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Red Dead Redemption – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Sat, 02 Mar 2019 19:38:16 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Red Dead Redemption – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Saint Alamo”: uma parábola da violência https://www.finisgeekis.com/2017/10/23/saint-alamo-uma-parabola-da-violencia/ https://www.finisgeekis.com/2017/10/23/saint-alamo-uma-parabola-da-violencia/#comments Mon, 23 Oct 2017 20:22:48 +0000 http://finisgeekis.com/?p=19410 Se me perguntassem há alguns anos o que eu jamais resenharia, quadrinhos de faroeste estariam bem alto na lista.

O western, de verdade, nunca me atraiu. Foi preciso a visão de um Kurosawa e o carisma de um Toshiro Mifune para que eu começasse a respeitá-lo no cinema. E o empurrão da Rockstar para que eu o aceitasse no mundo dos games.

Saint Alamo, que conheci graças ao maior dos acasos, me provocou o mesmo efeito nos quadrinhos. Produzida artesanalmente pelos brasileiros Jonathan Nunes e Rafael Conte, a HQ é uma das grandes surpresas de 2017.

Balas não sentem culpa

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A história acompanha Raymond Castle, um xerife com esqueletos no armário que protege a cidade fictícia de Saint Alamo. Na juventude, Castle serviu na gangue de Silas Dutcherbach, um ladrão, psicopata e ex-confederado que trata seus capangas e seus inimigos com a mesma crueldade.

Sabemos que Castle escapou da vida de criminoso e também que a fuga lhe custou um olho. Sabemos, porém, que “Dutch” ainda está vivo, e que o destino, na Fronteira, é uma eterna roleta russa.  Quando seu irmão e ex-companheiro de gangue lhe paga uma visita, Castle precisa confrontar seu pior pesadelo.

A narrativa é entrecortada por flashbacks que nos apresentam a vida de Castle em seus anos de fora-da-lei. Se não digo que o enredo acerta as notas de Red Dead Redemption é porque não preciso: com um antagonista chamado “Dutch”, recuso-me a acreditar que a referência não seja proposital.

A grande novidade da obra é evidente logo de cara. Suas personagens não são humanas, mas animais antropomórficos, repetidamente baleados, explodidos e mutilados com um sadismo que arrepiaria até um diretor de filme slasher.

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É uma crueldade que pende às vezes a uma histeria moral, quase kitsch em seu exagero. Se isso afogaria outras histórias, no roteiro de Jonathan Nunes ganha espaço para brilhar.

Sua jornada é tão clássica, sincera e estrangeira (com direito a título e nomes próprios em inglês) que dá a volta pela paródia e chega ao nível de fábula.

Com cenas que já vimos inúmeras vezes em outros lugares, Nunes constrói uma parábola da violência, destilando décadas de tiroteio, anti-heróis solitários e gore visceral em oitenta e poucas páginas.

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Não é óbvio o que levou os artistas a desenhar suas personagens como animais. Por um lado, a decisão provoca um contraste horripilante com a violência da história. Sobretudo pelo fato de muitas delas serem referências a personagens infantis como Ligeirinho e Coragem, o Cão Covarde. (Um apêndice didático – e desnecessário – traz a lista de easter eggs ao final do volume).

Por outro lado, o traço de Rafael Conte é tão limpo e expressivo que nos impressionaria em qualquer estilo. É prova de sua habilidade que as capas alternativas, feitas por artistas convidados, não chegam aos pés da sua composição original.

A escolha do preto e branco valoriza o que Saint Alamo traz de melhor. Não apenas a cor acrescentaria pouco ao seu mundo sombrio, como sua ausência reforça o esmero de Conte com o character design.

O destaque vai para Raymond Castle e seu contorno anguloso, tão arisco quanto sua personalidade. Mais ainda para a raposa Rhonda, com linhas da pelagem que flutuam, tal como a personagem, entre o perigoso, o sexy e o trágico.

 

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Numa mídia em que proliferam cópias de mestres japoneses, americanos e franco-belgas, a HQ é um colírio. Saint Alamo deliberadamente imita o estrangeiro e entrega, ainda assim, um quadrinho que parece fresco.

Um novo Texas no Brasil?

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Pode parecer estranho ver em um quadrinho brasileiro uma referência tão americana quanto a Batalha do Álamo. Ou um elenco de personagens com nomes anglófonos, que parecem saídos de um spaghetti western.

O estranhamento é menor se lembrarmos que a HQ nasceu de dois gaúchos: o estado, sem sombra de dúvida, que mais encarnou a experiência da Fronteira no Brasil.

Mas insistir no ponto seria lhe dar uma importância que não merece. Saint Alamo tem menos de O Tempo e o Vento que da ficção hardboiled – e suas releituras modernas, das mãos de criadores como Tarantino ou Frank Miller.

Nunes e Conte não estão preocupados com a “gênese de um povo”. Suas personagens têm rostos de ursos, gatos e coelhos, mas são todas, no fundo, lobos solitários: em guerra com seus passados, seus demônios e consigo mesmas.

A Fronteira que nunca terminou

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O western já foi o gênero mais influente da cultura pop. Por décadas a fio, dominou as telas de cinema e fechou cerco até sobre a “alta cultura”. Então seu domínio caiu de maduro, tal qual um pistoleiro crivado de balas.

Sua violência foi considerada excessiva; sua mensagem civilizatória, problemática; seu mundo, claustrofobicamente masculino.  Seus heróis individualistas foram sufocados por uma turba de punhos erguidos e discursos coletivos.

