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Mass Effect – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Wed, 02 Jun 2021 20:26:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Mass Effect – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Mass Effect” e o fim da história https://www.finisgeekis.com/2021/06/02/mass-effect-e-o-fim-da-historia/ https://www.finisgeekis.com/2021/06/02/mass-effect-e-o-fim-da-historia/#respond Wed, 02 Jun 2021 20:20:56 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22880 Graças ao lançamento de sua legendary edition, a trilogia Mass Effect está de volta aos holofotes.

Era inevitável que esse dia fosse chegar. Remasters são uma necessidade no mundo dos games, uma solução – às vezes, a única – para garantir que jogos sobrevivam a seu hardware. E, de todos as obras que merecem esse tratamento, a franquia que ditou as regras de como games deveriam ser feitos – e apreciados – não podia ficar de fora.

Os ecos do furor popular que recebeu sua conclusão ainda ecoam nos confins da internet. Membros de seu elenco estão em listas de melhores personagens do mundo dos games. A franquia ganhou espaço em galerias de arte, sendo incluída em uma exposição no museu Smithsonian em 2012.

Louvada até hoje como um grande marco dos RPGs eletrônicos, Mass Effect ainda assim, é um enfant terrible de seu gênero. Desde o longínquo ano de 2008, quando deu as caras pela primeira vez, sua tão alardeada ‘liberdade de escolha’ não era lá essas coisas. Diálogos dublados, um protagonista semi-fixo e moral binária contribuíram para um enredo que parecia se desenrolar sobre trilhos.

Seu diferencial, contudo, estava no que foi capaz de fazer dentro desses limites. Poucos games antes – ou depois – usaram de forma tão robusta um sistema de importação de saves. Em Mass Effect, as escolhas carregadas de outros jogos chegam a mais de mil. Por mais que soubéssemos que estávamos vivenciando um roteiro, era difícil não sentir que as aventuras de Shepard e sua equipe pertenciam a nós.

Mas esse esforço em nos dar uma máscara que pudéssemos chamar de nossa vai mais longe do que imaginamos. Ao criar uma franquia construída, da cabeça aos pés, em ações e consequências, a Bioware fez mais do que entregar um game sci fi. Ela condicionou nossa imaginação a um gênero muito específico de ficção científica.

Que, quase uma década depois, mostra a sua idade – para o bem e para o mal.

O futuro nas nossas mãos

Mass Effect às vezes é zombada pelo quanto seu universo depende das ações de Shepard. A protagonista ronda a galáxia em uma missão contra o tempo e ainda assim encontra tempo para visitar centenas de planetas e resolver qualquer problema lançado em sua direção. Mesmo decisões que jamais deveriam caber a alguém na sua posição – o que fazer com a rainha rachni, salvar ou não o conselho —  terminam na mão de jogadores. Shepard ignora protocolos com a mesma energia com que fuzila inimigos, e o jogo nos induz a celebrar cada ato de protagonismo.

No que diz respeito a seu universo, contudo, celebrizar de tal forma sua protagonista traz uma consequência importante. Ao colocar o futuro de toda a galáxia nas mãos de uma única personagem, Mass Effect nos diz que o futuro, ele próprio, é maleável o suficiente para ser mudado por indivíduos.

Esqueça a paranoia de conservadores, que temem que consequências terríveis aconteçam se bagunçarmos as regras do mundo. Esqueça também o pessimismo de Karl Marx, que dizia que “os homens fazem a história, mas não da forma como desejam.” Em Mass Effect, nenhum esforço, por menor que seja, é em vão: nós fazemos a história – e a fazemos do nosso jeito.

Isso se deve em grande parte ao fato de seu “futuro” ser bastante familiar – e, justamente por isso, previsível e controlável. A Citadel é uma coalizão interplanetária não muito diferente da União Européia ou da ONU. O Almirante Hackett compara os sacrifícios necessários para vencer a Guerra contra os Reapers com a decisão de Harry Truman de lançar bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Não há decisão em toda a galáxia que não seja um dejà vu de um problema que nós terráqueos já enfrentamos no passado.

É como se a própria história tivesse esgotado seu baralho de novidades, e tudo o que lhe restasse fosse nos lançar reprises.

Nesse sentido, Mass Effect tem mais a ver com o universo de Star Trek, em que “aliens” não passam de humanos com maquiagem engraçada, do que com o Dr. Bowman de  2001: Uma Odisseia no Espaço, cuja jornada termina em um turbilhão metafísico em que a própria noção de “tempo” é posta em cheque. Shepard sabe exatamente o que enfrenta e o que deve fazer – mesmo quando as respostas chegam a ela em uma experiência transcendental.

É uma visão apaixonadamente otimista, mesmo quando as consequências são a aniquilação de tudo o que vive. O desenvolvimento não-sustentável dos Krogans, por exemplo, transformou seu planeta em uma cratera radioativa. Mesmo assim, eles têm o conforto de saber exatamente o que fizeram errado – e a receita para um dia fazer diferente, se a ocasião um dia surgir.

“[Tuchanka] foi um dia um mundo cheio de beleza” Eve diz a Garrus em Mass Effect 3. “Se lhe for dado uma chance, ele pode voltar a ser.”

O Fim da História e o Último Homem

Não foi a Bioware quem inventou essa maneira de enxergar o mundo – muito embora ela caiba feito uma luva na missão dos games de nos oferecer fantasias de poder. Nos anos 1990, ideias muito parecidas foram propostas por um historiador chamado Francis Fukuyama. O título de seu livro? O Fim da História e o Último Homem.

Não, Fukuyama não estava falando do fim literal dos tempos. Seu argumento era que o modelo de sociedade que temos hoje – a democracia liberal – era o destino inevitável para o qual marchava a humanidade. E, uma vez alcançado, nenhum outro sistema jamais o substituiria.

Sim, ditaduras ainda surgiriam aqui e ali. País sem tradições democráticas ou capitalistas demorariam mais para alcançar o mundo desenvolvido. Cedo ou tarde, porém, cada um desses regimes ou deixaria de existir ou se reformaria à imagem dos EUA e União Europeia.

Quando esse dia chegasse, a própria história deixaria de correr.  Pessoas continuariam a nascer e morrer, maus tempos seguir-se-iam aos bons, mas todas essas mudanças não seriam mais que variações sobre o mesmo tema; ondulações numa teia cujos fios nunca se romperiam.

Não é preciso ir muito longe para perceber o quanto sua visão era ingênua. Fukuyama escrevia em um Estados Unidos que acabavam de vencer a Guerra Fria e ainda não tinham experimentado o horror do 11/09. Seu livro é mais uma ode ao triunfo do capitalismo que uma profecia.

É, porém, justamente sobre essas ideias que Mass Effect constrói sua fantasia futurista. Illium é uma Hong Kong do espaço; Noveria, uma Suíça, com direito a lavagem de dinheiro e executivos inescrupulosos. A sociedade das Asari, descrita como a mais avançadas de sua geração, é ainda sim reconhecível como democracia; uma versão melhorada de um tipo de regime que conhecemos muito bem. Para os escritores da Bioware, como para Fukuyama, o futuro é liberal.

É verdade que existe uma boa explicação para isso. Os jogos nos contam que as sociedades da Via Láctea são parecidas por que todas foram guiadas por uma mesma civilização – os Protheans. E os próprios Protheans, descobrimos em Mass Effect 3, nada fizeram senão seguir as pistas deixadas pelos Reapers, que deliberadamente criaram a tecnologia dos mass relays para “afunilar” a vida sapiente – e, com isto, controlá-la.

Mas o simples fato desse plano funcionar sugere que a história, em Mass Effect, é um jogo de cartas marcadas.

Não encontramos em lugar algum a ousadia de uma Ursula le Guin, que ousou imaginar, já nos longuíquos anos 1960, sociedades em que noções de  “sexo” e “gênero” não existiam, ou onde relações humanas não eram baseadas na propriedade. Muito embora, tal como em Mass Effect, fossem oriundas do mesmo povo ancestral.

Nem, tampouco, o pessimismo de um Piquenique na Estrada ou Solaris, obras que sugerem que mesmo que o contato com uma inteligência superior ocorra, suas instruções seriam abstratas demais para nos fazer sentido.

Mais importantemente, a visão de mundo da trilogia mostra um terrível descompasso com os nossos tempos. Na esteira da grande recessão do mercado imobiliário americano, os anos 2008 – 2012 não foram nenhuma maravilha. Ainda assim, os jogos foram lançados em uma época que não tinha de se preocupar com os efeitos de uma pandemia, com tecnologias repressivas dignas de 1984 ou com os estragos em série de uma corja de uma populistas de extrema direita.

