex, um dos amigos mais queridos do comandante.

Games de outros gêneros também focados em narrativa seguem o mesmo caminho. John Marston é um excelente protagonista porque Red Dead Redemption não é um jogo sobre a conquista do Oeste, mas o drama pessoal de um homem arruinado em busca de sua mulher e filho. Do enredo meia-boca de Beyond: Two Souls o que se salva é o belo capítulo em que a protagonista é adotada por um grupo de mendigos, que logo se torna sua família adotiva. E, com o devido SPOILER WARNING, no final de The Last of Us Joel deixa claro que entre Ellie e o futuro da humanidade, ele prefere sua jovem companheira.

Isso para ficar só nas últimas gerações

Isso para ficar só nas últimas gerações

The Witcher III: The Wild Hunt não é muito diferente. Um dos muitos (e justíssimos) elogios que o game recebeu é quão “pequeno” é seu foco. Geralt de Rivia ronda uma terra devastada em busca de sua filha adotiva, recolhendo, no caminho, os cacos de vidas destruídas pela guerra. Da guerra em si, das “forças do mal” e do destino do universo ele não sabe nada. Os protagonistas das outras batalhas não lhe dizem respeito.

Entretanto,  por mais popular que tais histórias sejam, há um sentimento de que suas protagonistas sejam fúteis, cafonas. Em parte, isso se justifica pelas inúmeras tentativas horríveis de se contar esse tipo de história. (Watch Dogs, estou olhando para você). Em parte, porém, a crítica tem outra fonte: a obsessão pela “força” das personagens e seu potencial como role models.

A tirania das personagens fortes.

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Existe uma tendência (que suspeito que Star Wars tenha tornado popular) de achar que herois estão acima dos reles mortais. Tal como um mestre Jedi, o protagonista não tem vínculos fortes e se dedica integralmente à sua causa.  Ele precisa servir de exemplo aos outros, não se rebaixar às suas paixões. Para alguns, esse modelo de Jedi é a marca que faz de uma personagem “forte e independente”.

É engraçado, no entanto, que ter “força” signifique muitas vezes ser avesso aos outros. A personagem “forte” não tem amigos; tem aliados, pessoas que servem para alguma coisa e que ela pode largar sem prestar satisfações. A personagem “forte” não tem compromissos amorosos, apenas cobaias para saciar suas vontades. A fidelidade, em um mote que poderia sair direto da boca de um Sith, é uma fraqueza a ser zombada. A personagem “forte”, por fim, não depende de ninguém: ela prefere a si mesma àqueles à sua volta, sua carreira à companhia dos entes amados, seu escritório à família e amigos.  A personagem “forte” só pensa em si e só deve a si própria sua felicidade. Os outros podem partilhar da sua alegria se ela deixar, mas não devem roubar a cena.

À primeira vista, Geralt parece ser o “forte” por excelência: um cavaleiro solitário sem comprometimentos, com poder para matar qualquer vilão, vencer qualquer disputa, conhecer qualquer monarca e ir para a cama com qualquer mulher. Porém, bastam algumas dezenas de horas no mundo dos witchers para conferir que a verdade não é bem assim.

Como eu já disse em outra ocasião, o mundo de The Witcher é um universo de monstros e Geralt de Rivia é um monstro à sua própria maneira. Pessoas cospem no chão quando o vêem e o xingam de “mutante”, “freak” e “bastardo desalmado”.  Ele não gosta do que faz, mas tem poucas alternativas. As mutações que lhe deram seus poderes lhe deixaram estéril e incapaz de mostrar emoções. Mesmo que ele desejasse mudar, ele está simplesmente excluído do mundo normal.

O que não significa que por trás do cabelo branco e dos olhos de gato não exista, de fato, uma pessoa normal.

Nesse sentido, seu momento mais tocante acontece quando visita a cidade de Novigrad. Geralt viu sua filha adotiva pela última vez na adolescência. Num mundo sem Facebook ou câmeras fotográficas, isto significa que a única imagem que ele tem dela vem de suas lembranças. Eis, então, que surge uma possibilidade de ver como ela se tornou, adulta. A reação do nosso caçador de monstros fala por si só:

Nada de diálogo explicativo. Nada de berros, lágrimas ou abraços. Reparem que quase não há trilha sonora. Apenas a expressão de dor de um homem que não é capaz de chorar, mas que acaba de ver que a criança que mais ama cresceu sem que ele estivesse lá para ver. A dor que muitos pais já sentiram ao perderem a infância de seus filhos; a mesma, provavelmente, que tomou conta de Solomon Northup em 12 anos de Escravidão, quando retorna para casa vê que sua filha está casada e já é mãe.