Ao menos esse foi o julgamento da geração do Civil Rights Movement, que dos anos 1970 em diante não pouparam esforços para condenar John Ford, Sergio Leone e John Wayne à lixeira do passado.

Mas o veredito pode ter sido apressado – e a sentença, mal-executada. O faroeste tem se reinventado no cinema (Os Oito Odiados, O Regresso), videogames (Red Dead Redemption, Hard West) e mesmo em neo-westerns (Breaking Bad, Logan) que atualizam suas mensagens às sensibilidades modernas.

Pode bem ser que tenhamos algo a resgatar da Fronteira. Um antídoto, seja ao escapismo alucinógeno dos super-heróis, seja ao coletivismo histérico que tem fraturado (literalmente) países.

Saint Alamo é parte desse resgate, cujas próximas edições eu aguardarei ansioso, entre poças de sangue e o cheiro de cordite.

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3 jogos para entender a Primeira Guerra Mundial (antes de ‘Battlefield 1’) https://www.finisgeekis.com/2016/05/17/3-jogos-para-entender-a-primeira-guerra-mundial-antes-de-battlefield-1/ https://www.finisgeekis.com/2016/05/17/3-jogos-para-entender-a-primeira-guerra-mundial-antes-de-battlefield-1/#respond Tue, 17 May 2016 11:56:36 +0000 http://finisgeekis.com/?p=5293 No mundo dos games existem alguns mandamentos não-escritos. Até pouco tempo atrás, “Não ambientarás teu jogo na Primeira Guerra Mundial” estava no topo da lista.

De fato, se a Segunda Guerra Mundial é um dos períodos históricos mais abordados de todo o meio, a Primeira sempre mereceu notas de rodapé. Ou, no melhor das hipóteses, uma menção indireta em algum título grand strategy.

As razões já foram ditas e repetidas. Batalhas em trincheiras são paradas demais. Os motivos que levaram à guerra são complexos, e não há nenhum Hitler para nos servir de vilão óbvio.

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Até, claro, Battlefield 1. O novo hit da DICE , anunciado para outubro, promete finalmente tirar a “Guerra para Acabar com Todas as Guerras” do esquecimento.

Isso tudo é verdade, mas nem tanto. A despeito da falta de amor do mercado AAA, muitos desenvolvedores ao longo dos anos arregaçaram as mangas para criar jogos interessantíssimos sobre o primeiro grande conflito total.

Sem as algemas de orçamentos milionários ou a pressão midiática da E3, alguns estúdios  conseguiram produzir jogos que não só não ignoraram o que fez a Primeira Guerra tão peculiar, como tiveram sucesso justamente por isso.

Estejam vocês ansiosos por Battlefield 1, ou apenas animados em ver a Primeira Guerra finalmente conquistar os holofotes, abaixo vão três jogos (dos mais diferentes gêneros) para entender por que 1914-1918 foram os anos que inauguraram o mundo contemporâneo.

1) Verdun 1914-1918 

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De todos os games da lista, Verdun 1914-18 certamente é o que chega mais perto do que esperamos de Battlefield 1. Tal como o novo lançamento da DICE, o game é um FPS ambientado na Primeira Guerra.

Encarnando soldados alemães, franceses, americanos, ingleses ou canadenses, jogadores podem reviver algumas das batalhas mais sangrentas do Front Ocidental. Combates em trincheiras não são coisa fácil de se reproduzir em videogames, mas Verdun faz um ótimo trabalho em retratar a claustrofobia e carnificina da guerra de atrito.

verdun trench

Em seu principal modo de partida, Frontlines, os jogadores precisam defender suas posições e ganhar terreno sobre as linhas inimigas.

Em dados momentos, ordens de avanço são proferidas, e os soldados devem escalar suas trincheiras e investir contra seus inimigos. Se o ataque for mal sucedido, a debandada é soada, e os jogadores tem de correr de volta ao seu refúgio e defendê-lo a todo custo.

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O “pulo do gato” é que obedecer aos comandos não é uma alternativa. Recusar-se a recuar ou atacar as linhas inimigas pode fazer com que o jogador seja automaticamente executado por deserção.

O resultado é um jogo incrivelmente tenso, que captura com vigor o desespero de avançar contra balas de metralhadora, ou de escutar os assobios das bombas e saber que a trincheira onde estamos presos está prestes a ser obliterada.

Adicione a isso arame farpado, gás venenoso, poças de lama e ataques noturnos e temos um jogo que reproduz como poucos outros o estresse do front. Verdun pode dar nos nervos de quando em quando, mas nunca falha em nos deixar colados ao monitor.

verdun trench carnage

O game não possui uma campanha single-player nem um bot mode, mas isso não deve dissuadir fãs de Battlefield. Afinal, desde o original 1942 o carro chefe da franquia foi sempre as batalhas coletivas.

2) Valiant Hearts: The Great War

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Valiant Hearts é um adventure game com traço cartunesco que não tem nada de inocente. Por meio de quebra-cabeças e uma narrativa visual e minimalista, o jogo nos empurra para a brutalidade das trincheiras, a miséria dos civis e os milhões que perderam a vida entre 1914 e 1918.

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Produzido na França e lançado em 2014, exatos 100 anos após o início do conflito, ele  é o jogo “oficial” da Primeira Grande Guerra: foi lançado em parceria com a Mission Centenaire 14-18, uma iniciativa do governo francês para preservar a memória do conflito.

