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Makoto Shinkai – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Thu, 30 Jan 2020 08:32:35 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Makoto Shinkai – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “O Tempo com Você”: Makoto Shinkai e nossos medos sobre o fim do mundo https://www.finisgeekis.com/2020/01/29/o-tempo-com-voce-makoto-shinkai-e-nossos-medos-sobre-o-fim-do-mundo/ https://www.finisgeekis.com/2020/01/29/o-tempo-com-voce-makoto-shinkai-e-nossos-medos-sobre-o-fim-do-mundo/#respond Wed, 29 Jan 2020 20:54:40 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22152 “Makoto Shinkai foi enaltecido por alguns como o “novo Miyazaki”, mas esse elogio é prematuro na melhor das hipóteses, uma hipérbole na pior”.

Assim escreveu Theron Martin do ANN sobre 5 Centímetros por Segundo, então recém-lançado em DVD. “Se esse novo projeto confirma o talento fora de série que ele exibiu em seus últimos esforços, ele ainda está por mostrar qualquer versatilidade ou variedade”.

Doze anos se passaram, mas bem poderiam ter sido uma era. Makoto Shinkai se tornou o novo Miyazaki, em retornos da bilheteria, se não em semelhanças criativas. Your Name, seu hit de 2016, tornou-se o anime mais assistido da história do cinema, superando qualquer título do Studio Ghibli.

Seu último longa, O Tempo com Você, lançado em alguns países esse ano, parece disposto a repetir o sucesso. No Lighthouse Cinema em Dublin, onde tentei assisti-lo, a hype foi tamanha que os ingressos se esgotaram. Minha irritação em ter de procurar outra sessão não chegou perto da alegria em notar que, depois de tanto tempo esnobados, os animes finalmente entraram na big league. 

Nem só sucesso, obviamente, faz um grande artista. Seria a “Shinkai-mania” dos últimos anos prova da evolução criativa do autor?

Felizmente, a resposta é sim. O Tempo com Você não é apenas um blockbuster, mas a obra de um cineasta no auge de sua forma, dono de uma voz própria, comovente e inspiradora.

O filme

O longa conta a história de Hodeka, um adolescente que foge de casa para viver em Tóquio. A vida na cidade grande se prova mais difícil do que imagina, e ele logo se vê sem um tostão no bolso ou um teto sobre a cabeça.  O que prometia ser um anime despretensioso se complica, em poucas cenas, com agruras de um romance de Charles Dickens.

Felizmente, tal como Oliver Twist, Hodaka tembém encontra seu Fagin. Os caminhos do garoto o levam até Keisuke, repórter de um tablóide especializado em fenômenos paranormais. O escritor lhe oferece um cama para dormir se prometer ajudá-lo com a revista. Sua missão? Escrever um artigo sobre A Garota do Tempo, uma aparição, reza a história, capaz de controlar a chuva.

Hodoka logo descobre que a Garota do Tempo é mais do que uma simples lenda urbana. Ela se chama Hina, uma órfã que batalha para  fugir dos olhos da adoção. Juntos, eles bolam um plano inusitado para sobreviver em Tóquio:  um serviço de “sol por encomenda”, afastando a chuva daqueles que precisam de um dia seco.

Tudo vai bem até que os dois descobrem que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Num twist que espectadores de Hisone to Masotan reconhecerão de pronto, um velho monge revela que Hina é a última de uma longa linhagem de Garotas do Tempo, agraciadas com controle sobre o clima, mas fadadas a pagar um terrível preço por seu dom.

É um enredo que pede grandes imagens, que o filme entrega sem a menor modéstia. Fiél ao pedigree de Shinkai, O Tempo com Você é um primor de imaginação e poesia visual, em que dragões feitos de nuvens dividem espaço com céus cruzados por relâmpagos e cardumes feitos de água.

Como no resto de sua filmografia, porém, o que mais impressiona é o hiperrealismo de suas paisagens urbanas, tão minuciosas – e comoventes – quando as pessoas que as habitam.

Shinkai sempre teve um interesse particular pelo mistério de como as pessoas se conectam. Em Voice of a Distant Star, o empecilho eram os anos-luz que separavam dois jovens em cantos opostos do universo. Em Jardim das Palavras, os sentimentos não ditos de um garoto e uma mulher de meia idade. Em 5 Centímetros por Segundo, a inevitabilidade de uma vida que sempre avança, indiferente aos nossos esforços de nos agarrar ao que amamos.

