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otaku – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 18:22:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 otaku – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Uma aventura no Japão #1: Tóquio pela primeira vez https://www.finisgeekis.com/2017/06/05/uma-aventura-no-japao-1-toquio-pela-primeira-vez/ https://www.finisgeekis.com/2017/06/05/uma-aventura-no-japao-1-toquio-pela-primeira-vez/#comments Mon, 05 Jun 2017 20:41:27 +0000 http://finisgeekis.com/?p=16690

O Finisgeekis está de volta!

Nas últimas semanas, eu e minha esposa, a Vivian, tivemos a oportunidade de realizar um grande sonho e conhecer de perto a Terra do Sol Nascente. Para dois otakus como nós, foi uma experiência como nenhuma outra.

Estamos cansados de saber que a mídia não é o melhor espelho da realidade. É fascinante, mesmo assim, notar como os pequenos detalhes são bem reproduzidos. Visitar o Japão como um otaku é um grande dejà vu: certas peças você já viu em animes, outras em livros – algumas em sonhos.

Se você também planeja algum dia contornar o globo para visitar os samurais, ou se é apenas fascinado em cultura nipônica, preparei um guia em 10 partes com o melhor, mais estranho e divertido do Japão.

Confira abaixo!

Tóquio pela primeira vez

Toda cidade é um mundo próprio. Tóquio, no entanto, parece ser um mini universo.

Não digo apenas pelo tamanho (com uma população metropolitana de 37 milhões de habitantes, é maior que São Paulo). Como disse a Vivian durante a viagem, se acordássemos em bairros diferentes da capital japonesa, não perceberíamos que estávamos numa mesma cidade.

Veja por exemplo Shinkuju, onde ficamos hospedados. O distrito é um labirinto de ruas estreitas e letreiros luminosos. É talvez a primeira imagem que nos vem à mente quando pensamos em “Tóquio”. Não à toa, aparece na abertura da série da Netflix Midnight Diner: Tokyo Stories.

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Andando pelas suas ruas, dá para entender porque Ridley Scott se inspirou em Tóquio para o cenário de seu Blade RunnerShinjuku é uma pequena Coruscant terráquea, com bancas de lamen, bordéis de maids e esquisitices japoneses escondidas em cada beco.

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Apenas um dia normal em Shinkuju

Vire uma esquina, porém, e dará de cara com um passeio arborizado. Não qualquer passeio: você está diante da prefeitura de Tóquio, uma das barreiras de X/1999 e cenário de Tsubasa Chronicles: Tokyo Revelations. 

tokyo metropolitan building

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Isso, claro, é apenas um bairro. Basta atravessar uma ponte (ou melhor, outra barreira) e somos transportados, tal como um livro do Murakami, a uma realidade paralela.

Odaiba

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Odaiba é uma ilha artificial separada de Tóquio pela imponente Rainbow Bridge. Quem topar uma boa caminhada pode atravessá-la a pé, ao lado de um corredor ensandecido de caminhões de frente cromada. Se existir uma forma melhor de se sentir como Aomame, protagonista de 1Q84, eu não conheço.

Próxima ao mar e coroada por uma roda gigante, o distrito salta aos olhos na skyline da cidade – um refresco em meio aos prédios quadrados dos anos 1970 e torres de karaokê que dominam o resto da metrópole.

A ilhazinha é uma paraíso de fins de semana saído de um romance shoujo. Como fã de Cardcaptor Sakura, não pude deixar de notar como algumas das casas pareciam o apartamento de Shaoran:

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Odaiba, de fato, parece ter sido criada de propósito para servir de cenário ao episódio da date no parque de diversões. A ilha conta com jardins, shoppings, showrooms de automóveis e até sua própria praia.

Mais do que tudo – ao menos para o otaku que vos escreve – é um prato cheio para uma das mais inusitadas paixões japonesas: os gashapons.

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Essas máquinas de brinde, que nos dão miniaturas em troca de moedas, são típicas da cena otaku. O que faz a diferença, como tudo no Japão, é a escala.

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Nos parques de Odaiba, existem muitos gashapons. E por “muitos”, quero dizer muitos.

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E não apenas gashapons. Há galpões inteiros de máquinas de brinde, jogos de garra, clones de Guitar Hero com taikô e fliperamas rodando Luigi’s Mansion, Final Fantasy e Kantai Collection.

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A jogatina parece ser bem-querida aos japoneses, o que comprovamos pela popularidade desse tipo de estabelecimento. Fora Odaiba, confinados pelo espaço, eles brotam na vertical, andares atrás de andares.

Curiosamente, uma das redes mais famosas, a Game Taito Station, também apareceu na opening de Midnight Diner.

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Dia após dia em nossa viagem, testemunhamos vários funcionários de escritório, paletó e tudo, dirigindo-se em grupo a esses espaços na tentativa de faturar uma figure da Madoka.

Falando em figures, algo interessante que pude constatar é que uma boa parte das linhas que chegam ao Brasil (e pelas quais pagamos fortunas) são originalmente brindes de máquinas como essas.

Óbvio, a rotatividade é bem alta, e elas são eventualmente vendidas em lojas. Com raridade e especulação, algumas chegam a valer bastante.

Mesmo assim, é desolador pensar que, lá do outro lado do mundo, elas estão ao alcance de uma moedinha de 100 ienes… e alguma sorte no jogo da garra.