Quem acha que The Witcher é mais uma história do heroi durão derrotando meio mundo para salvar a pessoa X está perdendo o mais importante. Do triângulo amoroso com Triss e Yennefer à camaradagem de Zoltan e Dandelion, passando pela “amizade” conturbada de Lambert, Drijska e Roche, Geralt deve tudo àqueles à sua volta. O universo dos witchers, como o de outras séries do gênero, é um mundo cruel, em que pessoas procuram a companhia alheia para tentar afastar as trevas. Na maioria das vezes, sem sucesso.

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A insustentável leveza do ser

Mais de trinta anos atrás, o escritor tcheco Milan Kundera escreveu sobre essa “força”. Em seu livro, ele nos dá um cirurgião “forte”, “independente” e “realizado” com sua carreria, vida social e prazeres carnais. Uma pessoa, enfim, que ticaria todos os quadrados da cartilha do individualismo gamístico.  Entretanto, um belo dia ele larga tudo para viver ao lado daquela que jurou passar a vida ao seu lado.

Ao contrário dos role models celebrados a torto e a direito, as personagens de Kundera não vêem sentido nessa vida dos sonhos. O que para outros é “liberdade”, para eles é a insustentável leveza do ser. O ser humano – ou ao menos estes seres humanos não foram feitos para existir sozinhos. Daí que eles se mudam da Suíça para a Tchecoslováquia comunista, da cidade grande para o campo, de carreiras brilhantes e bem remuneradas a bicos no meio do nada, da vida “realizada” a uma morte sem sentido, num acidente de carro numa estrada de terra qualquer.

Por quê? Eu não sei. Talvez ninguém saiba. Na vida real (e nas melhores ficções) algumas coisas não fazem sentido. Mesmo assim, eu não consigo deixar de pensar que a obsessão pelos role models pode nos levar a um lugar perverso, tão apavorante, talvez, como o mundo dos witchers.

Em Cardcaptor Sakura, Kero-chan diz que o apocalipse é algo muito pior do que a explosão da terra: é a perda do afeto por todos aqueles que amamos. Que os justiceiros, na cruzada para impedir a primeira, tomem cuidado para não provocar a segunda. A insustentável leveza do ser pode ser um fim em si mesma. E por “fim” não digo propósito, mas game over. Ponto final.

]]> https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/feed/ 0 421 “Fallout” e o charme do apocalipse https://www.finisgeekis.com/2015/06/22/fallout-e-o-charme-do-apocalipse/ https://www.finisgeekis.com/2015/06/22/fallout-e-o-charme-do-apocalipse/#comments Mon, 22 Jun 2015 19:12:22 +0000 http://finisgeekis.com/?p=380

A guerra nunca muda… Mas outras coisas sim, e como. Em uma frase, este é o apelo do gênero pós-apocalíptico, hypado na E3 desse ano com o anúncio de uma de suas franquias mais populares. A reação online a Fallout 4 não deixa dúvidas de que este será um dos grandes hits do fim do ano.

De onde, porém, vem todo esse entusiasmo? É consequência apenas do sucesso da série, nas mãos primeiro da Interplay, depois da Bethesda (e brevemente da Obsidian)? Acredito que não. Tal como a fantasia medieval e a Segunda Guerra, a Terra pós-apocalíptica é um cenário sedutor como poucos outros. Com uma tradição literária e cinematográfica respeitável, o gênero caiu como uma luva nos RPGs, aos quais trouxe uma vibe completamente nova.

O futuro que nunca veio

A escolha do cenário é uma das decisões mais básicas para o criador de ficção. Aqueles que desejam fazer games realistas encontram logo de cara um problema considerável: precisam representar com fidelidade o cenário do qual pretendem tratar. Isso significa semanas de pesquisa, muita leitura, consultoria profissional e malícia para evitar questões espinhosas. O mundo real é sério, e muitos de seus episódios mais interessantes provocam debates acalorados. Não fosse o suficiente, o produto final de um jogo como esse dificilmente será tão vibrante quanto um mundinho de faz-de-conta. Gamers já têm uma vida inteira para acordar cedo, estudar para a prova, declarar impostos e ler notícias terríveis sobre a invasão do país X ou Y.  Por que passar o tempo de lazer com a mesma tortura?

