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Star Wars – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 18:18:32 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Star Wars – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 A moralidade de “Rogue One” é mesmo cinza? https://www.finisgeekis.com/2017/01/24/a-moralidade-de-rogue-one-e-mesmo-cinza/ https://www.finisgeekis.com/2017/01/24/a-moralidade-de-rogue-one-e-mesmo-cinza/#respond Tue, 24 Jan 2017 20:42:39 +0000 http://finisgeekis.com/?p=14296 Um bilhão de dólares.

Essas são as cifras da bilheteria de Rogue One, stand-alone de Star Wars que chachoalhou os cinemas mês passado. Entre isso e o sucesso de público de O Despertar da Força, parece não haver dúvidas de que a aposta da Disney em comprar a Lucasfilm finalmente pagou.

Independente do que achemos dos longas pós-Lucas (ou do que aconteceu ao Universo Expandido), parece também certo que a Disney está indo bem naquilo que sempre fora um ponto fraco: spin-offs de qualidade.

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Pois é, né

Mas Rogue One não é apenas isso. Para alguns críticos, ele traz algo diferente. Algo que Star Wars, pelo menos no cinema, nunca havia feito.

A palavra aqui é cinza. Reviewers comentaram que o filme abriu mão do maniqueísmo típico da saga e se aventurou pela moralidade ambígua.

O filme seria “cinza e eficiente“, com uma Aliança Rebelde cinza, uma trama com “tons de cinza“, mais “adulta e trágica” que a trilogia original. Se Star Wars prosperava na luta do bem contra o mal, Rogue One coloca a “guerra” em “Guerra” nas Estrelas

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Amando-o ou odiando-o, o veredito é o mesmo. Os tempos mudaram, o público mudou e agora Star Wars muda também. A moral infantil dos “tempos simples” de antigamente já se foi. Está na hora de mostrar a guerra, a dor e a humanidade como elas realmente são.

Ou será mesmo?

Por trás da sua fotografia escura, final trágico e ausência de Jedi, seria Rogue One tão diferente assim? Um tom sombrio e um foco no humano é o suficiente para que uma história seja “moralmente cinza”?

E nós? Será que realmente crescemos e estamos “trágicos e adultos”? Ou continuamos tão esperançosos como antes, maravilhados com a luta do bem contra o mal?

(AVISO: Contém SPOILERS de Rogue One: Uma História Star Wars.)

Uma história Star Wars

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Quem acompanha o blog há algum tempo sabe que meus comentários sobre O Despertar da Força não foram lá muito positivos. Neste caso, deixe eu ser claro desde já: Rogue One é um excelente filme.

O longa de Gareth Edwards conseguiu pagar seu tributo à saga sem soar derivativo. Seu tom é sombrio, mas temperado com humor. O talento dos veteranos Mads Mikkelsen e Forest Whitaker mais do que compensam a protagonista pouco inspirada.

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É um filme de grande peso emocional, do tipo que Lucas, amante do espetáculo e de uma lore expansiva, nunca deu muito espaço. É, também, uma obra que a Disney raramente fez em seus live-actions.

Fora do recente selo Marvel (e mesmo dentro dele), o estúdio americano sempre teve uma zona de conforto na leveza infanto-juvenil. Que um gigante midiático como a Disney esteja dando espaço para histórias como essa é um acontecimento. Não apenas para Star Wars, mas para tudo o que pode vir depois.

A fotografia é escura. A sujeira e desgaste da cenografia levam o conceito de futuro usado, caro a George Lucas, a um novo patamar. O enredo troca o mito de origem por uma história de soldados, e o final nos traz apenas tragédias.

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E a esperança de um futuro melhor

Moralidade “cinza”? Ou só escondida?

Mesmo assim, se o avaliarmos como um filme adulto, alguma coisa não soa muito certa. E não digo em termos de produção (reconstruções bizarras em CG à parte).

Algo em sua seriedade parece artificial: por um lado, óbvia demais; por outro, explorada de menos. E parece ter a ver com a insistência, da crítica e do próprio diretor, na famosa moralidade cinza. 

O termo é geralmente utilizado como oposto à moral “preta e branca”. que a saga original tão bem encarna. Os bons são bons, os maus são maus, e a história é o confronto de um contra o outro. Que os “do bem”, se tudo der certo, ganharão.

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Histórias são chamadas de “cinzas” quando as linhas que separam o bem do mal não estiverem muito claras.

Isso pode acontecer quando humanizam um vilão ou desumanizam um herói. Quando mostram que “bem” e “mal” não existem em formas puras. Ou, ainda, quando se rebelam contra a própria ideia de moralidade.

Ao tirar a Alliança Rebelde do seu pedestal de idealismo, Rogue One parece acenar para esse tipo de história.

O retrato de Saw Gerrera é talvez o símbolo mais evidente. Ao nos mostrar um conhecido herói de universos expandidos passados como um bandido, o filme sugere que a distância entre “heroísmo” e “terrorismo” está no fio de uma navalha.

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Mesmo assim, Rogue One tem um certo brilho que sugere que não é lá tão cinza quanto parece.

Ouvir os rebeldes falarem das “coisas ruins” que fizeram em nome da aliança mostra que eles não são mais os heróis infantis de Uma Nova Esperança. Mas a cena tem muito menos impacto do que teria se nos mostrassem o que, exatamente, eles fizeram.

A introdução de Cassian matando um informante é chocante, mas também limpa, clínica. A vítima é menos um ser humano que um NPC inconveniente, que seu personagem Leal e Neutro executa aborrecido -para, depois, seguir com sua quest.

Não se trata de violência gráfica, mas de escala. Como dizia Nietzsche, “quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”. Em Rogue One, fazer o mal em nome do bem não causa as personagens a perderem fé na sua causa. Pelo contrário, apenas as motiva a serem mais heroicas. 

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É engraçado, nesse sentido,  o quão diferente ele é das obras “adultas” e “sérias” com as quais foi comparado, como Falcão Negro em Perigo O Resgate do Soldado Ryan.

Confronte apenas a postura de Cassian em Rogue One com a cena do prisioneiro alemão no filme de Spielberg, em que os protagonistas passam horas pensando se devem ou não matar um soldado nazista. Em plena Segunda Guerra.

Quem é o maniqueísta agora?

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É o mesmo conflito do capitão de A Vida dos Outros, que de tanto grampear um suspeito, acaba traindo a polícia política para a qual trabalha. Ou do terrorista de Convidados da Nação, ao ter de executar os reféns de quem ficou amigo.

Em Rogue One, apenas Galen e Bodhi passam por essa metamorfose. Mas o Império, já sabemos, é o “lado” dos malvados. E virar a casaca contra os malvados é o que é esperado dos bonzinhos.

Não há nada de “complexo” em sua defecção. É uma cena que já vimos com Finn em O Despertar da Força e melhor ainda com Darth Vader em O Retorno de Jedi.  

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O problema é que, ao misturar esses dois mundos, o resultado nem sempre é harmonioso.

‘Cinza’ não é sinônimo de adulto

Em Rogue One, na cena do tiroteio em Jedha, vemos uma criança asiática chorando no meio dos lasers. É difícil ver a cena sem pensar em Phan Thi Kim Phuc, a sul-vietnamita queimada por napalm cuja foto mudou o mundo:

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É uma imagem fortíssima, que nos entender que guerras não são lutas entre clones e dróides bobalhões. Não é à toa que fotos de crianças sempre são usadas (e abusadas) em mensagens pacifistas.

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É também uma diferença gritante em relação ao que estávamos acostumados, nos longínquos tempos de George Lucas.

Star Wars nunca escondeu que a inspiração de seus vilões foram os nazistas. O próprio termo stormtrooper (stoßtruppen)  veio do apelido das tropas de elite alemãs. O capacete de Darth Vader é inspirado no stahlhelm, usado por elas desde 1916.

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Stormtroopers com máscaras de gás. Primeira Guerra Mundial.

Rogue One  parece ter buscado referências mais “cinzas” para sua guerra. O problema é se esqueceu do porquê essas imagens são consideradas “cinzas.”

Phan Thi Kim Phuc (processe isso!) foi bombardeada pelo seu próprio “lado”. O objetivo da sua foto – e de tantas outras fotos de crianças em guerra – não foi pregar que deveríamos lutar com mais afinco. Pelo contrário, foi mostrar que a cruzada dos “bonzinhos” (Vietnã do Sul e Estados Unidos) estava causando mais mal do que bem.