Em O Tempo com Você, Shinkai parece ter feito as pazes com essa angústia. Nunca em sua filmografia o sofrimento humano e a esperança caminharam tão próximo.

Com a morte da mãe, Hina perdeu sua única fonte de renda. O desespero a leva a fazer programa para pagar as contas. Keisuke é um viciado em jogo que perdeu a guarda da filha por seus maus hábitos. Sem dinheiro para um albergue, Hodaka passa a morar nas ruas. O acaso o leva a uma arma desovada por um yakuza, que servirá de estopim a uma das cenas mais tensas do filme.

São temas pesados, que não esperaríamos do criador do filme mais mainstream da história dos animes. Troque a trilha upbeat do RADWIMPS pelas melodias de um Kenji Kawaii e seria possível imaginar o mesmo longa como um drama de cortar os pulsos.

Shinkai, porém, foca na pequenas alegrias, não nas grandes tragédias. Na relação de Hina com seu irmão Nagi, não na família que perderam. No esforço de Keisuke de se reerguer como homem, não nos erros que custaram sua filha. Na perseverença de Hodaka em viver um dia por vez, não nos motivos que o levaram a fugir de casa.

Coisas ruins acontecem, diz o filme, mas seres humanos perseveram a despeito de tudo. E nenhum poço é fundo o suficiente para nos impedir de rir, de amar, de tentar nosso melhor e seguir em frente – enfim, de viver.

Como aprendi a parar de me preocupar e amar as chuvas

Cena de “Dr Strangelove, or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”, de Stanley Kubrick

Shinkai reforça a mesma mensagem nas partes mais catastróficas de sua história.

Seu último filme, Your Name foi considerado uma resposta ao sekaikei ou “Síndrome Pós-Evangelion“, um gênero de história apocalíptica popularizado após o Grande Terremoto de Kobe em 1995. Muito presente nos animes, ele é marcado por mensagens niilistas e protagonistas adolescentes, perdidos num mundo abandonado pelos adultos.

Autor de um dos principais marcos do gênero, Shinkai virou sua fórmula de ponta-cabeça em Your Name, com um enredo de desastre em que a calamidade cede os holofotes para um romance adolescente, sem angústia ou desespero.

No seu novo longa, esse sentimento é elevado a um patamar ainda mais alto. “Tudo tem um preço” diz uma vidente a Hodeka no início do filme. Não demora para que o garoto perceba que isto vale também para o dom de Hina. De tanto manipular o clima, as contraforças da natureza entram em ação, e uma tempestade de proporções bíblicas ameaça colocar toda Tóquio debaixo d’água.

Os moradores, todavia, não parecem se importar. “Duzentos anos atrás, Tóquio era uma baía” diz uma personagem após ter sua casa engolida pela chuva “A natureza está apenas devolvendo as coisas ao jeito que eram”.

É irônico, nesse sentido, que o filme esteja sendo promovido como uma alegoria sobre o aquecimento global. Se as personagens de Shinkai parecem ter se conformado com o pior, o ânimo em nossos próprios dias não poderia ser mais diferente.

O Relógio do Fim do Mundo, originalmente criado como advertência à guerra nuclear, foi reaproveitado para medir o avanço da mudança climática. Greta Thunberg se tornou uma celebridade mirim ao abrir mão da escola para militar pelo planeta. Na sua Europa natal, seus simpatizantes se tornaram tão numerosos que o fenômeno ganhou um nome : eco-ansiedade.

Crianças protestando contra a mudança climática na Irlanda. Fonte: Irish Times

Qualquer um desses adolescentes daria tudo para ter o poder de Hina. No filme de Shinkai, porém, a “garota do tempo” desperdiça seu dom afastando a chuva para que crianças possam brincar no parque. Mesmo quando Tóquio se encontra à beira do apocalipse o conflito que a paralisa é pessoal, nunca político. A ideia de que as chuvas de Tóquio são culpa – e, portanto, responsabilidade – de todos não é sequer cogitada.

“Você realmente acha que mudou o mundo?” diz Keisuke a Hodaka no final do filme, num comentário que parece uma crítica velada à histeria de nossos tempos.

Hodaka e Hina acreditam que sim, embora de uma forma com que os ativistas do Extinction Rebellion dificilmente concordariam. O que exatamente eles dizem não estragarei a surpresa revelando. Suas palavras – as últimas do filme – deixam claro que a luta que enfrentam é de outra natureza.

