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Noritoshi Furuichi – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Sat, 02 Mar 2019 19:35:49 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Noritoshi Furuichi – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Shinkai e “Kimi no Na Wa”: A ‘era dos otakus’ realmente terminou? https://www.finisgeekis.com/2016/09/12/shinkai-e-kimi-no-na-wa-a-era-dos-otakus-realmente-terminou/ https://www.finisgeekis.com/2016/09/12/shinkai-e-kimi-no-na-wa-a-era-dos-otakus-realmente-terminou/#comments Mon, 12 Sep 2016 22:21:45 +0000 http://finisgeekis.com/?p=10090  

Há algo de podre no reino dos animes. Ou, pelo menos, é o que se diz por aí.

Fãs de Makoto Shinkai, o celebrado diretor de 5 Centímetros por Segundo, devem saber que seu novo filme, Kimi no Na Wa, acaba de ser lançado no Japão. Alguns figurões da indústria já tomaram a internet para despejar seus elogios.

O que talvez não tenham ouvido é que o filme provocou também reações um tanto estranhas.

Hiroki Azuma, um dos principais especialistas em anime no Japão, disse que o filme é a prova de que “a era dos otakus” finalmente acabou.

Nas suas palavras:

Eu concordo completamente com a análise do [Daisuke] Watanabe. [A imaginação] do sekaikei e dos games bishoujo ganharam popularidade nacional ao dar a seus protagonistas vidas pessoais satisfatórias. Mas eu não estou otimista em relação ao que vem depois. Kimi no na Wa parece menos um começo de uma era do que o fim de outra. Para ser sucinto, ao assistir Shin Godzilla Kimi na Na Wa eu senti que a era otaku acabou. A imaginação dos otakus ‘Gainax’ da primeira geração e os otakus ‘sekaikei’ da segunda geração amadureceu. (…) Aquela falta de rumo e de esperança desapareceu completamente. Isto pode ser bom e isto pode ser ruim. Em todo caso, como alguém nascido em 1971 que acompanhou mídia otaku a vida inteira, eu acho que esse ano será visto no futuro como um turning point.

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Como era de se esperar, o comentário causou frisson. Alguns leram nele o julgamento de que a mídia otaku teria “crescido”, e não estaria mais nas mãos de fanboys. Já outros ressuscitaram o velho argumento de Hayao Miyazaki de que otakus são uma praga que precisa acabar.

Outros ainda, imagino, devem ter se perguntado por que raios um “especialista” decidiu implicar com o filme de um dos diretores mais celebrados da animação contemporânea.

Em tempo: otakus podem respirar tranquilos. Azuma não quis dizer que fãs de anime estejam mortos, nem que o anime é uma mídia degenerada. Ele, próprio, está envolvido como poucos na mídia: é o autor da história de Fractale  e publicou livros sobre o mundo dos animes (os quais eu mesmo já comentei aqui antes).

Pelo contrário, o que Azuma está dizendo é algo muito maior e mais importante – porém, não necessariamente mais óbvio.

Para entendê-lo, no entanto, é preciso viajar um pouco pela história do Japão

A era do impossível

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Nos anos 1980, o futuro parecia brilhante para a Terra do Sol Nascente. Enquanto muitas nações amargavam em crises financeiras e políticas, o país contava com uma economia aquecida, uma popular indústria midiática e otimismo para dar e vender.

Para alguns, como o político e escritor Shintaro Ishihara, o Japão estava a caminho de se tornar a próxima grande potência global. No livro O Japão que Sabe Dizer ‘Não’,  defendeu que os japoneses poderiam até mesmo abandonar o vínculo com os EUA nos quais se sustentavam desde 1945.

Em 1995, dois baques colocaram essa visão por terra.

Do primeiro, as imagens falam por si só:

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O Grande Terremoto de Kobe foi o maior tremor  a atingir o Japão desde 1923. Com quase 7 pontos na escala Richter e um saldo de mais de 6000 vítimas, foi uma tragédia sem precedentes para a maioria das pessoas vivas em 1990.

Tal como os nova-iorquinos após o 11/09, os japoneses de 1995 sentiram que seu mundo havia virado de ponta cabeça. Ao saírem nas ruas pela manhã, encontraram uma cena que, até então, esperavam encontrar apenas em filmes de kaiju.