Oh, well. Pelo menos a Vivian pegou uma Sailor Jupiter.

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Torre de Tóquio

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Nenhum passeio otaku estaria completo sem o cartão postal máximo dos animes. Localizada em Minato, ao lado de Odaiba, tivemos a oportunidade perfeita para visitá-la.

Em si, a Torre de Tóquio é apenas uma cópia da Torre Eiffel com uma pintura vermelha de gosto questionável. No entanto, por ter sido o edifício mais alto do Japão (até a inauguração da Tokyo Sky Tree, em 2012), ela figurou em quase todos os animes ambientados na metrópole.

Esse é um legado que a Torre ostenta a todo momento, da bilheteria até suas exposições temporárias.

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Aos otakus mais inveterados, a Torre possui uma loja dedicada a esvaziar seu bolso, com todo tipo de merchandise das séries mais (e também menos) conhecidas.

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Alguns produtos, como baralhos de Joker Game, nos fazem pensar “por que ninguém fez isso antes”. Outras, como perfumes de Attack on Titan, são um pouco mais difíceis de entender.

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Infelizmente, a Torre de Tóquio ainda é uma cópia da Torre Eiffel – e, infelizmente, Minato não é o Campo de Marte. Assim, ao contrário do monumento parisiense, sua versão japonesa possui um impacto bem menor sobra a paisagem.

Isso não significa que você não deva visitá-la. Porém, se você quiser uma super vista da Torre, faça-se um favor e suba ao mirante do Roppongi Hills (六本木ヒルズ), um dos arranha-céus mais famosos de Tóquio.

De preferência de noite, quando mau tempo algum estragará o seu passeio.

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Não é bem o primeiro episódio de Sakura. Mas, vai lá, chega perto.

Uma aventura no Japão continua na próxima sexta. Fique de olho!

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Os animes são uma mídia para adultos? (Parte 1) https://www.finisgeekis.com/2016/07/06/os-animes-sao-uma-midia-para-adultos-parte-1/ https://www.finisgeekis.com/2016/07/06/os-animes-sao-uma-midia-para-adultos-parte-1/#comments Wed, 06 Jul 2016 19:29:55 +0000 http://finisgeekis.com/?p=7891 Para nós, otakus ocidentais, a pergunta parece absurda. Não é raro encontrar comentários de que a animação japonesa é o território para “mentes maduras”, uma luz no fim do túnel em meio à infantilidade grudenta de Hollywood.

De fato, do nosso lado do Pacífico os animes não apenas conquistaram um público devoto entre os maiores de idade. Eles se consagraram como a animação “para adultos” por excelência.

Por incrível que pareça, nem todos concordam com isso. E não falo de desafetos da animação japonesa, mas de alguns de seus maiores fãs e divulgadores.

Justin Sevakis, do Anime News Network, é um dos que têm atacado o senso-comum. Segundo ele, mesmo no Japão a animação é encarada como um passatempo infanto-juvenil – ou, na melhor das hipóteses, como um entretenimento “para toda a família”.

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Com a exceção dos filmes do Studio Ghibli e das grandes franquias para o público jovem, animes são um entretenimento de nicho. Emissoras de TV só aceitam transmiti-los porque são pagas pelos produtores.

Para Sevakis, não haveria, no Japão inteiro, mais do que algumas centenas de milhares de otakus. Para o japonês comum, “anime” é sinônimo de infantilidade. Ou, o que é ainda pior, de adultos que se recusam a crescer, hikikomoris e pervertidos fascinados por dakimakuras e jogos eroges.

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E que habitam quartos como esse

Há razões para crer que Sevakis possa estar exagerando. Uma pesquisa online feita pela agência DoHouse em 2010 concluiu que cerca de metade dos japoneses assiste a animes na TV.

Se números por si só não forem reveladores, a oferta de animes na última temporada com certeza é. Embora a maior parte dos lançamentos corresponda a gêneros com grande apelo entre o público juvenil, algumas séries distoam – e muito – da imagem da mídia como um “hobby de crianças”.

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Showa Genroku Rakugo Shinju, que ganhará em breve uma segunda temporada, nos trouxe um drama lento e pés-no-chão sobre uma das artes mais tradicionais do Japão. Já Joker Game pisou em todos os calos e arriscou abordar um dos períodos mais polêmicos da história japonesa.

Seriam esses animes prova de uma mudança de demografia? Ou, pelo menos, de que há um nicho de otakus adultos, interessados em algo mais além de battle shounens e slice of lifes escolares? Ou estaria o Justin Sevakis certo, e não seria isso tudo apenas nossa impressão?

Essa não é uma pergunta simples. Felizmente, não preciso encará-la sozinho. Fábio Godoy do Anime21, Diego Gonçalves do É Só um Desenho e Vitor Seta do Otaku Pós-Moderno  se juntaram a mim para tentar respondê-la.

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Diego: Antes de mais nada, eu acho… não exatamente “pertinente”, mas interessante apontar que no último Festival de Annecy, Guillermo del Toro fez um comentário sobre como ele acha que a animação é uma arte adulta.

Acho que no mundo inteiro temos essa noção de que “desenhos são para crianças”, e com a quantia brutalmente maior de obras em animação saindo para esse público do que para qualquer outro, acho que é difícil não haver, nas pessoas, pelo menos uma noção de que a maioria das animações é mesmo para crianças.