O game acompanha a vida de quatro pessoas unidas pelo embate. Karl, um alemão que vive na França, é forçado a retornar ao seu país natal e lutar contra a família que o acolheu. Seu sogro, Émile, é enviado à trincheira oposta. Anna é uma estudante belga que se torna enfermeira, e Freddie, um voluntário americano em busca de vingança.

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Valiant Hearts é um jogo militar tanto quanto O Túmulo dos Vagalumes é um filme de guerra. Dizer que é “pacifista” não é exatamente errado, mas não chega perto de sua proposta. Entre 1914 e 1918, não existiam vilões óbvios, e a produção da Ubisoft deixa claro que todos estavam à mercê de uma situação sobre a qual não tinham poder.

Como eu mesmo disse em uma das primeiras colunas do Finisgeekis, a intenção do game não é passar uma lição de moral, ou nos ensinar “a história” para que ela não se repita. É, tão e simplesmente,  celebrar a dor e o sacrifício daqueles que viveram – e morreram – nesse período tão sombrio.

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Como era de se esperar do selo Ubi Art (que também trouxe o excelente Child of Light), Valiant Hearts é acessível sem ser bocó e entrega tanto para veteranos de adventure games quanto para gamers mais casuais.

Que o jogo tenha tido a coragem de abordar um tema tão sério de maneira tão leve é uma façanha – e uma lição a ser estudada pela indústria.  Em um mercado infestado de referências batidas aos anos 1990 e ladainhas adolescentes de hipsters de 30 anos, Valiant Hearts nos emociona com uma história que chora por ser contada, e que prova acima de qualquer suspeita que há espaço para arte nos games.

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Quando falo em “emocionar”, não estou sendo leviano. O game tem um dos finais mais belos e depressivos da história da mídia e levou até críticos profissionais às lágrimas. Embarque com fé nesse trem de feels, mas não se esqueça da caixa de lenços.

 

3) Commander: The Great War

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Fidelidade histórica e dificuldade excruciante geralmente são coisas que atribuímos à Paradox. De fato, o estúdio que trouxe Europa Universalis não deixou a Grande Guerra batida. Victoria II permite que acompanhemos qualquer nação do globo entre 1836 e 1936. Já Darkest Hour: A Hearts of Iron Game é um mod de Hearts of Iron II que nos joga de cabeça no conflito de 1914.

Para quem já gabaritou os games do estúdio, ou apenas deseja buscar novos ares, pode experimentar Commander: The Great War. Trata-se, sem mais nem menos, do jogo definitivo para quem não tem medo de complexidade ou de telas de game over.

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Commander: The Great War é  wargame das antigas, com direito a um grid hexagonal, turnos longos e um visual retrô mimetizando um tabuleiro.

Não deixem a aparência datada intimidá-los. O jogo é um verdadeiro triunfo de gameplay balanceado e tem sucesso em um feito raro: suas mecânicas são incrivelmente fáceis de se aprender, mas estupidamente difíceis de se dominar.

Da poltrona dos generais, temos uma visão “aérea” do conflito, mobilizando regimentos e orientando a produção industrial. O sistema de batalhas é intuitivo e divertido. A árvore tecnológica é simples, e as poucas mecânicas de economia não chegam aos pés do hermetismo típico do grand strategy.

commander great war units

O diferencial, no entanto, é a escala das coisas. Se na maioria dos games controlamos países, Commander: The Great War nos obriga a assumir todas as facções mobilizadas.

Jogadores devem controlar a força de todas as ações da Tríplice Entente ou dos Poderes Centrais em todos os teatros de guerra. Escalar as trincheiras inimigas não é suficiente. É necessário ter olhos abertos para o Báltico, o Oriente Médio, os Balkans e os Estados Unidos. Tudo ao mesmo tempo.

Não importa quão experiente você seja: não espere uma blitzkrieg típica dos jogos Total War. Commander: The Great War deixa muito claro o que é uma guerra de atrito. Avanços são lentos, unidades causam poucos danos, vitórias táticas são efêmeras. Para triunfar, é preciso pensar no longo prazo – contra uma inteligência artificial demoníaca, mesmo na dificuldade mais piedosa.

O jogo é tão, mas tão realista que torna até difícil “desviar” da história. Se nos games da Paradox  é possível resistir aos mongóis, descobrir a América com os romanos ou transformar o Império do Brasil na grande potência do globo, em Commander: The Great War reescrever o final da guerra exige esforço monumental.

Não importa quanto nos esforcemos: o reino da Sérvia dificilmente resistirá à Áustria-Hungria. Os russos sempre sucumbirão ao bolchevismo. Os rebeldes árabes e suas armas pré-históricas funcionam como bucha de canhão contra os igualmente jurássicos otomanos, mas jamais resistirão a um exército avançado.

Isso pode ser bom ou ruim, dependendo do que o fã de estratégia tiver como prioridade. Só não espere terminar o jogo rápido, ou derrotá-lo de primeira. Se existisse um troféu “git gud” de sadismo em videogames, Commander: The Great War seria hors concours. 

Bônus: Bioshock Infinite e Red Dead Redemption

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Como quem a jogou sabe muito bem, a sequel da obra-prima de Ken Levine não é um game sobre a Primeira Guerra. No entanto, o jogo é uma das reflexões mais interessantes – e menos óbvias – do grande conflito de 100 anos atrás.