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Infelizmente, a tragédia não pararia por aí. Apenas dois meses depois, a seita apocalíptica Aum Shinrikyo realizou um ataque terrorista ao metrô de Tóquio.

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Se a ação já foi terrível, o método utilizado elevou o ataque a outro patamar de crueldade. Em vez de bombas, a Aum Shinrikyo fez uso do gás Sarin, uma arma química de destruição em massa que destrói o sistema nervoso sem causar danos físicos.

Em um minuto, milhares de japoneses estavam penduradas no metrô a caminho do trabalho. No instante seguinte, pessoas inexplicavelmente começaram a perder controle de seus sentidos, ficar cegas ou desabar ao chão.

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O atentado foi um dos eventos mais traumáticos na recente história do país. Para alguns, atrás apenas da Bomba de Hiroshima.

A repercussão na cultura japonesa foi gigantesca. O famoso escritor Haruki Murakami realizou uma série de entrevistas com sobreviventes, que publicou como o livro Underground: O Ataque de Gás de Tóquio e a Mentalidade Japonesa. Histórias sobre seitas e atentados à população civil também ganharam as páginas de muitos de seus romances.

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O episódio inspirou ainda vários animes e mangás, incluindo Oyasumi Punpun de Inio Asano, Paranoia Agent de Satoshi Kon e Mawaku Penguindrum de Kunihiko Ikuhara.

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Não dá para ser mais explícito do que estampando a data do atentado em um vagão de metrô

Para a auto-confiança dos japoneses, o ano de 1995 não poderia ter sido pior. O próprio Shintaro Ishihata, então deputado, engoliu seu orgulho e abandonou sua então carreira política.

Se antes se acreditavam acima de qualquer ameaça, o terremoto de Kobe mostrou que a pequena ilha que chamavam de lar poderia desaparecer da noite para o dia – e provavelmente o faria, mais cedo ou mais tarde.

Já o atentado de Tóquio, perpetrado por um grupo fanático religioso (com vínculos com o próprio Ishihata!), mostrou que toda sua modernidade não era suficiente para protegê-los da mais absurda das crendices.

Algo soa familiar? Não é por acaso. Ainda em 1995, essas angústias encontraram seu lugar naquele que logo se tornaria um dos animes mais famosos de todos os tempos.

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Síndrome Pós-Evangelion

Para Hiroki Azuma, o mesmo que agora nos conta sobre o “fim” da era otaku, os traumas de 1995 deram popularidade a um gênero próprio de histórias: o  sekaikei.

Também conhecido como “síndrome pós-Evangelion” por motivos óbvios, esse estilo se caracteriza por um cenário de perigo apocalíptico e pelo drama de um protagonista (geralmente adolescente) em uma relação complicada com uma garota.

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Ameaças de fim de fundo e romances juvenis não são coisa nova. O que separa o sekaikei do que veio antes é o fato de que, nessas histórias, há muito pouco além disso.

O worldbuilding é mínimo; as personagens coadjuvantes, decorativas. Não espere divagações geopolíticas, explicações metafísicas ou personagens tridimensionais. Os protagonistas dos sekaikei estão soltos em um mundo sem nada além de sua crush e de um inimigo descomunal que carrega a humanidade na ponta dos dedos.

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Se você já se flagrou assistindo a um anime e se incomodou com o desperdício de lore ou falta de exposição, saiba que foi proposital. Para o sociólogo Masachi Osawa, a “era do impossível”, como ele chama o Japão pós-1995, foi marcada por uma enorme desconfiança em relação à política e uma dificuldade em criar vínculos com os outros.

Quando o governo não consegue nos manter seguros, não há por quê acreditar que queira nosso melhor. Quando nosso colega de metrô pode se mostrar um terrorista, até mesmo conversar com estranhos se torna uma roleta russa.

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O resultado são protagonistas sem uma comunidade para chamar de sua, sem interesse ou conhecimento de política e sem paciência para olhar muito à frente. Se, como disse Frank Miller, os anos 1980 foram uma época de “ronins”, o Japão dos anos 1990 teve o seu próprio surto de samurais sem mestre.

