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Paranoia Agent – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 18:09:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Paranoia Agent – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “A Cidade da Luz”: algumas coisas pertencem à escuridão https://www.finisgeekis.com/2017/07/31/a-cidade-da-luz-algumas-coisas-pertencem-a-escuridao/ https://www.finisgeekis.com/2017/07/31/a-cidade-da-luz-algumas-coisas-pertencem-a-escuridao/#respond Mon, 31 Jul 2017 22:08:28 +0000 http://finisgeekis.com/?p=17699

Tasuku é um “acompanhante de suicidas”. Por um módico pagamento, ajuda pessoas que desejam se matar a planejar sua partida – e a não mudar de ideia na hora H.

Tasuku não parece ter remorsos. Pelo contrário, leva seu “trabalho” com uma frieza assassina.  Porém, o que faria se um de seus “clientes” fosse alguém que conhecesse?

Essa é a pergunta que faz Inio Asano em A Cidade da Luz, recém-publicado no Brasil. Na verdade, apenas uma das perguntas.

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Muitos mangakás têm estilos autorais. Poucos já foram chamados de “vozes de uma geração”. Asano pertence ao segundo grupo, e sua obra de 2004, lançada pela Panini, nos mostra o embrião de quem veio a se tornar um dos maiores nomes dos quadrinhos contemporâneos.

Asano não é um escritor simples, tampouco escreve sobre coisas fáceis. Como outras de suas obras, Hikari no Machi é um labirinto de voyeurismo, sofrimento e coincidências macabras.

Hikari no Machi

Hikari no Machi (em japonês, “A Cidade da Luz”) é um bairro atravessado por típicos prédios residenciais japoneses: quadrados, gigantescos e opressivamente cinzentos.

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É um cenário tão comum quanto assustador, um contraponto perfeito às casas de madeira e paredes de papel que marcam o Japão bucólico.

São um dos símbolos mais icônicos da faceta moderna do país – e dos problemas que a tornaram famosa: estresse, rotinas de trabalho insanas, suicídio.

Não por acaso, é o mesmo pano de fundo de Kara no Kyoukai 1 e Paranoia Agent, duas contundentes (e assustadoras) fábulas sobre a histeria urbana.

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Tasuku, o “acompanhante de suicidas”, é um morador do bairro. Decidiu se tornar um “profissional” da área após topar com sites sobre o assunto no computador do pai.

Nos quadros de Asano, acompanhamos como sua “profissão” depravada o entrelaça à vida de outros: aqueles que o ajudam, que tentam impedi-lo, que são por ele destruídos.

Seu pai é um recluso emasculado pela demência. Vive em um apartamento decrépito, coberto de lixo, aguando um tomateiro que há muito já secou.

Haruko é uma garota da sua idade, que teve o corpo horrorosamente mutilado em um ataque com faca. Seu agressor, um gângster chamado “Terceiro Olho”, não é um psicopata, mas um esforçado pai solteiro.

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Não é preciso spoilers para notar que a fábula de Asano caminha por estradas bem sombrias. Que sua cidade tenha o nome de “Luz” pode parecer uma ironia, mas ela atende a uma verdade maior.

Ao longo das páginas, as fachadas cinzentas realmente “iluminam” a vida de seus habitantes mais do que gostaríamos de ter visto. Como a parte de baixo de uma pedra, escondendo insetos, vermes e outras criaturas nojentas, temos a impressão de que certas coisas pertencem à escuridão.

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Existem, é verdade, arroubos de esperança aqui e a li. Uma das personagens luta para restaurar A Cidade da Luz ao que era antes: uma vila bucólica, afastada do estresse da cidade grande.

Tasuku justifica seu “trabalho” como um dever moral, “limpando” a terra de suicidas covardes. Contudo, quando sua conduta coloca em risco sua própria família, ele é forçado a rever seu caminho.

Não se trata do teor das ações, mas da mentalidade por trás delas. A tensão é ilustrada por uma das tramas paralelas, envolvendo um mangaká workaholic. Atormentado pelos seus colegas baderneiros, o artista sofre um dilema que sem dúvida já tirou o sono do próprio Asano.

