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Isao Takahata – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Thu, 28 Feb 2019 15:55:23 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Isao Takahata – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Café com Anime: “Horus, Príncipe do Sol” https://www.finisgeekis.com/2019/01/14/cafe-com-anime-horus-principe-do-sol/ https://www.finisgeekis.com/2019/01/14/cafe-com-anime-horus-principe-do-sol/#respond Mon, 14 Jan 2019 22:43:19 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20793 Um novo ano chega, e com ele novas ideias. O Café com Anime não fica para trás. Para começar o ano com o pé direito, preparamos uma surpresa.

Uma edição especial discutindo alguns clássicos obscuros da animação japonesa.

E coloque “obscuro” nisso. O Finisgeekis traz para você um longa tão antigo que talvez nem lhes pareça um anime: Horus, Filho do Sol.  

  • booker finisgeekis 1Vinicius Marino
    Feliz ano novo a todos, e obrigado por me acompanharem nessa nova aventura!A obra que discutiremos hoje é um marco da história dos animes. Isto porque Horus é nada menos que o filme de estreia de Isao Tahakata como diretor. E sua primeira parceira com Hayao Mizayaki. Embora mal pareça um anime para os padrões contemporâneos, foi aqui que o germe do Studio Ghibli surgiu.

    Resultado de imagem para The Great Adventure of Horus, Prince of the Sun

    O longa conta a história de Horus, um garoto que ajuda um gigante de pedra e é predestinado por ele a se tornar o Príncipe do Sol. Sabendo que sua vila foi destruída pelo demônio Grunwald, ele parte em busca de novos aliados – e de uma maneira de derrotar seu inimigo.

    Suas andanças o levam para uma vila de pescadores assolada por um peixe gigante. Horus derrota o monstro e torna-se um herói para os aldeões.  O peixe, contudo, era uma das crias de Grunwald, que logo trama outros ardis para destruir Horus e os pescadores.

    Hilda, uma feiticeira sob seu jugo, chega na aldeia para causar confusão. Inicialmente se passando por uma aliada, ela faz de tudo colocar os aldeões contra Horus.  Hilda, porém, também tem uma consciência. A duras custas (e após grande ajuda de Horus) ela consegue se libertar das garras do demônio. Juntos, eles levarão a luz a Grunwald, derrotando-o de uma vez por todas.

    Resultado de imagem para horus prince of the sun

    Apesar de ter sido feito no Japão, esse é um anime que se insere completamente na estética ocidental disseminada pela Disney. É óbvia, por exemplo, a influência de Malévola, vilã de A Bela Adormecida, na caracterização de Grunwald.

    Devo dizer que esse anime me encanta por ainda outro motivo. Sou um grande fã das culturas finlandesa e sámi, povo nativo da Lapônia. Horus é ambientado em uma Fenoscania antiga que tem muito em comum as histórias desses povos.  Alguns frames parecem tirados de uma tela de Akseli Gallen-Kallela, pintor finlandês que retratou varias dessas lendas.

    Enfim, a bola está com vocês. Como lhes parece Horus, Príncipe do Sol, 50 anos depois de seu lançamento?

  • diego gonçalvesDiego
    É meio difícil de julgar esse filme porque, bom, como o Vinícius apontou, ele já tem 50 freaking anos. Parando pra pensar, eu nem tenho certeza se a palavra “anime” já era largamente usada quando ele saiu (se bem que no começo a palavra só valia para animações para a TV, então ele com certeza não seria visto como um de qualquer maneira).Como peça histórica ele é bem interessante, e é curioso como a ideia do pingente azul ressurge ao longo da carreira do Miyazaki. É dito que foi ele quem criou a premissa para Fushigi no Umi no Nadia ainda nos anos 70 (e ai ela foi engavetada até os anos 90), e claro, temos Laputa.

    Mas como entretenimento hoje… Eu diria que Horus é um filme bem básico, um ótimo filme para passar para crianças (e bom, acho que essa era a ideia desde o começo), mas não realmente muito além disso. Pra ser sincero, eu meio que perdi o interesse na história do filme após o seu primeiro terço, e acabei demorando um pouquinho mais do que o necessário para terminá-lo.

    Mas eu sei que eu não sou o público alvo do filme, então não realmente o culpo por isso. Só não sei se vou ter muito o que falar nessa nossa conversa :stuck_out_tongue:

  • buniiito4Fábio “Mexicano”
    O problema não é apenas o tempo. O traço ser antigo não atrapalha em nada, e assim que se acostuma, é até um charme. O problema mesmo é que claramente Horus não contou com recursos suficientes. Várias batalhas teriam sido muito mais interessantes se não fossem sequências de quadros estáticos. Só por isso, definitivamente, O Príncipe do Sol não é um filme para qualquer um hoje em dia.A história, porém, é sólida, ainda que se possa fazer um bingo de tropos ao assistir o anime e encher a cartela. É uma história positiva, acima de tudo, o que é mais evidente em como o Horus se recusa a batalhar Hilda até o final. O que tinha tudo para ser uma tragédia, e que talvez nenhum diretor atual deixaria de retratar dessa forma, em Horus se torna uma peça de resistência da boa vontade, da virtude de acreditar no bem que há no coração do outro.
  • cat ultharGato de Ulthar
    O Fábio levanta o fato de se poder fazer um “bingo de topos”, para mim isso é uma qualidade em uma obra do gênero, como eu gosto de estudar mitos e folclore, há vários símbolos clássicos no filme, como o arquétipo do herói solar, tanto que ele é o Príncipe Sol, como também o próprio fato de se tirar a espada da pedra, o que dispensa qualquer tipo de explicação.Também a importância que um ferreiro tinha em tempos imemoriais, quando quem sabia forjar metais era tido como praticante de magia, já que essa habilidade teria sido dada pelos deuses. Tanto é que há registros de que as pessoas levavam os feridos e doentes para serem tratados pelos ferreiros.