Isso dito, eu acho que não podemos tratar os animes da mesma forma que tratamos, digamos, os desenhos americanos. Porque a animação japonesa é quase que uma mídia própria, por assim dizer. E dentro dessa mídia você vai, sim, ter os animes mais voltados para crianças e adolescentes, como Naruto, Dragon Ball, One Piece, Death Note e por ai vai.

Mas ao mesmo tempo você tem obras que eu duvido que fossem entreter alguém muito jovem. E eu nem me refiro a coisas como Showa ou Joker Game, embora possa incluir, mas penso em coisas como Kino no Tabi, Mushishi, ou mesmo animes que são ridiculamente complexos e intrincados, como Ghost In The Shell Stand Alone Complex, ou Mawaru Penguindrum, são obras que se você der pra uma criança ver, mesmo pra um adolescente (digamos, até uns 15, 16 anos), a criança não vai entender nada.

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Na minha opinião, anime não “é” de faixa etária alguma, temos obras para todas as idades, desde criancinhas na pré escola (Hamtaro), passando por adolescentes (Naruto, Dragon Ball), jovens adultos (digamos, Joker Game), até mesmo adultos para lá dos 30 anos (Master Keaton, por exemplo).

Isso dito, eu vou encerrar com uma pequena provocação, que é a seguinte: que fosse, então, algo de criança, haveria ai algum problema? Por que temos essa noção que o que é “para crianças” é, de alguma forma, inferior aos demais? Ser “para adultos” é algum tipo de “atestado de qualidade” ou de respeito?

Fábio: O próprio Vinicius, ao abrir essa conversa, e o Diego depois, trouxeram vários dados, entre estatísticos e factuais, que mostram sem muito espaço para dúvidas que pelo menos parte da produção de animes, inclusive da produção mainstream (ou seja, o anime para TV, ou se preferirem, os “animes de temporada”), tem como público alvo pessoas adultas.

Se elas são apenas hikikomoris e outros rejeitos sociais contados em centenas de milhares (um número pequeno para o tamanho da população japonesa) eu não vou debater por enquanto, mas ainda assim que se note: hikikomoris e qualquer um que por qualquer razão desvie do padrão da sociedade, vivendo ora dentro dela em posição desconfortável, ora como um pária à sua margem, continuam sendo adultos.

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Antes de qualificarmos os adultos que assistem anime precisamos primeiro chegar a um acordo sobre eles existirem ou não. E eles existem. E existem animes de conteúdo adulto que portanto só podem ser produzidos para eles. O que veio primeiro: adultos consumindo anime ou animes produzidos para consumo adulto?

Essa questão é relevante mas não tratarei dela nessa introdução. Se e quando a discussão chegar nesse ponto vamos argumentar e pesquisar sobre isso.

Sendo isso apenas uma introdução, introduzir-me-ei: como muitos brasileiros, meu primeiro anime foi Cavaleiros do Zodíaco. Eu ainda não sabia o que era anime e portanto não sabia que Cavaleiros era isso. Juro, eu não tinha consciência de que aquilo vinha do Japão.

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Claro, devo ter notado isso em alguns momentos, como quando parava para pensar nos nomes deles ou no fato da base de operações dos heróis ser no Japão, mas não é como se nosso país tivesse uma tradição em animações mesmo e eu cresci assistindo-as de toda parte do mundo. Bom, basicamente dos EUA com Hanna Barbera, Looney Tunes, Ducktales, Tom & Jerry e Pica-Pau, principalmente, mas como também sempre fui fã da TV Cultura assistia com alguma frequência desenhos de origem europeia.

Bom, a maioria era chato, pensando bem, mas o ponto não é esse: animação, “desenho”, era algo necessariamente estrangeiro, poderia vir de qualquer lugar do mundo, então mesmo quando eu percebia a, er, “japonicidade” de Cavaleiros do Zodíaco, isso simplesmente não me dizia nada.

Eu já era adolescente quando assisti Cavaleiros do Zodíaco. Só fui ter consciência da indústria de animação japonesa como algo especial anos depois, assistindo anime em VHS pirata de famosa loja de animes piratas que já sustentou sozinha eventos de anime no bairro da Liberdade por alguns anos.

Saber Marionette J e Love Hina, foram esses os primeiros animes que assisti. Em japonês com legendas em português, com plena consciência de que eram animes (“e não desenhos”, o que levei uns anos para desaprender) e de que isso fazia deles algo especial, diferente das animações com as quais eu estava acostumado até então.

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E eram bem diferentes mesmo! Diferentes inclusive do tal Cavaleiros do Zodíaco. Não são obras adultas não importa como se olhe para elas, mas eu já era um adulto quando assisti, e assisti junto com outros adultos, e ainda que fossem produtos adolescentes (não infantis, e mesmo isso já os diferenciava de tudo o que eu havia conhecido até então – inclusive Cavaleiros) eventualmente tocavam em temas mais sérios (não complexos, apenas mais sérios mesmo), coisas com as quais eu podia me identificar ou me emocionar sinceramente.

Acho que até hoje eu vou chorar assistindo os episódios finais de Saber Marionette J – mesmo hoje em dia não é qualquer anime que acerta o timing emotivo como aquele, quem assistiu sabe do que estou falando e quem não assistiu, por favor acredite nas minhas palavras.