Para que trabalhar tanto, ver os anos passarem debruçado contra a escrivaninha, se no final cada dia é igual ao outro?

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Se o mundo está fadado a acabar, para que se importar em “fazer bem” em vida?

Mais do que outros de seus mangás já publicados no país, A Cidade da Luz traz o niilismo de Asano na sua forma mais concentrada.

A perseverança de Meiko em Solanin, ou a metamorfose final de Punpun não encontram espaço aqui. As personagens da Hikari no Machi têm sonhos modestos de um futuro melhor. Porém, vivem um dia após o outro, à mercê de um universo indiferente.

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Um diamante bruto

Se não digo mais de sua trama é porque A Cidade da Luz, de certa forma, é uma obra imune a descrições.

O mangá é uma construção estranha. Em certos momentos, parece menos uma história que uma coleção de leitmotivs desenvolvidos em outras obras de Asano.

Sua trama é um ensemble cast igual ao de Nijigahara Holograph: uma teia de histórias pessoais unidas pelo acaso. Tal como Nijigahara, conta com um prólogo que age como chave, estimulando e valorizando leituras futuras.

Suas histórias, porém, são muito mais inteligíveis, e suas intersecções, mais evidentes.

Nijigahara era um nó górdio de narrativas fragmentadas, que dependia da surrealidade para guiar o leitor. Enxames de borboletas misteriosas nos indicavam que esta ou aquela cena eram importantes – e que, juntas, compunham uma espécie de código.

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Em A Cidade da Luz, os contos se sustentam (na sua maioria) com seus próprios pés. A surrealidade, outrora essencial, se transforma em  gimmick.

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Haruko, a menina mutilada, é uma progressão do que foi Akie  em Nijigahara e uma ponte do que se tornaria Aiko, a grande heroína trágica do autor.

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Em Tasuku, também, há o germe de Masumi de Punpun e Keisuke de Umibe no Onnanoko. O primeiro é sua versão mais elaborada; o segundo, mais prosaica  – e, por isso mesmo, mais crível.

A Cidade da Luz é um apinhado de ideias que o leitor de Asano reconhecerá de outros lugares, lá executadas de forma melhor.

Isto não significa que seja um mangá ruim. Antes, é sinal da própria excelência do autor, cuja obra vibra com tanta originalidade que eclipsa até seus trabalhos sólidos.

Muitos, com o devido esforço, sabem entregar uma narrativa competente, polvilhada com dramas psicológicos, surrealismo e crítica social. 18if, anime da temporada, é apenas o exemplo mais recente. De Inio Asano, esperamos mais.

 

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4 jogos para celebrar a obra de Akira Kurosawa https://www.finisgeekis.com/2015/09/07/4-jogos-para-celebrar-a-obra-de-akira-kurosawa/ https://www.finisgeekis.com/2015/09/07/4-jogos-para-celebrar-a-obra-de-akira-kurosawa/#respond Mon, 07 Sep 2015 23:17:23 +0000 http://finisgeekis.com/?p=662 Exatos dez anos atrás, a Team Ninja anunciou na E3 Ni-Oh, um game semi-histórico baseado em um roteiro inacabado de Akira Kurosawa. Como tantos outros jogos, Ni-Oh não vingou, embora os desenvolvedores continuem a insistir em um lançamento futuro.

Fãs de Kurosawa, o grande mestre do cinema japonês, cuja obra inspirou o cinema western e o próprio George Lucas, têm motivos para suspeitar dos games. De uma maneira geral, o meio não foi lá muito grato ao diretor. Seven Samurai 20XX, adaptação de Os Sete Samurais ao PS2, tem em comum com o material de origem apenas o título e os detalhes mais básicos. Isso sem contar o estilo hack-and-slash, fora de esquadro a um cineasta que prezava por filmes lentos, com lutas curtas, longos diálogos e longuíssimas cenas de contemplação.

Muita adrenalina

Muita adrenalina

Pessoalmente, não acredito em uma incompatibilidade. Esses desenvolvedores estão apenas olhando o criador de Yojimbo de um jeito errado. Apesar de ter coreografado algumas das cenas de batalhas mais icônicas do cinema, Kurosawa nunca foi um diretor de “ação”.