Bioshock: Infinite se passa em 1912, mas seu futurismo steampunk antecipa muito da tecnologia que se tornaria habitual entre 1914 e 1918. No jogo, a pistola nada mais é do que a Mauser C96, uma das armas mais famosas do exército alemão. O sniper é o Springfield 1903, fuzil padrão da infantaria americana em 1917. E o icônico Triple R é a Bergmann MP18, uma submetralhadora experimental usada pelos alemães no final da guerra.

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Fãs de FPSs contemporâneos poderão estranhar a tecnologia centenária que Battlefield 1 quer trazer à tona. Veteranos da saga de Booker de Witt, no entanto, sentir-se-ão em casa no game da DICE.

A maior referência do jogo, porém, não está em seus detalhes, mas em seus temas. Bioshock: Infinite nos leva a uma cidade fictícia que encarna às últimas consequências do extremismo político do início do século XX.

O mesmo extremismo que, com o assassinato do Arquiduque Ferdinando, levaria a uma espiral de destruição nunca antes vista na história. É, entre outras coisas, a época em que os EUA, então um país isolacionista, começava a mostrar as garras como futura potência mundial.

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Não é à toa que boa parte da iconografia da cidade voadora de Columbia é baseada diretamente em material contemporâneo à Grande Guerra. Inclusive um de seus mais famosos pôsteres de propaganda:

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Não é à toa, também, que Zachary Comstock, o líder da metrópole voadora de Columbia, fez sua carreira na Rebelião dos Boxers. Foi, não por acaso, uma das primeiras intervenções militares americanas em terras estrangeiras. Intervenções que, com os 14 Pontos de Woodrow Wilson e a Liga das Nações, se tornariam a nova regra.

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“Strange times we live in, partner. Strange times.”

Red Dead Redemption, o faroeste mundo-aberto da Rockstar, aborda essa mudança de forma ainda mais explícita. A trama se inicia em 1910 e nos leva até 1914, quando a guerra tinha acabado de ser declarada, e os americanos a encaravam ainda como um pequeno conflito que acabaria em algumas semanas.

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John Marston, nosso protagonista, não é um fora da lei no sentido de que é um criminoso (mesmo que já tenha participado de uma gangue), mas porque está “fora do sistema” em um mundo industrializado onde não mais tem espaço.

A transição de New Austin e México para West Elizabeth, no terceiro ato do jogo, é também a evolução dos Estados Unidos da fronteira e liberdade irrestrita ao Estado forte e militarizado da Prohibition, da linha de montagem e das guerras mundiais.

É simbólico que Marston comece sua jornada com o rifle Winchester, a arma que “conquistou o oeste”, e a termine a bordo de um carro blindado da Primeira Guerra, fuzilando inimigos com uma metralhadora Browning.

red dead redemption maxim gun

Talvez o mais interessante na Primeira Guerra não sejam nem os tanques, os ataques com baioneta ou os duelos aéreos do Barão Von Richthofen, mas essas  consequências mais sutis.

É verdade que a Segunda Guerra Mundial foi o conflito mais mortífero da história. E é também verdade que a Guerra Fria nos colocou no lugar em que estamos hoje.

Contudo, o conflito de 1914-1918 foi o chacoalhão que nos lançou ao mundo moderno, que enterrou os velhos impérios e inaugurou os novos países, que ditou que a industrialização, era o caminho, que as cidades ultrapassariam o campo e que a vida pacata de outrora, daqui para a frente,  só existiria na fantasia.

Que a “nova moda” da Primeira Guerra – se moda ela de fato se tornar – seja uma oportunidade para vermos não apenas Mark 1s e Fokkers, mas tudo isso com maior frequência.

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4 dicas para você perder o medo de jogos muito longos https://www.finisgeekis.com/2015/07/20/4-dicas-para-voce-perder-o-medo-de-jogos-muito-longos/ https://www.finisgeekis.com/2015/07/20/4-dicas-para-voce-perder-o-medo-de-jogos-muito-longos/#respond Mon, 20 Jul 2015 23:57:02 +0000 http://finisgeekis.com/?p=487 Todo mundo conhece a história.  O sujeito passou a infância ou a adolescência vidrado em games. Virava noites com Zelda, Final Fantasy ou Baldur’s Gate. Chegou a todos os finais dos Fallout 1 e 2. Lembra de Ald’ruhn e Balmora, cidades de Morrowind, mais do que da casa em que passou a infância. Aí perguntamos: “E hoje, o que você anda jogando?” E a resposta: “Não dá mais. Hoje, só jogos curtos”.

Comigo foi assim semana passada. Em uma conversa recente, ouvi um colega dizer que investiu U$ 260,00 no kickstarter do Shenmue 3. Disse que chorou ao ver o anúncio na E3. Perguntei em que plataforma ele iria jogar; ele disse o PS4. Perguntei se ele tinha um PS4; ele disse que compraria só para jogar Shenmue. Eis que meu radar de gamer hardcore começou a apitar.

Lancei então a pergunta: e o Final Fantasy VII? O que achavam do remake?

Nesse ponto, o tom mudou. Outro colega disse: “Jogava quando era moleque. Hoje em dia é impossível.” Parou de jogar videogames? Não, jogava ainda, só não mais jogos longos.

Quando os tempos eram outros

Quando os tempos eram outros

A situação é compreensível. Segundo o HowLongtoBeat, site que cataloga médias de tempo que os gamers levam para terminar seus jogos, FFVII demanda alguma coisa entre 30h e 70h para ser terminado. E isso contanto apenas a quest principal: um complecionista pode rodar de 60h a absurdas 300h dependendo de qual for seu ritmo de jogo.