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É dessa “falta de rumo e de esperança” de que Azuma fala ao dizer que a era dos otakus acabou. De um lado, Makoto Shinkai, que contribuiu ele próprio com o sekaikei no anime A Voice of a Distant Star, parece ter encontrado um antídoto para sua melancolia.

De outro, Shin Godzilla, retorno do clássico dos filmes de kaiju, mostra que o trauma do terremoto finalmente passou. Depois do tsunami e desastre nuclear de Fukushima, a velha lagartixa crescida e seu bafo radioativo não carregam a mesma gravitas.

Uma nova era dos otakus

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Levando tudo isso em conta, é difícil negar que muito já mudou desde as angústias dos anos 1990. Pelo contrário, é até estranho pensar que as fantasias apocalípticas do sekaikei se mantiveram firmes e fortes durante todo esse tempo.

Essa é a opinião de Motoko Tanaka, que estudou enredos de anime produzidos nas últimas décadas. Para ela, nos anos 2000 o sucesso de Battle Royale e a repercussão do 11/09 inspirou uma geração de histórias “cão come cão”, com conspirações terroristas ou anti-heróis justiceiros.

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Mais ou menos na mesma época, Lucky Star e depois K-ON! popularizaram uma nova era de otimismo e ficção feel good  que segue forte até os dias de hoje.

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Não era para ser diferente. Como disse Noritoshi Furuichi, o sociólogo favorito de Inio Asano, os jovens japoneses, apesar de todos os pesares, nunca estiveram tão felizes.

Outras gerações podem se preocupar com o fim do mundo, seitas terroristas e reviravoltas políticas. A juventude nipônica de hoje, com amplo acesso à tecnologia, entrada tardia no mercado de trabalho e pais abastados capazes de sustentá-los enquanto “procuram a si mesmos”, tem prioridades mais modestas.

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Pode bem ser que uma época tenha chegado ao fim. Porém, com tanta coisa acontecendo, é mais fácil admitir que novas “eras de otakus”  estejam apenas começando.

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Inio Asano e a “voz” da nossa geração https://www.finisgeekis.com/2016/04/04/inio-asano-e-a-voz-da-nossa-geracao/ https://www.finisgeekis.com/2016/04/04/inio-asano-e-a-voz-da-nossa-geracao/#comments Mon, 04 Apr 2016 22:38:33 +0000 http://finisgeekis.com/?p=3731 Estaria a juventude sem rumo?

Essa é uma daquelas perguntas que custam a ficar velhas (com o perdão do trocadilho). Já faz mais de 25 anos que Mundo Fantasma sugeriu a mesma coisa. De lá para cá, não parecemos estar mais certos. Ou menos perdidos.

No universo do mangá, é difícil falar sobre essas questões sem pensar em Inio Asano, autor de alguns dos mangás mais impressionantes (e bizarros) de memória recente, que tem voltado aos holofotes nos últimos anos.

Nomeado para o prêmio Eisner em 2009, convidado para o Salão do Mangá de Barcelona em 2015 e incluído na seleção oficial do Festival de Quadrinhos de Angoûleme esse ano, Asano é uma das maiores estrelas da nova geração de mangakás.

Misturando ultra-realismo com a caricatura, o absurdo e o realismo fantástico, Asano encontrou um estilo inconfundivelmente seu. No espaço de alguns tankobons, ele consegue passar de um detalhismo digno de Makoto Shinkai

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às personagens propositalmente distorcidas do Satoshi Kon de Paranoia Agent e Tokyo Godfathers.

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A comparação com o mundo do anime não é à toa. Asano é conhecido pela vibe cinemática de seu trabalho, a ponto de incluir “trilhas sonoras” em suas páginas. Não por acaso, seu maior sucesso, Solanin, foi adaptado em um filme de banda em 2010.

Mais do que pela técnica, Asano é celebrado como uma “voz” da juventude atual. Seus quadrinhos foram elogiados por fugir dos estereótipos do mangá e mostrar a vida “nua e crua” dos jovens adultos, com tudo o que ela tem de absurdo, deprimente e patético.

Não por acaso, o jornal japonês Yomiuri Shimbum chamou seu universo de um “mundo descontente”. Suas personagens são indecisas, entediadas, sem coragem de abrir mão dos privilégios da juventude e com medo de mergulhar de cabeça nas obrigações adultas.