    É como se estivéssemos vendo algum conto heroico do folclore finlandês, como o Vinicius levantou, ou talvez de algum povo do leste europeu. Mesmo o filme sendo antigo ele é muito interessante como marco do cinema, bem como esse tipo de história me agrada bastante, o típico herói mítico.

    E concordo com o Fábio, a animação deixou a desejar em algumas cenas de ação, principalmente por culpa dos quadros es estáticos.

  • buniiito4Fábio “Mexicano”
    O Herói Solar que doma a Deusa Lunar. Mais antigo que a história escrita, certamente.
  • cat ultharGato de Ulthar
    Antiquíssimo.Mitologia pura esse filme.

    Mesmo que eu não consiga contextualizá-lo em um mito específico, ele é um compêndio de símbolos comuns a diversas culturas ao redor do mundo, é um compêndio desses elementos .

    E curiosamente o título do filme em inglês é “O Pequeno Príncipe Nórdico”.

  • booker finisgeekis 1Vinicius Marino
    Essa bagagem mitológica é interessante se considerarmos o legado que o filme conquistou. O Theron Martin do ANN enxerga Horus como um dos disseminadores do trope do herói shounen. De fato, é fácil ver no protagonista o germe de tantas personagens icônicas do gênero – o pacifismo de Kenshin Himura, a bondade quase inocente de Goku, a garra e o grit de Ashitaka de Princesa Mononoke etc).Mas admitir que um topos desse veio de uma obra distintamente ocidental, calcada em mitos estrangeiros (por mais que sejam, em última medida, universais) é fascinante se considerarmos o lugar que os animes ocupam na cultura japonesa.

    O antropólogo e mangaká Eiji Otsuka  que diz que os topoi dos animes têm grande similaridade com o teatro bunraku. Horus insinua que uma boa parte da bagagem a que estamos acostumados pode ter vindo via Ocidente, junto com as técnicas de animação e os olhos grandes. Por mais conformes que eles sejam à ficção clássica nipônica.

    Falando em tropes, devo dizer que esse foi um terceiro motivo que me levaram até Horus. O TV Tropes considera a Hilda uma das primeiras mahou shoujo “dark” da história dos animes.

    Vocês sabem que eu amo esse tipo de personagem. Assistindo a Horus, não pude deixar de notar a semelhança.

    De fato, a relação entre Hilda e Grunwald é quase idêntica à de Odile e Rothbart, o Cisne Negro e o Bruxo Corvo de O Lago dos Cisnes.

    ©Lilian Knobel

    Na história, Rothbart condena uma rainha a virar um cisne branco. Sua maldição pode ser quebrada apenas pelo sacrifício de um príncipe. Quando ela finalmente encontra um trouxa amor da sua vida, o bruxo envia Odile para seduzi-lo em seu lugar.

    A natureza da Odile varia de montagem a montagem. Em algumas versões, ela é a própria filha do Rothbart, disfarçada por um feitiço para parecer a rainha. Em outras, é um homunculo ou simulacro. Seja como for, a própria menção a uma Hilda maligna disputando espaço com uma benigna traz à toda o dualismo Odile/Odette (como se chama o Cisne Branco).

    Enfim, o que vocês acham dessa personagem?

  • cat ultharGato de Ulthar
    Eu gostei bastante desta personagem. Geralmente em animações mais antigas não vemos muito deste dualismo em seus personagens, o herói é sempre herói, como no caso de Horus, o vilão é sempre um vilão, como o Grunwald, mas a Hilda é diferente, vemos claramente um embate de disposições em seu coração, e isso a torna uma personagem bastante interessante, mais próxima a nós, menos arquetípica e mais humana.
  • diego gonçalvesDiego
    Eu não seria tão rápido em dizer que não vemos esse dualismo em animações mais antigas. Não conheço o bastante do período para afirmar algo assim :stuck_out_tongue: Mas especificamente sobre a Hilda, eu curti a personagem: sua introdução, desenvolvimento, conclusão…Tudo bem “by the book“, mas ainda assim executado muito bem. Quando ela primeiro aparece eu mesmo não pensei de imediato que ela fosse ser uma vilã, ainda que a coruja deveria ter sido um aviso bem claro kkkkk
  • buniiito4Fábio “Mexicano”
    Gostei muito da Hilda. É a minha personagem preferida. Nada contra o Horus, mas ele é tao by the book que não tem muito o que gostar ou deixar de gostar dele. Com suas traições, dúvidas, com a raiva que eu eventualmente senti dela em vários momentos, a Hilda foi a personagem mais humana desse filme.
  • booker finisgeekis 1Vinicius Marino
    Seu julgamento não me surpreende, Fábio. Vilões e anti-heróis, sobretudo de histórias como essa, geralmente passam essa impressão. O próprio Lago dos Cisnes que mencionei é o melhor exemplo. Pergunte a 100 fãs de ballet quem é o melhor cisne e 99 responderão Odile. Ninguém gosta da Odette :grin:Me pergunto se isso não tem relação com o subtexto moral que essas histórias costumavam ter. O herói, na falta de palavra melhor, é o “perfeitinho”. Ele encarna aquilo que é bom, o que deve ser emulado. Mais do que isso, ele é a própria personificação do bem – a “luz” do sol contra a “escuridão” do mal.