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Depois disso, conheci muito mais animes. Na verdade, conheci só mais alguns e estagnei por anos apenas lendo mangás, mas as duas indústrias são contíguas, então nunca estive muito afastado.

Quando retornei aos animes, os conheci aos montes. Animes novos, antigos. Filmes animados, animes para TV, especiais direto para o vídeo. Os mais diferentes tipos de traço, narrativa, gênero. E para diversos públicos-alvos distintos. Animes para crianças. Animes para adultos. Eles com certeza existem. Mesmo se não existissem acredito que eu continuaria assistindo animes – eu sou um pouco pária social, como as centenas de milhares de japoneses que o Sevakis apontou, hehe.

Mas não acredito que seria só eu, nem acredito que apenas párias como eu assistiriam. E é porque todos nós, párias ou não, assistem animes, e os produtores japoneses sabem disso, em um país com uma população cada vez mais velha, que animes para adultos são produzidos.

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Eu sou adulto e assisto animes. Mais do que isso: eu só comecei a assistir animes porque animes depois de adulto. E embora nem japonês seja, embora não exista um só engravatado japonês pensando especificamente em mim (meia-verdade: supostamente a recente onda de mais produtos da franquia Cavaleiros do Zodíaco tem sim muito a ver com os fãs ocidentais), eu sei que, em que pese a diferença de valores entre japoneses e ocidentais, muita coisa do que eu assisto definitivamente só pode estar sendo produzida tendo o espectador adulto como paradigma necessário.

Vitor: Na minha visão, a noção do público-alvo como indicador de audiência recomendada é algo extremamente duvidoso em uma obra de animação.

E isso não se restringe às animações japonesas. Em 2004, o estúdio Pixar abordava temas como vigilantismo, desestruturação familiar e frustração pessoal e profissional em um dos seus maiores sucessos, Os Incríveis.

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Aqui vai uma sinopse básica desse filme: uma família de (ex)super-heróis tem que resolver suas diferenças para enfrentar um novo vilão. Perfeito para levar as crianças para o cinema, certo?

Pois é, animações infantis não são idealizadas por mentes infantis. No Oriente, quem faz esse papel, até há mais tempo e com mais intensidade, nos cinemas, é o Studio Ghibli, com filmes carregados de críticas sociais, simbolismos e levantamento de bandeiras, que mesmo assim funcionam com o público infantil.

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Essa pequena divagação me leva ao ponto principal: em animações, público-alvo é uma noção puramente comercial, uma orientação mercadológica de quem investe nesses produtos.

Poderíamos mergulhar numa discussão ainda mais ampla que remete à origem da animação e a práticas culturais nas sociedades orientais e ocidentais, o que nos ajudaria a entender por que o publico infantil é, na esmagadora maioria das vezes e nos dois polos do globo, o associado às animações.

Entretanto, meu ponto aqui, por enquanto, é separar o comercial do artístico. É plenamente possível abordar temáticas adultas em obras direcionadas para o publico infantil, ainda que essas temáticas estejam “mastigadas” para uma mais fácil compreensão e absorção do seu publico-alvo, assim como deixar as mensagens lá, de forma que só a mamãe ou o papai que levaram os filhos para assistir Princesa Mononoke ou Os Incríveis, captarão.

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O que tudo isso tem a ver com o mercado de animes?É o fato dessas temáticas sempre estarem lá, há anos e aos montes, estigmatizadas pela tal noção comercial de público-alvo. O que acarreta em um bizarro sentimento de “perda” de maturidade ao consumir esse tipo de material, especialmente em uma sociedade estrita na questão da relevância social, como a japonesa.A pesquisa da DoHouse e o sucesso recente de obras com essa temática, citadas no começo da discussão, só reforçam isso. Há públicos dispostos a consumir essas obras, dentro e fora do nicho, mas como quebrar a barreira de uma mídia negativamente marcada?

 

Confiram semana que vem a segunda parte dessa discussão

 

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Um passeio pelo mundo das figures https://www.finisgeekis.com/2016/07/05/um-passeio-pelo-mundo-das-figures/ https://www.finisgeekis.com/2016/07/05/um-passeio-pelo-mundo-das-figures/#respond Tue, 05 Jul 2016 16:21:46 +0000 http://finisgeekis.com/?p=7549

Quando pensamos em otakus, poucos símbolos são mais universais do que figures colecionáveis.

Seja na realidade, seja na ficção, prateleiras cheias de miniaturas de plástico se tornaram a prova de que o anime, para seu dono, é mais do que um simples passatempo.

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O que um dia foi estereótipo negativo se tornou uma marca de orgulho. O mercado de figures, que hoje já conta com suas próprias convenções, é um dos setores mais vibrantes, lucrativos e cobiçados do mundo nerd.

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Wonder Festival, a principal convenção do gênero

No Japão, em especial, o hobby se tornou parte da cultura nacional. Não só é o responsável por boa parte do turismo em bairros como Akihabara, em Tóquio e Den Den Town, em Osaka, como ultrapassou as fronteiras do mundo otaku. Artistas contemporâneos como Takashi Murakami já se aventuraram em obras inspiradas em figures.