No formato, Rogue One emprestou de histórias cuja proposta era nos fazer repensar a guerra. No conteúdo, porém, ele as colocou a serviço de uma mensagem oposta, celebrando a mesma luta do “bem” versus “mal” com que vibramos em Uma Nova Esperança.

Os críticos estão certíssimos ao dizer que o longa trouxe a “guerra” a Guerra nas Estrelas. Só não qualquer “guerra”. Como bem apontou a revista Time, é a guerra de Labaredas do Inferno Canhões de Navaronefilmes heroicos e patrióticos que celebram a “guerra justa”.

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Obviamente, é injusto esperar diferente de Rogue One. 

O longa de Gareth Edwards pode mirar um público adulto, mas ainda é um filme da Disney. Esperar um festival de vísceras como Até o Último Homem é não entender a proposta do estúdio – nem do próprio universo Star Wars.

No entanto, também não consigo afastar a impressão de que há algo a mais por trás disso.

E se a esperança que fechou Rogue One for não apenas uma exigência editorial, mas um reflexo dos nossos tempos?  E se  o preto-no-branco que Rogue One tenta esconder estiver lá de propósito, para atender a uma demanda por uma moralidade adulta, mas também simples e justa?

Para responder isso, é preciso nos lembrarmos de quando o universo Star Wars seguiu caminhos bem diferentes.

 

Knights of the Old Republic: The Sith Lords

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Ao leitor contrariado: não me odeie, não é o que parece. Prometo que não sou daqueles que coloca tudo do velho Universo Expandido num pedestal.

Porém, é inegável que o game KotOR 2: The Sith Lords também trouxe moralidade cinza ao universo Star Wars – só que de uma maneira bastante distinta. Com a Velha República voltando ao cânone e easter eggs aos jogos em tomadas de Rogue One, é interessante ver o que isso nos diz sobre a saga.

Knights of the Old Republic 2 se passa milhares de anos antes da Guerra Civil Galática, quando a República está se recuperando de uma terrível guerra contra os mandalorianos.

O conselho Jedi se recusou a tomar parte na guerra. Dois cavaleiros, Revan e Malak, se recusaram a obedecer a ordem e lideraram à guerra um grupo de voluntários.

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No entanto, bastou os mandaloriano serem derrotados para que eles próprios sucumbissem ao lado negro. E invadissem a República em uma guerra ainda pior.

KotOR 2 se passa após o final desses conflitos. A galáxia se encontra em pedaços. Os Jedi foram quase todos mortos, e os poucos que sobreviveram andam escondidos, protegendo-se do restante dos Sith.

O game acompanha uma Jedi exilada que retorna aos planetas centrais. Entre conspirações, lutas de sabre e batalhas espaciais, sua história é uma reflexão sobre um dos maiores dilemas que a Ordem já se perguntou:

A culpa é dos Sith? Ou fomos nós que erramos?

Se todos esses Sith foram treinados por nós, será que o problema não estaria na própria Ordem? Ao forçar seus cavaleiros a abrir mão do amor, sentimentos fortes e outros impulsos humanos, não estaria ela incentivando seus membros a migrar para o lado negro?

Se os ensinamentos Jedi não contemplam essas falhas, não seria ele o grande culpado? Pode o “jedaísmo utópico” se eximir das atrocidades que o “jedaísmo real” cometeu?

KotOR 2 é muito mais um jogo autoral da Obsidian do que um game Star Wars. Em retrospecto, é possível ver o germe do que viria a ser Fallout: New VegasPillars of Eternity e o excelente TyrannyUma discussão franca sobre a complexidade do mundo – e dos limites das nossas bitolas de “bem” e “mal”.

É até curioso que desenvolvedores com essas opiniões fossem se interessar por uma lore tão maniqueísta como a do universo Star Wars. E compreensível por que colocaram nas bocas de uma personagem, Zez Kai-Ell, uma pergunta espinhosa não só para os Jedi, mas para todos nós:

Do fracasso dos mestres, do nosso fracasso em trainar Jedi corretamente veio o desastre. E eu comecei a pensar se o erro, no final das contas, não estava nos próprios ensinamentos Jedi. (…) Entre tudo o que realizamos para preservar a galáxia, de tamanha arrogância de achar que tudo o que fazemos é justo e bom, eu me pergunto se não existe um contra-efeito que volta para nos atingir. (…)

Nem uma mísera vez eu ouvi alguém do Conselho se responsabilizar por Revan, por Exar Kun, por Ulic, por Malak… ou por você. Talvez haja alguma coisa errada em nós mesmos, em nossos ensinamentos. E, por mais que eu tentasse, não conseguia me livrar desse pensamento. Por isto abandonei o Conselho.

KotOR 2 não questiona nossos métodos, mas nossas intenções. O game nos lembra que nem sempre estamos certos – e que as causas que defendemos, muitas vezes, podem ser a verdadeira raiz do mal.

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É um ponto que Rogue One, por mais sombrio que seja seu clima, passa longe de abordar.

Saw Gerrera é um terrorista torturador. Cassian Andor, um assassino de sangue frio. No entanto, não há a menor questão que pessoas como eles são preferíveis a um Império que destrói cidades com a casualidade de quem espreme uma espinha.

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Rogue One é um filme adulto, sem dúvida. Porém, atrás da fotografia pesada, sua moralidade continua tão dicotômica quanto a fábula que o inspirou. Como bem disse um crítico, a Aliança se tornou cinza, mas o império continua negro.

O que isso nos diz sobre nós mesmos?

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Numa entrevista sobre Rogue One, seu diretor Gareth Edwards fez o seguinte comentário:

Quando eles fizeram Star Wars nos anos 1970, o mundo talvez se sentisse um pouco mais simples: aqueles são os malvados, nós somos os bonzinhos. Hoje – com a internet e a conexão global – nós sabemos lá no fundo que não é tão simples assim. Antigamente, quando você vencia, você acabava com o malvado. Isto nunca vai levar a paz nenhuma. Eu acho que nós só vamos conseguir acabar com a guerra quando entendermos um ao outro e tivermos empatia.

Belas palavras, mas Edwards não parece ter combinado com o resto da equipe. Pouco antes do filme ser lançado, os roteiristas Chris Weitz e Gary Whitta causaram no Twitter ao anunciar o filme como um ato de resistência contra a candidatura Trump.

A polêmica foi tão grande que levou o CEO da Disney, Bob Iger, a se manifestar publicamente dizendo que o filme é completamente apolítico.

Não há a menor dúvida de que Weitz e Whitta acreditam que representam o “bem” e que o inimigo contra o qual lutam é o “mal”. Na sua “luta justa”, é muito mais provável que assumam a certeza de Jyn Erso do que o pessimismo de Zez Kai-Ell.

E não só eles. Com mensagens vagas como “rebeliões são feitas de esperança”, é difícil não simpatizar – em algum nível – com a guerra moral que a Aliança trava. Todos nós somos rebeldes contra alguma coisa e precisamos de esperança para ir em frente.

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Rogue One, diz o Charles do Cosmo Nerd, carrega uma mensagem. “Não importa qual princípio guie seus passos, é preciso acreditar que você está no caminho certo.” Não podia estar mais certo.

Mas e se esse “princípio” que nos guia for, por exemplo, a manutenção da escravidão? A repressão colonial? O apoio a um governo tirano?

E se o “caminho” que achamos certo se provar um fracasso? E se nossa cruzada causar mais danos do que o mal contra o qual lutamos?

É o dilema que assombrou os confederados após a Guerra Civil Americana, os italianos após a Primeira Guerra Mundial, os franceses na Guerra da Argélia e os americanos no Vietnã.

É o dilema que Star Wars, lançado dois anos depois da queda de Saigon, quis esconder ao inaugurar o cinema blockbuster. E de que nós, após décadas de prosperidade, escapismo e alegria, nos esquecemos.

Mas talvez seja para o melhor.

Ao contrário do que Edwards acredita, os anos setenta passaram bem longe de ser simples. A Guerra Fria dividia o mundo, e suas consequências – o Vietnã, as ditaduras, a Crise dos Reféns do Irã, o possível holocausto nuclear – tiravam o sono de muita gente.

Star Wars conquistou seu espaço ao convidar essas pessoas para um outro mundo. Aterrorizadas em casa, elas ganharam um universo paralelo onde podiam sonhar, pensar e – sim – ver o bem derrotar o mal.

Tal como fez a poesia desde a antiguidade e o ballet no século XIX, Star Wars trouxe ao século XX “uma nova esperança”, na forma de uma fantasia otimista, ordenada e atemporal.