O game não é um ponto fora da curva. Zelda: Ocarina do Tempo podia chegar a 50h (supondo que você não ficasse travado em um dungeon por dias a fio, como acontecia comigo o tempo todo). Secret of Mana, o clássico de SNES, girava em torno de 30h a 70h caso você quisesse esgotá-lo. A dobradinha Baldur’s Gate 1 e 2 dificilmente saía por menos de 80h para a quest principal ou 200h contando missões secundárias. Se quiser colocar algum Elder Scrolls na lista, prepare-se: explorar tudo o que estes games têm a oferecer pode levar mais de 1000h.

Por jogo

Por jogo

Não é à toa que muitos abriram mão desse tipo de game em troca de títulos multiplayer, de pequeno porte ou vazios do ponto de vista narrativo. Aqueles que criticam FIFA e GTA como “diversão de ignorantes” cometem uma grande injustiça. Nos dias de hoje, quem tem 100h para gastar num jogo?

Por incrível que pareça, muita gente. É questão de saber usar bem o tempo, preparar-se para o desafio e – é claro – estar disposto a embarcar em jornadas virtuais que durem meses.

Abaixo, passarei algumas dicas para aqueles que sentem saudades das experiências digitais da juventude, estão dispostos a encarar o desafio, mas sentem dificuldade em voltar à forma.

1. Separe o relaxante do cansativo e organize sua agenda de acordo

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O que sempre me espanta na maioria dos gamers “enferrujados” é que, ao mesmo tempo em que dizem que não têm tempo para jogos longos, eu os vejo a torto e a direito fazendo maratonas de séries de TV, virando a noite com reality shows ou passando horas no vaso navegando no 9gag. Por algum motivo, videogames parecem “pesar” mais do que todas essas outras atividades.

Por quê?

Games são vistos (não sem razão, diga-se de passagem) como entretenimento que exercita o cérebro. Enquanto que a reprise de um programa favorito nos permite deixar a cabeça no “automático”, a concentração, multi-tasking e perícia exigida pelos jogos nos obriga a ficar alertas. Depois de um dia cansativo, ninguém quer desperdicár as horas de descanso com mais trabalho.  Correto?

Em parte. Desenvolvedores também são gente, e sabem que às vezes não queremos nada além de cair no sofá e ligar o protetor de tela da vida por algumas horas. Por esta exata razão, muitos games são feitos com isso em mente. Por mais “adulto”, “sério” e “complexo” que um título seja, ele quase sempre vai ter um zilhão de atividades meniais, pensadas sob medida para esses momentos do dia em que queremos ‘desligar’.

Mass Effect ganhou os louros da crítica por sua história comovente. Mas é bom lembrar que a maior parte do jogo, quantitativamente falando, se passa viajando à toa pela galáxia, coletando minerais ou escaneando planetas. Os jogos da Rockstar têm momentos de grande tensão, mas nada nos impede de dirigir à esmo ouvindo o rádio de nosso carro virtual. E em Skyrim, para cada dragão que matamos há quilômetros de montanhas arborizadas com florzinhas para coletarmos.

Essas são atividades relaxantes, prazeirosas e que exigem pouco do cérebro. Podem ser muito mais legais (e esteticamente mais agradáveis) do que rever o mesmo gif de gato pela octagésima vez. Como cereja do bolo, elas cumprem uma função prática.  Fetch quests, por exemplo, existem em quase todos os jogos e geralmente dão algum benefício (seja em experiência, itens ou recursos) que pode fazer a diferença mais para a frente.

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Não fosse o bastante, essas atividades simples “treinam” o jogador para os momentos mais importantes do jogo, ajudando em outro grande porém: a dificuldade. Dirigir à esmo em GTA nos faz, com o tempo, memorizar o mapa das cidades, algo essencial para perseguições. O minigame de pugilismo do Witcher 3, muito mais difícil que as batalhas “normais”, diga-se de passagem, treina reflexos que fazem do combate bem mais tranquilo.

Mais: jogos podem ter 70h de duração, mas boa parte das quests têm começo, meio e fim e podem ser completadas em menos de uma hora. No tempo que leva para assistir a um episódio de CSI: Miami dá para liberar uma ruína Dwemer em Skyrim ou pegar o troféu de uma arachas no Witcher.

Morre logo que tenho de tomar banho em 20min

Caia dura que eu tenho que preparar o jantar

E quanto às missões principais? Os momentos de decisões sem volta, de perícia e estratégia? As boss fights? Estes deixamos para os fim de semana livres, férias e feriados; para os momentos em que realmente temos horas à fio livres para fazer o que quisermos e curtir a experiência sem culpa. Main quests de games geralmente fluem bem e são, no conjunto,  mais curtas que o total das atividades secundárias. Cuidando do conteúdo de “enchimento” ao longo da “semana útil”, o que resta da experiência pode ser terminado em poucos dias.

2. Crie um diário de campanha

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Essa é uma dica que eu dava para os meus jogadores quando mestrava RPG de mesa. Na adolescência, quando não fazemos nada da vida, é fácil jogar com frequência. Já depois de envelhecermos não é incomum passarmos semanas sem tocar no console ou PC.

A consequência mais óbvia é “enferrujarmos” e perdemos a familiaridade com o sistema ou com os controles. Jogos complexos, que requerem reflexos ou memorização, são os mais afetados.  Nisso, a rotina do item anterior ajuda em muito. Combinada com uma dificuldade mais baixa (ao menos para o período de “aclimatação”) isto deixa de ser um problema.