    Vilões, por outro lado, tem o direito de aloprar. Eles exercitam todos os vícios humanos, mas todos nós carregamos esses vícios, em menor ou maior medida. Orgulho, inveja, raiva, ciúme. São essas as coisas que, em boa parte, nos fazem humanos. De onde nossa facilidade em nos reconhecer neles.

    Mesmo o Grunwald reflete isso em certa medida. Ele tem limites. Ele se sente encurralado. Amedrontado. Vejam só esse rosto:

    Esse não é um Senhor do Mal que morre lutando com uma risada maligna. Ele é “humano” – limitado e emocional – mesmo em sua maldade.

  • cat ultharGato de Ulthar
    E Grunwald é um vilão interessante, embora seja um típico mago do mal, símbolo bastante comum na ficção, ele não é onipotente e senhor de todo mal, ele demonstra muitas fraquezas do filme.
  • booker finisgeekis 1Vinicius Marino
    Agora, a despeito do filme ser um conto folclórico quase exemplar, há algumas interpretações curiosas sobre ele que acho interessante comentar.Originalmente, Horus foi concebido como um filme sobre o povo ainu de Hokkaido. A ideia não foi bem aceita pelo estúdio, talvez pelo medo de provocar atritos entre japoneses e Ainus. (Hoje, Golden Kamuy não parece ter problema com isso, mas entendo que os anos 1960, no auge do pós-colonialismo, poderiam enxergar isso de outra forma.)

    Essa é uma mudança peculiar, por motivos diferentes. Por um lado, há uma similaridade entre povos do Norte da Eurásia, sobretudo nessa pseudo-Idade do Ferro em que Horus se passa. Eu consigo ver traços de Hokkaido nessa Escandinávia fictícia e até pensei nisso enquanto assistia ao filme.

    Por outro lado, foi uma decisão que relegou Horus a ser um simulacro oriental de uma história ocidental. Será que apostar num tema distintamente japonês não teria colocado o filme em outro patamar no cânone da animação? (E nem digo necessariamente um lugar melhor).

  • diego gonçalvesDiego
    Se fosse o caso ele talvez soaria mais distinto para nós, aqui no Ocidente, mas imagino que a abordagem escolhida o faria se destacar mais em sua terra de origem, justamente por lidar com uma ambientação e temáticas mais ocidentais.
  • buniiito4Fábio “Mexicano”
    Eu totalmente pensei nos ainus enquanto assistia Horus :stuck_out_tongue: Mas pode ter sido só minha memória recente de Golden Kamuy, vai saber. 
  • cat ultharGato de Ulthar
    Quando eu vi o nome do filme eu pensei em Egito Antigo :stuck_out_tongue: 
  • buniiito4Fábio “Mexicano”
    Sobre o tema … acho que eu teria gostado mais se fossem mesmo ainus? Não porque tenha ficado faltando nada, é só que, como ocidental que sou, obviamente aquela história me pareceu igual a sei lá quantas que eu já assisti ou li ou ouvi falar. Algo ainu seria novo para mim. Mas daí estamos falando de uma enorme distância no tempo e no espaço. Para a época, não sei se teria sido melhor. Bom, eu acredito que o Takahata faria algo bom de qualquer jeito.
  • buniiito4Gato de Ulthar
    Princesa Mononoke também esbarra naquestão dos ainu né? E é do final dos anos noventa né? Mas acho que nessa época já estavam de boa as coisas.
  • booker finisgeekis 1Vinicius Marino
    A segunda interpretação que encontrei é mais curiosa, e eu queria saber o que vocês pensam dela.Há quem diga que Horus reflete disputas internas no sei da Toei quando o filme foi realizado. Especificamente, que ele é uma alegoria da rebeldia, dos jovens artistas (em especial, o próprio Takahata, então com 32 anos) contra as condições de trabalho e hierarquia fossilizada do estúdio.

    A vila do anime, assim, seria uma representação do idela comunal, egalitario e “socialista” defendido por Takahata e Cia.

    Confesso que foi uma surpresa ler sobre esse sub-texto. Não acho que seja algo que acrescente muito ao filme (nem que seja facilmente identificável, considerando quão arquetípica a aldeia de Horus é). Claro, por se tratar de um anime lançado em 1968 eu não duvido de nada. Esse foi um ano de efervescência política no mundo todo.