O forte de seus filmes são seus enredos cheios de reviravoltas, suas personagens problemáticas e seu mundo exótico e cruel. Grande admirador de Shakespeare, o mestre japonês adaptou várias de suas peças ao Japão da Sengoku Jidai ou Era do País em Guerra (1467-1603).

Kurosawa não viveu tempo suficiente para produzir um videogame de seus próprios filmes, como fez Steven Spielberg com Medal of Honor. Felizmente, há vários jogos que chegam bem perto. Para o gamer que sonha em entrar nos roteiros de seu diretor predileto, vão algumas sugestões:

1- Nobunaga’s Ambition: Sphere of Influence

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Nobunaga’s Ambition não é um nome que diz muita coisa ao fã ocidental de estratégia, mas é uma das séries mais famosas e premiadas da história do Japão. O primeiro game da franquia foi lançado em 1983, e o sucesso mereceu 13 sequels ao longo de mais de 30 anos. A fama é tão grande que levou até a um crossover improvável com Pokémon em 2012.

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A maior parte da franquia não foi localizada fora do Japão. Para os gamers que não lêem japonês, a boa notícia é que o último jogo da série, Sphere of Influence, foi lançado no ocidente semana passada.

Como o título já diz, o game segue os feitos de Oda Nobunaga, daimyo que chegou perto de unificar o Japão sob seu mando até ser encurralado e forçado a cometer seppuku por seus inimigos. Jogadores podem escolher entre uma série de datas inicias, seja acompanhando o clã Oda rumo à sua glória, seja controlando qualquer um dos outros daimyos da época.

O jogo é surpreendentemente leve em combate. Antes, o principal da experiência é a dança de intrigas, alianças, casamentos e traições que podem fazer ou desfazer um líder ambicioso. Não é de se espantar, portanto, que o game carregue tanto nas tintas dos relacionamentos pessoais. As mecânicas de estratégia são acompanhadas por fartos diálogos no melhor estilo JRPG.

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Nobunaga’s Ambition é um jogo japonês, e seu estilo inconfundivelmente nipônico pode causar estranhamento ao fã de estratégia. Para começar, Sphere of Influence foi também lançado para PS3 e PS4, o que se nota nos comandos simplificados, sem dúvida mirando os consoles. Veteranos de Total War talvez sintam falta de certa complexidade, mas não precisam ficar incomodados. O game é difícil o suficiente para garantir horas arrancando os cabelos na frente do monitor. Desde que, é claro, o jogador se adapte à estética bishounen das personagens.

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Esses cabelos…

2- Sengoku

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Sengoku é um título pouco conhecido da Paradox, gigante criativo por trás de Crusader Kings, Europa Universalis e Hearts of Iron. Quem conhece essas franquias já deve ter sentido o frio na espinha, seja de ódio ou excitação. A Paradox é um caso “ame-o ou odeie-o” do mundo dos games. Seus jogos, de longe as simulações mais complexas do mercado, são demorados de aprender e mais demorados ainda de se largar.

Sengoku usa a mesma engine de Crusader Kings 2, mas leva a guerra ao Japão do século XVI. Tal como em Nobunaga’s Ambition, o jogador pode escolher qualquer clã japonês do período e levá-lo à glória. Novamente igual ao game japonês, a ênfase está não no combate, mas nos jogos de intriga, assassinatos políticos e missões diplomáticas.

sengoku

Talvez sua característica mais importante seja a importância que dá aos relacionamentos pessoais. Praticamente tudo o que pode ser feito no jogo – da escolha de seus assessores às declarações de guerra aos inimigos – é influenciado pela opinião pessoal que personagens têm das outras.

Isso faz do game um verdadeiro simulador de controvérsias palacianas para dar inveja a qualquer peça de teatro kabuki. Se você acaba de assistir a Trono Manchado de Sangue e está sentindo faltas de planos maquiavélicos e facadas nas costas, esse é o jogo para você.