Qualquer um que faça faculdade ou a tenha terminado recentemente pode simpatizar com esses dramas. Um cliché que aprendemos na infância (e que alguns carregam por muito tempo) é o de que tudo se resolve se tivermos liberdade para fazer o que quisermos. Porém, quando esse dia finalmente chega, logo entendemos que liberdade total é sinônimo de tédio, e viver sem uma rotina é pior do que não viver.

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É um detalhe pequeno, mas que faz todo o sentido do mundo para quem depende dos pais, trabalha meio-período ou faz uma pós-graduação em dedicação exclusiva e tem metade do dia livre para olhar para o teto e se lembrar de que não tem mais 18 anos.

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Aí, talvez, esteja a razão de seu trabalho fazer tanto sucesso. E não parece uma coincidência que Asano tenha despontado justamente no Japão. Afinal de contas, em poucos lugares do mundo essa discussão aparece com mais frequência e de forma mais acalorada do que na Terra do Sol Nascente.

Jovens (in)felizes…

De fato, a ideia de que o Japão é uma terra de jovens infelizes é um lugar comum quase tão popular quanto o White Day e os natais no KFC.

Não é preciso ir muito longe para ler que a Terra do Sol Nascente é o país do suicídio, o lugar onde as pessoas são obrigadas a morar em gavetas e trabalhar até morrer. Mesmo os animes, supostamente um entretenimento escapista, estão cheios de jovens que fogem da escola, que se trancam dentro de casa ou que inventam calamidades para fugir da vida real.

O argumento é que os tempos andam tão difíceis, a esperança tão em baixa e as ofertas de trabalho tão insuportáveis que os adolescentes fazem de tudo para evitar a vida adulta – e os adultos, por sua vez, vendem a própria alma para poder voltar à adolescência. “Ter alma de 12 anos”, se antes um insulto, hoje é uma virtude que muitos ostentam com orgulho.

Não é à toa que Inio Asano foi chamado de uma “voz da nossa geração”. Solanin acompanha um grupo de jovens divididos em arranjar empregos meniais ou se dedicar ao sonho adolescente de montar uma banda. Subarashii Sekai nos mostra pessoas infelizes cuja vida é virada de ponta cabeça por algum feito absurdo. E sua obra-prima, Oyasumi Punpun, é a odisséia de um “garoto” que parece ter passado pelo child broiler de Mawaru Penguindrum:

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O rabisco, não a garota

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Levando tudo isso em consideração, parece evidente que Asano assina embaixo do que já sabemos. O mundo é insuportável. A vida contemporânea é vazia de perspectivas. Os sonhos de infância são ilusões. Quando crescemos, nós invariavelmente nos unimos ao “sistema”, em uma rotina cinza e entediante até o dia em que morrermos. Correto?

Não exatamente.

… de um País Desesperado

Quem dá a pista é o próprio Asano. Em seu mangá atual, Dead Dead Demon’s Dededededestruction (que título!), ele nos entrega o ouro de lambuja:

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Noritoshi Furuichi não é famoso no ocidente, mas se tornou uma sensação no seu país natal. Com apenas 25 anos (e sem nem mesmo terminar um doutorado em sociologia), ele publicou um livro que chacoalhou completamente o que todos pensavam sobre as novas gerações.

Ele diz que os jovens nunca estiveram tão felizes.

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Noritoshi Furuichi

Contrariando a sabedoria popular, ele cita pesquisas que apontam que 80% da juventude japonesa diz estar satisfeita com a vida. Entre estudantes de ensino médio, não menos de 90% se consideram felizes.

Furuichi não quer dizer que os problemas não existem, mas que as pessoas conseguem ser felizes a despeito disso. Há muitas opções baratas para quem deseja consumir. A internet (no Japão, uma das mais rápidas do mundo) permite que mesmo quem segue uma rotina cruel se divirta e interaja com o mundo. Se tudo falhar, resta o fato de que muitos jovens vivem com ou dependem dos pais, e podem sempre recorrer a eles caso tudo vá para as cucuias.