No entanto, é muito provável que perdamos também qualquer ideia do que acontecia no jogo até aquele momento. Era o que acontecia nos meus encontros de RPG: apesar das pessoas guardarem uma noção básica da história, os detalhes, sutilezas e atmosfera eram esquecidos. Um jogo narrativo, destilado deste jeito, perde toda a graça.

É aqui que entram os diários de campanha. Como todo diário, a ideia é que seja uma récita do que aconteceu de importante até aquele momento. Ele pode ser feito dia após dia, semana após semana, ou antes de qualquer pausa significativa. Tudo é válido: o nome e identidade das personagens, os itens mais utilizados, os controles para as manobras de maior sucesso, desabafos. Para ficar mais interessante, ele pode ser “multimídia”, incluíndo imagens, screenshots, achievements e outras coisas mais.

Diários de campanha podem virar passatempos em si. Eles são muito populares em games de estratégia. Alguns fórums têm inclusive sessões específicas para os AARs (After Action Reports), em que um jogador narra sua jornada e os demais comentam.

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Independente do nível de envolvimento, a estratégia funciona. Um bom diário de campanha é capaz de localizá-lo na história que deixou para traz em uma única lida. Ele não precisa ser feito enquanto jogamos; antes, é útil deixá-lo para as horas perdidas do dia, para as filas de banco e para os chamados da natureza. Aplicativos como o Evernote permitem que você exporte o documento para o computador, caso queira retrabalhá-lo depois.

3. Você não é obrigado a jogar até o fim, mas vale a pena se esforçar para chegar lá

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No final das contas, quando falamos de “jogos longos” single player estamos falando de dois tipos de experiência. De um lado, temos os títulos abertos, expansivos, que prezam pelo gameplay emergente e trocam profundidade por quantidade. Elder Scrolls, e as dezenas de séries que chupinharam seu sucesso, são os maiores exemplos.

Esses jogos, quando bem feitos, são lindos, viciantes e repetitivos. A ideia não é vender uma história, mas a sensação de se estar em outro lugar. Se fôssemos fazer um paralelo com o mundo analógico, eles seriam os passeios no parque ou no museu. Você não precisa (e nem deve) fazer ou ver tudo. Foque nas coisas que lhe agradam e, quando cansar, vá embora.

Acho que por hoje já deu

Acho que por hoje já deu

Do outro lado, no entanto, há os jogos que são grandes por que realmente são uma montanha-russa de emoções e esperam se tornar parte de sua vida. São os JRPGs à la Final Fantasy, os jogos da Bioware, com suas quase 100.000 palavras de diálogo, as sandboxes da Rockstar, que têm de enredo quase tanto quanto oferecem de filler, e com qualidade semelhante.

Oh, but you will. You will be responsible

“Oh, but you will. You will be responsible”

Para esses jogos, não adianta fazer um piquenique e ir embora. Eles nos encorajam a comprar o desafio de Clarice Lispector, em seu conto Felicidade Clandestina. Nele, uma garota fica encantada ao ganhar um livro do Monteiro Lobato porque ele é enorme: ela sente que, mais do que lê-lo, vai viver parte da sua vida com ele. Aqueles que já passaram manhãs preguiçosas na escola imaginando as aventuras digitais que viveriam quando chegassem em casa, ou que sofreram no trabalho pensando se destruir o genophage foi mesmo a escolha certa sabem do que estou falando. Jogos longos vivem conosco por um tempo.

Se os primeiros, no mundo real, seriam uma caminhada, esses jogos são as séries de TV. Seus enredos são rebuscados, episódicos e cativantes, com muitos altos e baixos e suspense. Se você for parar para pensar, o tempo que gastamos nelas é mais ou menos o mesmo. Game of Thrones, de cabo a rabo, toma dos espectadores 50h; Breaking Bad, pouco mais de 60h. The Sopranos chega a 86h, e Mad Men passa da marca das 90h. Já se você quiser assistir Grey’s Anatomy em uma tacada, tenho más notícias: a série tem mais de 240h e ainda não acabou.

Ao contrário de sitcons e procedurais de polícia, essas séries não foram feitas para serem vistas “em migalhas”. É a especulação, a ânsia pelo final, a empatia a longo prazo com os personagens que fazem a alma do negócio. Longos games narrativos são a mesma coisa. Terminá-los não é fácil, mas o prêmio, como diria Jacob Taylor, vale cada gota de suor.

Jonas Mattson, um dos criadores de Witcher 3, disse isso com todas as letras em uma entrevista anos atrás:

Eu sou um fã de Skyrim, vários de nós amam Skyrim. Mas enquanto eles estão fazendo a coisa deles, como mundo aberto, pular e correr pelos cantos casualmente, nós estamos fazendo um pouco diferente. Nós estamos investidos pesado em narrativa e mundo aberto. Isto não foi realmente feito antes e nós queremos provar que pode ser feito.”

Agora, se mesmo com toda a boa vontade e organização do mundo terminar um aventura de 100h estiver ainda impossível, acalme-se. Afinal de contas, lembre-se de que…

4. Chegar ao final não é sinônimo de “complecionismo”

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Na minha infância, jogo era algo que se “zerava”. A gíria vem das máquinas de pinball, cujos marcadores de ponto tinham 6 ou 7 dígitos e voltavam para o zero quando chegavam a um número muito grande. Hoje, fala-se em “platinar”, oriundo dos achievements de nível platina, obtidos ao cumprir todos os outros de um dado título. O sentido é o mesmo: há um limite de coisas para se fazer em um jogo. Para “terminá-lo”, é preciso deixar tudo devidamente feito.