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Só não espere ver a floresta andando. Para isso, só com Kurosawa mesmo

 

3- Nova Monumenta Iaponiae Historica

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Confesso que estou roubando nesse item, mas não resisti. Nova Monumenta Iaponiae Historica não é um jogo em si. Entusiasmados com Sengoku, alguns fãs de Crusader Kings 2 fizeram um mod de seu jogo favorito adaptando-o à Sengoku Jidai.

O título é uma referência ao Monumenta Germaniae Historica (registros históricos da Alemanha, em latim), uma enorme coleção de documentos sobre a Europa medieval. Fiel à proposta, ele não desanima. MIH é, de longe, o jogo mais complexo já feito sobre o Japão do século XVI.

MIH 3

MIH 2

O mod ainda está na versão alpha, mas se você já jogou tudo o que existe no mercado e está em abstinência por novos games sobre a Era do País em Guerra, pode conferi-lo no Steam Workshop. Além de Crusader Kings 2, para rodá-lo é necessário o DLC Rajas of India, que introduz o budismo.

4- Total War: Shogun 2

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Por mais que eu tente me enganar, não dá para fugir do óbvio. Total War: Shogun 2 não é apenas um dos melhores Total War, mas o jogo mais “Kurosawano” que existe. Esta é uma das experiências que fariam o velho diretor, caso vivo,  cair para trás em êxtase.

Se Nobunaga’s Ambition e Sengoku primam pelas intrigas, Shogun 2 é o rei das batalhas. Esse é o “simulador de Kurosawa” de sua fase tardia, de Kagemusha e Ran, seus épicos dos anos 1980, já produzidos com toda a pompa, valores de produção e abundância de cores que marcariam o cinema da década.

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Para sentir todo o efeito, só vendo em ação. Eis, portanto, um trailer fan-made de Ran e sua recriação usando a engine do jogo:

A despeito da fartura visual, Shogun 2 não é só aparências. O jogo contém um mapa estratégico menos detalhado do que os outros mostrados acima, mas que nem por isso deixa a desejar. Pelo contrário, o game é um dos mais desafiadores TBS (turn-based strategy) dos últimos anos e facilmente tomará centenas de horas da vida de qualquer fã do gênero.

5- Bônus: Mass Effect 2

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Esse é o momento em que o leitor acha que estou ficando maluco. O que diabos Mass Effect tem a ver com Kurosawa?

Diretamente, nada. Mas o segundo capítulo da saga de Shepard é uma coletânea de inovações narrativas saídas das películas de Kurosawa.

Os Sete Samurais não se tornou um filme famoso pelo seu conteúdo, mas – tal como a obra-prima da Bioware – pela forma como o apresentou. Lançado em 1954, ele foi talvez um dos primeiros longas a adotar um enredo que mais tarde o cinema western tornaria clássico: um líder badass reunindo um grupo de pessoas aparentemente incompatíveis para uma missão que só eles podem realizar.

Ao longo de suas mais de 3 horas, Os Sete Samurais cativa não só pelas cenas de batalha, mas pelos conflitos pessoais de sete ronins com absolutamente nada em comum. Entre o fanfarrão Kikuchiyo, o austero Kyuzo e o inexperiente Katsushiro, logo percebemos que a verdadeira missão de seu líder, Kambei, não é apenas derrotar os bandidos que atormentam o vilarejo, mas lidar com os conflitos trazidos pelo choque de personalidades.

Qualquer semelhança com o título da Bioware não é mera coincidência. Mass Effect 2 foi um dos jogos a ter adaptado com maior sucesso a fórmula de Os Sete Samurais. Diante de uma ameaça desconhecida, Shepard deve percorrer a galáxia em busca dos melhores soldados, cientistas, atiradores e técnicos que possa encontrar. Tal como no filme de Kurosawa, a maior parte do jogo é dedicada aos conflitos pessoais dos companheiros improváveis e da lábia de seu líder para mantê-los na linha.

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Mass Effect 2 não foi o primeiro nem o último jogo a fazer isso. O próprio Seven Samurai 20XX, à sua maneira, mostrou coisa parecida. Além da execução primorosa, a diferença aqui é a capacidade, tão típica de Kurosawa, de ser sério sem ser chato.