    Também acho irônico que Takahata tenha iniciado sua carreira militando por melhoras nas condições de trabalho e falecido em meio a denúncias de tratamento insalubre de seus funcionários. Já dizia o ditado: morra um herói ou viva o suficiente para se tornar um vilão.  :grin:

  • diego gonçalvesDiego
    É… não me convence não :stuck_out_tongue: Ainda que não fosse impossível, dado o contexto, a história de fato soa arquetípica demais para carregar esse tipo de mensagem. Pra mim parece superinterpretação, e até gostaria de perguntar onde foi que você viu essa, Vinicius.
  • buniiito4Gato de Ulthar
    Essa teoria pode ser curiosa mas me parece improvável, ainda mais que é puta especulação,.
  • booker finisgeekis 1Vinicius Marino
    Essa interpretação vira e mexe aparece em análises do filme. Como essa , essa  ou essa.Porém, não achei nenhum material de primeira mão confirmando sua veracidade. Pode ser que, por se tratar de um anime antigo e obscuro, ele simplesmente não exista mais. A produção de Horus é cercada de mistérios até os dias de hoje. Até mesmo a romanização oficial de seu título (Horus vs Hols) é disputada.

    Pode ser também que todas essas páginas anglófonas estejam bebendo da mesma fonte. Que pode ou não ser fidedigna.

  • buniiito4Fábio “Mexicano”
    Isso para mim soa à lenda urbana. Está no mesmo nível daquela que diz que Totoro é uma alegoria para um crime brutal que aconteceu de verdade. Vou nem detalhar ou botar links, é só boato, basta pesquisar que encontra. Faz sentido? Claro que faz! A característica fundamental das lendas urbanas é fazer sentido.
  • booker finisgeekis 1Vinicius Marino
    Bom, não posso culpar esses comentaristas por especularem. Horus, como vocês bem disseram, é uma obra bastante clássica. Para os padrões contemporâneos, é quase um template do que um longa de anime deve ser.
  • buniiito4Fábio “Mexicano”
    É que sem nenhuma fonte primária fica realmente parecendo só especulação. E como eu disse, faz sentido. É bonito até. O Takahata foi do sindicato, e ele e o Miyazaki se conheceram por causa do sindicato. Então sem dúvida é uma história verossímil.
  • booker finisgeekis 1Vinicius Marino
    Pois é, não dá para inventar em cima do que não sabemos.Enfim, estamos hoje em 2019. Como disse no começo, mais de 50 anos depois do lançamento do Horus. Para vocês, espectadores contemporâneos, qual foi a imagem que ficou? O que vocês diriam que melhor permanece de todo o filme?
  • diego gonçalvesDiego
    Hum, é difícil dizer. Como história ele é bem básico, mas ainda guarda um charme bem próprio. Acho que não tem uma coisa ou um elemento que eu diga que se destaca, ele como um todo ainda é gostosinho de se assistir, por simples que seja.
  • buniiito4Fábio “Mexicano”
    Vale a pena assistir nem que seja só para ter raiva e depois pena da Hilda.
  • cat ultharGato de Ulthar
    É o tipo de história que não envelhece para falar a verdade, é a clássica e batida jornada do herói, mas que sempre funciona em qualquer época.
  • buniiito4Fábio “Mexicano”
    Pois é. Se tivesse um orçamento melhor para animação, com certeza estaria entre os grandes filmes animes que todo mundo diz que precisam ser assistidos até hoje.
  • booker finisgeekis 1Vinicius Marino
    Estou com o fácil. Achei que a Hilda valeu o “ingresso”, por assim dizer. Fosse um anime contemporâneo, decerto ganharíamos um spin-off só dela.Enfim, acho que é isso aí, pessoal. Agradeço a todos vocês por essa jornada no túnel do tempo. Estão se sentindo mais iluminados? Mais a baixo do iceberg de conhecimento geral otaku? Eu com certeza estou!

    Um abraço a todos então, e que venha a temporada de inverno!

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Um Ano “sem” Studio Ghibli: O que Miyazaki e Companhia nos Deixaram https://www.finisgeekis.com/2015/07/06/um-ano-sem-studio-ghibli-o-que-miyazaki-e-companhia-nos-deixaram/ https://www.finisgeekis.com/2015/07/06/um-ano-sem-studio-ghibli-o-que-miyazaki-e-companhia-nos-deixaram/#comments Mon, 06 Jul 2015 21:57:00 +0000 http://finisgeekis.com/?p=454 O aviso foi feito em 2014: o Studio Ghibli não faria novos filmes, ao menos por um tempo. O fã de longa data, que escuta Miyazaki anunciar a aposentadoria desde 1997, deve ter ficado incrédulo. Porém, um ano depois, parece que seu produtor, Toshio Suzuki, falava sério. Quando Estava com Marnie, lançado no Japão ano passado e em Blu Ray esse ano no ocidente, foi o último coelho a sair da cartola. A companhia que nos deu Totoro e Nausicaa está sem planos imediatos para novos lançamentos.

Aos abalados, um consolo. Suzuki garante que o estúdio voltará, mas deve passar por uma reformulação. Será que as coisas voltarão a ser como antes? Ou teria a era dos filmes clássicos de Miyazaki e Takahata chegado, finalmente, ao seu fim?