Nem sempre foi assim

Tal como o cosplay, as convenções nerds e, em certo sentido, o próprio animefigures foram uma importação ocidental… e bastante recente.

Que hoje o Japão seja não apenas celebrado como a “capital das figures”, mas também como berço de alguns dos melhores fabricantes de miniaturas de franquias ocidentais é prova de que a cultura otaku, longe de uma marca de vergonha, é um toque de Midas.

kotobukiya luke vader

rogue bishoujo kotobukiya

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Quem cai de paraquedas em uma convenção contemporânea, em toda a sua pompa, pode se espantar ao conhecer as origens do hobby.

Isto porque o “pai” das figures é alguém bem menos imponente – e, para a surpresa de alguns, muito mais conhecido.

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Ele mesmo

Don Levine, vice-presidente da Hasbro, certa vez olhou a vitrine de uma loja de artes e teve uma revelação: por que não criar brinquedos iguais aos manequins de desenho? Figuras humanas que pudesem assumir qualquer pose, vestir qualquer roupa e se reinventar infinitamente?

A ideia de Levine chegaria aos mercados em 1964 como G.I. Joe. E o mundo do colecionismo jamais seria o mesmo.

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Colecionar bonecos, claro, é algo muito mais antigo. O próprio G.I. Joe jamais teria ganhado as prateleiras não fosse o sucesso espetacular da sua mais importante predecessora: a boneca Barbie.

No entanto, Don Levine marcou época por ter feito algo que pode passar batido à primeira vista, mas pela qual todos os colecionadores sem dúvida têm muito a agradecer. Ele se recusou a chamar sua criação de “boneco”. Mais do que isso: proibiu a companhia de se referir a ela com a palavra e se recusou a vender para lojas que a chamassem deste jeito.

Nascia a diferença entre figures e “bonequinhos”. E, graças aos nerds, ela jamais seria esquecida.

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Como tudo no mundo nerd, a história passa por Star Wars. Se G.I. Joe trouxe o formato, a saga de George Lucas trouxe a função. Sob a direção da companhia Kenner, as figures de Star Wars deixaram de ser apenas brinquedos para se tornarem colecionáveis.

Se antes figures eram apenas figuras de plástico, agora elas eram parte de um projeto maior, com direito a cenários, dioramas e itens promocionais.

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O impacto que elas tiveram foi muito além do consumismo. Para alguns, foram as figures, e não os efeitos especiais, as verdadeiras responsáveis pelo sucesso da saga de Lucas.

Em um mundo anterior à internet, sem máquinas publicitárias para lançar filmes e spin-offs ano após ano, o colecionismo era o principal responsável por manter o interesse dos fãs. Sem ele, é muito provável que Star Wars amargasse como uma de tantas promessas esquecidas dos anos 1970/80.

O tempo passou, os fãs cresceram, suas carteiras aumentaram – e, com elas, sua exigência. Figures ficaram maiores, mais populares, detalhistas e exclusivas.

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Quão exclusivas, exatamente? Basta olhar para a magia por trás dos panos.

Trabalho duro e tecnologia de ponta

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Nas palavras de um dos designers da Kotobukiya, uma das mais importantes fabricantes do Japão, a produção de figures é a arte de se transformar o 2D em 3D.

Tudo começa com uma (ou várias) imagens de referência, que são traduzidas em um protótipo tridimensional.

Em alguns casos específicos, seus próprios designers se encarregam do material. Na maior parte das vezes, no entanto, eles recebem as imagens dos detentores de direitos autorais.

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Figures geralmente são feitas para atingir o mercado junto (ou próximo) às obras em que são baseadas. Por causa disto, fabricantes geralmente recebem versões preliminares das personagens.

Como dá para imaginar, não é incomum que isso cause atrito. Figures de anime, em especial, costumam ser esculpidas em escala. Na falta de informações oficiais, dados como a altura da personagem e o tamanho de suas armas precisam ser calculados a partir das ilustrações.

Pior ainda: no percurso da arte conceitual até o lançamento, character designs muitas vezes são mudados de última hora. Quando isto acontece, todo o processo deve recomeçar do zero.

Mesmo na melhor das hipóteses, o processo de dar vida a um esboço é sempre longo e pode custar até 3 meses de trabalho.

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Protótipos são tradicionalmente feitos à mão, mas é de se imaginar que artistas que dão vida a mechas e armas futuristas sejam bem receptivos à tecnologia. Em grandes fabricantes, imagens de referência são digitalizadas, manipuladas e tridimensionalizadas na tela do computador.

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figure digital

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Protótipos, por sua vez, são feitos usando vários tipos de impressoras 3D. Para assegurar que o resultado fique igual ao esperado de um artesão talentoso, a equipe emprega uma série de gadgets. Um dos mais impressionantes, o Freeform, permite que um modelo seja polido no PC como se fosse uma estátua de resina.

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Se nada disso impressiona, basta lembrar que a tecnologia por trás da produção de figures é a mesma usada na indústria médica para fazer impressão 3D de órgãos humanos.

Se alguém ainda duvidava que colecionadores levam suas figures à sério, basta ter em mente que os mesmos recursos futuristas desenvolvidos para salvar vidas humanas são usados para garantir que as dobras de um kimono de plástico pareçam naturais.