Essa geração sabe que seu conforto não vai durar para sempre, e que cedo ou tarde serão jogadas no mundo “real”. Para Furuichi, a solução que encontraram foi a de uma espécie de carpe diem. Em vez de se preocupar com os problemas do futuro, as pessoas preferem curtir o aqui e o agora.

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E pudera. Se nós precisássemos resumir a época em que vivemos em uma única palavra, poucas cairiam melhor que “incerteza”. Nossa profissão pode ser substituída antes de terminarmos a faculdade. Uma crise econômica pode nos levar do luxo ao lixo em menos de um ano. Os desandos da política deixam todos com medo. Não é raro, nas redes sociais, se deparar com desabafos de que “no futuro, os historiadores não saberão explicar o que aconteceu”.

O Japão não precisa importar problemas; já tem os seus próprios. A população fica cada vez mais velha, e os custos da previdência logo vão pesar de vez sobre os impostos. Com a competição com a China e os Tigres Asiáticos, a economia arrisca despencar. A rotina profissional é sofrida, e as condições de trabalho, desumanas. Desastres naturais são frequentes, e há sempre a Coreia do Norte para armar um sequestro se tudo falhar.

As novas gerações poderiam se preocupar com o futuro e passar as noites em claro em angústia. Ou podem simplesmente curtir a vida enquanto ainda podem, ler mangás e jogar Monster Hunter beliscando um pacote de Pocky.

É esse “mundo fantasma” que Inio Asano se tornou um expert em retratar.

Em Solanin, uma garota que vive com o namorado (mas que ainda recebe comida da mãe) prefere largar tudo e ajudar os amigos a montar uma banda. Curtir o verão desempregada e se arriscar trazendo o sonho à realidade é, para ela, melhor do que envelhecer em um escritório entediante.

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Dead Dead Demon, cuja protagonista aparece lendo o próprio livro de Furuichi, mostra esse carpe diem de forma ainda mais direta. Aqui, Tóquio se tornou literalmente o campo de batalha de uma guerra com alienígenas, e um grupo de colegiais prefere curtir a adolescência a se preocupar com picuinhas como bombardeios, balas perdidas ou o colapso da civilização.

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Umibe no Onnanoko, publicado em inglês como A Girl on the Shore, é um exemplo ainda mais visceral. Sua história acompanha um casal de adolescentes excluídos que decidem fazer sexo sem compromisso.

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O que para outros autores seria a deixa para uma comédia romântica ou um sonho molhado, nos pincéis de Asano vira o que de fato é: uma desgraça. Não há nenhuma felicidade em ver o outro apenas como um corpo para saciar nossos desejos. Sem amor, amizade ou pelo menos respeito, nos transformamos em meros pedaços de carne para nossos parceiros usufruírem.

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A “paixão” evervescente de Sato e Isobe (os protagonistas da HQ) não tem um pingo de prazer, realização pessoal ou desejo de se vangloriar. É apenas uma desculpa para não encararem o mundo real. Tal qual uma anestesia, é uma tentativa de se esconderem em sensações fortes para esquecer os problemas que vivem dia após dia.

Que o leitor fique avisado: é também um dos raros mangás não-hentai que não tem medo de incluir cenas de sexo explícito. Não é à toa que Asano teve seu trabalho reconhecido na França. Seus mangás podem ser estranhos, excessivos e chocantes, mas eles estão fartos da sinceridade  que há muito se tornou marca do que há de melhor no BD francês.

Perdidos ou encontrados?

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Se há algo que podemos dizer de Asano, é que nunca se contentou em seguir modas. O seu retrato da juventude não é nem um pouco diferente.

Se a imagem “tradicional” do jovem japonês é a de um sujeito torturado, preso nas bitolas da sociedade, o jovem de Asano é sarcástico, bem-humorado, patético. Mesmo nos seus momentos mais depressivos, seus mangás não abrem mão da ironia ou de alguma forma de leveza redentora.

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Se o “mal da nossa geração” é visto por outros como uma tragédia, para Asano é uma farsa. Talvez o fato de ter ele próprio vivido uma juventude conturbada, saltando de emprego a emprego, desprovido da certeza de que sua vocação vingaria, tenha feito a diferença.

Sobre a dor, a perda e a falta de propósito, o seu ponto de vista é irreverentemente jovem.

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