As ditaduras que Fukuyama previu que sumiriam continuam cada vez mais fortes e estáveis. O país que se diz símbolo da democracia sofreu uma tentativa televisionada de golpe de estado. Mesmo a ciência parece caminhar para trás, com invenções seculares – como a vacina – abertamente questionadas.

Até relativamente pouco tempo atrás, o mundo parecia tão consertável que cheguei a criticar a retórica apocalíptica da ficção young adult, dizendo que vivemos, pelo contrário, na época mais próspera, pacífica e tolerante que já existiu. Palavras que, hoje, soam terrivelmente infantis.

Tal infantis, na verdade, quanto os esforços que Mass Effect toma para nos convencer de que nossas escolhas importam. Tudo isto enquanto a vida real nos lembra que não temos sequer o poder de convencer nossos vizinhos a usar máscaras.

Mass Effect é uma série nostálgia, não só porque formou uma geração de gamers, mas porque é um fruto de uma época mais simples e otimista.

Uma época tão enamorada com a ciência que lançou cópias do jogo ao espaço como estratégia de marketing. Uma época em que podíamos sonhar que um dia as acompanharíamos a bordo de nossas próprias Normandies.

Uma época em que nutríamos a esperança de não apenas nos lançarmos ao futuro, mas de moldá-lo à nossa imagem. E que tínhamos a coragem, como dizia Shepard, de não deixar o medo comprometer aquilo que nós somos.

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4 maneiras como a música transforma nossa experiência com os games https://www.finisgeekis.com/2019/11/06/4-maneiras-como-a-musica-transforma-nossa-experiencia-com-os-games/ https://www.finisgeekis.com/2019/11/06/4-maneiras-como-a-musica-transforma-nossa-experiencia-com-os-games/#respond Wed, 06 Nov 2019 20:18:41 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22055 Pense em algum jogo que tenha te emocionado, e é provável que não é apenas do gameplay que você se lembrará. Jogos têm muitos atrativos. Alguns deles só ganham vida com a batuta de um maestro.

Às vezes, são músicas que fazem parte da mecânica, como as melodias de Zelda: Ocarina do Tempo. Às vezes, são trilhas bombásticas como as da série Final Fantasy ou Nier: Automata. Em outras, são “palhinhas” das próprias personagens, como a canção de Leliana em Dragon Age: Origins ou o dueto de Booker e Elizabeth em Bioshock: Infinite.

Troy Baker e Courtnee Draper, dubladores de Booker e Elizabeth, praticam o dueto de seus personagens em “Bioshock: Infinite”

Seja qual for a melodia que nos faça arrepiar, é inegável que os games não seriam os mesmos sem elas. O que muitos fãs não imaginam é que existe toda uma ciência – quando não  feitiçaria – por trás das trilhas que tanto amamosQue afeta não apenas o que ouvimos, mas também o que vemos, sentimos – e até pensamos. 

Quem conta é Winnifred Phillips, compositora das trilhas para franquias como God of War, Assassin’s CreedLittle Big Planet, que coleciona prêmios por suas músicas e escritos. No livro A Composer’s Guide to Game Musicela destrincha o que faz de instrumentos e joysticks parceiros tão perfeitos um para o outro:

1) A música pode fazer o tempo “passar” mais rápido… ou mais devagar

Sayonara Wild Hearts

Você já teve a impressão de gastar horas em uma jogatina para descobrir que apenas 20 minutos haviam se passado? Ou, pelo contrário, ligar o console para completar algumas side-quests e descobrir, alguns níveis depois, que a noite já caiu?

Para a surpresa de ninguém que já sentiu as horas voarem durante um show, a música afeta nossa percepção de tempo.

Segundo um estudo, músicas escritas em tons maiores fazem ouvintes perceberem a passagem do tempo de forma mais lenta, enquanto que as escritas em tons menores dão a impressão de que os minutos passam mais rápido. Outros estudos encontraram efeitos parecidos relacionados ao volume, andamento e complexidade das músicas. `

Essa propriedade é fundamental para um game como Sayonara Wild Hearts, “álbum interativo” lançado para consoles que coleciona elogios desde o seu lançamento em outubro.

Com apenas 1h de duração, o game precisa convencer as pessoas de que vale a pena comprá-lo em vez de um jogo mais longo. Para alguns críticos, pelo menos, seu híbrido de música e gameplay foi tão efetivo que transformou essa hora em  uma das melhores de suas vidas.

Opinião similar têm os fãs de GRISgame singelo com pouco mais de 3h de duração, que compensa a simplicidade de seus quebra-cabeças com uma trilha de arrancar lágrimas.

O inverso vale para jogos muito longos, que podem afugentar quem tem pouca paciência para atividades repetidas. Ter de revirar cada pedra em uma sandbox da Ubisoft, ou morrer trocentas vezes diante de um chefão num roguelite não é o programa de fim de semana mais agradável para quem é adulto e tem horas limitadas de tempo livre. Uma trilha sonora eficiente, porém, nos faz mergulhar nas tarefas mais meniais sem que percebamos o tempo passar.

Quem já perdeu dezenas de horas mineirando irídio em Mass Effect 2 pelo puro prazer de escutar a música do Galaxy Map sabe bem do que estou falando.

2) A música afeta a forma como enxergamos

Que a música mude nossa percepção do tempo é fácil de entender. Música, afinal, nada mais é que notas e pausas espalhadas pelo tempo.

Menos óbvio é saber que ela muda também o que nossos olhos são capazes de ver.

Um estudo da Universidade de Groningen, citado por Phillips, colocou pessoas diante de imagens de rostos escondidas por ruído e pediu a elas que identificassem o que viam. Parte das pessoas cumpriu a tarefa ouvindo música triste; a outra metade, música alegre.

Os pesquisadores descobriram que aqueles que escutavam música triste identificaram rostos tristes com mais facilidade. Música alegre, por outro lado, tinha um efeito parecido com rostos felizes. Alguns dos participantes foram tocados de tal forma pela música que disseram ver rostos felizes ou tristes mesmo onde não existiam rostos!

Nier: Automata, possuidor de uma das trilhas mais marcantes dos últimos tempos, é um exemplo do que games são capazes quando colocam isso em prática.

Logo de início, o jogo nos lança em uma cidade em ruínas, sem uma alma sapiente exceto inimigos que querem nos matar. É nosso primeiro contato com o que restou da Terra no futuro apocalíptico do jogo. Fiel à imagem de desolação, a trilha que nos embala é melancólica e sutil. Contudo, assim que descobrimos o acampamento da Anemone – nossos primeiros aliados vivos no planeta – a música se torna mais vigorosa e bombástica, até explodir em um vocal esperançoso.

O que era o esqueleto de uma cidade morta se torna o primeiro estágio de uma jornada épica.

Independente da emoção que um jogo quer despertar, a música também afeta o quanto do jogo nós somos capazes de ver ao mesmo tempo.

Outro estudo citado por Phillips revelou que estar de bom humor  aumenta o campo de visão de uma pessoa, enquanto que emoções negativas tornam nossa vista mais restrita.

É uma estratégia usada com frequência em jogos de terror. Ao nos bombardear com música tensa, estes games nos deixam estressados, o que reduz nossa visão periférica. E nos deixa mais vulneráveis a  todo tipo de monstro, zumbi ou cachorro assassino prestes a nos emboscar.

A infame cena dos cachorros do primeiro Resident Evil, um dos jumpscares mais famosos da história dos games, é a prova viva de que essa ideia funciona.

3) A música afeta que mensagem tiramos das histórias

De todas as coisas que a música poderia influenciar, histórias contadas não parecem estar muito altas na lista. Livros, afinal de contas, não precisam de trilha sonora. Romeu e Julieta não se torna menos trágico se o lermos escutando Kpop (possivelmente, torna-se  ainda mais trágico, se bem que não pelos mesmos motivos). 

Phillips discorda. E traz argumentos para provar seu ponto.

A compositora cita um estudo da Universidade Hildesheim, na Alemanha que sugere que a música muda a forma como interpretamos o enredo de uma obra. 

Os pesquisadores gravaram um curta que acabava em um cliffhanger e o combinaram com cinco trilhas sonoras de estilos e humores diferentes. Cada participante teve de assistir apenas a uma das versões e dar sua opinião sobre a motivação das personagens e o que aconteceria depois.

Ao compararem as respostas dos diferentes grupos, os pesquisadores descobrirem que elas eram “batiam” com o humor da música. Ouvir um ou outro tipo de trilha sonora fez com que as pessoas avaliassem as motivações das personagens de forma distinta. Não só isto, a música também afetou suas previsões sobre o provável final do filme.

Até que ponto a trilha de um determinado jogo não nos faz entender a história de uma forma ou de outra? Nos faz tomar essa personagem como heroína ou aquela outra como vilã? É difícil responder a essa questão, pois raramente temos a oportunidade de jogar uma mesma cena com várias trilhas diferentes.