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O resultado não deixa a desejar

 

… e MAIS trabalho duro

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Nada disso significa que as velhas tradições foram abandonadas. Não deixem as máquinas e os computadores enganá-los: figures são (e, provavelmente, sempre serão) uma arte feita à mão.

Por um lado, o trabalho humano é uma questão de necessidade. Impressoras 3D do tipo utilizado para criar figures são extremamente caras. Mesmo os maiores fabricantes raramente têm mais de uma ou duas à disposição.

Como menos impressoras, menor o volume de trabalho. E maior a necessidade de otimizar o tempo, utilizando as máquinas apenas para o que é realmente necessário.

Por outro lado, ele é uma escolha consciente. Por mais precisos que sejam os modelos 3D, a produção baseada em dados, como  é conhecida, não dá conta de todos os recados. Como conta o representante da equipe de protótipos da Kotobukiya:

Métodos de produção baseados em dados não são perfeitos. Há ainda muitas coisas que são feitas de forma melhor e mais rápida à mão. Linguagem corporal e tecidos são dois dos principais exemplos. A produção baseada em dados é mais indicada para a criação de figuras simétricas. Isto significa que, com vários protótipos, uma vez que você tenha criado metade dele, você pode fazer o resto a partir daquela metade. Formas perfeitamente circulares, padrões espaçados regularmente – estes são os tipos de tarefas que a produção baseada em dados faz melhor.

Figures muito regulares ou “robóticas”, como mechas, podem ser colocadas sem trauma à cargo de uma impressora 3D. Peças mais orgânicas, no entanto, não dispensam a boa e velha e escultura.

Como resultado, departamentos equipados com tecnologia de última geração dividem espaço com aquilo que mais parece uma oficina de artes:

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Fábrica da Good Smile Company. Fonte: Gacchiri Monday (via Kotaku)

Se não parece óbvio que empregar tantas pessoas seja mais eficiente do que adotar uma linha automatizada, basta dar uma olhada no nível de detalhes com que esses profissionais trabalham. Alguns são tão minuciosos que passariam batido aos olhos de leigos.

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Faixa azul na bota de uma Nendoroid. Fonte: Gacchiri Monday (via Kotaku)

É difícil saber quem, além dos colecionadores mais ferrenhos, teria a paciência e a atenção para escrutinizar esse tipo de coisa. As empresas com certeza também não sabem. Não é à toa que uma boa parte de seus funcionários são, eles próprios, colecionadores que transformaram o hobby em profissão.

Se você também quer fazer das figures sua vida e está disposto a largar tudo e partir para o Japão, tenho boas notícias: você não será o primeiro a ter vivido o sonho. Embora não seja comum, alguns ocidentais já conquistaram espaço na indústria.

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Robert, um americano e cosplayer de Star Wars que trabalha na Kotobukiya. Fonte: Otaku Mode

De resto, da próxima vez que você se perguntar como um pedaço de plástico pode custar mais de 1000 reais (e como adultos podem achar que é uma boa ideia encher uma parede inteira com elas), saiba que não se trata de ganância do vendedor, nem de ingenuidade do comprador.

Pelo tempo, tecnologia e trabalho descomunal que demandam, figures são verdadeiros tesouros. Não é à toa que seus fãs as tratam como tal.

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Minha prateleira que o diga

]]> https://www.finisgeekis.com/2016/07/05/um-passeio-pelo-mundo-das-figures/feed/ 0 7549 “Cultura otaku” é cultura japonesa? https://www.finisgeekis.com/2015/08/10/cultura-otaku-e-cultura-japonesa/ https://www.finisgeekis.com/2015/08/10/cultura-otaku-e-cultura-japonesa/#comments Mon, 10 Aug 2015 18:42:28 +0000 http://finisgeekis.com/?p=540 Para nós, do outro lado do mundo, essa pergunta soa estranha. O Guia da Cultura Japonesa carrega uma seção inteira sobre o assunto (algo de se esperar, já que é publicado pela JBC). No bairro da Liberdade em São Paulo mangás e merchandise otaku dividem espaço com kimonos, mistura para missô e cogumelos shiitake. Mesmo os mais ávidos “militantes” anti-anime reconhecem seu carimbo nipônico: anos atrás, um deputado americano declarou que a mídia é a prova de que duas bombas não haviam sido suficientes.

O leitor pode ficar surpreso ao saber que na terra do sol nascente essa opinião tem seus contrários. Políticos como Shintaro Ishihara, ex-prefeito de Tóquio, aproveitam cada oportunidade para atacar a influência da cultura otaku na “saúde dos jovens”, a ponto de terem trocado farpas com gigantes da indústria com um projeto de lei de controle da mídia anos atrás. Ishihara não é um único: para vários japoneses, mangá e anime não são cultura japonesa “de verdade”. Para eles, não passariam de perversões ocidentais que retratam – quando não zombam – de símbolos nipônicos legítimos. O “verdadeiro Japão” não usa palavras em inglês em seu vocabulário, nem baba com garotas estilizadas de pouca roupa e heróis de topetes coloridos. Estes são costumes ocidentais – em especial, americanos – que japoneses abraçaram por vergonha, ignorância ou degeneração.

Por mais histéricos que esses críticos soem, eles não estão 100% errados. Há algo de não-japonês na cultura otaku, que abala a própria ideia de uma “cultura japonesa”. Porém, como em todas as coisas, a verdade é sempre mais complicada.