Ao final do filme, os sete samurais são apenas três. O game da Bioware permite um desfecho melhor, desde que o jogador preste atenção aos detalhes. Tal como Kambei, Shepard eventualmente tem o seu momento de tudo-ou-nada contra seus inimigos. Dependendo de suas escolhas, pode voltar para casa com seu esquadrão inteiro… ou não voltar.

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Talvez, para um jogo tão preocupado com a qualidade do enredo, aproximar-se do clássico fosse inevitável. Afinal, como disse o crítico Roger Ebert, é a Kurosawa que todos os herois dos últimos 50 anos devem seus empregos.

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Cidades sem ninguém https://www.finisgeekis.com/2015/05/04/cidades-sem-ninguem/ https://www.finisgeekis.com/2015/05/04/cidades-sem-ninguem/#respond Mon, 04 May 2015 19:02:16 +0000 http://finisgeekis.com/?p=204 É uma grata surpresa ver, em uma nova temporada de anime, títulos que buscam impressionar sem abandonar fórmulas de sucesso. O maior destaque nas últimas semanas tem sido o doce (e irreverente) Plastic Memories. 

Com a verve melodramática que anda fazendo sucesso hoje em dia, a animação acompanha a história de funcionários de uma divisão da SAI Corp., companhia que vende robôs humanoides sapientes chamados giftias. Iguais a serem humanos em quase tudo, eles têm, contudo, uma diferença crucial: seus circuitos só aguentam nove anos de atividade. Assistir ao sistema se degradando não é para muitos. Em função disso, a SAI Corp. fornece serviços “funerários”, recolhendo os giftias que se aproximam de seu fim.

Serviço de passagem

Eis aqui um argumento que parece uma versão cibernética de A Partida. Ao contrário dos okuribito do filme de  Yojiro Takita, no entanto, os “despachantes” deste mundo futurista trabalham sempre em dupla, um humano e um giftia. Tsukasa, um novato desastrado, e Isla, uma androide no fim de sua vida útil, são nossos protagonistas. Tsukasa busca se aproximar da companheira, e parece evidente que seu relacionamento se tornará mais profundo. Dado que Isla tem poucas semanas de vida, parece também inevitável que o vínculo terminará em tragédia. O leitor aguçado poderá ver paralelos com os Persocoms de Chobits, ou mesmo com a angústia dos replicantes de Blade Runner, mas estejam avisados que as aparências enganam. Pelo que tem mostrado até agora, a série é pouco ambiciosa.  O elenco, uma pequena coleção dos clichés mais queridos do anime, estão dispostos a tirar risos tanto quanto lágrimas. Isla, uma kuudere que poderia se passar por irmã da Tenshi, de Angel Beats, tem em comum com a Chi de Chobits apenas os circuitos. Fechada e deslocada do mundo, dá uma presença muito mais pesada à série, mesmo em seus momentos de escape cômico.

Logo de cara fica evidente que não está na ficção científica a chave da série.  Marcada por um desdém por technobabble digno de Ah! My Goddess, a lore de Plastic Memories só está presente para dar volume. A dupla de “despachantes”, por exemplo, é chamada de spotter marksman, uma referência sem razão aparente às unidades de sniper das forças armadas. Pelo contrário, a obra parece muito mais interessada nas facetas humanas da perda do que na sua lógica. O fundamental em relação aos giftias não é o fato de serem máquinas, propriamente ditas, e sim artifícios, criações humanas. Frutos, enfim, das nossas mãos e da nossa mente. Conforme nos familiarizamos com a rotina de Isla e Tsukasa, há uma questão que jamais sair do ar: é possível compensarmos nossas perdas criando algo para ocupar seu lugar?

A insustentável leveza do ser

A pergunta não é nova, nem rara. Pelo contrário, parece nos acompanhar com maior frequência dia após dia. Na nossa época, muito se fala de construções humanas. Da língua que falamos ao país em que vivemos, das causas do amor ao nosso próprio corpo, das nossas preferências estéticas à doçura do doce e ao amargor do amargo, tudo é uma grande invenção vendida por mentes prodigiosas. A ideia de que vivemos em uma construção do nosso próprio gênio, e que a natureza não existe ou não importa é extremamente sedutora. Afinal, se a realidade é criada, é necessário que os seres humanos sejam capazes de criar. Inventar o mundo: que grande triunfo à espécie que sempre desafiou a natureza! Para os que antes se contentavam em se proteger das intempéries em cavernas e dar grandes saltos na superfície da lua, nossa geração vive numa utopia sem precedentes.