Não é à toa que sobrevive forte nos dias de hoje. E que, segundo alguns, durará para sempre.

Perto disso tudo, não dá para negar: moralidade cinza é overrated.

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Especial: o post número 100 https://www.finisgeekis.com/2016/11/21/especial-o-post-numero-100/ https://www.finisgeekis.com/2016/11/21/especial-o-post-numero-100/#respond Mon, 21 Nov 2016 19:27:42 +0000 http://finisgeekis.com/?p=13156

Parece que foi ontem, mas o Finisgeekis está próximo de completar dois anos. Hoje, batemos a marca dos 100 posts! Número modesto para os grandes portais internet afora, mas um grande feito para o blog, que se preza por textos semanais longos, feitos com muita pesquisa.

Foram 100 posts de anedotas, curiosidades e controvérsias. Dos clássicos dos animes aos fundamentos do game design. De bonecas colecionáveis a revisionismo histórico. De cosplayers profissionais à literatura japonesa.

Foi uma viagem e tanto, com a qual contei o apoio de meus queridos parceiros, seguidores e leitores. E nada mais apropriado para a data do que uma celebração do melhor, do mais surpreendente  – e do mais saudoso –  desses quase dois anos de escrita e nerdice.

(Clique nas imagens para acessar os artigos)

O post mais visualizado

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2016 foi um ano especial para o Finisgeekis. O projeto Profissionais do Cosplay, uma série de bate-papo com cosplayers que já fizeram do hobby um trabalho, finalmente saiu do papel. A primeira leva de entrevistas foi ao ar ao longo do ano, trazendo depoimentos de cosplayers do Brasil, Estados Unidos, França, Polônia e Portugal.

O projeto foi de longe a iniciativa mais interessante que já fiz no blog, e pretendo continuá-lo em 2017. Para minha enorme satisfação, foi também uma experiência edificante para meus entrevistados.

A ninguém isso foi mais verdade do que para a portuguesa Chowitsu. Sua entrevista lidera como o post mais visto da história do Finisgeekis e motivou vários brasileiros a começar a seguir seu trabalho.

De todos os cosplayers que entrevistei, Chowitsu é a única que conheci pessoalmente. É, portanto, com muito agrado que vejo seu trabalho alçando voo. Que seu talento continue a crescer e que seja sempre reconhecido!

O termo de pesquisa mais recorrente

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Se alguma métrica já me fez coçar a cabeça, com certeza foi esta. Entre todos os termos de busca daqueles que caem no blog pelo Google, “Attack on Titan” lidera disparado.

É algo que não sei explicar sem invocar a força cabalística dos algoritmos secretos da web.

Por um lado, é verdade que dei alguma atenção ao hit de Hajime Isayama. Em O Titã da Militânciaum dos primeiros textos do blog, falei de como a fábula de humanos cercados por titãs foi apropriada por revoltados de plantão em vários protestos mundo afora. Algum tempo depois, traduzi parte de uma entrevista do ANN com executivos da Kodansha, falando sobre a série.

No entanto, tudo isso nem se compara com a atenção que dei a outras obras, como os games de The Witcher, os longas do Studio Ghibli ou os mangás de Inio Asano. Por uma razão muito simples: não é uma franquia com a qual tenho familiaridade.

Embora tenha acompanhado (e curtido) a primeira temporada do anime, não acompanhei nem tive interesse em acompanhar o mangá. Hoje, devo ser uma das poucas pessoas do mundo que não sabem o que há no porão da casa do Eren.

Que os muitos fãs de Shingeki que caem aqui por acaso não levem isso para o mal. Seja qual for o caso, vocês são muitos bem-vindos!

O post que mostra que a união faz a força

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Esse post especial em duas partes surgiu de uma ideia inusitada. E se juntássemos blogueiros diferentes para responder a questões difíceis? Uma espécie de podcast escrito, ou um equivalente contemporâneo dos diálogos filosóficos?

Assim surgiu o primeiro hangout da Blogosfera Otaku BR. Ao lado de autores dos blogs Anime 21, Animes Tebane, Dissidência Pop, É Só Um Desenho e Otaku Pós-Moderno, mergulhei de cabeça em uma das questões mais capciosas da cultura pop japonesa.

O experimento foi um sucesso, e pouco tempo depois realizamos um segundo hangout, curado pelo Diego Gonçalves do É Só Um Desenho. Quem se interessou pelas discussões pode ficar tranquilo: elas foram apenas as primeiras de muitas!

O post mais polêmico

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Nesses quase 2 anos de Finisgeekis, o blog nunca recebeu um backlash grande a ponto de provocar uma flame war. Para ser sincero, espero que continue assim.

O que não significa que todos os posts tenham sido bem aceitos. Em dezembro de 2015, me aventurei pela história das sequels reboots para entender a obsessão de Hollywood em ressuscitar hits do passado.

Sobre O Despertar da Força, primeiro longa de Star Wars sob a batuta da Disney, não tive palavras muito amigáveis. Eu já havia mostrado algumas reservas à direção corporativa da qual o mundo nerd se tornou escravo e antecipado meus medos em relação à ex-franquia de George Lucas.

O Despertar da Força confirmou boa parte do que eu temia, disfarçando como “tributo” um clone sem alma de A Nova Esperança, decorado com os frufrus favoritos do público millenial. Se os filmes de Lucas prezam pela experimentação (mesmo quando dão errado), O Despertar da Força é um exemplo de cinema “lista de compras”, “ticando” todas as caixas do lucro seguro e nostalgia vazia.

“Mas Vinicius” vários leitores, cada qual com suas palavras, me disseram “eu assisto a Star Wars justamente porque quero ter a mesma experiência de sempre. Se quisesse algo diferente, veria Star Trek ou qualquer outra coisa.”

Justo. Mas, se George Lucas pensasse assim, ainda estaríamos assistindo a Flash Gordon Buck Rogers. E se a humanidade como um todo pensasse assim, nunca teríamos saído das cavernas de Lascaux, admirando nossas pinturas de búfalos como se fossem o ápice da arte.

O Despertar da Força é sintoma de uma dupla tragédia. De produtores calculistas, que destilam clássicos em commodities efêmeras, e dos fãs, aquiescentes em ver sua obra do coração drenada à irrelevância. Se este é o futuro, parem o mundo que eu quero descer.

O post pelo qual preciso agradecer à DICE

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Que Battlefield é um arrasa-quarteirão todo mundo sabe. O que eu até então não imaginava era que essa popularidade pudesse se traduzir em um interesse por história – e pelos textos de quem vos escreve.

Com o lançamento de Battlefield 1, meu post de maio desse ano se tornou o artigo mais consistentemente popular do Finisgeekis. Dia após dia, ele passou a receber mais visualizações que qualquer outro texto.  “Jogos sobre primeira guerra” , por sua vez, tornou-se um dos termos de pesquisa mais recorrentes (atrás, é claro, de Attack on Titan).

A tudo isso, só tenho a agradecer à DICE. Se o seu novo AAA levar algumas pessoas a conhecer a guerra que inaugurou o mundo contemporâneo, ou se interessar por Verdun ou Valiant Hearts (dois dos jogos que menciono no artigo), já será uma missão cumprida.

O post que fez tudo valer a pena.

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Escrever um blog é um hobby ingrato. Pesquisar e redigir posts dá um trabalho desgraçado. Manter uma rotina exige que tratemos nossa página como um segundo emprego. E, no final do dia, o retorno nem sempre é grande.

O drama da protagonista do filme Julie & Julia é um retrato super honesto do que significa fazer escrita pública. Investimos horas de trabalho em um artigo para amargar esquecido em meio aos virais do momento. Buscamos diálogos com os outros e concluímos que estamos falando sozinhos.

Eventualmente desencanamos. Apertamos o “publicar” com resignação, sabendo que, no final das contas, ninguém lerá aquilo mesmo.

Erra quem pensa que a toxicidade é o pior que a internet pode oferecer. Para um blogueiro, o maior pavor não é o ódio. É o silêncio.

É por isso que, quando as coisas finalmente dão certo, a sensação é tão boa. Para mim, este momento veio com meus comentários sobre os mangás The Gods Lie. A Lollipop and a Bullet.

A resposta que tive superou todas as minhas expectativas. Recebi mensagens de leitores me agradecendo pelo texto. Um mangaká brasileiro chegou a me apresentar seu trabalho. Desconhecidos que eu pensava fora do meu alcance disseram compartilhar meus pensamentos.