Se ela será suficiente para deter os percalços que nos aguardam só o futuro dirá.

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Shinkai e “Kimi no Na Wa”: A ‘era dos otakus’ realmente terminou? https://www.finisgeekis.com/2016/09/12/shinkai-e-kimi-no-na-wa-a-era-dos-otakus-realmente-terminou/ https://www.finisgeekis.com/2016/09/12/shinkai-e-kimi-no-na-wa-a-era-dos-otakus-realmente-terminou/#comments Mon, 12 Sep 2016 22:21:45 +0000 http://finisgeekis.com/?p=10090  

Há algo de podre no reino dos animes. Ou, pelo menos, é o que se diz por aí.

Fãs de Makoto Shinkai, o celebrado diretor de 5 Centímetros por Segundo, devem saber que seu novo filme, Kimi no Na Wa, acaba de ser lançado no Japão. Alguns figurões da indústria já tomaram a internet para despejar seus elogios.

O que talvez não tenham ouvido é que o filme provocou também reações um tanto estranhas.

Hiroki Azuma, um dos principais especialistas em anime no Japão, disse que o filme é a prova de que “a era dos otakus” finalmente acabou.

Nas suas palavras:

Eu concordo completamente com a análise do [Daisuke] Watanabe. [A imaginação] do sekaikei e dos games bishoujo ganharam popularidade nacional ao dar a seus protagonistas vidas pessoais satisfatórias. Mas eu não estou otimista em relação ao que vem depois. Kimi no na Wa parece menos um começo de uma era do que o fim de outra. Para ser sucinto, ao assistir Shin Godzilla Kimi na Na Wa eu senti que a era otaku acabou. A imaginação dos otakus ‘Gainax’ da primeira geração e os otakus ‘sekaikei’ da segunda geração amadureceu. (…) Aquela falta de rumo e de esperança desapareceu completamente. Isto pode ser bom e isto pode ser ruim. Em todo caso, como alguém nascido em 1971 que acompanhou mídia otaku a vida inteira, eu acho que esse ano será visto no futuro como um turning point.

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Como era de se esperar, o comentário causou frisson. Alguns leram nele o julgamento de que a mídia otaku teria “crescido”, e não estaria mais nas mãos de fanboys. Já outros ressuscitaram o velho argumento de Hayao Miyazaki de que otakus são uma praga que precisa acabar.

Outros ainda, imagino, devem ter se perguntado por que raios um “especialista” decidiu implicar com o filme de um dos diretores mais celebrados da animação contemporânea.

Em tempo: otakus podem respirar tranquilos. Azuma não quis dizer que fãs de anime estejam mortos, nem que o anime é uma mídia degenerada. Ele, próprio, está envolvido como poucos na mídia: é o autor da história de Fractale  e publicou livros sobre o mundo dos animes (os quais eu mesmo já comentei aqui antes).

Pelo contrário, o que Azuma está dizendo é algo muito maior e mais importante – porém, não necessariamente mais óbvio.

Para entendê-lo, no entanto, é preciso viajar um pouco pela história do Japão

A era do impossível

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Nos anos 1980, o futuro parecia brilhante para a Terra do Sol Nascente. Enquanto muitas nações amargavam em crises financeiras e políticas, o país contava com uma economia aquecida, uma popular indústria midiática e otimismo para dar e vender.

Para alguns, como o político e escritor Shintaro Ishihara, o Japão estava a caminho de se tornar a próxima grande potência global. No livro O Japão que Sabe Dizer ‘Não’,  defendeu que os japoneses poderiam até mesmo abandonar o vínculo com os EUA nos quais se sustentavam desde 1945.

Em 1995, dois baques colocaram essa visão por terra.

Do primeiro, as imagens falam por si só:

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O Grande Terremoto de Kobe foi o maior tremor  a atingir o Japão desde 1923. Com quase 7 pontos na escala Richter e um saldo de mais de 6000 vítimas, foi uma tragédia sem precedentes para a maioria das pessoas vivas em 1990.

Tal como os nova-iorquinos após o 11/09, os japoneses de 1995 sentiram que seu mundo havia virado de ponta cabeça. Ao saírem nas ruas pela manhã, encontraram uma cena que, até então, esperavam encontrar apenas em filmes de kaiju.