Philips, porém, dá alguns exemplos de como essa “manipulação musical” geralmente acontece. O mais comum é dar temas específicos a personagens ou lugares e repeti-los ao longo dos jogo. Isto permite que sua atenção seja “guiada” ao que os autores querem dizer.

Em Mass Effect 3, por exemplo, o reencontro de Shepard e sua ex-companheira, Miranda Lawson, é embalado pela faixa Reflections, trilha da cena de romance de Mass Effect 2. Associar a personagem a esta música tem o efeito de provocar uma sensação de carinho e nostalgia, independente do jogador ter ou não feito perseguido um romance com Miranda no jogo anterior – ou mesmo gostar dela para início de conversa.

Witcher 3 faz algo similar com o tema Kaer Morhenouvido pela primeira vez no tutorial, ambientado na fortaleza ancestral dos witchers. Esta fortaleza reaparece mais à frente, não mais como um castelo imponente, mas uma triste ruína. O tema também retorna em uma versão alternativa, tão dilapidada quanto as paredes de Kaer Morhen.

Se rever a casa de Geralt neste estado já seria triste por si só, a música faz da visita uma experiência devastadora, preparando-nos para um episódio trágico que, logo descobrimos, terá na fortaleza o seu palco.

4) Músicas despertam empatia como se fossem pessoas de verdade.

Quase todos nós temos uma música do peito. Nem por isso diríamos que gostamos dela da mesma forma como gostamos do nosso namorado ou de nossa mãe. Coisas inanimadas são uma coisa;  pessoas são outra, completamente diferente.

Para Phillips, contudo, a diferença pode ser mais sutil do que imaginamos.

Um estudo publicado na revista Music Perception descobriu que a música emociona mesmo pessoas que têm dificuldade em expressar ou reconhecer sentimentos, como os que fazem parte do espectro autista. A hipótese dos autores é que, ao ouvir uma música, nós subconscientemente a imaginamos como uma “persona” por quem sentimentos empatia, como se fosse outro ser humano.

Isso é importante para games porque empatia, junto com atmosfera, é um dos requisitos para se chegar à presença virtual, um estado de completa imersão em que o mundo exterior parece sumir, e sentimos-nos, literalmente, transportados ao jogo.

Se você já chegou nesse estágio na sua experiência com algum game, é muito provável que tenha sido embalado por alguma música.  Sejam os temas icônicos de Chrono Trigger ou a canção de Mordin em Mass Effect 3, prestes a dar a vida para destruir o genophage.

E talvez os gráficos, nomes e mesmo tramas por trás desses momentos um dia sumam de nossa memória. Mas a música, provavelmente, continuará. E nós trará calafrios cada vez que a escutarmos por acidente.

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“Game over?” Como os games tornam o fracasso viciante https://www.finisgeekis.com/2017/04/04/game-over-como-os-games-tornam-o-fracasso-viciante/ https://www.finisgeekis.com/2017/04/04/game-over-como-os-games-tornam-o-fracasso-viciante/#respond Tue, 04 Apr 2017 15:55:14 +0000 http://finisgeekis.com/?p=16007

Tudo o que vive está fadado a terminar.

Com essas palavras começa Nier: Automata, o novo jogo de Yoko Taro que coleciona elogios.

Meio JRPG, meio bullet hell; meio ruminação filosófica, meio tributo metanarrativo, o jogo nos força, a todo momento, a repensar o que sabemos sobre nosso hobby.

Como sua frase de abertura já entrega, isso envolve o elemento mais importante da mídia.

fail state.

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Fail states são as condições de fracasso, aquele momento em que descobrimos que perdemos. Para o  designer e teórico Jesper Juul, eles são a característica que diferencia os jogos de qualquer outro tipo de ficção.

Nem toda essa importância, porém,  os salva de críticas. Para alguns, telas de game over são as maiores inimigas dos jogos. Um recurso defasado da era do fliperama que impede que games contem boas histórias.

É verdade que ninguém gosta de perder. É também verdade que um jogo impossível deixa de ser interessante.

Felizmente, ao longo dos anos designers criaram várias estratégias para tornar o fracasso não só tolerável, mas uma parte fundamental da diversão:

1 – Reduzir punição por fracasso

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Como tantas outras questões, a raiva com os fail states vem, em grande parte, de um problema de comunicação. Muitas vezes, quando falamos de “derrota”, “morte” ou “fracasso” o que realmente estamos pensando é em punição. 

“Fracasso”, com o perdão do pleonasmo, é o mero ato de fracassar. É o que acontece quando morremos em uma boss fight, perdemos a curva em um jogo de corrida ou erramos o salto em um jogo de plataforma.

“Punição” é o que acontece conosco quando fracassamos. Pode ser algo sério, como retornar ao menu inicial, ou algo simples, como um NPC rindo às nossas costas.

Gamers vivem reclamando que seus jogos estão ficando fáceis demais. Que as novas gerações, ao contrário da década “raiz”, não tem paciência para um desafio. Hoje em dia, dizem, “perder” um jogo se tornou quase impossível.

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Há um pingo de verdade aí, embora a explicação seja outra. Games de fato ficaram mais fáceis, mas não porque perdemos menos. Na verdade, fracassamos tanto em nossos jogos “casuais” quanto nos anos 1990, com pérolas como Battletoads.

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A diferença é que a punição, vinte anos atrás, era muito mais alta.

O motivo é histórico. Na era dos fliperamas, games precisavam ser difíceis e viciantes para obrigar as pessoas a gastar mais moedas.

Os fliperamas acabaram, mas a moda ficou – em parte, porque a tecnologia da época não permitia fazer diferente. Até o surgimento dos saves, com o primeiro Zelda, “perder” no jogo significava voltar do começo, quantas vezes fosse preciso.

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Para atrair um público mais amplo, jogos recentes viraram essa filosofia de ponta cabeça. De games em que vencer era uma proeza, chegamos a jogos que praticamente nos garantem que chegaremos ao fim.

Graças a checkpoints, não precisamos voltar mais ao início do nível a cada deslize. Com a possibilidade de salvar durante o combate, mesmo a luta mais ferrenha pode ser ganha na tentativa e erro.

Se antes o fracasso podia custar horas de jogo, hoje tudo o que perdemos é o tempo de clicar em um botão de load game.

Critical_Mission_Failure mass effect.jpg

Punições menores parecem bem óbvias, mas levaram a uma consequência peculiar, que com certeza ferirá o ego dos puristas.

Com uma menor punição por fracasso, gamers passaram a errar cada vez mais. Para alguns especialistas, o fracasso é responsável por até 80% do tempo que passamos com um jogo.

Os gamers de hoje até podem reclamar, mas se tivessem de competir com seus “eus” de vinte anos atrás, provavelmente perderiam de lavada.

2 – Mudança persistente

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Checkpoints são maçantes.

Sim, temos a possibilidade de voltar atrás, mas quem tem paciência para fazer tudo de novo? E se tivéssemos uma forma de nos poupar do pior? De combinar clemência com a impressão de que nossos atos importam?

Boa notícia: ela existe. Chama-se mudança persistente.

Jogos com essa propriedade nos fazem voltar atrás ao perdermos, mas “guardam” parte de nosso progresso. Inimigos derrotados continuam mortos. Itens, experiência e habilidades compradas ficam no seu lugar. Quebra-cabeças resolvidos permanecem resolvidos.

Mundos com mudança persistente estão presente em alguns dos jogos de maior sucesso dos últimos tempos. Bioshock nos revive na Câmara Vita mais próxima sempre que morremos. Em Borderlands, um novo personagem é “gerado” em uma New-U caso percamos uma batalha.

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A estratégia não é nova; pelo contrário, é a essência da mecânica de respawn disseminada em RPGs, dos clássicos isométricos aos MMORPGs mais recentes. No entanto, não é por ser popular que se livrou de algumas críticas.

Games desse tipo são frequentemente acusados de prejudicar a suspensão de descrença, “barateando” a morte e minando a sensação de desafio. Embora certos jogos tenham remediado o problema “cobrando” alguma punição pelo respawn, para os críticos não é o suficiente.

Games, dizem eles, precisam de uma solução mais drástica.

3 – Fail states implícitos

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Para alguns criadores, nenhuma dessas táticas resolve o problema central. Pelo contrário, a própria existência de fail states é um defeito que precisa desaparecer.

Essa é a opinião de David Cage, autor de Heavy Rain e Beyond: Two Souls. Ele defende que a tela de game over é um fracasso narrativo. No mundo real, não voltamos a um save anterior quando alguma coisa dá errada.

A vida – para o bem ou para o mal – continua.