Esse, afinal, é o endgame, o propósito último. Ser capaz de alcançar os outros e fazer com que ideias solitárias se disseminem e rendam frutos. É com o que sonhei do momento em que criei o blog e o que pretendo continuar enquanto ele existir.

E a vocês, leitores que tornaram isso possível, ofereço minha profunda gratidão – e a certeza de que farei de tudo para continuar a entretê-los, cada vez mais.

Muito obrigado!

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O “mais do mesmo”: Por que paramos de odiar as sequels? https://www.finisgeekis.com/2015/12/21/o-mais-do-mesmo-por-que-paramos-de-odiar-as-sequels/ https://www.finisgeekis.com/2015/12/21/o-mais-do-mesmo-por-que-paramos-de-odiar-as-sequels/#respond Mon, 21 Dec 2015 23:05:41 +0000 http://finisgeekis.com/?p=1441

Não faz tanto tempo que a falta de criatividade de Hollywood e seu hábito de explorar franquias de sucesso era motivo de chacota. De Volta para o Futuro 2 ilustrou isso bem ao pintar um 2015 fictício em que Tubarão 19 chegava aos cinemas. O próprio filme se tornou vítima da “maldição” em seu terceiro capítulo, considerado por todos o mais fraco.

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Não faz tanto tempo, de fato, que sequels eram tão mal vistas que apenas sobreviviam (e olhe lá) graças às locadoras. O Escorpião Rei, ele mesmo um spin-off de uma sequel de A Múmia, ganhou duas sequências próprias. Dr. Dolittle, sucesso de Eddie Murphy, bateu o recorde com QUATRO sequels, três das quais sem a participação do ator principal.

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O caso está longe de ser o primeiro – ou o mais ridículo. Nem Psicose, obra-prima de Alfred Hitchcock, escapou da ganância dos produtores. Acredite ou não, o terror deu origem a uma franquia com o próprio nome.

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Ao avançar a fita para os dias de hoje, no entanto, parece que o mundo virou de ponta cabeça. O que antes era visto com desprezo ou sarcasmo virou motivo de orgulho. Sequels, reboots, spin-offs, “sucessores espirituais” e todo tipo de continuação tornaram-se campeões de crítica e bilheteria.

Basta navegar alguns minutos em páginas nerds para encontrar imagens como a abaixo em meio a comentários efusivos de que “essa é a melhor época para estar vivo.”

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Reparem que entre as listas dos “celebrados” estão até continuações de franquias zumbificadas (Piratas do Caribe) e de filmes malhados pela crítica (Alice no País das Maravilhas).

Em outras épocas, isso seria motivo de risada. Hoje, aplaudimos de pé. O que, afinal de contas, aconteceu?

Para responder a essa pergunta, é preciso voltar no tempo.

A história das sequels

Ao contrário do que dizem os puristas de plantão, não há nada de novo nas mal-faladas “modinhas”.  Ryan Lambie encontra o “pecado” já na obra de  George Mèlies, um dos primeiros cineastas. Seu Viagem ao Impossível nada mais seria do que uma tentativa de capitalizar em cima de seu filme mais conhecido, Viagem à Lua.

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Dada a semelhança do cenário, é difícil negar

Conforme o cinema ganhou força – e os públicos aumentaram – a prática se tornou comum. Fundamental neste processo foi James Bond, uma das primeiras grandes franquias cinematográficas. Quando os livros de Ian Fleming acabaram, os produtores precisaram encontrar uma solução para sustentar o herói. A solução foram filmes sem uma cronologia específica, ambientados em um mesmo universo, com temas parecidos e um protagonista em comum. Desta forma, 007 foi também o pai improvável dos fillers do anime.

godfather-part-2-movie-poster-1974-1010464987A “era das sequels”, no entanto, não começou até os anos 1970. A década popularizou o hábito – que nos persegue até hoje – de empregar números nos títulos dos filmes.

A moda se espalhou depois do lançamento de O Poderoso Chefão 2, não apenas um lançamento de peso, mas uma das poucas sequências (até os dias de hoje) a ter se igualado ao original em qualidade.

Porém, nem todos são o Coppola, e a popularidade de O Poderoso Chefão trouxe mais lixo do que luxo. E não falo apenas de O Poderoso Chefão 3, mas daquilo que alguns críticos apelidaram de “sequels lixão”: tentativas despudoradas de “secar” uma franquia até que todo o glamour tenha sido monetizado.

A crítica de De Volta para o Futuro a Tubarão se encaixa aqui. Tubarão 4 foi um dos grandes exemplos de sequel-lixão, mas nem de longe o único: Superman 4 e Karate Kid 4 (que substituiu Daniel-san por uma ainda desconhecida Hillary Swank) competem no pódio.

karate-kid-poster

E não vamos nem tocar nesse assunto

No entanto, o fundo do poço ainda estava para chegar. Ele viria com o formato direct-to-video, a criação de filmes de baixo orçamento feitos especificamente para o VHS – e, depois, o DVD. A ideia parecia maluca a princípio, mas passou na prova dos nove em 1994 com O Retorno de Jafar, sequel de Aladdin.

O filme foi tão “barato” que chegou a contratar outros dubladores e compositores. Todavia, ele faturou US$ 7 milhões no primeiro mês de venda, uma fortuna para os padrões dos anos 1990. O resultado foi uma verdadeira tradição de sequels obscuras dos maiores clássicos da Disney.

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Já que estamos falando de fundos de poço, há aqui uma menção honrosa: filmes “forçados” a virar sequels de outros com os quais não têm nada a ver. O mercado de cinema é super competitivo, e muitas vezes estúdios compram roteiros muito parecidos. Para capitalizar com a bilheteria dos filmes de maior sucesso, mais de uma vez o título das obras foi mudado para dar a impressão de que se tratava de um spin-off.

sequel name only

Não seria isso tudo indício de que não há nada de novo sobre o sol? Que os críticos das sequels, militando por um passado perfeito em que Hollywood só tinha ideias originais, estão falando de uma época que nunca existiu? Em parte. Há, no entanto, uma diferença gritante.

As sequels nunca antes fizeram tanto dinheiro.

A vitória da repetição

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Se antes sequels eram quase sempre relegadas a mercados de nicho, elas se tornaram as vacas leiteiras da indústria contemporânea. Jurassic World é o terceiro filme mais visto da história. Velozes e Furiosos 7 está na 5ª posição, Vingadores 2 na 6ª, e a sequel-da-sequel Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte II em 7º.

E isso sem contar O Despertar da Força, cujos números ainda não foram computados, mas que tem potencial para se tornar o filme mais visto da história.

Não se trata apenas de apelo com o público. Os críticos, também, passaram a amar o que antes odiavam. O ranking das sequels no Rotten Tomatoes fala por si só:

sequels sucesso

O que teria provocado a mudança? Algumas razões são óbvias. Estúdios se tornaram muito mais protetores com suas propriedades intelectuais e menos dispostos a estragar franquias com sequels-lixão. O sucesso de O Senhor dos Anéis e Harry Potter – incluindo a avalanche de Oscars para O Retorno do Rei – mostrou que sequels entregam no grande circuíto. Com o universo cinemático da Marvel, a habilidade de cineastas de lidar com histórias paralelas cresceu. Em suma, as sequels simplesmente ficaram melhores.

Mesmo assim, acredito que haja uma outra razão, muito mais profunda. E que diz respeito não apenas à qualidade dos filmes, mas a nós mesmos como pessoas.

O medo do novo

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Em um texto intitulado As Sequels e a Morte da Novidade, o comentarista de games Shamus Young fez uma crítica pesada às sequências no mundo dos jogos. Para ele, a dependência em continuações acabou com a magia da descoberta.

O exemplo que dá é o de Fallout. No primeiro game, o jogador, encarnando uma personagem que viveu a vida toda sob a terra, precisa desbravar um mundo desconhecido. Do tutorial até os créditos finais, tudo o que via era novo, maravilhoso, amedrontador.

Uma sociedade em que tampinhas de refrigerante se tornaram moeda de troca. Uma seita semi-religiosa que luta para proteger a tecnologia perdida no apocalipse. Escorpiões gigantes, modificados pela radiação das bombas nucleares. Uma criatura poderosíssima e misteriosa chamada Deathclaw.

Porém, após mais de 5 sequels, o que antes era um mundo paralelo tornou-se um playground. Os elementos icônicos viraram presença garantida, de maneira que um jogador veterano já sabe o que vai encontrar antes mesmo de ligar o monitor.