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Infelizmente, a tragédia não pararia por aí. Apenas dois meses depois, a seita apocalíptica Aum Shinrikyo realizou um ataque terrorista ao metrô de Tóquio.

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Se a ação já foi terrível, o método utilizado elevou o ataque a outro patamar de crueldade. Em vez de bombas, a Aum Shinrikyo fez uso do gás Sarin, uma arma química de destruição em massa que destrói o sistema nervoso sem causar danos físicos.

Em um minuto, milhares de japoneses estavam penduradas no metrô a caminho do trabalho. No instante seguinte, pessoas inexplicavelmente começaram a perder controle de seus sentidos, ficar cegas ou desabar ao chão.

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O atentado foi um dos eventos mais traumáticos na recente história do país. Para alguns, atrás apenas da Bomba de Hiroshima.

A repercussão na cultura japonesa foi gigantesca. O famoso escritor Haruki Murakami realizou uma série de entrevistas com sobreviventes, que publicou como o livro Underground: O Ataque de Gás de Tóquio e a Mentalidade Japonesa. Histórias sobre seitas e atentados à população civil também ganharam as páginas de muitos de seus romances.

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O episódio inspirou ainda vários animes e mangás, incluindo Oyasumi Punpun de Inio Asano, Paranoia Agent de Satoshi Kon e Mawaku Penguindrum de Kunihiko Ikuhara.

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Não dá para ser mais explícito do que estampando a data do atentado em um vagão de metrô

Para a auto-confiança dos japoneses, o ano de 1995 não poderia ter sido pior. O próprio Shintaro Ishihata, então deputado, engoliu seu orgulho e abandonou sua então carreira política.

Se antes se acreditavam acima de qualquer ameaça, o terremoto de Kobe mostrou que a pequena ilha que chamavam de lar poderia desaparecer da noite para o dia – e provavelmente o faria, mais cedo ou mais tarde.

Já o atentado de Tóquio, perpetrado por um grupo fanático religioso (com vínculos com o próprio Ishihata!), mostrou que toda sua modernidade não era suficiente para protegê-los da mais absurda das crendices.

Algo soa familiar? Não é por acaso. Ainda em 1995, essas angústias encontraram seu lugar naquele que logo se tornaria um dos animes mais famosos de todos os tempos.

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Síndrome Pós-Evangelion

Para Hiroki Azuma, o mesmo que agora nos conta sobre o “fim” da era otaku, os traumas de 1995 deram popularidade a um gênero próprio de histórias: o  sekaikei.

Também conhecido como “síndrome pós-Evangelion” por motivos óbvios, esse estilo se caracteriza por um cenário de perigo apocalíptico e pelo drama de um protagonista (geralmente adolescente) em uma relação complicada com uma garota.

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Ameaças de fim de fundo e romances juvenis não são coisa nova. O que separa o sekaikei do que veio antes é o fato de que, nessas histórias, há muito pouco além disso.

O worldbuilding é mínimo; as personagens coadjuvantes, decorativas. Não espere divagações geopolíticas, explicações metafísicas ou personagens tridimensionais. Os protagonistas dos sekaikei estão soltos em um mundo sem nada além de sua crush e de um inimigo descomunal que carrega a humanidade na ponta dos dedos.

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Se você já se flagrou assistindo a um anime e se incomodou com o desperdício de lore ou falta de exposição, saiba que foi proposital. Para o sociólogo Masachi Osawa, a “era do impossível”, como ele chama o Japão pós-1995, foi marcada por uma enorme desconfiança em relação à política e uma dificuldade em criar vínculos com os outros.

Quando o governo não consegue nos manter seguros, não há por quê acreditar que queira nosso melhor. Quando nosso colega de metrô pode se mostrar um terrorista, até mesmo conversar com estranhos se torna uma roleta russa.

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O resultado são protagonistas sem uma comunidade para chamar de sua, sem interesse ou conhecimento de política e sem paciência para olhar muito à frente. Se, como disse Frank Miller, os anos 1980 foram uma época de “ronins”, o Japão dos anos 1990 teve o seu próprio surto de samurais sem mestre.

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É dessa “falta de rumo e de esperança” de que Azuma fala ao dizer que a era dos otakus acabou. De um lado, Makoto Shinkai, que contribuiu ele próprio com o sekaikei no anime A Voice of a Distant Star, parece ter encontrado um antídoto para sua melancolia.