Se quiserem contar histórias sérias, videogames precisam fazer melhor do que proibir o jogador de encarar seus próprios erros.

Cage prefere desenlaces que reconheçam o fracasso, mas que forcem o gamer a lidar com suas consequências. Foi visto em uma missão de stealth? Dê um jeito de fugir dos guardas. Falhou em salvar um NPC? Meus pêsames, viva em um mundo em que ele não existe mais.

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Artifícios como esses são conhecidos como fail states implícitos e funcionam, na prática, bloqueando segmentos do jogo.

Em Morrowind, matar uma personagem necessária à quest central nos impede de completá-la. Em The Witcher 3, trair Yennefer com Triss (ou vice-versa) faz com que Geralt termine sua jornada chupando o dedo.

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Nenhum dos dois casos é um fracasso “clássico”, pois somos livres para continuar jogando. No entanto, algum elemento da nossa experiência possível é excluído.

Se é difícil enxergar esses fail states “moles” como fracasso, basta se lembrar do mais célebre entre eles.

Em Mass Effect, nosso protagonista, o comandante Shepard, é vítima de uma emboscada e precisa deixar um membro de sua equipe para morrer. A consequência não apenas remove um NPC importante do jogo, como o exclui de toda a trilogia.

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O exemplo de Virmire, como a missão é chamada, dá uma boa referência do impacto desse tipo de fail state. Jogos são fantasias de poder, que tentam nos convencer que qualquer coisa, com mais ou menos esforço, está ao alcance dos nossos braços.

Derrotas implícitas são poderosas porque nos lembram de que não podemos ter tudo.

Mais do que isso, elas são interessantes porque estão por toda parte. David Cage é um entusiasta de “filmes interativos”, mas seu comentário é também certeiro para jogos mais tradicionais.

Se pararmos para pensar, toda decisão, de certo ponto de vista, implica num “fracasso”. Ao ajudar um dos lados em uma guerra, “fracassamos” em apoiar o outro. Ao vivermos um romance com a personagem A, “fracassamos” na relação com a personagem B.

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Fazer escolhas é fechar portas. Quem já tomou algum grande passo na vida, do vestibular ao casamento, sabe disso melhor do que ninguém.

Fail states implícitos são necessários para a liberdade de escolha – e, consequentemente, para a sensação de que estamos no controle da nossa experiência.

4 – Em vez de excluir, aumentar a experiência

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David Cage pensa que as telas de game over devem acabar. Já outros designers acham que fail states devem ser mais explícitos, não menos.

Se fracassos implícitos reduzem a experiência do jogador, alguns dos exemplos mais bem-sucedidos de fail states nos trazem derrotas que a aumentam.

É o caso de Dark Souls, rei indiscutível do tough love, que transformou o game over em um prazer em si.

Personagens que morram (e acredite, eles morrerão com frequência), respawnam no último ponto de save, mas suas souls (moeda do jogo) permanecem no lugar. Se o jogador morrer uma segunda vez antes de recuperá-las, estarão perdidas para sempre.

A mesmíssima estratégia foi empregada em Nier: Automata, integrada de maneira superinteressante com sua lore. 2B, nossa protagonista, é uma androide. Quando é abatida em combate, sua organização envia um novo corpo equipado com o “back-up” das suas memórias na nuvem.

O pulo do gato, como no caso de Dark Souls, é que apenas memórias fazem upload. Todas as melhorias que o jogador comprou para seu corpo permanecem no corpo. Se a nova androide morrer antes de recuperá-lo, estas melhorias desaparecerão.

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Torment: Tides of Numenera leva o princípio a um nível ainda mais extremo: somos, literalmente, recompensados por morrer.

O RPG nos coloca na pele de um herói imortal, e nos lança todo tipo de artimanha para que tentemos nos “matar”.  De poças de ácido a brinquedos assombrados, espelhos assassinos a seitas canibais, o game mostra uma coleção de armadilhas digna de um filme de terror B.

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Ao falharmos, ganhamos mais desafios, cenários, experiências. O que poderia ser um simples game over vira uma porta para novas possibilidades.

Fracassos como os desses jogos oferecem algo que nenhum dos tipos acima é capaz de fazer: eles tornam seus jogos mais difíceis, sem com isto torná-los mais chatos.

Esse é um ponto importante, pois vai na contramão do que a maioria dos games, nos dias de hoje, têm coragem de fazer.

Dos filmes interativos do David Cage a Call of Duty, a busca por fail states alternativos geralmente visa a tornar os games mais populares – acessíveis a um público que, cada vez menos, está disposto a jogar até o fim.

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Ledo engano. Como mostrou Jesper Juul, as pessoas se divertem justamente quando erram.  Games triviais cansam rápidos e são esquecidos. Games desafiadores na medida certa nos seduzem por semanas a fio.

Nos videogames, como na vida, a tragédia é o tempero que nos move à frente.

5- Cumplicidade

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Vamos imaginar que você é um jogador hardcore, do tipo que faz Hidetaka Miyazaki arder de raiva. Derrotou todos os bosses, libertou todas as cidades, salvou (e dormiu com) a princesa. Um último inimigo se coloca diante de você, mas ele não é páreo para sua espada. Ninguém é.

Então você descobre que o inimigo é seu antigo amigo de infância, que as pessoas nas cidades eram civis, não militares, que os bosses eram guerreiros do bem e que a princesa é uma deusa das trevas, que o seduziu para ajudá-la a conquistar o mundo.

Parabéns, “herói”.

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O que você acaba de fazer pode ser considerado uma “vitória”? Ou não seria isto, também, uma forma de derrota?

Aqui, precisamos sair do game design e entrar no universo da literatura. Trair a expectativa do público, invertendo o bem e o mal, é uma das estratégias mais conhecidas da ficção. De Sailor Moon a Old Man Logan, está presente em todo lugar.

A diferença, nos videogames, é que os enganados somos sempre nós. Ao nos fazer ludibriar para fazer o mal achando que estamos fazendo o bem, os jogos nos tornam cúmplices do que aconteceu.

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Em Shadow of the Colossus, enfrentamos gigantes para salvar nossa amada apenas para descobrir, tarde demais, que estes colossos estão longe de serem malignos.

Em Nier: Automata, encarnamos uma androide com a missão de salvar a terra de uma invasão de máquinas. O que começa como um hack n’ slash descerebrado logo se mostra uma jornada filosófica num mundo pós-apocalíptico, e percebemos que a “humanidade” que defendemos é bem diferente do que imaginávamos.

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Em outros casos, a cumplicidade não está em nos enganar, mas em nos premiar por fazer coisas que nos repugne. Em Heavy Rain, para salvar seu filho de um serial killer, uma personagem é chantageada a decepar o próprio dedo.

Suceder na amputação caseira é uma “vitória”, pois nos aproxima do nosso objetivo. No entanto, ela não nos traz alegria, só um calafrio que revira nossos estômago.

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Derrotas por cumplicidade não são exatamente “fracassos” no sentido gamístico. Pelo contrário, elas só funcionam se nós “ganharmos”. Elas são o que Jesper Juul chama de fracassos fictícios.  A mesma sensação que temos ao assistir a um filme trágico, sabendo que não podemos mudar o que acontece.

A diferença, nos games, é que nos sentimos responsáveis.

Quando lemos ou assistimos a uma tragédia, nós nos emocionamos, mas não desejamos averter o desastre. Entendemos que é da tristeza que depende a beleza da obra. Sentimo-nos “bem” vendo os outros (na tela ou na página), sofrendo.

Não nos games. Quando o controle está nas nossas mãos, tudo o que passa com nosso avatar – e seus entes queridos – vai direto ao nosso coração.

Não importa quanto sentido aquilo faça no contexto do jogo. Não importa quão bem construída ou necessária a tragédia for dentro da experiência. Nós sentimos culpa por aquilo, pois fomos nós que apertamos os botões que engatilharam o desastre.

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Se parece difícil enxergar esse tipo de twist como um fracasso, basta se lembrar dos exemplos em que foi implementado.

Atire a primeira pedra quem não sofreu ao sacrificar Kaidan ou Ashley em Mass Effect. Quem não se sentiu pesado quando (SPOILER) John Marston morre ao fim de Red Dead Redemption. Ou quando, em Heavy Rain, (SPOILER) descobrimos que Scott Shelby é o assassino do origami.

Esses desenlaces não são apenas tristes. Por se tratar de uma mídia participativa, temos a impressão de que poderíamos ter feito diferente. Mesmo quando tudo não passa de uma impressão.

O código, tal como as estrelas, é indiferente ao sofrimento dos homens.

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Muito já foi escrito sobre o que separa o jogo das outras mídias como uma forma de arte. Para Jesper Juul, estamos olhando para o lugar errado. Concentramo-nos nas conquistas quando, na verdade, games são a arte do fracasso.

