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história – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Wed, 18 Jan 2023 20:01:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 história – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 4 curiosidades sobre “Pentiment” que você provavelmente não conhecia https://www.finisgeekis.com/2023/01/18/4-curiosidades-sobre-pentiment-que-voce-provavelmente-nao-conhecia/ https://www.finisgeekis.com/2023/01/18/4-curiosidades-sobre-pentiment-que-voce-provavelmente-nao-conhecia/#respond Wed, 18 Jan 2023 19:56:56 +0000 https://www.finisgeekis.com/?p=23223 Nós historiadores somos famosamente chatos. É muito difícil resistir à tentação de criticar um game ambientado no passado, ainda que seja a melhor experiência que já curtimos.

Pentiment é uma exceção. Ambientado na Baviera (atual Alemanha) na época da Reforma Protestante, o último game da Obsidian é o raro game histórico que parece ter acertado todas as notas. Estou para encontrar um colega que não sorria ao falar do esmero que teve em trazer o século XVI à luz do XXI.

Essa atenção teve um preço: algumas de suas referências podem soar bastante obscuras se você não for um fã de história medieval ou moderna.

E não, não estou falando apenas de O Nome da Rosa.

Pentiment, como a história de mistério que seu roteiro tece, vai muito além da superfície.

(Aviso: contém SPOILERS de Pentiment)

1) Martin Bauer é baseado em uma pessoa real

No primeiro ato do jogo, somos introduzidos a um jovem delinquente chamado Martin Bauer. Tão inconsequente quando é boca-suja, Martin, a princípio, serve apenas de red herring para complicar o mistério sobre a morte do Barão. Coisa que o próprio arquidiácono reconhece ao exclui-lo sumariamente da lista de suspeitos.

As coisas mudam a partir do segundo ato. Ao retornar à Tassing sete anos depois, Andreas reencontra Martin, irreconhecível de corpo e personalidade. Amável com sua esposa, afável com os vizinhos e engajado em causas políticas, é um novo homem.

Literalmente, como logo descobrimos.

O novo “Martin”, na verdade, é Jobst Färber, companheiro de crime do delinquente de Tassing que assume sua identidade após a morte do comparsa. Brigita, ex-esposa de Martin, concorda em acobertá-lo em troca de sua vista grossa para seu romance com Verônica. O resto da vila, se percebe o embuste, não vê motivos para a denúncia. “Martin”, afinal, é um sujeito muito melhor do que Martin jamais foi.

Fãs de história medieval (ou de cinema francês) entenderão de pronto a referência. Martin Bauer é baseado em Martin Guerre, um camponês que tentou a mesma fraude na França do século XVI.

Infelizmente para Guerre, ao contrário de seu xará de Tassing, seu truque não funcionou. O verdadeiro Martin não estava morto. Quando retornou para casa, o golpista foi denunciado, julgado e executado.

A singularidade do julgamento garantiu que sobrevivesse na cultura popular. Nos séculos seguintes, seu conto recebeu diversas adaptações. Uma delas, o filme O Retorno de Martin Guerre, é deliberadamente citada na quest de Pentiment (“O Retorno de Martin Bauer”)

Cartaz do filme “O Retorno de Martin Guerre” (1982), com Gérard Depardieu

Em qualquer de suas encarnações, o caso é menos interessante por conta do impostor do que de sua esposa. O episódio é representativo dos poucos caminhos disponíveis com que mulheres contavam para escapar de sua sina – e do risco que sofriam ao trilhá-los.

Lésbica, forçada a se casar ainda adolescente após ter sido engravidada por um bandido, Brigita é uma mulher vivendo no fio de uma navalha. Se estivesse no lugar dela e ajudar um crime pudesse tornar sua vida mais fácil, você aceitaria? Quanto você estaria disposta a sacrificar até que as consequências da mentira caíssem sobre seu colo?

São questionamentos que ressonam até os dias de hoje. Muita coisa mudou desde o século XVI, mas muitas pessoas continuam vivendo em fios de navalha, de toda natureza.

2) Otto Zimmerman não foi o primeiro a causar problemas com uma cabeça de santo

No clímax do jogo, Andreas e Magdalene descobrem que Padre Thomas é o mandante dos assassinatos em Tassing-Kirsau.