A descoberta se tornou uma lista de compras, em que “ticamos” os itens na hora em que aparecem. No caso de Fallout 4, nem é preciso esperar muito: tudo o que há de clássico na série é introduzido na missão inicial.

Young falava de jogos, mas o mesmo vale para o cinema. Sob a bandeira da “nostalgia” ou do “respeito aos clássicos”, as sequels de hoje em dia oferecem meras “lista de compras” indicando os momentos em que devemos dar gritinhos de alegria no cinema.

(aqueles que não assistiram a’O Despertar da Força e que não querem SPOILERS, pulem para a próxima seção.)

O Despertar da Força é uma verdadeira lição desse cinema “lista de compras”. Luke, Leia e Han? Conferem. Planeta deserto? Confere. Estrela da Morte? Confere. Base Rebelde em planeta tropical? Confere. CP30 e R2 D2? Confere. Tie Fighters e X-Wings? Conferem Almirante Ackbar? Confere.  Sullustano genérico de O Retorno de Jedi? Confere. Tal como Fallout 4, o filme não entrega nada que já não tenha sido feito em outro lugar – e melhor, dirão alguns.

O fato é que o filme – e tantos outros que seguem a mesma fórmula – são um sucesso absoluto. Fãs internet afora o defendem dizendo que a “lista de compras” é o exato motivo que os leva a assistir Star Wars. Cada revelação da película levou os espectadores à polvorosa nos cinemas. Críticos o amaram. E a Disney, já antecipando o sucesso, disse que pretende manter o trem do saudosismo para todo o sempre. É isso mesmo. Star Wars será a “franquia eterna”.

Não se trata apenas do “mais do mesmo”. Pelo contrário, há uma vontade disseminada de que as coisas parem de mudar.

O presente que nunca acaba

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Se digo que vejo um motivo escondido por trás disso, é porque historiadores já notaram a mesma coisa em outros contextos: Nossa época, mais do que qualquer outra, tem um enorme medo da mudança.

Para esses estudiosos, tudo começou por volta dos anos 1980. Com o progresso tecnológico e todas as reviravoltas do final do século XX, ganhou força a impressão de que vivíamos em tempos de incerteza.

O mundo mudava tão rápido que se tornou impossível de acompanhar. Um país poderoso podia tombar em uma crise da noite para o dia. Uma moeda podia perder todo o seu valor. Nossa profissão podia deixar de existir antes mesmo de terminarmos a faculdade, substituída por outra que ainda não fora inventada. Uma nova tecnologia podia mudar a forma como nos relacionamos, levar uma indústria inteira à falência ou extingir veículos inteiros de comunicação.

2001 fecha

manchete crise mídia

O resultado foi a sensação de que não temos mais controle sobre nossas próprias vidas. Que o mundo se tornou tão incerto, complexo e imprevisível que fatos aleatórios podem alterar completamente nosso rumo. A ideia de que indivíduos podem mudar uma sociedade inteira perdeu força. O efeito borboleta tornou-se a palavra da vez

Tudo isso, obviamente, trouxe angústia. Como disse certa vez Roger Ebert, é humilhante saber que a existência não gira ao redor do nosso umbigo. Pior ainda é descobrir que ela não gira em volta de nada. Que estamos todos à mercê do acaso, da “conjuntura global”, de um zilhão de fenômenos que não entendemos, mas que podem mudar tudo à nossa volta em um piscar de olhos.

fukuyamaPara alguns historiadores, isso deu origem ao “presentismo”. Trata-se da fé de que agora a mudança acabou, que chegamos finalmente no fim da história, que nossa civilização é a última e que descobrimos a grande verdade. Por consequência, a fé de que por mais que as coisas mudem daqui para a frente, elas sempre continuarão as mesmas.

No presentismo, não há “futuro”, há apenas variações do presente. Nossa infância é A Infância, que continuará sempre a mesma porque ensinaremos nossos filhos a ser como nós. Os Anos Noventa nunca acabarão, pois nós continuaremos assistindo às mesmas coisas, já que temos o poder de repeti-las para sempre.  Ao decretar que nós “não viveremos para ver o fim de Star Wars”, a nova diretora da Lucasfilm não disse apenas que vai preservar a franquia: ela prometeu controlar o futuro.

No presentismo, também não existe “passado”, apenas “presentes” imperfeitos. Existem os valores certos, que são os nossos, e os errados, que são os “ultrapassados”. Nós vencemos porque estamos do “lado certo da história”; os outros perderam – ou precisam perder – porque se recusam a “evoluir”.

Não existem problemas contemporâneos: tudo o que há de ruim na face da Terra são “resquícios” de um passado horroroso que custa a morrer. “Os tempos mudaram” diz o presentista, “Se não gostou, volte para o passado.” A idéia de que pontos de vista diferentes podem habitar uma mesma época não é mais levada em conta.

No mundo do entretenimento, o saldo são visões de um futuro que nada mais fazem do que “celebrar” um presente saudoso. Ou então visões da história que “modernizam” o passado, ou que enviam até ele um herói contemporâneo, para que ele nos mostre quão horrível era a vida antes do “presente” acontecer.

Daí também o hábito, que já pega força entre os críticos brasileiros, de usar “atual” e “contemporâneo” como elogios. Refletir o “nosso tempo” nunca rendeu tantas estrelinhas nos guias de cinema.

E quando o “presente” acabar?

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Steven Spielberg recentemente causou polêmica ao dizer que os filmes de super heróis estão com os dias contados. Nenhum ciclo criativo dura para sempre, ele disse, por mais que queiramos acreditar no contrário. O cinema western um dia dominou Hollywood inteira, mas hoje é um gênero de nicho. Para o diretor de E.T., é quase certo que o mesmo aconteça com o Capitão América e os X-Men.

Spielberg não deu um exemplo qualquer. O western não se tornou o gênero dominante só por causa do talento de John Ford ou da popularidade de John Wayne. O cinema de faroeste encarnava valores de sua época – o individualismo do cowboy, a selvageria da fronteira, o perigo dos índios – que pararam de ressonar com o público.

Erra quem pensa que o nosso cinema é mais “neutro” do que os clássicos dos anos 1950. A diferença é que ele carrega valores com os quais (pelo menos por enquanto) nós concordamos.

O problema é que, tal como tempo dos cowboys, o nosso também vai acabar. E O Despertar da Força, hoje queridinho da crítica, público e ideólogos de Facebook, soará tão “errado” quanto Rastros de Ódio.

Quando isso acontecer, é bom torcermos para que o futuro seja mais tolerante com a gente do que nós somos com aqueles que nos precederam. Afinal de contas, como nos ensinou um certo filme, “nós podemos romper com o passado, mas o passado nunca rompe conosco.”

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A cultura geek está em decadência? https://www.finisgeekis.com/2015/11/03/a-cultura-geek-esta-em-decadencia/ https://www.finisgeekis.com/2015/11/03/a-cultura-geek-esta-em-decadencia/#comments Tue, 03 Nov 2015 16:24:57 +0000 http://finisgeekis.com/?p=820

Eu geralmente prefiro falar de coisas agradáveis. Há muito de positivo no mundo nerd para perdermos a cabeça com os problemas. Na semana passada, no entanto, terminei minha coluna com uma reflexão um pouco angustiada. Para resumir, disse que estou apreensivo sobre o futuro da série Star Wars agora que sua máquina de hype na Disney começou a funcionar a todo vapor.

Como eu mesmo citei brevemente, não é de hoje que nerds desconfiam de grandes corporações do entretenimento. Basta olhar para a EA, campeã de reclamações de gamers, que foi votada pior companhia dos EUA diversas vezes. Com sua entrada no mundo mainstream, a cultura geek começou a depender de coisas que antes não precisava, ou ao menos não na mesma escala. Produtores, orçamentos bilionários, interesses externos. Há quem acredite que ter assinado esse contrato, para usar o corporativês, foi uma decisão ruim.

Para o leigo, farpas como essa são mero fanboyismo, coisa de quem tem problema de menos e tempo de sobra. Contudo, para além das picuinhas, há muito de estranho no atual mundo do entretenimento que já assustou até mesmo insiders. De medidas anti-pirataria com terríveis efeitos colaterais aos reboots pragmáticos feitos para que franquias não caiam nas mãos de rivais, existem motivos para pensar que os tomadores de decisão da grande mídia nerd não tem o bem da subcultura em seus melhores interesses.