Como o Ghibli, só o Ghibli

Se há algo que podemos dizer sobre o estúdio é que ele nunca fez anime como os outros – daí, afinal, a razão de sua justa fama. Mas há algo peculiar – para não dizer esquisito – em seus três últimos filmes. Vidas ao Vento de Miyazaki, Kaguya Hime de Takahata e Quando Estava com Marnie de Hiromasa Yonebayashi são filmes sérios, de temas pesados e andamento lento. Muito lento.

castorp

Hans Castorp, protagonista do livro de Mann, até fez uma ponta

Está certo que dizer que o Studio Ghibli fazia filmes “para criança”  nunca agradou seus fãs, mas algo nesses últimos lançamentos diverge bem da fórmula do “filme família” – mesmo para os padrões Ghibli. Kaguya Hime arranca suspiros com uma estética inédita e uma discussão filosófica que não é para poucos. Vidas ao Vento é a versão anime do clássico A Montanha Mágica, do Prêmio Nobel Thomas Mann. E Marnie, com sua cara mundana e adolescentes em crise, ora se aproxima da melancolia de  Makoto Shinkai, ora da severidade de Colorful.

Comparado com o anime mainstream, a diferença é gritante.  O Studio Ghibli seguiu a sua própria estrada, e parece ter soltado os freios na ladeira. Pode ser que isso seja o que levou seus criadores a repensar as coisas. Ou pode ser que essa receita que só eles sabem preparar seja o que os salvará daqui para a frente.

Os detalhes são tudo

Muito tempo atrás, uma amiga americana me levou para conhecer um casal próximo à família. Eles moravam em uma enorme casa de lago no estado mais-do-que-remoto de New Hampshire. Para o paulistano que sou, acostumado desde sempre a prédios, casas pré-fabricadas e móveis comprados nas melhores do ramo, o choque foi total.

O edifício parecia ter sido contruído pelos colegas em um fim de semana, acompanhados por alguns engradados de cerveja. As vigas, tábuas e pilares eram todas irregulares, como se eles houvessem simplesmente cortado as árvores e removido as folhas. Não era uma casa desagradável, pelo contrário: combinava como nenhuma outra coisa com a paisagem de florestas e estradas de terra. Mas eu nunca havia visto nada do tipo.

Em Quando Estava com Marnie, a adolescente Anna, melancólica e perdida com a vida, passa o verão em uma cidade interiorana. Quando o filme nos mostra a casa onde a garota passa a viver, o clique na memória foi quase imediato:

arnie house 3 marnie house 2

marnie house 3

Yonebayashi não reproduziu uma casa no campo qualquer, tirada do manual de desenho. Ele nos recriou uma casa nos seus mínimos detalhes, coisa que passaria batido para qualquer um que não tivesse visto algo parecido.

Miyazaki já disse que para retratar o mundo é preciso conhecê-lo. Ficar trancado em um estúdio na frente de uma mesa de desenho não faz de ninguém um artista. Daí sua tristeza com muitos de seus colegas, que vivem e respiram no mundo do anime e não têm ideia do que se passa além dele. Em Marnie, seu companheiro de estúdio Yonebayashi segue isso à risca. Talvez pela exigência do enredo, talvez pelo andamento devagar, o filme nos traz um detalhismo que deixa até mesmo os outros títulos do Studio Ghibli com inveja. Um tomate sendo cortado sem fazer sujeira. A mistura de pessoas à paisana e de yukata no festival de verão. O sacolejar de um carro pequeno lotado de tranqueiras de viagem. O jeito certo de se comer ovo frito com hashi.

marnie egg

a referência, para os curiosos

Há quem diga que vivemos em tempos tão cibernéticos que ninguém mais se interessa por coisas reais. A popularidade dos filmes do Studio Ghibli me faz questionar o palpite. Não se trata apenas de “realismo”, mas de honestidade com o mundo de verdade. Poucas coisas nos tocam como aquelas que, como a casa de vigas irregulares, nos fazem lembrar de que dividimos o mesmo mundo. Como entregar esse tipo de obra é tudo menos fácil, e os animadores do Ghibli são tudo menos comuns, esse pode ser o caminho para o futuro do estúdio.

O diferencial é a alma do negócio

Em sua queixa contra o excesso de hype na E3, a colunista de games Liana Kerzner disse (com muita razão, diga-se de passagem) que trailers cinemáticos não servem para nada. Nos dias de hoje, “ser bonito” não é suficiente. Todos os jogos são bonitos.

A colocação também vale para o anime. Foi-se o tempo em que a diferença entre uma série “comum” e uma superprodução à la Nausicaa  nos fazia pensar que se tratavam de mídias diferentes. A animação japonesa mainstream melhorou e muito. Computação gráfica se tornou um recurso comum. O outsourcing para a China e Coreia reduziu os custos de produção. Tirando os efeitos de luz e água dos filmes do Shinkai, é bem difícil encontrar algo que faça nosso queixo cair.

Adicione a isso o fato de que o Studio Ghibli dificilmente continuará o rei de bilheterias. Princesa Mononoke foi o filme mais visto da história do Japão, perdendo apenas para Titanic. Mesmo o pouco ortodoxo Vidas ao Vento faturou US$ 120 milhões de dólares. Já Marnie, sem a assinatura de Miyazaki, não lucrou sequer um quarto disso. O criador de Totoro não é só um grande artista; ele é uma marca pela qual as pessoas pagam mais. O estúdio se recusa a fazer outsourcing, então é pouco provável que os custos diminuam se continuarem do jeito que estão. E Miyazaki em pessoa disse achar que a “era do lápis, papel e filme está chegando ao fim“.