Ao pessoalizar o sofrimento, videogames se tornam a linguagem trágica por excelência, mais potentes que qualquer mídia que Sófocles ou Shakespeare poderiam ter imaginado. O suicídio de Ofélia não nos arrepia como a morte de Ciri no “final ruim” de The Witcher 3.

Como diz 9S de Nier: Automata, as máquinas (tal como os gamers!) parecem buscar o fracasso.

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‘Liberdade de escolha’, ou como os video games nos enganam https://www.finisgeekis.com/2015/09/21/liberdade-de-escolha-ou-como-os-video-games-nos-enganam/ https://www.finisgeekis.com/2015/09/21/liberdade-de-escolha-ou-como-os-video-games-nos-enganam/#comments Mon, 21 Sep 2015 21:04:59 +0000 http://finisgeekis.com/?p=699 O mundo dos games é repleto de chavões. Dentre eles, pouco são mais usuais (e controversos) do que “liberdade de escolha”. Fãs de RPG, em particular, terão dificuldade em encontrar qualquer análise aprofundada de seu jogos favoritos que não esbarre na expressão ou em suas parceiras: “escolhas significativas”, “histórias customizáveis”, “narrativas ramificantes”, “agência”.

À primeira vista, parece que há uma demanda para que games se tornem playgrounds virtuais, ferramentas para que os jogadores brinquem de faz-de-conta e inventem as próprias histórias. Eu mesmo já me deparei com isso. Ano passado, após dar uma palestra sobre video games, ouvi um membro da plateia dizer que jogava para “ser ele mesmo”, com todas as opções e nuances do mundo real. Jogos que chegavam perto disto eram jogos bons.

Isso, é claro, à primeira vista. Basta estourar uma pipoca e observar as trocas de farpas entre profissionais da indústria para ver que nem entre desenvolvedores há um consenso sobre o que significa ser “livre” e “entrar na pele” das personagens. Pior: nem se essas duas coisas, ou qualquer outro dos chavões do primeiro parágrafo, têm necessariamente a ver um com o outro.

Em 2010, Daniel Erickson, diretor de roteiro da Bioware, soltou os cachorros sobre Final Fantasy XIII. Segundo ele, o game não era um RPG, e colocar um “J” na frente não enganaria ninguém:

Você não faz escolhas, você não cria uma personagem, você não vive a sua personagem… Eu não sei o que eles são – adventure games, talvez? Mas eles não são RPGs.

Não bastou nem dois anos para que o feitiço voltasse contra o feiticeiro. Em 2011, Dragon Age II, sequel da IP de sucesso da Bioware, foi malhada por incluir um protagonista não customizável e ter um enredo pouco reativo.

No ano seguinte, Mass Effect 3 acendeu a internet em chamas com uma das sequências finais mais controversas da história. A polêmica foi tão grande que uma versão “consertada”, ajustada aos interesses do público, foi lançada no mesmo ano. O episódio foi impactante a ponto de alguns terem sugerido que Half Life 3 custa a sair porque os desenvolvedores estariam com medo de uma reação similar por parte dos fãs.

Talvez haja algum fundo de verdade nos comentários de Erickson. Mesmo assim, ele deveria, nos dizeres de Bill Gates, ter arrumado o próprio quarto antes de tentar mudar o mundo. É verdade que JRPGs não oferecem o mesmo tipo de “liberdade” de que a Bioware se gaba. Mas até que ponto o modelo “ocidental”, “sem o J” de Erickson vive às suas próprias expectativas?

Para responder a essa pergunta, é necessário voltar  no tempo.

‘Interatividade’…. até quando interessa

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Nos anos 1980, quando computadores eram uma novidade e a maioria das pessoas sequer sabia o que eram videogames, Brenda Laurel propôs uma ideia pioneira. Segundo ela, softwares tinham muito em comum com o teatro. Tal como as peças, eles eram compostos por uma série de elementos que deveriam funcionar em conjunto, do código à interface. Para que tudo opere como esperado, é necessário que esses elementos estejam orientados por um projeto geral do autor, e que esse projeto seja traduzido para a dimensão material da obra. Se o criador pesar a barra em seu plano, a ideia parecerá inacabada ou forçada. Se, por outro lado, ele estiver escondido demais, o público encarará o que se passa sem fazer ideia do que significa.

Deve haver uma obra de arte escondida aí...

Deve haver uma obra de arte escondida aí…

Brenda Laurel influenciou teóricos e designers, que se basearam nesses princípios para criar experiências em que as ações dos jogadores tivessem maior impacto. O que eles perceberam foi que games com escolhas relevantes são justamente aqueles em que essa balança está em equilíbrio.

Se ela pende para o lado do autor, chegamos no famoso railroading: a sensação de sermos “carregados” para finais que não necessariamente desejamos. Se ela pende para o lado material, temos conteúdo filler, que parece estar no jogo apenas para gerar volume.

Em Dragon Age II, templários e magos entram em guerra e destroem Kirkwall, independente dos esforços do protagonista para impedi-los. A vontade dos autores de contar sua história e preparar terreno para o jogo seguinte falou mais alto que seu desejo de deixar as rédeas nas mãos dos jogadores.  Em Mass Effect 3, o plano de Casey Hudson e Mark Walters de autorar uma ficção científica “cabeça” pesou além da conta sobre uma série que se propunha a ser a versão digital de um livro de “escolha sua aventura”.

choose your own

Por outro lado, as caças aos shards, mosaicos, garrafas e quebra-cabeças de Dragon Age: Inquisition parecem filler porque não conseguimos ver um sentido geral por trás delas. O problema não está na natureza das quests. Os audio diaries de Bioshock são essenciais à narrativa, e nos trazem enorme satisfação ao serem encontrados. Ambas são “caças ao tesouro”: uma pecou pelo excesso; a outra achou a medida certa.

Isso mostra que, contrário à sabedoria popular, mais nem sempre é melhor. Se não está claro como as decisões se relacionam com a ideia central,  há alguma coisa de errado com estas decisões, e a impressão que elas passarão com certeza não será de liberdade.

Eu insisto em “impressão’. Folheiem um guia de estratégia de um jogo que gostam e verão que, na maioria das vezes, o potencial de escolha é muito pequeno. Se os desenvolvedores são generosos, vocês terão alguns finais diferentes. Na maioria das vezes, uma dezena de variações dos mesmos finais, ou um punhado de escolhas significativas ao longo de 50h de aventuras. Levante a mão quem nunca jogou um grande RPG, voltou do começo para fazer uma aventura completamente nova e descobriu que certas coisas não mudariam.

A questão, portanto, não é de prometer liberdade infinita, mas de fazer a pouca liberdade de que os jogadores dispõem parecer aceitável. Há uma série de truques para isso, alguns dos quais são mais antigos que os próprios games. Abaixo vão três dos meus favoritos.

Esconder o plano geral dos jogadores

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Esse é um ponto que mestres de RPG já conhecem de cor e salteado. Os jogadores não precisam saber que a Cidade A que eles visitaram é exatamente igual à Cidade B que eles decidiram não conhecer. Tampouco precisam, após perderem os cabelos derrotando um boss, saber que você os deixaria ganhar de qualquer jeito.

Isso é possível porque há dados que são escondidos dos jogadores. Sem ter mapas ou descrições das cidades, eles não têm como saber se o mestre os está conduzindo com uma guia. Sem informações sobre pontos de vida, habilidade ou classe de armadura dos montros, eles não fazem a menor ideia do tamanho dos desafios que encontram.

Um mestre astuto consegue engambelar seu grupo por sessões a fio sem que ninguém perceba. O resultado é uma história em que as regras estão lá apenas como referência e em que o mestre decide, como o “líder” de um faz-de-conta entre crianças, quem viveu e quem morreu.

Antes que vocês abram aquele sorrisinho maldoso e enviem esse texto para aquele seu colega que faz isso, saibam que essa tática é tão eficiente, popular e desejada que virou dica oficial no Livro do Mestre da 4a edição de D&D:

Se você ver que as personagens estão obviamente dominadas em um encontro, você pode:

  • Dar às personagens uma rota de fuga
  • Fazer escolhas ruins de propósito para os monstros
  • “Esquecer” de rolar o dado para ver se monstros recarregam seus poderes
  • Inventar um motivo dentro da história para os monstros abandonarem a luta
  • Deixar os monstros ganharem, mas deixar as personagens vivas por algum motivo.

(…)

[Se um encontro estiver fácil demais], você pode aumentar a dificuldade na medida em que as coisas andam. Traga reforços. Dê ao vilão uma habilidade nova da qual os jogadores não sabiam. 

Em videogames isso é ainda mais crucial do que em jogos de tabuleiro. Nenhum software, por mais complexo que seja, conseguirá ser tão rico quanto a imaginação.