Terra queimada

A Marvel, recém-comprada pela Disney, deu um dos piores exemplo dessa mentalidade. Para evitar que os filmes da Fox ganhassem ibope, a ordem foi de jogar os X-Men para debaixo do tapete e promover selos até então obscuros como os Guardiões da Galáxia e os Inumanos. Ninguém precisa da Feiticeira Escarlate quando é possível acabar com mutantes apenas com executivos.

No mundo dos games, esse tipo de queixa tem uma tradição mais velha do que andar para trás, e não é difícil entender por quê. A vontade de capitalizar em cima de modinhas trouxe algumas das práticas mais abusadas dos últimos tempos: Day 1 DLC (algumas vezes, com ads dentro do próprio jogo), microtransações, internet obrigatória, mods pagos e DRMs paranoicos.

Isso sem contar a refabricação completa de alguns gêneros para se tornarem convidativos a um público mais amplo.  Vide, por exemplo, a metamorfose de regras baseadas em D&D por ação em tempo real no estilo MMORPG que tomou RPGs ocidentais de assalto na década passada. Uma mudança tão profunda, diga-se de passagem, que saiu dos monitores direto para os livros de D&D e fez com que conceitos como tanque, suporte  e DPS invadissem (com nomes parecidos) o Livro do Jogador da 4ª Edição.

De um ponto de vista comercial, é difícil dizer que essas medidas não cumpriram seu objetivo. Desapontar fãs de nicho para conquistar o público mainstream é um sacrifício mais do que aceitável. Mais: isto pode ser necessário para que a franquia sobreviva. Fanbases só existem enquanto tiverem fãs. Se o meio em questão estiver perdendo popularidade, a mudança é a única forma de impedir que desapareça.

Para o fã de carteirinha, obviamente, isso interessa pouco. Apelar para todo mundo (algo que fica implícito com os dizeres de que “somos todos geeks”) traz o risco de nivelar as coisas por baixo e acabar com aquilo que faz de algumas obras especiais. FPSs sempre venderão mais do que RPGs isométricos, e sucessos da Shounen Jump sempre terão mais ibope do que mangás autorais. Se uma escolha tiver de ser feita, os últimos sempre serão cortados. Prova: a geração inteira de veteranos dos games que saiu da grande indústria para ressuscitar gêneros considerados mortos.

Porém, tudo isso ainda diz respeito a perdas concretas. Há ainda um outro nível de angústia, mais difícil de enxergar. Ele diz respeito à própria natureza das fanbases.

A convergência de públicos

Na semana passada, eu mencionei que vivemos em uma cultura de convergência. A ideia foi desenvolvida com a mente no mundo das fanbases e nas maneiras (muitas vezes novas) que fãs e produtores encontraram para se relacionar.

Em uma casca de noz, o fenômeno diz respeito a uma nova geração de consumidores ativos, que não espera que seu entretenimento lhe seja entregue nas mãos, mas que vai atrás daquilo que gosta, independente de onde esteja. Ele diz respeito a uma também nova geração de produtores que, de olho nesse mercado, investem em franquias multimídia, exploram canais distintos e cooperam com outros produtores em níveis diferentes, do gigante das action figures ao vlogueiro de YouTube.

Enquanto estivermos falando de multiversos cinemáticos, spin-offs em quadrinhos, webseries de fãs e serviços como o Crunchyroll, tudo ótimo. O problema é que há um medo de que a convergência de conteúdo leve para uma convergência de audiência. Ou seja, que ao espalhar uma franquia sobre várias mídias, com vários públicos diferentes, acabe-se produzindo um público homogêneo. Para o fã de nicho, a preocupação é a mesma: produtores irão investir no que é mais “traduzível” a outras audiências, e não no que é bom ou original.

Opositores dizem que isso não passa de elitismo, da vontade de certos fãs de formar um clubinho e se acharem superiores aos demais. Eles dirão que ser “bom” é relativo, e que as franquias “das antigas” são tão ruins ou piores que as novidades que tanto criticam.

É inegável que em toda fanbase há esse tipo de mentalidade, e que todos nós (sem exceção) sofremos de nostalgia pelas coisas que curtimos na juventude. No entanto, eu acredito que as coisas não sejam tão simples assim. Mesmo entre os geeks, há uma diferença na forma como interagimos com nossos hobbies. E ela diz respeito a uma ideia bem comum, mas muito polêmica.

A diferença entre “hardcore” e “casuais”

Eu sei, essas palavras já foram abusadas tanto que muitos têm até medo em empregá-las. Felizmente, há um jeito de contornar as flamewars. Um grupo de estudiosos especialistas em fanbase se debruçou sobre os vários tipos de fã e lhe deram nomes menos controversos.

De um lado, há aqueles que praticam o hanging out. Eles vêem o entretenimento como um meio para se divertir e se relacionar com outros. As atividades que praticam – assistir séries, ir a convenções, fazer cosplay – são importantes na medida em que permitem que socializem com outros e abram assunto para conversa. Do outro lado, há os que fazem geeking out. Eles têm nos seus hobbies um fim em si, uma prática com a qual se identificam e ao redor da qual criam uma comunidade. Se você já se pegou pensando em Sailor Moon, Star Wars, Metal Gear ou sua banda favorita e sentiu que você faz parte daquilo de alguma forma, essa é a marca do “hardcore”.

“Casuais” praticam o hanging out, o sair com amigos, enturmar-se e se divertir. Eles não se incomodam com modinhas e não devem satisfação a ninguém. Enquando uma atividade estiver cumprindo seu papel, está valendo.

 “Hardcore”, por outro lado, fazem geeking out, um entretenimento todo voltado para seus hobbies, seja passando meses construindo um prop de cosplay, tirando religiosamente o domingo para jogar bola com o time ou virando a noite preparando a campanha que mestrará para os colegas.

O problema é que quem busca um hobby apenas para relaxar pode muito bem escolher outro. Se toda uma indústria se voltar a esse público e ignorar os bravos fãs que vivem e respiram suas franquias, o resultado serão produções vazias, feitas para chamar a atenção e apelar para o que há de mais chamativo no momento. Se ninguém olhará por tempo suficiente para perceber a qualidade, para que fazer coisas que prestem?

Uma guerra civil?

fanboy wars

Quer dizer, então, que não há solução? Estarão os fãs “hardcore” em uma cruzada contra os “casuais”? Estariam os criadores forçados a escolher entre fazer uma produção viável ou depender de um nicho que pode um belo dia desaparecer?

Felizmente, não é bem por aí. Aqueles que estudam fãs e seus hábitos chegaram à conclusão que o problema (para a nossa surpresa!) não são os outros. Mais do que isso: “hardcore” e “casual” não excluem um ao outro. É possível ser “hardcore” sobre um hobby e “casual” sobre outro, ou “casualmente” curtir algo que levamos a sério – um fã de Civilization jogando Dance Dance Revolution com os amigos no fim de semana.

As farpas geralmente aparecem quando uma coisa entra no caminho da outra. Quando games bloqueiam mods para enfiar um novo modo multiplayer. Quando produtoras cedem a pressões externas porque não querem a dor de cabeça de enfrentar a mídia frente a frente. Quando livros, filmes, ou quadrinhos clássicos saem de circulação e deixam de ser editados, ou quando são substituídos por revisões mais recentes. Quando mecânicas populares são forçadas dentro de jogos que não têm nada a ver com elas. Quando executivos mandam as pessoas pastarem por se oporem às suas ideias absurdas.

Nos anos 2000, quando criou o termo “cultura de convergência”, Henry Jenkins disse que havia um “cabo de guerra” entre fãs e produtores de conteúdo. Na década passada, os fãs pareciam estar ganhado. Hoje, os produtores parecem ter levado a melhor.

Esse problema não é insolúvel, mas resolvê-lo – e evitar que ele nos divida – será o grande desafio da próxima década.

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‘Star Wars’, o universo expandido e o futuro do mundo nerd https://www.finisgeekis.com/2015/10/26/star-wars-o-universo-expandido-e-o-futuro-do-mundo-nerd/ https://www.finisgeekis.com/2015/10/26/star-wars-o-universo-expandido-e-o-futuro-do-mundo-nerd/#comments Mon, 26 Oct 2015 20:37:35 +0000 http://finisgeekis.com/?p=794 Lançamentos são mágicos. Em especial os de uma das franquias mais amadas de todos os tempos, como é o caso de Star Wars. Eles transformam o maior dos rabugentos em um fanboy de carteirinha e nos fazem enxergar o lado bom das coisas.