Quando os japoneses foram proibidos de ser japoneses

Hiroki Azuma, um autor que já citei aqui algumas vezes, tem uma explicação. Além de crítico especialista em cultura otaku, ele é o escritor da história que inspirou o belo anime Fractale e é parceiro de Takashi Murakami no movimento Superflat. Para aqueles que não são familiares com o mundo da arte, Murakami é um pintor que incorpora influências da animação japonesa e da cultura pop em seus trabalhos. Dá para perceber, portanto, que para ele a questão é pessoal.

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Gero tan, de Takashi Murakami

Segundo Azuma, tudo começa – como as coisas, no Japão contemporâneo, geralmente começam – com a Segunda Guerra Mundial.  Entre 1945 e 1952, o Japão esteve ocupado pelas forças armadas dos Estados Unidos. Se por um lado os americanos acabaram com a terrível censura do regime de Hirohito, por outro colocaram, eles mesmos, suas proibições. Obras “indecentes” ou que fizessem apologia ao militarismo eram proibidas de circular. Na prática, isto significou que uma boa parte da cultura que os japoneses tinham de mais cara fosse banida ou controlada, dos filmes de samurai ao próprio shintoísmo, a religião oficial do país. De um dia para outro, um povo que se via no dever de se orgulhar da própria cultura teve de aprender a esquecê-la. Não é um trauma fácil de se resolver. Para a sorte dos japoneses, eles tiveram uma ajudinha do estrangeiro.

Nos anos 1970 e 1980, um novo jeito de encarar a arte e o mundo chegou ao Japão. Esta filosofia, criada na França para pensar na loucura e histeria das novas mídias que surgiam, se baseava em uma ideia simples.

Um dia, no passado, a realidade era apenas o que havia à nossa volta. Obras de arte, escritos e entretenimento eram um tempero a mais, um toque de criatividade que curtíamos de quando em quando e que sabíamos separar do mundo que nos cercava.

Alguns séculos depois, a situação era outra. Rádio e TV viraram itens indispensáveis cujos programas nos acompanhavam dia e noite. Com os walkmen (depois CD players e iPods) a música passou a ser algo presente em cada segundo de nossas vidas. Com as telas (primeiro na sala, depois nos quartos, bolsos e relógios) nosso dia a dia deixou de ser físico para abraçar o virtual. Programas, desenhos e comerciais não eram mais um tempero: eles haviam se tornado parte da realidade. Pense só em sua infância e em quantas memórias você tem de jingles, personagens de animação, locutores favoritos ou websites. Recentemente, passamos mais tempo com vídeo, internet e arquivos mp3 do que com um mundo que existe “de verdade” e que podemos “tocar”.

Essas mudanças fizeram a cabeça de uma legião de artistas, que criaram uma arte acessível e criativa, em que nada era o que parecia e a própria existência era posta em xeque. Neste mundo, personagens interagiam com seres imaginários e manifestações dos seus próprios sentimentos. Às vezes, eles temiam estar ficando loucos. Outras vezes, eles “descobriam” que são personagens em uma história e lutavam para se libertar do autor.

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O resultado é uma “fantasia” igual a nenhuma outra. Não é mágica ou coerente como os livros de Tolkien e seus milhares de imitadores. Não é séria como a low fantasy que lida com monstros (fantásticos ou humanos). Não é “afeiçoada à pátria” e politizada como o realismo fantástico da América Latina. É, fiel à sua origem, uma mistura desvairada de cultura pop, memes, cores vibrantes e doidices aleatórias.

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Qualquer semelhança com o anime não é mera coincidência. Quando os japoneses foram apresentados a essa corrente, algo incrível aconteceu.

A “domesticação” da cultura pop

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Para artistas ansiosos em expor a cultura, modo de vida e desassosegos de seu país, porém sem saber como escapar do rótulo de “americanizados”, essa nova arte trouxe uma saída inédita. E se o mundo moderno, os arranha-céus, as palavras em inglês e  os adereços modernos – do celular aos consoles de games – pudessem se transformar em uma nova cultura? Não, obviamente, do jeito que estavam, mas caso fossem modificados um pouco, misturados aos samurai, shamisen e cerimônias do chá? Afinal, se coisas imateriais já faziam parte da realidade e se não havia mais divisão entre o mundo “real” e “digital”, por que não combinar tudo?

Desse caldeirão surgiu o anime que amamos tanto. O Japão até produzia animações antes da guerra, mas basta uma olhada para perceber que elas não tinham nada a ver com o universo vibrante de Goku, Sakura e Usagi. Obviamente, o anime não foi a única coisa a sair desse choque. Outro Murakami, o escritor Haruki, trouxe à literatura o que seu xará fez com as artes plásticas. O autor, cuja obra influenciou uma série de animes, de Haibane Renmei Angel Beats!, a ponto de ser diretamente citada no surreal Mawaru Penguindrumescreveu histórias que trouxeram Johnnie Walker, Coronel Sanders, o ataque de gás sarin no metrô de Tóquio e a campanha japonesa na Manchúria na Segunda Guerra a um mundo fantástico.