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Não, nem Daggerfall

A diferença entre um jogo bom e ruim muitas vezes jaz em uma coisa tão simples como saber o que esconder e por quanto tempo. Em Heavy Rain, escolhas erradas em alguns momentos-chave levam à morte das personagens. Porém, ao anunciar que “ninguém está à salvo” e que suas decisões podem condenar quase todo mundo, os desenvolvedores criam um véu de tensão que faz até os quicktime events mais banais parecerem significativos.

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Caro David Cage: só não exagere na dose. ALGUMAS decisões reais são necessárias, caso contrário perde a graça

Na maioria das vezes, isso é feito de forma sutil. Vários jogos, a exemplo do mestre de RPG que citei, escondem informações cruciais dos inimigos, de fraquezas a pontos de vida. Quando bem feito, isso torna o jogo muito mais difícil e imprevisível, exigindo que pensemos duas vezes antes de chutar o menor dos goblins.

É o famoso “tigre de papel”. Após alguns playthroughs, pode até ser que deduzamos a lógica da coisa e encontremos um “caminho ótimo” para chegar ao final. Com o tempo, nós logo veremos que a maior parte das ameaças é pífia se encarada do jeito certo ou no nível ideal. Na primeira vez, no entanto, cada mísera escolha será tomada com o suor a escorrer da testa.

Trilhas de migalhas

Fonte

Entregar a história de mão beijada, seja via cutscenes ou diálogos expositivos, não é a coisa mais excitante do mundo. Para contornar este problema, designers muitas vezes “quebram” as informações relevantes da história e as espalham pelo mundo do jogo.

Esses resquícios podem ser qualquer coisa: ruínas, campos de batalha, livros ou mensagens escritas, cadáveres, rumores sussurados por NPCs, gravações ou mesmo visões fantasmagóricas. Nenhum conta uma história completa, apenas uma “peça” que, juntada as outras, ganha um sentido.

Se a diferença parece minúscula, na prática ela é gritante. Aqui, por mais linear que o enredo seja, é sempre do jogador o papel de colocar as coisas em ordem. Rondar cada centímetro de Columbia em busca de voxophones nos dá um sentimento muito maior de agência do que escutar uma narração em off por vinte minutos.

Para aqueles de vocês que curtem um palavreado técnico, o nome disso é paradigma indiciário. O termo foi cunhado pelo historiador Carlo Guinzburg para denotar a capacidade de reconstruir um todo a partir de traços. É o princípio do romance policial. A diferença é que é o jogador, implicita ou explicitamente, que veste a boina do Sherlock Holmes.

Para Guinzburg, trata-se de uma habilidade cultivada desde os caçadores da idade da pedra. Na perseguição por pegadas, sangue e outros rastros de animais, aprendemos a narrar o que havia acontecido com eles e para onde eles iriam. De uma atividade de sobrevivência surgiu nosso dom de contar histórias.

Geralt, o romancista

Geralt, o prosador

Justamente por ser tão básica e fácil de usar essa técnica pode ser encontrada em praticamente todo game narrativo. Ela está presente no prólogo de The Last of Us, em que exploramos a casa de Joel e descobrimos quem ele é, que tipo de relação tem com a filha e o que está acontecendo com o mundo. Ela é o elemento crucial em Bioshock e em adventure games como Gone Home, cujas histórias dependem da interação com objetos. Ela aparece de maneira literal nos contratos de monstros de Witcher 3 e em todos os jogos de investigação. Não que precisemos ir tão longe: nós a vemos em virtualmente todos os dungeons de Skyrim, por meio de notas, cadáveres estrategicamente posicionados e NPCs tagarelas.

Shavari's_Note

Aquela hora em que nos damos conta de que Skyrim tem um índice de analfabetismo menor do que o do Brasil

Mundos dinâmicos

 

Em 2011, Witcher 2 fez os queixos da crítica caírem ao incluir uma decisão tão, mas tão relevante que mudava completamente o segundo ato do jogo. Para ver tudo o que o game tinha a oferecer, não havia saída a não ser jogá-lo (quase) inteiramente uma segunda vez.

A verdadeira narrativa ramificante é um sonho de muitos gamers, mas quem já tentou colocar a ideia no papel– ou apenas já brincou no Aurora Toolset de Neverwinter Nights – sabe o pesadelo que é pô-la em prática.

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Meus olhos doem…

Se cada escolha “mudasse para sempre o universo”, como prometem as contracapas de vários games, jogos seriam infinitos e impagáveis. E isso sem contar as pressões editoriais. Como o escritor da Bioware Patrick Weekes disse num depoimento três anos atrás, o railroading às vezes é uma exigência do escritório de cima. Em um mundo de gamers que só jogam um título uma única vez ou nem chegam até o final e de empresas como a EA que vivem de nivelar por baixo, impedir o jogador de acessar conteúdo (como vez Witcher 2) nem sempre é aceitável.

Quem acompanha a série Elder Scrolls há mais de uma década sabe a pena que isso é. Em Morrowind, as diferentes facções do jogo têm suas rivais, e para prosseguir em suas quests é necessário destrui-las. Deseja se tornar grão-mestre da Guilda dos Magos? Prepara-se para caçar agentes Telvanni. Quer liderar a Guilda dos Guerreiros? Para tanto, é necessário ou eliminar a Guilda dos Ladrões ou organizar um motim e tornar-se mestre à força. Seja como for, o resultado é dramático: personagens-chave morrerão e, com elas, quests, diálogos e oportunidades específicas. Compare isso com Skyrim, em que um único personagem pode se unir a todas as facções, quest-givers são imortais e os impactos de suas ações na postura de NPCs são quase imperceptíveis.

A solução é contar com pequenas escolhas espalhadas ao longo do jogo. Elas não precisam ser relevantes ou mesmo associadas à trama principal. Pelo mero fato de estarem lá – e em grande número – passam a sensação de que o protagonista causou uma diferença no mundo à sua volta. Jogos não são apenas histórias, mas lugares virtuais que habitamos por algum tempo. Deixar nossas marcas nesses lugares muitas vezes é mais importante do que ver um slideshow diferente no epílogo da jornada.

Isso é o que Mass Effect, para a infelicidade de seus criadores, fez bem demais. O terceiro jogo da série contou com mais de 1000 pontos de variação com base em decisões feitas nos dois anteriores. A maioria dizia respeito a side quests formulaicas, easter eggs ou fanservice, mas não importa. O jogo passou a sensação de que as ações de Shepard, por menores que fossem, mudariam a vida das pessoas a sua volta. Quando o mesmo não aconteceu com as “grandes” decisões – e, nestas dimensões, não tinha mesmo como acontecer – a internet pegou fogo.

Para alguns, o que separa um grande criador de um medíocre é a capacidade de se virar com pouco. Dê a um chef tomate, azeite, farinha, água e sal e ele fará um banquete a ser lembrado. Coloque um leigo em uma cozinha industrial e ele queimará sua torta do mesmo jeito. Não se trata de inspiração divina ou talento nato, mas da ideia de que bons criadores conhecem seus limites e sabem fazer o melhor sem pisar fora deles.

Se isso é verdade, sem dúvida se aplica aos games também. Os recursos e possibilidades para criar um jogo dos sonhos sempre serão limitados. A marca da experiência inesquecível é a lábia de seus criadores em  “mascararem” as costuras de seus universos de faz-de-conta.

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4 jogos para celebrar a obra de Akira Kurosawa https://www.finisgeekis.com/2015/09/07/4-jogos-para-celebrar-a-obra-de-akira-kurosawa/ https://www.finisgeekis.com/2015/09/07/4-jogos-para-celebrar-a-obra-de-akira-kurosawa/#respond Mon, 07 Sep 2015 23:17:23 +0000 http://finisgeekis.com/?p=662 Exatos dez anos atrás, a Team Ninja anunciou na E3 Ni-Oh, um game semi-histórico baseado em um roteiro inacabado de Akira Kurosawa. Como tantos outros jogos, Ni-Oh não vingou, embora os desenvolvedores continuem a insistir em um lançamento futuro.

Fãs de Kurosawa, o grande mestre do cinema japonês, cuja obra inspirou o cinema western e o próprio George Lucas, têm motivos para suspeitar dos games. De uma maneira geral, o meio não foi lá muito grato ao diretor. Seven Samurai 20XX, adaptação de Os Sete Samurais ao PS2, tem em comum com o material de origem apenas o título e os detalhes mais básicos. Isso sem contar o estilo hack-and-slash, fora de esquadro a um cineasta que prezava por filmes lentos, com lutas curtas, longos diálogos e longuíssimas cenas de contemplação.