Não posso dizer que o Despertar da Força não tenha me provocado um efeito similar. Entretanto, agora que os rumores já deram lugar aos trailers e já estamos todos lutando por espaço na pré-estreia, não consigo deixar de pensar em algo que causou certo frisson ano passado.

O que será do universo de Star Wars, que certos fãs levaram anos a compreender, agora que sua linha do tempo foi “zerada” e sua galáxia se torno um quadro em branco?

Uma nova esperança

Para quem não se lembra, eis o resumo da ópera: após comprar a Lucasfilm, a Disney anunciou que o universo expandido de Star Wars seria considerado não-canônico – isto é, não mais faria parte da continuidade ou lore oficiais. Suas obras existentes seriam mantidas sob o selo Star Wars Legendsmas ele estaria, para todos os fins, abandonado.

Mais importante, todas as novas produções feitas à propriedade intelectual daqui para frente seriam consideradas canônicas.  Se antigamente os filmes de George Lucas ocupavam um patamar mais alto na hierarquia de “verdade” da franquia, agora filmes, spin-offs e standalones estarão no mesmo patamar. Para todos os fins, a Disney parece querer transformar Star Wars em um multiverso cinemático, da maneira como fez com a Marvel e tantas outras propriedades intelectuais.

Talvez levemos algum tempo para entender toda a dimensão da mudança, mas alguns efeitos podem ser vistos desde já. A LucasArts foi fechada, e a ordem do dia foi produzir menos games, de melhor qualidade. Para a EA, incumbida das honras, isso quis dizer um reboot de Star Wars: Battlefront.

Uma nova série, Star Wars: Anthology, pretende lançar longas standalones nos intervalos dos filmes “titulares” da série. Em outras palavras, poderemos esperar um novo Star Wars a cada ano, um ritmo para todos os fins alucinante. E, segundo Pablo Hidalgo, membro da Lucasfilm e editor da Complete Star Wars Encyclopedia, as decisões criativas tornaram-se muito mais “horizontais”, sem a obrigatória deferência ao mestre Lucas.

Para marcar a mudança, veteranos do império de Lucas e novos nomes se juntaram para um vídeo de despedida, em que expunham seu amor pelo universo expandido:

Mudá-lo para salvá-lo

Se essa novidade é boa ou ruim é uma discussão ferrenha, como não podia deixar de ser a uma franquia lendária de mais de 30 anos. Eu mesmo, quando do anúncio da compra pela Disney, disse que tirar Star Wars das mãos de George Lucas era a melhor coisa que poderiam fazer à propriedade (embora não estivesse pensando exatamente nisso).

Eu não fui o único a brindar a mudança. Lee Hutchinson do Ars Technica disse que o universo expandido era um câncer, uma massa embolorada que crescia para todos os lados, repleta de “atrocidades literárias ilegíveis”. Achar trabalhos que prestem na massa de produções de qualidade duvidosa seria equivalente a encontrar as joias da Coroa em um mercado de pulgas.

Se Lucas tivesse vendido a marca para a BBC, isso não seria um problema

Se Lucas tivesse vendido a marca para a BBC, isso não seria um problema

Há, obviamente, muito no universo expandido que marcou época. Shadows of the Empire e a trilogia Thrawn, os quadrinhos Tales of the Jedi Legacy, os games X-Wing, Dark Forces/Jedi Knight e Knights of the Old Republic. No entanto, é difícil negar que a maior parte de suas obras não traz nenhuma honra ao logo na capa.

Kathleen Kennedy, presidente da Lucasfilm, tem um argumento mais pragmático: os cineastas precisarão estar livres para criar, e não presos a dezenas de milhares de obras obscuras e por vezes contraditórias. Se fôssemos esperar que cada diretor decorasse a Wookiepedia e produzisse um longa inédito respeitando o cânone, nunca mais teríamos filmes de Star Wars.

Há quem diga que essa complexidade também afasta novos públicos, preocupação que a Disney mostrou ser seu objetivo número 1. Sob sua batuta, o não menos confuso, contraditório e artisticamente inconsistente universo Marvel se tornou uma potência capaz de duelar (e vencer) qualquer líder de bilheteria. Star Wars com certeza irá além. Ao menos um analista já disse esperar que O Despertar da Força se torne o filme mais visto da história, superando o recorde de Avatar.

Que a Corpore tenha até organizado uma corrida inspirada na série não é mera coincidência. A profecia de Bill Gate se cumpriu: os nerds dominam o mundo, e sua subcultura deixou de ser “sub” para virar o mainstream. Ratos de porão, paperbacks amarelados e jogos truncados de PS1 são coisa do passado.

Mesmo assim, tal como Han Solo, por algum motivo tenho um pressentimento ruim sobre isso.

O charme do caótico

Há algo de especial na “massa embolorada” do universo expandido, em sua qualidade de fanfic e na sua falta de coesão. E não falo das coisas boas que nos foram deixadas. Não há dúvidas de que a Disney se aproveitará do melhor. As especulações sobre o roteiro do Episódio VII estão recheadas de alusões ao universo expandido. De minha parte, basta olhar para Kylo Ren para ver que os artistas conceituais andaram jogando KotOR:

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Antes, o diferencial do universo expandido estava na maneira como era feito, desprovido de centro. Sua “confusão” era fruto de cabeças diferentes colocando no papel visões muito próprias (e conflitantes). Algumas até viravam a franquia de ponta-cabeça, substituindo o binarismo Jedi/Sith por uma reflexão moral de peso, ou explorando um passado realmente muito distante.

Não é de se espantar que a produção tenha sido comparada às fanfics: muitos dos profissionais do império de Lucas – incluindo os compiladores da Complete Encyclopedia – começaram a carreira como fãs.

Um dos casos mais emblemáticos é o de Chad Vader, uma esquete de YouTube protagonizada por um “primo pobre” de Darth Vader que tenta se tornar gerente de um supermercado no Wisconsin. A série faturou o Official Star Wars Fan Film Award em 2007. Não fosse o bastante, George Lucas ficou tão impressionado com a performance de seu criador que ele se tornou dublador “oficial” de Vader no game Star Wars: The Force Unleashed.

Convergência ou divergência?

O cientista da comunicação Henry Jenkins chamou o momento em que vivemos de uma cultura da convergência. Ela seria composta por uma nova geração de consumidores participativos, dispostos a buscar e misturar conteúdo oferecidos em vários meios, e de provedores de conteúdo ansiosos por cativar esse público. Há uma vontade crescente dos fãs de “entrarem” nas franquias que amam e se tornarem, eles também, criadores, e uma apreensão das corporações de perderem o controle sobre suas propriedades intelectuais.

fans bloggers gamersJenkins sem dúvida via a cultura da convergência em Star Wars, tanto é que colocou um cosplayer de stormtrooper na capa de um de seus livros. No entanto,  estaria a convergência com os dias contados?

Antes de tudo, quero dizer que não me identifico com o anti-corporativismo do mundo nerd. Prefiro ser chamado de “drone da EA” a me associar ao tipo de “fã” que faz review-bombing de jogos ou assedia representantes comerciais. E é sempre bom lembrar que a Disney está longe de ser hostil a seu público. Prova: já contrataram o próprio Henry Jenkins como consultor em uma de suas divisões.

Nada é para sempre

O problema é que, historiador que sou, não consigo deixar de pensar que as coisas sempre mudam. E não apenas as roupas que vestimos ou os aparelhos que usamos para escrever, mas também valores, ideias, preferências, identidades. O motivo de orgulho de um sujeito, vinte anos depois, será sua fonte de vergonha. O que nos comove na juventude nos entedia na vida adulta. A grande causa de uma geração é a picuinha da seguinte. Como disse Jolee Bindo, personagem do game Star Wars: KotOR, não pense que a sua guerra é a mais importante só porque você está nela.

Assim, pergunto-me o que será desse “mundo dos nerds” quando a novidade acabar. Quando as mil e uma lojas com “geek” no nome falirem e as empresas pararem de pagar funcionários de cosplay para vender serviços em convenções. Quando os desvairios políticos do momento forem varridos por novas cruzadas,  a nostalgia dos anos 1990 for substituída pela nostalgia dos anos 2010 e os estúdios engavetarem filmes de super herois tal como uma vez já engavetaram os faroestes do John Ford.

Os nerds vão sobreviver. O passado mostrou que eles são uma espécie resistente, adaptava a viver em nichos isolados. É por isso que olhamos para Forry Ackerman e Tove Jansson e vemos paixões em comum, muito embora eles fizessem suas  ‘nerdices’ quando os criadores da subcultura ainda usavam fraldas.