As coisas precisam mudar, mas é importante que os dirigentes do estúdio mantenham aquilo que os distingue dos outros. Em tempos de filmes grandes, épicos e impressionantes, são os pequenos detalhes que farão a diferença. Nunca antes a animação de uma garota comendo um ovo, caindo na água ou cortando um tomate foi tão importante.

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A guerra que enlouquece os homens https://www.finisgeekis.com/2015/03/23/a-guerra-que-enlouquece-os-homens/ https://www.finisgeekis.com/2015/03/23/a-guerra-que-enlouquece-os-homens/#respond Mon, 23 Mar 2015 11:33:02 +0000 http://finisgeekis.com/?p=124 Na semana passada eu falei sobre guerra e coisas que as pessoas preferem esquecer. Como tudo na vida, há sempre um contrário. Se animes como Shingeki no Kyojin simplificam o conflito aos seus ingredientes mais básicos, outros parecem batalhar desesperadamente para que nada se perca. Alguns acontecimentos são dolorosos demais para ser lembrados. Outros, ainda piores, são dolorosos demais para serem esquecidos.

Na animação japonesa, trabalhos assim aparecem de quando em quando. O recente Giovanni no Shima é um exemplo. Porém, a maior referência continua sem sombra de dúvidas O Túmulo dos Vagalumes, de Isao Takahata. O filme se tornou um marco do Studio Ghibli, do mundo do anime e da animação de uma forma geral, a ponto de ter eclipsado um pouco o diretor, cuja obra inclui o Kaguya Hime de que falei há tempos (e é aqui que o leitor começa a ver um padrão nas coisas de que escrevo).

A dor de pessoas comuns

A trama abre com o narrador, o garoto Seita, anunciando a data de sua morte. Em um flashback, somos levados ao Japão de alguns anos antes, em que Seita, junto à sua irmã, Setsuko, se tornam órfãos depois de sua cidade ser destruída por um bombardeio incendiário. A história então nos mostra a luta dos irmãos para sobreviver sozinhos num país devastado pela guerra, com um pequeno (e terrível) detalhe: sabemos que nenhum dos dois sobreviveu, e que em algum momento do filme nós presenciaremos seu último suspiro.

grave-firefliesO filme é de uma tristeza visceral, e seu poder está não apenas no sentimento de impotência que atiça em nós, mas na escolha de temas. Este não é o lugar para a discussão de estratégias, cenas de batalha ou personagens famosas. A guerra é mostrada vista “de baixo”, sem julgamento quanto a seus motivos ou causas. É a força das imagens, pura e simplesmente, que faz o truque: Seita tentando distrair a irmã após sua cidade, bombardeada, ter virado pó. Corpos desfigurados pelo fogo jogados em valas comuns. Setsuko sucumbindo à inanição.

Um crítico insensível talvez apontasse que, no final, O Túmulo dos Vagalumes não é lá tão diferente de Attack on Titan. Afinal, ele foca na parte “conveniente” da guerra (o sofrimento aos japoneses) ignorando as decisões nefastas que levaram o Japão à guerra em primeiro lugar. Contudo, a mera força dramática do filme derruba tais argumentos. Trata-se de um lamento sobre o sofrimento humano, que de tão forte e sincero é capaz de comover qualquer um, em qualquer época e contexto.

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O lúdico e o trágico

Videogames têm mais dificuldade em falar de guerra, e não por acaso. Não é à toa que o primeiro grande livro sobre jogos tenha sido publicado às vésperas da Segunda Guerra Mundial, com a conclusão de que o lúdico é incompatível com a guerra total. Não importa quão perspicaz, forte ou capaz com uma arma um soldado seja: nada o salvará de uma bala perdida, de uma bomba atômica, da gripe espanhola ou de um campo de concentração. A sobrevivência depende do acaso e de força maior, e “vitória” é algo que poucos encontram (ou mesmo buscam em primeiro lugar). Para uma mídia naturalmente competitiva e dependente de recompensas, traduzir esses dramas não é fácil. Tirar o poder do jogador frequentemente leva a jogos chatos, mas é justamente a falta de poder (sobre as balas inimigas, a liberdade de ir e vir, a própria declaração da guerra) que marca a angústia de um soldado. O resultado são batalhas horrendas mas nem tanto, em que é possível “vencer” fazendo as coisas certas na hora certa.

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Os que se lembram dessa batalha em Call of Duty 2 sabem do que estou falando

Há claro, quem tenha tentado mesmo assim. This War of Mine retrata a guerra do ponto de vista de civis, usando elementos de randomização (parecidos com os de Sunless Sea) e mecânicas de sobrevivência já vistas em games de zumbi. No entanto, ele é abstrato, retratando um conflito fictício em um país genérico (e vagamente eslavo). Mais próximo de O Túmulo dos Vagalumes é o francês Soldats Inconnus, ou Valiant Hearts. O título da Ubisoft Montpellier não esconde suas intenções. Lançado em julho do ano passado, no mesmo mês e exatos cem anos depois do começo da Primeira Guerra Mundial, é um esforço para que novas gerações não se esqueçam do grande confronto. O apelo é compreensível.