Muita adrenalina

Muita adrenalina

Pessoalmente, não acredito em uma incompatibilidade. Esses desenvolvedores estão apenas olhando o criador de Yojimbo de um jeito errado. Apesar de ter coreografado algumas das cenas de batalhas mais icônicas do cinema, Kurosawa nunca foi um diretor de “ação”.

O forte de seus filmes são seus enredos cheios de reviravoltas, suas personagens problemáticas e seu mundo exótico e cruel. Grande admirador de Shakespeare, o mestre japonês adaptou várias de suas peças ao Japão da Sengoku Jidai ou Era do País em Guerra (1467-1603).

Kurosawa não viveu tempo suficiente para produzir um videogame de seus próprios filmes, como fez Steven Spielberg com Medal of Honor. Felizmente, há vários jogos que chegam bem perto. Para o gamer que sonha em entrar nos roteiros de seu diretor predileto, vão algumas sugestões:

1- Nobunaga’s Ambition: Sphere of Influence

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Nobunaga’s Ambition não é um nome que diz muita coisa ao fã ocidental de estratégia, mas é uma das séries mais famosas e premiadas da história do Japão. O primeiro game da franquia foi lançado em 1983, e o sucesso mereceu 13 sequels ao longo de mais de 30 anos. A fama é tão grande que levou até a um crossover improvável com Pokémon em 2012.

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A maior parte da franquia não foi localizada fora do Japão. Para os gamers que não lêem japonês, a boa notícia é que o último jogo da série, Sphere of Influence, foi lançado no ocidente semana passada.

Como o título já diz, o game segue os feitos de Oda Nobunaga, daimyo que chegou perto de unificar o Japão sob seu mando até ser encurralado e forçado a cometer seppuku por seus inimigos. Jogadores podem escolher entre uma série de datas inicias, seja acompanhando o clã Oda rumo à sua glória, seja controlando qualquer um dos outros daimyos da época.

O jogo é surpreendentemente leve em combate. Antes, o principal da experiência é a dança de intrigas, alianças, casamentos e traições que podem fazer ou desfazer um líder ambicioso. Não é de se espantar, portanto, que o game carregue tanto nas tintas dos relacionamentos pessoais. As mecânicas de estratégia são acompanhadas por fartos diálogos no melhor estilo JRPG.

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Nobunaga’s Ambition é um jogo japonês, e seu estilo inconfundivelmente nipônico pode causar estranhamento ao fã de estratégia. Para começar, Sphere of Influence foi também lançado para PS3 e PS4, o que se nota nos comandos simplificados, sem dúvida mirando os consoles. Veteranos de Total War talvez sintam falta de certa complexidade, mas não precisam ficar incomodados. O game é difícil o suficiente para garantir horas arrancando os cabelos na frente do monitor. Desde que, é claro, o jogador se adapte à estética bishounen das personagens.

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Esses cabelos…

2- Sengoku

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Sengoku é um título pouco conhecido da Paradox, gigante criativo por trás de Crusader Kings, Europa Universalis e Hearts of Iron. Quem conhece essas franquias já deve ter sentido o frio na espinha, seja de ódio ou excitação. A Paradox é um caso “ame-o ou odeie-o” do mundo dos games. Seus jogos, de longe as simulações mais complexas do mercado, são demorados de aprender e mais demorados ainda de se largar.

Sengoku usa a mesma engine de Crusader Kings 2, mas leva a guerra ao Japão do século XVI. Tal como em Nobunaga’s Ambition, o jogador pode escolher qualquer clã japonês do período e levá-lo à glória. Novamente igual ao game japonês, a ênfase está não no combate, mas nos jogos de intriga, assassinatos políticos e missões diplomáticas.

sengoku

Talvez sua característica mais importante seja a importância que dá aos relacionamentos pessoais. Praticamente tudo o que pode ser feito no jogo – da escolha de seus assessores às declarações de guerra aos inimigos – é influenciado pela opinião pessoal que personagens têm das outras.

Isso faz do game um verdadeiro simulador de controvérsias palacianas para dar inveja a qualquer peça de teatro kabuki. Se você acaba de assistir a Trono Manchado de Sangue e está sentindo faltas de planos maquiavélicos e facadas nas costas, esse é o jogo para você.

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Só não espere ver a floresta andando. Para isso, só com Kurosawa mesmo

 

3- Nova Monumenta Iaponiae Historica

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Confesso que estou roubando nesse item, mas não resisti. Nova Monumenta Iaponiae Historica não é um jogo em si. Entusiasmados com Sengoku, alguns fãs de Crusader Kings 2 fizeram um mod de seu jogo favorito adaptando-o à Sengoku Jidai.

O título é uma referência ao Monumenta Germaniae Historica (registros históricos da Alemanha, em latim), uma enorme coleção de documentos sobre a Europa medieval. Fiel à proposta, ele não desanima. MIH é, de longe, o jogo mais complexo já feito sobre o Japão do século XVI.

MIH 3

MIH 2

O mod ainda está na versão alpha, mas se você já jogou tudo o que existe no mercado e está em abstinência por novos games sobre a Era do País em Guerra, pode conferi-lo no Steam Workshop. Além de Crusader Kings 2, para rodá-lo é necessário o DLC Rajas of India, que introduz o budismo.

4- Total War: Shogun 2

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Por mais que eu tente me enganar, não dá para fugir do óbvio. Total War: Shogun 2 não é apenas um dos melhores Total War, mas o jogo mais “Kurosawano” que existe. Esta é uma das experiências que fariam o velho diretor, caso vivo,  cair para trás em êxtase.

Se Nobunaga’s Ambition e Sengoku primam pelas intrigas, Shogun 2 é o rei das batalhas. Esse é o “simulador de Kurosawa” de sua fase tardia, de Kagemusha e Ran, seus épicos dos anos 1980, já produzidos com toda a pompa, valores de produção e abundância de cores que marcariam o cinema da década.

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Para sentir todo o efeito, só vendo em ação. Eis, portanto, um trailer fan-made de Ran e sua recriação usando a engine do jogo:

A despeito da fartura visual, Shogun 2 não é só aparências. O jogo contém um mapa estratégico menos detalhado do que os outros mostrados acima, mas que nem por isso deixa a desejar. Pelo contrário, o game é um dos mais desafiadores TBS (turn-based strategy) dos últimos anos e facilmente tomará centenas de horas da vida de qualquer fã do gênero.

5- Bônus: Mass Effect 2

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Esse é o momento em que o leitor acha que estou ficando maluco. O que diabos Mass Effect tem a ver com Kurosawa?

Diretamente, nada. Mas o segundo capítulo da saga de Shepard é uma coletânea de inovações narrativas saídas das películas de Kurosawa.

Os Sete Samurais não se tornou um filme famoso pelo seu conteúdo, mas – tal como a obra-prima da Bioware – pela forma como o apresentou. Lançado em 1954, ele foi talvez um dos primeiros longas a adotar um enredo que mais tarde o cinema western tornaria clássico: um líder badass reunindo um grupo de pessoas aparentemente incompatíveis para uma missão que só eles podem realizar.

Ao longo de suas mais de 3 horas, Os Sete Samurais cativa não só pelas cenas de batalha, mas pelos conflitos pessoais de sete ronins com absolutamente nada em comum. Entre o fanfarrão Kikuchiyo, o austero Kyuzo e o inexperiente Katsushiro, logo percebemos que a verdadeira missão de seu líder, Kambei, não é apenas derrotar os bandidos que atormentam o vilarejo, mas lidar com os conflitos trazidos pelo choque de personalidades.

Qualquer semelhança com o título da Bioware não é mera coincidência. Mass Effect 2 foi um dos jogos a ter adaptado com maior sucesso a fórmula de Os Sete Samurais. Diante de uma ameaça desconhecida, Shepard deve percorrer a galáxia em busca dos melhores soldados, cientistas, atiradores e técnicos que possa encontrar. Tal como no filme de Kurosawa, a maior parte do jogo é dedicada aos conflitos pessoais dos companheiros improváveis e da lábia de seu líder para mantê-los na linha.

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Mass Effect 2 não foi o primeiro nem o último jogo a fazer isso. O próprio Seven Samurai 20XX, à sua maneira, mostrou coisa parecida. Além da execução primorosa, a diferença aqui é a capacidade, tão típica de Kurosawa, de ser sério sem ser chato.

Ao final do filme, os sete samurais são apenas três. O game da Bioware permite um desfecho melhor, desde que o jogador preste atenção aos detalhes. Tal como Kambei, Shepard eventualmente tem o seu momento de tudo-ou-nada contra seus inimigos. Dependendo de suas escolhas, pode voltar para casa com seu esquadrão inteiro… ou não voltar.