O religioso confessa que agiu como agiu para impedir que o segredo da vila viesse à tona: São Moritz e Santa Sátia, padroeiros de Tassing, nunca pisaram na aldeia. Sátia, em particular, pode nunca ter existido.

Na verdade, eles nada mais seriam que representações dos deuses romanos Marte e Diana, que os primeiros cristãos erroneamente interpretaram como imagens divinas.

O twist é a parte do jogo que, como historiador, menos me convence. Santos de origens suspeitas e/ou semelhanças com divindades pagãs existem a rodo na Europa. É realmente plausível que os peregrinos que os veneram há séculos parariam de adorá-los da noite para o dia? Sobretudo quando a abadia possui uma relíquia – portanto, um pedaço do santo?

Padre Thomas acredita que sim, e é isto que importa. Para isto, ele comete uma série de crimes para esconder duas peças de evidência que podem trazer a verdade à tona. A primeira é um velho livro em latim, Historia Tassiae (“A História de Tassing”). Trata-se de uma óbvia referência a O Nome da Rosa, que também envolve assassinatos cometidos para impedir um livro de ser lido – no caso, um volume perdido da Poética de Aristóteles.

Plano do mosteiro fictício onde “O Nome da Rosa” é ambientado. O professor de Bologna a que Andreas se refere é o autor do romance, Umberto Eco (que, na vida real, realmente foi professor da Universidade de Bologna)

A segunda evidência é mais indireta, mas nem por isso menos literária. Otto Zimmerman, o carpinteiro da cidade, encontra por acaso a cabeça da estátua de São Moritz que adorna a vila. O problema: em seu elmo está escrito Mars Pater (“Marte Pai”). Para Thomas, se Otto tornar pública sua descoberta, todos saberão que Moritz nunca pisou em Tassing.

Uma história muito parecida faz parte dos contos de Till Eulenspiegel (em português, também conhecido como Til Malasartes.) Trata-se de uma personagem cômica do folclore alemão, cujo hobby é desafiar autoridades e zombar de convenções sociais.

Em uma de suas estripulias, Till toma um crânio de um cemitério e paga um artesão para que o revista de prata. Então, disfarça-se de padre e anuncia ter encontrado a cabeça de um certo São Brandonus. Por uma pequena contribuição (monetária ou, no caso das mulheres da cidade, sexual) ele permitia que os habitantes da cidade a beijassem.

Ninguém descobre o golpe.

Till Eulenspiegel foi publicado pela primeira vez na década de 1510, exatamente quando se inicia o primeiro ato do jogo. Pentiment não esconde a coincidência: o livro é mencionado logo no primeiro diálogo entre Andreas e Claus Drucker, logo após a morte do barão.

Easter egg adicional: Claus, no livro, é o nome do pai de Till.

Dependendo das escolhas que você fizer para a formação de Magdalene no terceiro ato há uma referência ainda mais explícita a ser encontrada. Conversando sobre santos com Padre Thomas, a jovem tem a chance de confrontá-lo com a história de Till. O religioso então responde que vidas de santo não precisam ser 100% reais para nos inspirar, tal como os contos de Till Eulenspiegel falam sobre verdades a despeito de serem ficção.

Bem hipócrita para um homem que está disposto a matar para esconder a verdade de seu rebanho.

3) Abades também eram senhores – no sentido “feudal” da palavra

Na sua primeira refeição do jogo, acompanhado de Endris e Otto Zimmerman, Andreas descobre que as relações entre Tassing e Kiersau são tensas. Todos os camponeses devem tributo à abadia, que controla a região e seus recursos naturais. Nem todos acham que o imposto é justo.

As coisas pioram no segundo ato. Cansado de ser contrariado por Otto, o Abade Gernot cerra fileiras contra Tassing. Os impostos aumentaram. Os camponeses perdem o acesso à floresta e ao riacho. Num golpe de particular crueldade, ele impede que a população visite a relíquia de São Moritz.

Se você ainda se lembra das aulas de feudalismo na escola, a situação pode ter parecido bizarra. Afinal, aprendemos que havia três ordens na Idade Média: aqueles que lutam, aqueles que oram e aqueles que trabalham. Aos clérigos, cabia rezar. Neste caso, por que raios eles tinham terras e pessoas sob sua autoridade?