Já o futuro da grande mídia quando o público mainstream migrar para outras paragens é mais incerto. Algumas obras sempre se salvam. Outras, talvez, serão reinventadas décadas depois, como o foram Mad Max e Caça-Fantasmas. No entanto, como as pilhas de VHS mofados em mercados de pulga provam,  a maioria sempre desaparece.

Aqui jaz Ozymandias, rei dos reis...

Aqui jaz Ozymandias, rei dos reis…

A Disney sempre respeitou a sua história, mas é mais fácil respeitar Fantasia do que Infinity War: Parte 2, ou seja lá qual sequel-da-sequel estaremos assistindo daqui há alguns anos.

Sem o dinamismo desse “câncer” de fãs-criadores e seus trabalhos que parecem fanfic, estamos reféns de produtores que vêem no legado de Lucas o ganso dos ovos de ouro – e  que podem, como na fábula, um belo dia decidir por abatê-lo. Sem uma separação canônica entre os seis filmes do “mestre” e os spin-offs, um zumbificação da franquia causará um dano muito maior à imagem da marca. E, com filmes anuais, esta zumbificação já pode ser vista do horizonte.

Pode ser que dê tudo certo. Mas é bom lembrarmos que vivemos em um mundo em que corporações não estão acima de cancelarem gibis e cortarem personagens para que o dinheiro não caia em mãos erradas, nem de sentarem em cima de direitos de exibição, fazendo reboots meia-boca a cada 5 anos para que outros estúdios não lucrem com aquilo.

O mundo corporativo não foi criado ontem, e esses problemas sempre estiveram aí. A diferença é que, com a explosão da onda nerd, nossos hobbies da juventude viraram o cabo-de-guerra da vez. No virar do milênio, experimentamos o lado bom de se tornar popular e “trendy”. Agora começamos a engolir a parte amarga.

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O fanatismo e o lado negro da Força https://www.finisgeekis.com/2015/03/02/o-fanatismo-e-o-lado-negro-da-forca/ https://www.finisgeekis.com/2015/03/02/o-fanatismo-e-o-lado-negro-da-forca/#respond Mon, 02 Mar 2015 12:42:28 +0000 http://finisgeekis.com/?p=66 O pior do fanatismo não é ele existir, e sim nós sabermos que não irá embora. Cada episódio é um choque que nos informa que não será o último. Para mim, poucas coisas causam mais dor do que ver a própria memória destruída. O recente vídeo do ataque do Estado Islâmico contra os tesouros assírios foi um exemplo mais divulgado, mas nem de longe o único. Em 2012, fundamentalistas destruíram monumentos da lendária cidade de Timbuktu, no Mali.  Na Irlanda, a tragédia foi ainda pior: em 1922, um arquivo foi usado de depósito de munição pelo IRA e explodiu durante um tiroteio. Séculos de manuscritos medievais foram perdidos em um único dia.

O desgosto da maioria das pessoas só não é mais forte do que a confusão que geralmente o segue. Atos de extremismo pertencem à categoria mais incômoda de tragédia: são grandes demais para o alcance das nossas ações individuais, mas próximos o suficiente para que nos sintamos culpados – ou irados, caso acreditemos que a responsabilidade é dos outros.  Pensar a respeito dificilmente nos leva a algum lugar. O que devemos fazer contra isso? O que podemos fazer? De quem é a culpa, de ideias ou de indivíduos? É possível culpar uma ideia? É desejável? Estas discussões soam estranhamente familiares, e me dei conta de que já as tinha encontrado antes – num videogame, por mais improvável que pudesse parecer. Trata-se do Star Wars: Knights of the Old Republic 2: The Sith Lords, saído da batuta de Chris Avellone, cujo currículo inclui Fallout: New Vegas e o celebrado Planescape: Torment. Aqueles familiares com o estilo sabem que Avellone tem o dom raro de falar de coisas sérias sem ser um chato, e KotOR 2 não é exceção.

Há muito tempo, numa galáxia distante….

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O jogo se passa na antiguidade da galáxia de Star Wars, 4000 mil anos antes dos acontecimentos do filme Uma Nova Esperança. É um cenário exótico, introduzido pela graphic novel Tales of the Jedi nos anos 1990, e que ganhou fama com Knights of the Old Republic, game do criador de Mass Effect, Casey Hudson.

A galáxia, regida pela República, é invadida pelos mandalorianos, o feroz povo de guerreiros do qual viria Jango e Bobba Fett. Indefesa diante da investida, os senadores se voltam a seus protetores ancestrais, o conselho Jedi. Para sua surpresa, a ordem se recusa a pegar em armas: precisam de tempo para “avaliar a ameaça”.

Se a carnificina não impressiona os mestres, o mesmo não é verdade dos cavaleiros e padawans. Dois jedi, Revan e Malak, desobedecem a ordem e lideram um grupo de rebeldes para salvar a República. Eles vencem a guerra, mas se convertem ao Lado Negro da Força e retornam para destruir a Ordem. O conflito deixa a galáxia em farrapos e os Jedi à beira da extinção.

É nesse cenário desolado que KotOR 2 se inicia. A protagonista é uma das Jedi que seguiram Revan e Malak. Ao contrário dos dois, ela se manteve leal à ordem e voltou para obter seu julgamento e punição: a expulsão da Ordem e o exílio da República. É com surpresa, portanto, que se vê de volta a um mundo de ponta cabeça: os Jedi parecem ter sumido, e caçadores de recompensa e guerreiros Sith rondam os sistemas em busca dos últimos sobreviventes. O que se segue é uma jornada pela verdade que logo mostra uma ambição maior: de quem, afinal, é a culpa pelas desgraças da República? Dos que fizeram de menos… ou dos que fizeram muito?

A exilada Jedi não precisa responder a questão sozinha. A equipe que reúne é um verdadeiro microcosmo do momento em que vive. Um ex-companheiro de campanha. Um assassino Sith vivendo em anonimato. A guarda costas da mestre Jedi que lhe expulsou da ordem.

O novo Mandalore, líder dos mandalorianos. Dois droides pertencentes à Revan. Um magnata do crime, preocupado com os efeitos da guerra em seus lucros. Em conversas com a equipe e suas andanças pela galáxia, o jogador logo percebe que a fé no “bem versus mal” pode agradar aos Jedi, mas para o povo comum significa pouca coisa.

Para os habitantes da galáxia, Jedi e Sith são apenas “diferenças religiosas”, que semeiam a violência com suas disputas. Quando o conflito em questão resulta num saldo de milhões de mortos em uma guerra intergaláctica, o consenso é claro: Se o maior mal da galáxia são justamente Jedi caídos, para quê sustentar a ordem que os produz?

O jogo de Avellone nos vende uma opinião incômoda: os culpados pelas atrocidades não são os indivíduos, os ‘divergentes’ ou extremistas. São, sim, as ideias que os alimentam, e as comunidades que as sustentam. Não importa que os Jedi sejam uma “ordem da paz”: se tantos entre seus quadros cedem à vilania é porque seus dogmas em si são falhos.

Os Jedi não pecaram por fazer pouco, mas, justamente, por fazer demais. Afinal, passe regras que não podem ser cumpridas ou entendidas e você terá uma nação de contraventores.  E, ao transformar a compaixão em crime, a Ordem Jedi condenou à vilania o único grupo que não tinha condições de perder: o das pessoas que se importam com os outros.

A Ordem Jedi é culpada porque não soube enxergar que o mundo à sua volta mudou, e que mudanças devem ser respondidas com flexibilidade. Seus mestres são culpados porque, de tão crentes em suas certezas, se esqueceram de que são falíveis como todas as outras pessoas.  Ao nos aventurarmos na galáxia desolada deste RPG, somos relembrados de uma lição dolorosa.

Ideias são perfeitas e vivem em seu próprio mundo, mas para serem postas em prática precisam de homens, e homens, além de imperfeitos, mudam. Entre o purismo e a tolerância há apenas uma escolha. Um caminho leva ao futuro, com todas as incertezas, recompensas e possíveis tragédias. O outro, aos cadáveres, monumentos destruídos e livros queimados. A Força é a mais alta das torres de marfim.

Bônus: para os fãs de Avellone ou aqueles que tenham se interessado pelo seu trabalho, seu novo jogo, Pillars of Eternity, sairá para PC esse ano. E Wasteland 2, que desenvolvou junto com outros peso-pesados da indústria, como Brian Fargo, está disponível no Steam. 

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