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Livros de Murakami no anime Mawaru Penguindrum

Quase cem anos atrás, Virginia Woolf disse que a arte só começa onde termina a auto-afirmação. Muito se fala sobre preservar as “raízes”, celebrar a “nossa cultura” e acabar com as “influências de fora”. O advento do anime, no entanto, nos passa uma lição contrária. Afinal de contas, ele deu à cultura japonesa algo que ela (com exceção talvez dos trabalhos do Hokusai) nunca antes teve: popularidade inigualável no mundo inteiro. O otaku não tem país. Ele existe em qualquer parte do mundo, tal com os comerciais, mascotes, referências literárias, memes e toda a realidade recortada que celebra.

É importante ter orgulho de onde viemos e de quem somos. Mas às vezes, para compartilhar nossa experiência, nada é melhor do que deixar isso de lado por um instante.

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Miyazaki e Oshii na mesma página? https://www.finisgeekis.com/2015/01/31/miyazaki-e-oshii-na-mesma-pagina/ https://www.finisgeekis.com/2015/01/31/miyazaki-e-oshii-na-mesma-pagina/#respond Sat, 31 Jan 2015 21:45:05 +0000 http://finisgeekis.com/?p=15

Hayao Miyazaki, a grande lenda viva do mundo do anime, deu recentemente uma declaração bombástica: a indústria de animação japonesa vai mal porque está “cheia de otakus”. Aos fãs de plantão: não se assustem. O mestre do Studio Ghibli não os odeia. A sua queixa, na verdade, é bem específica, e sem dúvida é partilhada por uma boa fatia de seu público alvo.

Miyazaki critica criadores que não sabem como humanos de verdade funcionam. Obcecados pela cultura interna do mundo otaku, não passam tempo suficiente “observando pessoas reais”, e vivem a vida “interessados apenas em si mesmos”. O problema é o excesso de auto referência; uma indústria com olhos apenas para si mesma e que, por consequência, reduz mais e mais o rol de coisas que sabe representar. Daí as hordas de garotas moe, heróis shounen estereotipados e a oferta infindável de personagens idênticos em histórias idênticas em revistas e séries de alta circulação.

Válido ou não, não pude deixar de sorrir com o comentário do diretor. Primeiro porque as diferenças de Miyazaki com a animação de seu país não são de hoje. Desde os longínquos anos 1980 ele nunca hesitou em olhar para fora, para a fartura visual de estúdios como a Disney, em vez de improvisar uma linguagem com poucos recursos e baixo orçamento, como fizeram, por exemplo, os visionários do gênero mecha. Mas, sobretudo, porque seu resmungo é quase idêntico à alfinetada que recebeu anos atrás de seu antigo colaborador, Mamoru Oshii.

Sky Crawlers e os adultos-criança

Criador de Ghost in the Shell, inspiração de Matrix (na minha opinião, um melhor contraponto para Blade Runner), Oshii é quase tão famoso quanto o criador de Viagem de Chihiro. A diferença, óbvia para os familiares com sua obra, é o tom mais adulto, sério e socialmente crítico que adota em seus filmes.

Em uma entrevista de 2008, quando seu filme Sky Crawlers foi indicado para o festival de Veneza, Oshii deixou isso bem claro. Os filmes de Miyazaki são ótimos de se ver, ele disse, mas são maravilhosos, otimistas, bonitos. O problema é que nem só de beleza é feito o mundo. A fantasia glamorosa de Miyazaki, conquanto um “doce para os olhos”, não é real o suficiente.

A crítica não poderia ter vindo em momento melhor. Sky Crawlers é uma metáfora da infantilização na era contemporânea, do mito do “adolescente eterno” e da cultura otaku, especificamente. O argumento é o de uma sociedade que produz adolescentes que não crescem, e que os emprega como bucha de canhão em batalhas aéreas encenadas. Os jovens (chamados Kildren) vivem vidas ocas, com muito álcool, sexo e violência, até o momento em que são abatidos em frente às câmeras às custas de uma boa audiência. Quando mortos, são substituídos por outros jovens idênticos em aparência e comportamento: nesta sociedade, tal como na nossa, o importante não é ser criativo, mas se misturar à tribo.

Em seus reality shows aéreos, há apenas um piloto que jamais foi derrubado. Ele é, sugestivamente, um adulto. Mais sugestivamente ainda, seu codinome é Teacher. Os Kildren são livres para curtir uma breve vida de libertinagem, mas sabem que, cedo ou tarde, seu destino é morrer nas mãos do Teacher. A trama acompanha o drama de um casal, Kusanagi e Yuuichi, que se desesperam com o vazio da adolescência e desejam crescer. Kusanagi tornou-se mãe e se angustia com o fato de que, em alguns anos, suas filhas serão adultas e ela continuará uma criança. Em um final que só poderia ser mais didático se Oshii nos explicasse com um quadro negro, Yuuichi larga tudo e parte para um duelo com Teacher, argumentando que, para se libertar de sua prisão adolescente, precisa “matar o seu pai.”

Sky Crawlers é um soco no estômago para adolescentes e jovens adultos, e sua mensagem só ficou mais forte pelo fato do filme ter sido lançado junto ao levíssimo Ponyo. Mas eu me pergunto se Miyazaki, ou pelo menos o Miyazaki de 73 anos, que se aposentou com uma reflexão sobre o complexo militar-industrial japonês da Segunda Guerra, discordaria da conclusão. Mais do que nunca, os dois gênios parecem estar na mesma página.

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