Assim pensa o “complecionista”. É uma forma incrível e desafiadora de se encarar o game, desde que se tenha muita paciência e tempo de sobra. Exatamente o contrário do que a maioria dos adultos pode dizer que têm. E não há nada de errado nisso.

Então né...

Agora volte ao mapa do começo desse post

Se você é daqueles que se desanima ao saber que está deixando coisas para trás, saiba que não é preciso ser um complecionista para curtir um jogo longo até o fim. Não porque “somos humanos e ninguém é perfeito” ou qualquer outra bobagem do tipo. Mas porque boa parte do conteúdo em jogos está lá só para dar volume.

Mass Effect tem missões para se coletar minerais e relíquias na superfície de planetas, mas o número destes recursos no jogo é muito maior do que o necessário para que as completemos. Na maioria dos RPGs, o ganho monetário é tão grande que se torna redundante após certo ponto: as recompensas, tesouros e jóias encantadas perdem todo o sentido. Já certos jogos têm o level cap tão baixo que pode ser atingido antes do final da experiência. Após isto, completar missões vira ‘esporte’: não há mais nenhum ganho concreto.

Não perca seu tempo. São todos hidden caches

Não perca seu tempo. São todos hidden caches

Desenvolvedores estufam seus jogos com essas prendas porque sabem que consumidores priorizam entretenimento que vai agradá-los por mais tempo. Porém, em excesso, isso torna a experiência enjoativa. Dragon Age: Inquisition tem cerca de 30h de jogo de alta qualidade dramática espaçadas em um cenário inchado por tarefas meniais e repetitivas. Tentar platiná-lo é um exercício de masoquismo. Pode agradar aos gamers mais devotos, mas de maneira nenhuma vale o esforço.

Onde 8/10 gamers desistem do jogo

Onde 8/10 gamers desistem do jogo

Há claro, outros problemas que tornam jogos longos complicados depois de uma etapa da vida. Infelizmente, nem todos têm solução. No entanto, em uma boa medida um pouco de organização e planejamento fazem toda a diferença. Tal como tricotar, fazer maquetes, cozinhar, tocar um instrumento ou praticar um esporte, jogar no final da contas não é uma questão de talento, mas de disciplina. E muita paciência.

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O que “The Witcher 3” nos ensina sobre afeto https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/ https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/#respond Mon, 29 Jun 2015 20:54:06 +0000 http://finisgeekis.com/?p=421

Qual foi a última vez que você se pegou pensando em uma personagem de videogame como uma pessoa real? Que passou o dia agonizando após um criatura de pixels e voz pré-gravada lhe dar as costas, ou “morrer” graças às suas ações?

Para fãs de CRPG a pergunta é quase retórica. O gênero veio de histórias coletivas criadas em rodas entre amigos e levou a mesma vibe aos computadores e consoles. Se fãs de estratégia esperam nações e territórios e fãs de tiro olham para balas e alvos, RPGistas estão atrás de pessoas.

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

Jogos de interpretação… ou jogos de afeto?

Se você não é um recém-chegado ao gênero, sabe que o afeto não é uma firula, mas a lógica que dá sentido a tudo.  Com os orçamentos multimilionários, efeitos especiais e cenas de ação, é tentador tornar as experiências cada vez “maiores”, mais “decisivas” e “épicas”.  No entanto, maior não é sempre melhor. A morte de Obi-Wan nos toca muito mais do que a explosão de Alderaan. “Salvar o mundo das forças do mal” é uma premissa muito mais maçante do que encontrar a pessoa amada, ganhar reconhecimento ou apenas sobreviver.

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Na série Mass Effect, as decisões que mudam o destino da galáxia são importantes porque dizem respeito aos companheiros que reunimos ao longo da jornada. Impedir a guerra entre os Quarians e os Geth é vital não pelos seus motivos estratégicos, mas para salvar a vida de Tali, confidente de Shepard desde o primeiro jogo. Curar o genophage é uma decisão difícil porque envolve Wrex, um dos amigos mais queridos do comandante.

Games de outros gêneros também focados em narrativa seguem o mesmo caminho. John Marston é um excelente protagonista porque Red Dead Redemption não é um jogo sobre a conquista do Oeste, mas o drama pessoal de um homem arruinado em busca de sua mulher e filho. Do enredo meia-boca de Beyond: Two Souls o que se salva é o belo capítulo em que a protagonista é adotada por um grupo de mendigos, que logo se torna sua família adotiva. E, com o devido SPOILER WARNING, no final de The Last of Us Joel deixa claro que entre Ellie e o futuro da humanidade, ele prefere sua jovem companheira.

Isso para ficar só nas últimas gerações

Isso para ficar só nas últimas gerações

The Witcher III: The Wild Hunt não é muito diferente. Um dos muitos (e justíssimos) elogios que o game recebeu é quão “pequeno” é seu foco. Geralt de Rivia ronda uma terra devastada em busca de sua filha adotiva, recolhendo, no caminho, os cacos de vidas destruídas pela guerra. Da guerra em si, das “forças do mal” e do destino do universo ele não sabe nada. Os protagonistas das outras batalhas não lhe dizem respeito.

Entretanto,  por mais popular que tais histórias sejam, há um sentimento de que suas protagonistas sejam fúteis, cafonas. Em parte, isso se justifica pelas inúmeras tentativas horríveis de se contar esse tipo de história. (Watch Dogs, estou olhando para você). Em parte, porém, a crítica tem outra fonte: a obsessão pela “força” das personagens e seu potencial como role models.