Se é impossível chegar à idade escolar sem ouvir da Segunda Guerra, a Primeira é condenada às notas de rodapé (já ouvi de um professor que ela teria sido “insignificante”). Sua representação no entretenimento é também mínima, e apesar de ter sido tema de uma geração de escritores e artistas variados, é difícil ver qualquer referência a essa produção fora de um jogo do Ken Levine (o mesmo professor me confessou nunca ter ouvido falar de seus escritores). Não há dúvidas, portanto, de que Valiant Hearts começou bem se queria impressionar.

valiant hearts annaSeu maior acerto, porém, é ter optado por um traço inocente de desenho animado. Como mostraram os quadrinhos de heróis dos anos 1990 (e, à sua maneira, o último Batman de Christopher Nolan), a estética “séria e sombria” está sempre a um passo do ridículo – ou, o que é pior, da lição de moral. Por outro lado, como prova o sucesso do pacifismo até caricato de Miyazaki, uma paleta de cor mais rica e um pouco de fofura fazem milagres na hora de passar uma mensagem.

Karl WaltValiant Hearts segue a história de quatro pessoas dos dois lados do conflito. Não há “inimigos” propriamente ditos: todos, PCs e NPCs,  são de algum modo inocentes, forçados a se matar por razões que nem eles nem (eu suspeito) os desenvolvedores do jogo entendem muito bem. O enredo consegue escapar do bocó, e não é difícil entender por quê. Por um lado, o game passa longe dos clichés pacifistas de crítica à “maldade humana”. Não há ninguém puxando as cordinhas: é o próprio maquinário da guerra que move, quase que sozinho, as coisas rumo a sua destruição.

Ao mesmo tempo, ele não nos poupa de nenhum detalhe. Ao longo das 4 horas de jogos vemos soldados metralhados e envenenados por bombas de gás, pilhas de corpos usadas como escudo humano, cidades arrasadas e mais. A estética “cute” não oferece nenhum consolo – pelo contrário, só torna o horror mais horripilante. Nas missões finais, os quicktime events e quebra-cabeças que compõem o gameplay passam uma sensação de urgência raramente vista no gênero. Modelar um campo de batalha é fácil. Fazer o jogador se sentir em um (com uma jogabilidade que se limita a andar para os lados e clicar em coisas) merece um aplauso de pé.

valiant hearts chemin des dames

É uma pena, pois, que a narrativa  insista pelo batido. Para um jogo com tanta ênfase no acaso e na complexidade da guerra, Valiant Hearts nos faz perseguir um vilão de desenho animado, com direito a um chapéu de caveira, risadas maléficas e um cientista de estimação responsável por todas as invenções da época, do gás cloro ao tanque de guerra. Heróis que socam vilões na boca e gênios malucos que descobrem a fusão nuclear enquanto cantam no chuveiro funcionam em um gibi do Capitão América, mas aqui são destoantes. É como ver Totoro voando com sua folha ao lado dos aviões Zero de Vidas ao Vento.

História errada, Freddie

História errada, Freddie

Apesar dos pesares, as dúzias de vídeos de YouTube de marmanjões chorando com o final da trama provam que o jogo funciona. Não é qualquer coisa que sensibiliza um gamer. Mas se há algo que O Túmulo dos Vagalumes e Valiant Hearts nos ensinam é que a guerra não é qualquer coisa.

De minha parte, confesso que não caí em prantos com o final. Mas não pude deixar de pensar nos meus dois bisavôs que lutaram na Grande Guerra, conquanto do lado da Itália e contra os austríacos. Eles sobreviveram, mas, infelizmente para eles, no game da vida real houve uma sequel. Seus filhos serviram em uma outra guerra: uns foram poupados, outros viraram soldats inconnus.gaetano

]]> https://www.finisgeekis.com/2015/03/23/a-guerra-que-enlouquece-os-homens/feed/ 0 124 “Kaguya Hime”: em busca do presente https://www.finisgeekis.com/2015/02/14/kaguya-hime-em-busca-do-presente/ https://www.finisgeekis.com/2015/02/14/kaguya-hime-em-busca-do-presente/#comments Sat, 14 Feb 2015 11:00:00 +0000 http://finisgeekis.com/?p=44 Fãs do Studio Ghibli têm um motivo especial para assistir à cerimônia do Oscar. O anime Kaguya Hime, do diretor Isao Takahata (famoso por Túmulo dos Vagalumes), faturou uma indicação para o prêmio de melhor animação. Se levará ou não a estatueta é outra história. Eu tenho minhas dúvidas, mas milagres acontecem (e, dada a ausência de Lego Movie na categoria, minha cota de surpresas se esgotou há muito tempo). Em todo o caso, das muitas possíveis explicações para uma suposta hostilidade da academia ao anime (é japonês, é profundo, é difícil de entender, não é da Pixar), uma estará incorreta: a de que ele é “antigo” e, por isso, “distante”. De fato, Kaguya Hime é baseado em uma obra tradicional, retrata uma época tradicional e emana tradicionalidade de cada traço. A despeito de tudo, o filme não é apenas atual como, mais do que qualquer outra animação das recentes levas, é desesperadamente contemporâneo.

O filme

O enredo conta a lenda de uma garota mágica encontrada por um camponês dentro de um talo de bambu. Adotada pela família, ela passa a viver uma vida simples junto à natureza e aos outros aldeões. Todavia, com o passar dos anos, seu pai encontra outros presentes dentro de bambus: pepitas de ouro e roupas elaboradas, dignas de uma princesa. Para o camponês, não há dúvidas. Quem trouxe a menina à terra não o fizera para que fosse uma camponesa. Seu destino era se tornar uma nobre.