De outro, Shin Godzilla, retorno do clássico dos filmes de kaiju, mostra que o trauma do terremoto finalmente passou. Depois do tsunami e desastre nuclear de Fukushima, a velha lagartixa crescida e seu bafo radioativo não carregam a mesma gravitas.

Uma nova era dos otakus

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Levando tudo isso em conta, é difícil negar que muito já mudou desde as angústias dos anos 1990. Pelo contrário, é até estranho pensar que as fantasias apocalípticas do sekaikei se mantiveram firmes e fortes durante todo esse tempo.

Essa é a opinião de Motoko Tanaka, que estudou enredos de anime produzidos nas últimas décadas. Para ela, nos anos 2000 o sucesso de Battle Royale e a repercussão do 11/09 inspirou uma geração de histórias “cão come cão”, com conspirações terroristas ou anti-heróis justiceiros.

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Mais ou menos na mesma época, Lucky Star e depois K-ON! popularizaram uma nova era de otimismo e ficção feel good  que segue forte até os dias de hoje.

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Não era para ser diferente. Como disse Noritoshi Furuichi, o sociólogo favorito de Inio Asano, os jovens japoneses, apesar de todos os pesares, nunca estiveram tão felizes.

Outras gerações podem se preocupar com o fim do mundo, seitas terroristas e reviravoltas políticas. A juventude nipônica de hoje, com amplo acesso à tecnologia, entrada tardia no mercado de trabalho e pais abastados capazes de sustentá-los enquanto “procuram a si mesmos”, tem prioridades mais modestas.

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Pode bem ser que uma época tenha chegado ao fim. Porém, com tanta coisa acontecendo, é mais fácil admitir que novas “eras de otakus”  estejam apenas começando.

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Um Ano “sem” Studio Ghibli: O que Miyazaki e Companhia nos Deixaram https://www.finisgeekis.com/2015/07/06/um-ano-sem-studio-ghibli-o-que-miyazaki-e-companhia-nos-deixaram/ https://www.finisgeekis.com/2015/07/06/um-ano-sem-studio-ghibli-o-que-miyazaki-e-companhia-nos-deixaram/#comments Mon, 06 Jul 2015 21:57:00 +0000 http://finisgeekis.com/?p=454 O aviso foi feito em 2014: o Studio Ghibli não faria novos filmes, ao menos por um tempo. O fã de longa data, que escuta Miyazaki anunciar a aposentadoria desde 1997, deve ter ficado incrédulo. Porém, um ano depois, parece que seu produtor, Toshio Suzuki, falava sério. Quando Estava com Marnie, lançado no Japão ano passado e em Blu Ray esse ano no ocidente, foi o último coelho a sair da cartola. A companhia que nos deu Totoro e Nausicaa está sem planos imediatos para novos lançamentos.

Aos abalados, um consolo. Suzuki garante que o estúdio voltará, mas deve passar por uma reformulação. Será que as coisas voltarão a ser como antes? Ou teria a era dos filmes clássicos de Miyazaki e Takahata chegado, finalmente, ao seu fim?

Como o Ghibli, só o Ghibli

Se há algo que podemos dizer sobre o estúdio é que ele nunca fez anime como os outros – daí, afinal, a razão de sua justa fama. Mas há algo peculiar – para não dizer esquisito – em seus três últimos filmes. Vidas ao Vento de Miyazaki, Kaguya Hime de Takahata e Quando Estava com Marnie de Hiromasa Yonebayashi são filmes sérios, de temas pesados e andamento lento. Muito lento.

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Hans Castorp, protagonista do livro de Mann, até fez uma ponta

Está certo que dizer que o Studio Ghibli fazia filmes “para criança”  nunca agradou seus fãs, mas algo nesses últimos lançamentos diverge bem da fórmula do “filme família” – mesmo para os padrões Ghibli. Kaguya Hime arranca suspiros com uma estética inédita e uma discussão filosófica que não é para poucos. Vidas ao Vento é a versão anime do clássico A Montanha Mágica, do Prêmio Nobel Thomas Mann. E Marnie, com sua cara mundana e adolescentes em crise, ora se aproxima da melancolia de  Makoto Shinkai, ora da severidade de Colorful.

Comparado com o anime mainstream, a diferença é gritante.  O Studio Ghibli seguiu a sua própria estrada, e parece ter soltado os freios na ladeira. Pode ser que isso seja o que levou seus criadores a repensar as coisas. Ou pode ser que essa receita que só eles sabem preparar seja o que os salvará daqui para a frente.