A tirania das personagens fortes.

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Existe uma tendência (que suspeito que Star Wars tenha tornado popular) de achar que herois estão acima dos reles mortais. Tal como um mestre Jedi, o protagonista não tem vínculos fortes e se dedica integralmente à sua causa.  Ele precisa servir de exemplo aos outros, não se rebaixar às suas paixões. Para alguns, esse modelo de Jedi é a marca que faz de uma personagem “forte e independente”.

É engraçado, no entanto, que ter “força” signifique muitas vezes ser avesso aos outros. A personagem “forte” não tem amigos; tem aliados, pessoas que servem para alguma coisa e que ela pode largar sem prestar satisfações. A personagem “forte” não tem compromissos amorosos, apenas cobaias para saciar suas vontades. A fidelidade, em um mote que poderia sair direto da boca de um Sith, é uma fraqueza a ser zombada. A personagem “forte”, por fim, não depende de ninguém: ela prefere a si mesma àqueles à sua volta, sua carreira à companhia dos entes amados, seu escritório à família e amigos.  A personagem “forte” só pensa em si e só deve a si própria sua felicidade. Os outros podem partilhar da sua alegria se ela deixar, mas não devem roubar a cena.

À primeira vista, Geralt parece ser o “forte” por excelência: um cavaleiro solitário sem comprometimentos, com poder para matar qualquer vilão, vencer qualquer disputa, conhecer qualquer monarca e ir para a cama com qualquer mulher. Porém, bastam algumas dezenas de horas no mundo dos witchers para conferir que a verdade não é bem assim.

Como eu já disse em outra ocasião, o mundo de The Witcher é um universo de monstros e Geralt de Rivia é um monstro à sua própria maneira. Pessoas cospem no chão quando o vêem e o xingam de “mutante”, “freak” e “bastardo desalmado”.  Ele não gosta do que faz, mas tem poucas alternativas. As mutações que lhe deram seus poderes lhe deixaram estéril e incapaz de mostrar emoções. Mesmo que ele desejasse mudar, ele está simplesmente excluído do mundo normal.

O que não significa que por trás do cabelo branco e dos olhos de gato não exista, de fato, uma pessoa normal.

Nesse sentido, seu momento mais tocante acontece quando visita a cidade de Novigrad. Geralt viu sua filha adotiva pela última vez na adolescência. Num mundo sem Facebook ou câmeras fotográficas, isto significa que a única imagem que ele tem dela vem de suas lembranças. Eis, então, que surge uma possibilidade de ver como ela se tornou, adulta. A reação do nosso caçador de monstros fala por si só:

Nada de diálogo explicativo. Nada de berros, lágrimas ou abraços. Reparem que quase não há trilha sonora. Apenas a expressão de dor de um homem que não é capaz de chorar, mas que acaba de ver que a criança que mais ama cresceu sem que ele estivesse lá para ver. A dor que muitos pais já sentiram ao perderem a infância de seus filhos; a mesma, provavelmente, que tomou conta de Solomon Northup em 12 anos de Escravidão, quando retorna para casa vê que sua filha está casada e já é mãe.

Quem acha que The Witcher é mais uma história do heroi durão derrotando meio mundo para salvar a pessoa X está perdendo o mais importante. Do triângulo amoroso com Triss e Yennefer à camaradagem de Zoltan e Dandelion, passando pela “amizade” conturbada de Lambert, Drijska e Roche, Geralt deve tudo àqueles à sua volta. O universo dos witchers, como o de outras séries do gênero, é um mundo cruel, em que pessoas procuram a companhia alheia para tentar afastar as trevas. Na maioria das vezes, sem sucesso.

hanged man tree

A insustentável leveza do ser

Mais de trinta anos atrás, o escritor tcheco Milan Kundera escreveu sobre essa “força”. Em seu livro, ele nos dá um cirurgião “forte”, “independente” e “realizado” com sua carreria, vida social e prazeres carnais. Uma pessoa, enfim, que ticaria todos os quadrados da cartilha do individualismo gamístico.  Entretanto, um belo dia ele larga tudo para viver ao lado daquela que jurou passar a vida ao seu lado.

Ao contrário dos role models celebrados a torto e a direito, as personagens de Kundera não vêem sentido nessa vida dos sonhos. O que para outros é “liberdade”, para eles é a insustentável leveza do ser. O ser humano – ou ao menos estes seres humanos não foram feitos para existir sozinhos. Daí que eles se mudam da Suíça para a Tchecoslováquia comunista, da cidade grande para o campo, de carreiras brilhantes e bem remuneradas a bicos no meio do nada, da vida “realizada” a uma morte sem sentido, num acidente de carro numa estrada de terra qualquer.

Por quê? Eu não sei. Talvez ninguém saiba. Na vida real (e nas melhores ficções) algumas coisas não fazem sentido. Mesmo assim, eu não consigo deixar de pensar que a obsessão pelos role models pode nos levar a um lugar perverso, tão apavorante, talvez, como o mundo dos witchers.

Em Cardcaptor Sakura, Kero-chan diz que o apocalipse é algo muito pior do que a explosão da terra: é a perda do afeto por todos aqueles que amamos. Que os justiceiros, na cruzada para impedir a primeira, tomem cuidado para não provocar a segunda. A insustentável leveza do ser pode ser um fim em si mesma. E por “fim” não digo propósito, mas game over. Ponto final.

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