Porque, como costuma ser o caso, as coisas na prática eram mais complicadas. No período medieval, mosteiros controlavam pessoas e territórios tanto quanto senhores seculares – com todos os fardos e obrigações que isto implicava. Aliás, abades e senhores muitas vezes vinham das mesmas famílias. Não era incomum que as grandes abadias de um dado reino ou território fossem controladas pelas mesmas dinastias que ocupavam a Coroa.

Como atores importantes no jogo político, também não era surpreendente que abades jogassem sujo para expandir seus territórios. Caso Andreas possua uma educação em direito, Andreas pode descobrir que Kiersau estava tramando para roubar as terras da viúva Ottillia. Pior: por meio de fraude.

Um exemplo muito parecido aconteceu de verdade com a abadia de San Clemente a Casauria, no norte da Itália, no final do século IX. Num espaço de poucos anos, o monastério agressivamente comprou terras vizinhas, até que praticamente todos os habitantes da região se tornassem dependentes da Igreja

Obviamente, a Itália do século IX não era a Baviera do século XVI. Manobras como as de Casauria eram mais fáceis de se orquestrar no passado porque a paisagem política e econômica da região ainda estava para se consolidar. Com o passar dos séculos, tomar terras passou a ser complicado, pois implicava em competir diretamente com os interesses de outras abadias ou senhorios. De onde a decisão do Abade Gernot em mirar justamente no elo mais vulnerável: viúva, idosa e malquista em Tassing, Ottilla é a vítima perfeita.

4) A caça às bruxas foi um fenômeno moderno, não medieval

Dependendo de nossas escolhas ao longo de Pentiment, podemos nos deparar com a revelação de que Vacslav e Ursula queimaram na fogueira após os eventos da história. Ele, por advogar ideias heréticas sobre o livro do Gênese; ela, por adorar os Deuses Antigos do passado pagão.

Se você está acostumado a escutar que a Idade Média foi a Idade das Trevas, em que indivíduos (sobretudo mulheres) eram queimados a rodo por todo tipo de infração espiritual, talvez o timing da execução possa ter lhe parecido estranho.

Afinal, estamos diante de uma história que se passa justamente na passagem da Idade Média para o que entendemos por modernidade. Por que Ursula e Vacslav foram queimados justo agora, sendo que durante as décadas que a história cobre os camponeses de Tassing tiveram total liberdade para invocar Perchta e misturar ideias cristãs com costumes pagãos?

Com o advento da impressora, alfabetização popular e demandas por liberdade religiosa, não seria mais intuitivo que o mundo ficasse mais liberal e menos persecutório com o passar das décadas)?

Por incrível que pareça, não. Embora caças às bruxas tenham sido associadas à Idade Média, elas foram um fenômeno quase que exclusivamente moderno. No que é hoje sul da Alemanha, região retratada em Pentiment, alguns dos maiores processos aconteceram poucas décadas depois dos eventos do jogo. Os processos de Salem, possivelmente os mais famosos do mundo, foram realizados ainda depois, entre 1692 e 93

Imagem do livro “The history of witches and wizards, publicado em 1720

Olhando essas datas, dá para entender por que a modernidade achou melhor condenar seus crimes às fogueiras do passado. A ideia de que a mesma época que nos legou René Descartes e Isaac Newton produziu episódios de intolerância e fanatismo religioso é desconfortável.  Muito mais fácil é alimentar a ilusão de que o obscurantismo é uma velha superstição que estamos a caminho de extinguir.

Essa ingenuidade, porém, teve efeitos sérios que perduram até os dias de hoje. Ainda hoje, continuamos incapaz de aceitar que atos de extremismo, negacionismo ou terrorismo não são exceções remanescentes do passado, mas parte do que somos: pecados da época contemporânea, não de uma “era medieval”.

Empenhados em recusar responsabilidade sobre tudo o que sofremos, não fazemos a pergunta mais importante: até que ponto os pesadelos dos dias de hoje – disparos em massa de discursos de ódio, fim de empregos por conta de IAs, ataques à democracia liberal – não são subprodutos de nosso próprio movimento de progresso?