Os detalhes são tudo

Muito tempo atrás, uma amiga americana me levou para conhecer um casal próximo à família. Eles moravam em uma enorme casa de lago no estado mais-do-que-remoto de New Hampshire. Para o paulistano que sou, acostumado desde sempre a prédios, casas pré-fabricadas e móveis comprados nas melhores do ramo, o choque foi total.

O edifício parecia ter sido contruído pelos colegas em um fim de semana, acompanhados por alguns engradados de cerveja. As vigas, tábuas e pilares eram todas irregulares, como se eles houvessem simplesmente cortado as árvores e removido as folhas. Não era uma casa desagradável, pelo contrário: combinava como nenhuma outra coisa com a paisagem de florestas e estradas de terra. Mas eu nunca havia visto nada do tipo.

Em Quando Estava com Marnie, a adolescente Anna, melancólica e perdida com a vida, passa o verão em uma cidade interiorana. Quando o filme nos mostra a casa onde a garota passa a viver, o clique na memória foi quase imediato:

arnie house 3 marnie house 2

marnie house 3

Yonebayashi não reproduziu uma casa no campo qualquer, tirada do manual de desenho. Ele nos recriou uma casa nos seus mínimos detalhes, coisa que passaria batido para qualquer um que não tivesse visto algo parecido.

Miyazaki já disse que para retratar o mundo é preciso conhecê-lo. Ficar trancado em um estúdio na frente de uma mesa de desenho não faz de ninguém um artista. Daí sua tristeza com muitos de seus colegas, que vivem e respiram no mundo do anime e não têm ideia do que se passa além dele. Em Marnie, seu companheiro de estúdio Yonebayashi segue isso à risca. Talvez pela exigência do enredo, talvez pelo andamento devagar, o filme nos traz um detalhismo que deixa até mesmo os outros títulos do Studio Ghibli com inveja. Um tomate sendo cortado sem fazer sujeira. A mistura de pessoas à paisana e de yukata no festival de verão. O sacolejar de um carro pequeno lotado de tranqueiras de viagem. O jeito certo de se comer ovo frito com hashi.

marnie egg

a referência, para os curiosos

Há quem diga que vivemos em tempos tão cibernéticos que ninguém mais se interessa por coisas reais. A popularidade dos filmes do Studio Ghibli me faz questionar o palpite. Não se trata apenas de “realismo”, mas de honestidade com o mundo de verdade. Poucas coisas nos tocam como aquelas que, como a casa de vigas irregulares, nos fazem lembrar de que dividimos o mesmo mundo. Como entregar esse tipo de obra é tudo menos fácil, e os animadores do Ghibli são tudo menos comuns, esse pode ser o caminho para o futuro do estúdio.

O diferencial é a alma do negócio

Em sua queixa contra o excesso de hype na E3, a colunista de games Liana Kerzner disse (com muita razão, diga-se de passagem) que trailers cinemáticos não servem para nada. Nos dias de hoje, “ser bonito” não é suficiente. Todos os jogos são bonitos.

A colocação também vale para o anime. Foi-se o tempo em que a diferença entre uma série “comum” e uma superprodução à la Nausicaa  nos fazia pensar que se tratavam de mídias diferentes. A animação japonesa mainstream melhorou e muito. Computação gráfica se tornou um recurso comum. O outsourcing para a China e Coreia reduziu os custos de produção. Tirando os efeitos de luz e água dos filmes do Shinkai, é bem difícil encontrar algo que faça nosso queixo cair.

Adicione a isso o fato de que o Studio Ghibli dificilmente continuará o rei de bilheterias. Princesa Mononoke foi o filme mais visto da história do Japão, perdendo apenas para Titanic. Mesmo o pouco ortodoxo Vidas ao Vento faturou US$ 120 milhões de dólares. Já Marnie, sem a assinatura de Miyazaki, não lucrou sequer um quarto disso. O criador de Totoro não é só um grande artista; ele é uma marca pela qual as pessoas pagam mais. O estúdio se recusa a fazer outsourcing, então é pouco provável que os custos diminuam se continuarem do jeito que estão. E Miyazaki em pessoa disse achar que a “era do lápis, papel e filme está chegando ao fim“.