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Talvez, para um jogo tão preocupado com a qualidade do enredo, aproximar-se do clássico fosse inevitável. Afinal, como disse o crítico Roger Ebert, é a Kurosawa que todos os herois dos últimos 50 anos devem seus empregos.

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O que “The Witcher 3” nos ensina sobre afeto https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/ https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/#respond Mon, 29 Jun 2015 20:54:06 +0000 http://finisgeekis.com/?p=421

Qual foi a última vez que você se pegou pensando em uma personagem de videogame como uma pessoa real? Que passou o dia agonizando após um criatura de pixels e voz pré-gravada lhe dar as costas, ou “morrer” graças às suas ações?

Para fãs de CRPG a pergunta é quase retórica. O gênero veio de histórias coletivas criadas em rodas entre amigos e levou a mesma vibe aos computadores e consoles. Se fãs de estratégia esperam nações e territórios e fãs de tiro olham para balas e alvos, RPGistas estão atrás de pessoas.

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

Jogos de interpretação… ou jogos de afeto?

Se você não é um recém-chegado ao gênero, sabe que o afeto não é uma firula, mas a lógica que dá sentido a tudo.  Com os orçamentos multimilionários, efeitos especiais e cenas de ação, é tentador tornar as experiências cada vez “maiores”, mais “decisivas” e “épicas”.  No entanto, maior não é sempre melhor. A morte de Obi-Wan nos toca muito mais do que a explosão de Alderaan. “Salvar o mundo das forças do mal” é uma premissa muito mais maçante do que encontrar a pessoa amada, ganhar reconhecimento ou apenas sobreviver.

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Na série Mass Effect, as decisões que mudam o destino da galáxia são importantes porque dizem respeito aos companheiros que reunimos ao longo da jornada. Impedir a guerra entre os Quarians e os Geth é vital não pelos seus motivos estratégicos, mas para salvar a vida de Tali, confidente de Shepard desde o primeiro jogo. Curar o genophage é uma decisão difícil porque envolve Wrex, um dos amigos mais queridos do comandante.

Games de outros gêneros também focados em narrativa seguem o mesmo caminho. John Marston é um excelente protagonista porque Red Dead Redemption não é um jogo sobre a conquista do Oeste, mas o drama pessoal de um homem arruinado em busca de sua mulher e filho. Do enredo meia-boca de Beyond: Two Souls o que se salva é o belo capítulo em que a protagonista é adotada por um grupo de mendigos, que logo se torna sua família adotiva. E, com o devido SPOILER WARNING, no final de The Last of Us Joel deixa claro que entre Ellie e o futuro da humanidade, ele prefere sua jovem companheira.

Isso para ficar só nas últimas gerações

Isso para ficar só nas últimas gerações

The Witcher III: The Wild Hunt não é muito diferente. Um dos muitos (e justíssimos) elogios que o game recebeu é quão “pequeno” é seu foco. Geralt de Rivia ronda uma terra devastada em busca de sua filha adotiva, recolhendo, no caminho, os cacos de vidas destruídas pela guerra. Da guerra em si, das “forças do mal” e do destino do universo ele não sabe nada. Os protagonistas das outras batalhas não lhe dizem respeito.

Entretanto,  por mais popular que tais histórias sejam, há um sentimento de que suas protagonistas sejam fúteis, cafonas. Em parte, isso se justifica pelas inúmeras tentativas horríveis de se contar esse tipo de história. (Watch Dogs, estou olhando para você). Em parte, porém, a crítica tem outra fonte: a obsessão pela “força” das personagens e seu potencial como role models.

A tirania das personagens fortes.

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Existe uma tendência (que suspeito que Star Wars tenha tornado popular) de achar que herois estão acima dos reles mortais. Tal como um mestre Jedi, o protagonista não tem vínculos fortes e se dedica integralmente à sua causa.  Ele precisa servir de exemplo aos outros, não se rebaixar às suas paixões. Para alguns, esse modelo de Jedi é a marca que faz de uma personagem “forte e independente”.

É engraçado, no entanto, que ter “força” signifique muitas vezes ser avesso aos outros. A personagem “forte” não tem amigos; tem aliados, pessoas que servem para alguma coisa e que ela pode largar sem prestar satisfações. A personagem “forte” não tem compromissos amorosos, apenas cobaias para saciar suas vontades. A fidelidade, em um mote que poderia sair direto da boca de um Sith, é uma fraqueza a ser zombada. A personagem “forte”, por fim, não depende de ninguém: ela prefere a si mesma àqueles à sua volta, sua carreira à companhia dos entes amados, seu escritório à família e amigos.  A personagem “forte” só pensa em si e só deve a si própria sua felicidade. Os outros podem partilhar da sua alegria se ela deixar, mas não devem roubar a cena.

À primeira vista, Geralt parece ser o “forte” por excelência: um cavaleiro solitário sem comprometimentos, com poder para matar qualquer vilão, vencer qualquer disputa, conhecer qualquer monarca e ir para a cama com qualquer mulher. Porém, bastam algumas dezenas de horas no mundo dos witchers para conferir que a verdade não é bem assim.

Como eu já disse em outra ocasião, o mundo de The Witcher é um universo de monstros e Geralt de Rivia é um monstro à sua própria maneira. Pessoas cospem no chão quando o vêem e o xingam de “mutante”, “freak” e “bastardo desalmado”.  Ele não gosta do que faz, mas tem poucas alternativas. As mutações que lhe deram seus poderes lhe deixaram estéril e incapaz de mostrar emoções. Mesmo que ele desejasse mudar, ele está simplesmente excluído do mundo normal.

O que não significa que por trás do cabelo branco e dos olhos de gato não exista, de fato, uma pessoa normal.

Nesse sentido, seu momento mais tocante acontece quando visita a cidade de Novigrad. Geralt viu sua filha adotiva pela última vez na adolescência. Num mundo sem Facebook ou câmeras fotográficas, isto significa que a única imagem que ele tem dela vem de suas lembranças. Eis, então, que surge uma possibilidade de ver como ela se tornou, adulta. A reação do nosso caçador de monstros fala por si só:

Nada de diálogo explicativo. Nada de berros, lágrimas ou abraços. Reparem que quase não há trilha sonora. Apenas a expressão de dor de um homem que não é capaz de chorar, mas que acaba de ver que a criança que mais ama cresceu sem que ele estivesse lá para ver. A dor que muitos pais já sentiram ao perderem a infância de seus filhos; a mesma, provavelmente, que tomou conta de Solomon Northup em 12 anos de Escravidão, quando retorna para casa vê que sua filha está casada e já é mãe.

Quem acha que The Witcher é mais uma história do heroi durão derrotando meio mundo para salvar a pessoa X está perdendo o mais importante. Do triângulo amoroso com Triss e Yennefer à camaradagem de Zoltan e Dandelion, passando pela “amizade” conturbada de Lambert, Drijska e Roche, Geralt deve tudo àqueles à sua volta. O universo dos witchers, como o de outras séries do gênero, é um mundo cruel, em que pessoas procuram a companhia alheia para tentar afastar as trevas. Na maioria das vezes, sem sucesso.

hanged man tree

A insustentável leveza do ser

Mais de trinta anos atrás, o escritor tcheco Milan Kundera escreveu sobre essa “força”. Em seu livro, ele nos dá um cirurgião “forte”, “independente” e “realizado” com sua carreria, vida social e prazeres carnais. Uma pessoa, enfim, que ticaria todos os quadrados da cartilha do individualismo gamístico.  Entretanto, um belo dia ele larga tudo para viver ao lado daquela que jurou passar a vida ao seu lado.

Ao contrário dos role models celebrados a torto e a direito, as personagens de Kundera não vêem sentido nessa vida dos sonhos. O que para outros é “liberdade”, para eles é a insustentável leveza do ser. O ser humano – ou ao menos estes seres humanos não foram feitos para existir sozinhos. Daí que eles se mudam da Suíça para a Tchecoslováquia comunista, da cidade grande para o campo, de carreiras brilhantes e bem remuneradas a bicos no meio do nada, da vida “realizada” a uma morte sem sentido, num acidente de carro numa estrada de terra qualquer.

Por quê? Eu não sei. Talvez ninguém saiba. Na vida real (e nas melhores ficções) algumas coisas não fazem sentido. Mesmo assim, eu não consigo deixar de pensar que a obsessão pelos role models pode nos levar a um lugar perverso, tão apavorante, talvez, como o mundo dos witchers.

Em Cardcaptor Sakura, Kero-chan diz que o apocalipse é algo muito pior do que a explosão da terra: é a perda do afeto por todos aqueles que amamos. Que os justiceiros, na cruzada para impedir a primeira, tomem cuidado para não provocar a segunda. A insustentável leveza do ser pode ser um fim em si mesma. E por “fim” não digo propósito, mas game over. Ponto final.

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