Com o ouro do bambu, o camponês compra uma mansão na capital, um nome aristocrático e os serviços de uma tutora em etiqueta. A garota, rebatizada de Princesa Kaguya, é forçada a abandonar seus amigos e aprender a se comportar como uma dama da corte. O problema é que a nova vida não lhe desperta o menor interesse. O silêncio do palácio é entediante. As roupas e penteados ultracomplicados não permitem que brinque. Os rituais são arbitrários e medonhos: deve arrancar as sobrancelhas e pintar os dentes de preto; não pode rir em voz alta nem ser vista por estranhos. Comparada com sua vida no campo, o mundo da cidade é uma antivida: insossa, amedrontadora e sem sentido.

Até aí, nada de novo. Fantasias sobre a beleza da vida simples e críticas aos excessos do luxo são quase tão antigas quanto a própria arte. Porém, há aqui uma pequena diferença. Os nobres de Kaguya Hime não são apenas decadentes; eles são ruins. Ao serem informados da beleza da princesa, cinco pretendentes viajam até o palácio para conhecê-la. Para tal, eles cavalgam pelo meio da cidade, atropelando sem remorso os cidadãos que encontram pela frente. O pai da princesa, confortável com a nova posição, recusa-se a deixá-la encontrar o velho povo da aldeia, pois nobres não devem se misturar ao populacho. Em uma cena particularmente tocante, a princesa, de dentro de sua carruagem, reconhece um antigo amigo de seus dias no campo, reduzido a um ladrão de galinhas por não ter o que comer.

O que separa a criação de Takahata de seu material de origem é sua hostilidade à aristocracia. Não, é certo, uma aristocracia “real”, que tenha existido em algum momento do passado. Ele é contra sua ideia, contra os princípios que nela identifica. A inibição dos prazeres da infância. O abuso aos mais fracos. A falta de livre arbítrio. A falsidade. A obediência cega. O casamento arranjado. Hiroki Azuma diz que o anime não é uma arte autenticamente japonesa, mas uma recriação ocidental feita com elementos nipônicos. Em certa medida, Kaguya Hime parece confirmar isso. A adaptação de Takahata tem mais em comum com críticas à aristocracia europeia, como os romances de Charles Dickens e Thomas Hardy, do que com a tradição do Japão antigo que produziu a lenda. No cinema, ressoa com alegorias encenadas no Antigo Regime, como A Duquesa e Maria Antonieta. Nós nos reconhecemos na rebeldia da protagonista porque o mundo que ela despreza não é só errado, mas anticontemporâneo.

 

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Fuga do presente, nostalgia pelo futuro

Essa busca pelo presente – ou pelo que o presente deveria ser – não é incomum. Nossos valores são importantes para nós. Eles definem nossas ações, caminhos de vida, nossa forma de ver o mundo; são, enfim, aquilo que somos. Mas a história, infelizmente, nos ensina que as coisas mudam. E se é assustador acordar num futuro cheio de tecnologias, pessoas e idiomas desconhecidos, muito mais assustador é se deparar com um amanhã no qual os próprios valores são irreconhecíveis. De ‘atual’, passarmos a ‘relíquia’; de ‘certos’, tornarmo-nos ‘errados’; de ‘corretores’ dos outros, sermos rebaixados a ‘corrigíveis’. O passado de Kaguya Hime tem função de alívio. Ao criticarmos uma era que já foi, temos a ilusão que nossos problemas são relíquias do passado. A culpa não é nossa, mas dos valores antigos, que custam a desaparecer. Ao nos depararmos com essa sociedade tão errada, nos convencemos de quão certos nós (ainda) somos.

Isso funciona para os que têm confiança nos próprios valores. Já para os incertos, a coisa é diferente. Compare o anime de Takahata com o filme O Último Samurai, de Edward Zwick. O Capitão Algren, protagonizado por Tom Cruise, é um homem ‘contemporâneo’ – para os padrões de seu século XIX – que, no entanto, viu a pior face da sua modernidade: o extermínio dos ‘pele-vermelhas’ no massacre de Wounded Knee. De volta à civilização, vende armas para que outros se matem em causas ainda mais fúteis e desperdiça o salário em bebida. Ele não se preocupa em “olhar para a frente”, pois não há nada para se ver: se o presente já é assim, para quê um futuro? Daí a revelação de seu cativeiro no Japão. No final do filme, o imperador Meiji nos diz em um discurso que é importante ser moderno, mas não muito moderno. Algren, no mesmo espírito, abandona o ocidente para obter ‘um pouco de paz’ na vila dos samurais. A etiqueta arbitrária e a rigidez da tradição, que a Princesa Kaguya repudiava, têm para ele um sentido que a contemporaneidade e o seu ‘progresso’ nunca lhe mostraram. Em Kaguya Hime, o passado é um oposto que deve ser lembrado e evitado. Aqui, é uma parte de nossa humanidade, sem a qual não valemos nada.

Uma cena, duas visões de mundo

A lição não está no passado ser ou não importante, mas no fato de que, queiramos ou não, nós sempre o buscamos. A diferença é o motivo. Para alguns, é uma maneira de se convencer das próprias certezas—que, se certezas de fato fossem, dispensariam o exercício. Para outros, tal como para Dom Quixote, é um sonho impossível para reencontrar a si mesmos.

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