As coisas precisam mudar, mas é importante que os dirigentes do estúdio mantenham aquilo que os distingue dos outros. Em tempos de filmes grandes, épicos e impressionantes, são os pequenos detalhes que farão a diferença. Nunca antes a animação de uma garota comendo um ovo, caindo na água ou cortando um tomate foi tão importante.

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Lágrimas e Mais Lágrimas https://www.finisgeekis.com/2015/04/20/lagrimas-e-mais-lagrimas/ https://www.finisgeekis.com/2015/04/20/lagrimas-e-mais-lagrimas/#comments Mon, 20 Apr 2015 17:58:30 +0000 http://finisgeekis.com/?p=170 Exclamações de “kawaii!!” não são as únicas emoções de que otakus se vangloriam. Para o observador de fora, pode parecer estranho que uma mídia povoada por cabelos coloridos, espadas gigantescas, robôs de combate e acrobacias sobre-humanas possa despertar sentimentos mais profundos. À exceção dos longa metragens autorais, nosso anime televisivo de cada dia nos oferece, na melhor das hipóteses, uma overdose sensorial; na pior, um passatempo enérgico.  Quando até mesmo os animadores mostram desdém pelo seu próprio meio é porque há alguma coisa errada.

Ou, talvez, seja porque estamos olhando para o lugar errado.

É notável, nesse caso, a popularidade do melodrama no anime. Não a tragédia sóbria da dita “alta” cultura, mas – o que é, de certa forma, ainda mais surpreendente – o drama pastelão, de reações exageradas e estereotipadas. A trama que se leva a sério demais, e tão bem cumpre a tarefa que parece se tornar outra coisa (um comercial de si mesma, talvez). Ao lado de artistas marciais, garotas mágicas e namoradas perfeitas, os otakus mostram um ponto fraco para lágrimas fáceis, abundantes e sinceras.

O recente Shigatsu wa Kimi no Uso nos traz a história  de um jovem pianista sujeito à violência doméstica durante a infância e ao trauma de amigos sucumbindo a doenças terminais. Ano Hi Mita Hana no Namae o Bokutachi wa Mada Shiranai, ou Ano Hana, para os entendidos, acompanha um grupo de adolescentes disfuncionais cuja infância foi arruinada pela morte de uma colega. Angel Beats, disfarçado de filho ilegítimo de Haruhi Suzumiya e K-ON, retrata um purgatório para jovens que morreram antes de desfrutarem a vida. Já do futurista A Voice of a Distant Star ao mundano The Garden of Words, Makoto Shinkai contou histórias – para alguns, a mesma história várias vezes – da solidão inescapável do mundo contemporâneo.

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Nada disso é novo. O nicho já foi fincado há muitos anos com filmes live-action como Love Letter Crying out Love in the Center of the World – e suas respectivas fontes e adaptações. No anime, o gênero bebe de sucessos como Honey & Clover e as visual novels da Key (Kanon, Air, Clannad). Obras, é claro, que empalidecem em tristeza diante da rainha absoluta do melodrama, a incontáveis vezes adaptada – e sugestivamente intitulada – Um Litro de Lágrimas.

Essas obras são tão universais em sua proposta e tão óbvias na entrega que fica até pedante buscar um padrão. Num juízo um tanto simplista, mas nem por isso falso, parece haver uma demanda japonesa por histórias melosas envolvendo entes queridos, passados saudosos e, por algum motivo, os anos 1980.

Para alguns, isso não é uma coincidência. Há quem veja no melodrama um consolo ao Japão contemporâneo, à sensação de que os melhores dias já se passaram e a vida fica mais e mais difícil. Entre crises econômicas, desilusão com o emprego e angústias para com o futuro, resta o palpite de que o mundo era melhor quando as pessoas não tinham celular e salvavam arquivos em disquete. O passado próximo dos anos 1980 seria aqui o limiar entre os dois estágios, o último momento de calmaria antes das complicações. E da nostalgia pelos anos de ouro passa-se à nostalgia pela juventude, pelos entes amados perdidos e, finalmente, pela nostalgia por si só. Chega-se. enfim, à sensação de vazio espiritual dos filmes de Shinkai, um oco tão profundo que faz mesmo do contato humano um alívio passageiro.

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A explicação é plausível, mas não responde por que essas séries se tornaram tão populares no Ocidente. Nem como a comunidade otaku internacional, do alto de sua juventude, irreverência e descaso com as tradições, veio a vibrar com representações tão cafonas de afeto. Ou há algo mais no melodrama, ou há algo em comum entre os millenials ocidentais e a geração X japonesa. Provavelmente ambos.