Acontece que nem tudo são flores. E viver sozinho em um playground se torna solitário mais cedo ou mais tarde. Podemos nos divertir o quanto quisermos com nossos brinquedos de faz de conta, desde que não pensemos muito a respeito. Pois se o único sentido da vida é o sentido que damos a ela, é porque a vida não tem sentido algum. Se a única realidade é a que decretamos ser real, vivemos no escuro, sem conhecer o que nos cerca. Se os únicos amigos que temos são os da nossa imaginação, é porque estamos na verdade desesperadamente sós. Como uma pensadora controversa dizia muito tempo atrás, podemos ignorar o mundo real, mas o mundo real não nos ignora.

Há uma razão pela qual o anime é visto com desconfiança em seu país de origem. Existe a impressão de que o meio faz com que as pessoas troquem o real pelo virtual, os ganhos na vida pelo prazer emulado, os laços com humanos de verdade pelo afeto de desenhos de olhos esbugalhados. Quem empurra quem é difícil dizer. É bem capaz que o anime só preencha um vazio que nossos tempos tenham criado: uma solidão extrema e uma falta de propósito em escala global. Nada muda o fato de que nos voltamos para nossos “giftias”, sejam eles quais forem, para nos acreditarmos mais completos. A armadilha, como Plastic Memories nos lembra, é que giftias um dia morrerão. E o buraco que esperávamos tampar vai reaparecer quando menos esperamos.

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No primeiro episódio, Isla e Tsukasa precisam aposentar uma jovem androide da casa de uma idosa. A peça é uma criança, uma ilusão criada pela senhora para esconder o fato de que está sozinha, próxima do seu fim, e que o mundo à sua volta não lhe cede mais nenhum afeto. Em Chobits, a indústria dos Persocoms é construída por almas solitárias. Chitose Hibiya, sua inventora, viu nos androides uma forma de ter os filhos que nunca pôde conceber. Minoru Kokubunji, prodígio da robótica, tenta a todo custo recriar sua irmã falecida. Hiroyasu Ueda se casa com sua persocom e sofre um trauma quando ela invariavelmente fica obsoleta e para de funcionar. Nas entrelinhas, Uma cidade sem Ninguém, o livro ilustrado lido por Chi ao longo da história, serve de lembrança silenciosa dos corações partidos e olhos embargados.

Se nessas séries o laço é visto com bons olhos – uma “cura”, conquanto inadequada, para a grande solidão de nossa década –  isso nem sempre é o caso. Em Paranoia Agent, Satoshi Kon nos apresenta um otaku que de tão viciado em anime é incapaz de tirar prazer de pessoas reais. Para satisfazer suas necessidades mais básicas, contrata prostitutas e mantém bonecas nas mãos durante o coito, imaginado as estar possuindo. O amor surpreendentemente casto de Chi e Hideki, por este lado, não parece mais tão bittersweet!

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Curiosamente, é justo sobre androides que fala o ‘canto do cisne’ de Kon. The Dreaming Machine se propunha a ser um “road movie para robôs”, abordando outro tipo de solidão: a das criaturas pelos seus criadores. O elenco não contaria com uma única pessoa: é o sentimento dos “objetos”, dos frutos da engenhosidade humana, que nos comoveria. O longa cumpre a dupla façanha de ser a primeira obra de Kon com roteiro original assinado pelo próprio diretor e a primeira para um público infanto-juvenil. Infelizmente, Kon morreu de câncer em 2010, e seu filme foi arquivado por falta de verbas. Salvo o crowdfunding de alguma alma bondosa, é possível que jamais assistamos à sua última palavra sobre o assunto.

Uma grande pena. Em nossa época de criaturas, nada é mais bem vindo do que um grande criador.

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