A fantasia resolve alguns desses pepinos, mas arruma outros. Para os fãs de um enredo mais “cabeça”, o estilo – em especial sua versão mais “pomposa”, a high fantasy – é bastante insosso. A Bioware pode dar a severidade que quiser às suas tramas; um elfo com roupas coloridas ou um banqueiro alienígena atarracado jamais provocarão a mesma reação de um veterano da Guerra da Iuguslávia ou um refugiado etíope morto de fome. A “suspensão de descrença” age aqui com força total. O público sabe que vai ouvir sobre fadas e dragões e pega o controle já pensando em bolas de fogo e armas laser. E ai do jogo se não entregar.

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Casey Hudson aprendeu isso do jeito mais difícil

Ficções pós-apocalípticas, no entanto, oferecem um meio termo. De um lado, elas podem – e até devem – ter um pé no mundo real. A fidelidade não é necessária, como Miyazaki tão bem mostrou quarenta anos atrás na sua obra prima dos quadrinhos,  Nausicaa do Vale do Vento. Porém, é um toque a mais que pode enriquecer um cenário, sobretudo se bem feito. Do outro lado, seu “retro-futurismo” – o retrato de um futuro que nunca aconteceu, tal como imaginado pelas pessoas que o esperavam – dá aos desenvolvedores carta branca para deixar a criatividade rolar solta e carregar nas tintas no que acham mais legal, seja o jetpack de uma power armor ou um tanque-escorpião.

wasteland scorpion

A ficção pós-apocalíptica tem ainda outro atrativo. Poucas coisas dizem mais sobre a nossa cultura do que vê-la desaparecer. O que seria das pessoas sem as leis para pô-las nos trilhos? Sem remédios, medicina ou tecnologias de transporte? Sem os confortos mais simples de nosso dia a dia? Seríamos capazes de viver na penúria ou (como dizem os críticos do “consumismo”) somos, no final, aquilo que temos?

Imaginar um mundo em que a fartura do nosso cotidiano não existe nos obriga a pensar sobre ela e em por que ela é tão importante. Às vezes, a resposta pode nos suspreender. Em The Last of Us, quando Ellie pergunta a Joel o que ele mais sente falta do mundo antigo, ele responde “o café”. E o momento mais tocante do jogo, para 11 em cada 10 jogadores, é a cena em que a dupla encontra uma girafa. Creio que se eu perguntasse aos leitores que coisas eles salvariam no caso de um apocalipse café e zoológicos não estariam no topo da lista. São coisas aparentemente irrelevantes, mas mesmo elas deixam um vazio quando desaparecem. E, num mundo de subsistência, estão entre as primeiras a sumir.

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Se tudo isso não fosse o bastante, há ainda outra razão para a popularidade do gênero. Por mais que critiquemos nossos avós por repetirem quão maravilhoso era o “seu tempo”, nós somos muito piores. Poucas gerações são mais saudosas de sua juventude do que a galera que passou a infância e adolescência nos anos 1990. Os exemplos são quase infinitos: a febre dos amiibos e de outros merchans da Nintendo (destaque para o MacLanche feliz do Mario que esgotou nos primeiros dias), a devoção ao SNES e ao Megadrive, os reboots de Sailor Moon e Dragon Ball Z, o boom de games retrô e de pixel art no mercado indie e outras coisas de que falei aqui. Diante da tarefa de recriar nosso mundo depois do apocalipse, poucos desenvolvedores resistem à tentação de pensar no que aconteceria com essa nostalgia depois das bombas nucleares.

Wasteland 2 levou isso ao extremo, a ponto de incluir o disquete do game original de 1986 como uma relíquia encontrada no jogo. Outra quest leva o jogador ao encontro de um antiquário de videogames, que pede sua ajuda para completar sua coleção. Ele deseja colocar suas mãos naquele que acredita ter sido o maior console de todos os tempos: O CD-i, com seus incríveis 1MB de memória RAM. A piada, para aqueles que nunca o conheceram in loco, é que o CD-i está entre os maiores flops da história dos games. Nada como um apocalipse nuclear para melhorar uma reputação falida.

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Não é à toa que fãs de Fallout 4 piraram na E3 ao descobrirem que poderão jogador Donkey Kong e Missile Command em seu Pip-Boy, o computador de mão característico da série. Ainda mais depois da Bethesda anunciar que um Pip-Boy de verdade acompanharia a edição de colecionador do jogo.

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O mundo real nunca é tão pomposo quanto a ficção. Talvez, no final das contas, quando “O Fim” realmente chegar, estaremos preocupados com coisas muito mais mundanas. Talvez olhemos para nossos consoles e nossa biblioteca de mangás e pensemos: “quando eu estiver caçando deathclaws dentro da minha power armor, eu terei espaço no meu abrigo para isso?”

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