O segundo ponto é mais evidente. Por mais que reclamem do conservadorismo das gerações passadas, os jovens ocidentais são incrivelmente aferroados à sua memória. O culto aos anos 1990s como um paraíso terreno da infância e cultura pop é arraigado no coração dos nerds. Games e animes de dez anos atrás ganham o status de clássicos não por serem influentes (ou minimamente decentes), mas por carregarem uma espécie de sabedoria ancestral. É lugar comum rir de velhos que comparam tudo ao “seu tempo”. Quando vemos jovens de 20 anos fazendo o mesmo, é sinal de que é hora de pararmos para refletir.

Tempos atrás, diante da crítica de que o último “jogo” de “arte” do momento não passava de um simulador de caminhada, um comentarista de games chegou a afirmar que só quem viveu os anos 1990 é capaz de entendê-lo. Houve um tempo em que a arte nos trazia experiências novas e nos levava a lugares desconhecidos.  Hoje em dia, “cultura” aparentemente virou privilégio da casta iluminada que jogava Pokémon no gameboy e ouvia Walkman andando nas ruas de San Francisco. Nem todos os países passaram por momentos econômicos parecidos com os do Japão. Para alguns (como o Brasil), a era das vacas gordas só viria vinte anos depois. Mas é óbvio, para a geração do  before it was cool, o apelo do drama nostálgico japonês. Podemos ter chegado a este ponto de lugares distintos, mas falamos a mesma língua.

Aposto que eles entenderiam Gone Home

Há ainda, eu acrescentaria, uma razão menos cínica. A despeito da similaridade com os  “simuladores de caminhada” da indústria de games contemporânea, há nos animes de melodrama pontos de apelo universal. Para além dos finais emotivos e da trilha sonora pesada, eles carregam momentos de sutiliza.

O primeiro dos três curtas de 5 Centimeters per Second é geralmente o mais comentado. De fato, é difícil superar a jornada de um casal de adolescentes ao atravessar o país durante uma nevasca para se encontrarem uma última vez. Mas é o último (e menos badalado) dos curtas que fecha a história com chave de ouro. Os dois jovens, agora crescidos, perderam contato e seguiram com suas vidas. Ao longo de cinco minutos nós os vemos coabitando os mesmos lugares, fazendo compras nas mesmas lojas e atravessando os mesmos cruzamentos. A cidade grande é tão indiferente, e a vida contemporânea tão individualista, que nada disso é suficiente para manter um vínculo. Vivemos na era das conexões, em que esquecer – ou ser esquecido pelo outro – é suficiente para nos distanciarmos para sempre.

ano haha anjouEm Ano Hana, um grupo de jovens tenta reatar as amizades após serem assombrados pelo fantasma de uma amiga morta. Mais interessante que a catarse, no entanto, é observar como cada um deles mudou com a experiência. Uma garota em particular, a eterna nerd do grupo, cresce e se transforma em uma das jovens oferecidas que sempre repudiou. Ela veste uma máscara sedutora sem tirar qualquer prazer do jogo da conquista. Na escola, ganha fama de vadia, e circulam boatos de que faz programa a adultos. Mesmo assim, a atitude é preferível à alternativa: ao se esconder atrás de seu corpo, desvia a atenção dos problemas da mente e da necessidade de superá-los.

Em uma mídia tão preocupada em instigar emoções, é curioso que os momentos menos apaixonados sejam justamente os mais humanos. Por mais pasteurizadas que as séries possam se mostrar, esses pequenos detalhes não são genéricos. Antes, são específicos até demais, e é daí que vem a sua força. Todos temos contradições e somos ainda mais rápidos em apontá-las nos outros. Todos, cada um à sua maneira, tentamos enganar os outros enganando a nós mesmos e apagamos pessoas da vida como se fossem nomes em uma lista de contatos. Nossa geração pode ser cínica e acelerada, mas nem por isso descobriu a pedra filosofal das suas angústias mais básicas. Tolstói certa vez disse que todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua própria maneira. O mesmo vale, penso eu, para qualquer cenário em que seres humanos cruzem olhares. Enquanto isso for verdade estaremos nos sofás, lenço em mãos e olhos embargados, a torcer pela felicidade de nossos desenhos.

Angel Beats! - ED1.6 - Large 03

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