Se nada mais, ao ambientar deliberadamente sua história em uma época de transição ideológica e cultural, Pentiment nos mostra que não é a primeira vez que a humanidade se depara com essa questão. E, tal como o foi na época da Reforma Protestante, não é o tipo de  questão que podemos ignorar.

Como Pentiment e outros RPGs nos ensinam, ações têm consequências. Sua ausência também.

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“Os Triunfos de Tarlac” dev diary #9: a arte do jogo https://www.finisgeekis.com/2022/07/01/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-9-a-arte-do-jogo/ https://www.finisgeekis.com/2022/07/01/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-9-a-arte-do-jogo/#comments Fri, 01 Jul 2022 20:48:10 +0000 https://www.finisgeekis.com/?p=23159

Fidelidade histórica em jogos é um dos pontos mais discutidos por entusiastas na disciplina – Embora, como defendi em outra ocasião, não necessariamente o mais importante. Para nós, historiadores, representar adequadamente coisas como sistemas políticos, mentalidades e transformações de longo prazo costuma ser mais importante do que saber que tipo de fivela de cinto ou rei ou príncipe usava.

Isso não significa que se preocupar com a representação de armas, roupas e edifícios em jogos históricos não seja importante. Para certos jogos – como os arqueogames – reconstituir elementos da cultura material é um objetivo de primeira ordem. Mesmo para jogos mais abstratos, como o nosso, é uma oportunidade de apresentar a leigos reconstituições do passado que fogem dos chavões comumente associados à era medieval.

Embora Os Triunfos de Tarlac seja um jogo bastante abstrato, nos esforçamos para desafiar esses clichês dentro dos limites que nosso material permitia.

Fichas de batalha

Dois clichés específicos de que queríamos distância diziam respeito à indumentária dos guerreiros – de longe, um dos aspectos da Idade Média mais fetichizados pela mídia. O primeiro era a imagem de soldados vestindo armaduras lustrosas feitas de placas de aço. Embora tenham se tornado um ícone de Idade Média, este tipo de equipamento é mais recente que as primeiras armas de fogo e só se popularizou de verdade no fim do século XV e no século XVI – para efeitos de comparação, na mesma época em que os europeus começaram colonizar a América.

O segundo cliché diz respeito aos irlandeses. Na cultura pop, habitantes da Irlanda e Escócia frequentemente são retratados como bárbaros que marchavam para a guerra nus e pintados de azul. Como escreveu uma importante historiadora do século XX – hoje devidamente criticada – é como se não houvesse diferença entre a Irlanda conquistada pelos ingleses e a Gália na época de César.

Há um motivo para o tropo: além das razões políticas relacionadas ao imperialismo britânico, é muito difícil obter informações sobre como os guerreiros da época de Tarlac realmente eram. Isso não é tanto um problema em relação aos ingleses, sobre cujos guerreiros existem bastantes fontes iconográficas e também arqueológicas – ex. figuras em manuscritos, selos, efígies funerárias e armas e armaduras que sobreviveram ao teste dos tempos.

Selo de Gilbert de Clare, um dos antepassados dos de Clare de Thomond. Data: c. 1218-30

Porém, a situação é diferente em relação aos irlandeses. Embora tenhamos fontes visuais sobre o período anterior à conquista inglesa (século XII) e sobre o início da era moderna (séculos XV a XVII), contamos com pouquíssimas evidências sobre o intervalo entre essas épocas.

Dessa maneira, não tivemos escolha senão expandir nosso leque temporal e incorporar fontes visuais mais distantes. Na medida do possível, esse material foi comparado a descrições narrativas tiradas da saga Os Triunfos de Tarlac. Em outros casos, contudo, tivemos de utilizar nossa imaginação.

Para evitar cair no clichê de uma Irlanda bárbara, decidi como critério de “desempate” que, na ausência de informações, basearíamos nossas personagens em armas e armaduras de um período posterior (sécs. XV-XVII), não anterior. Nosso exército gaélico, portanto, é provavelmente mais “moderno” que os soldados que marcharam contra os ingleses liderados por Tarlac Ó Briain, embora nem tão modernos a ponto de se confundir com os paladinos em armaduras brilhantes que viriam dominar os campos de batalha da Renascença.

Ficha de batalha (versão inglesa)
Ficha de batalha (versão irlandesa)

O primeiro detalhe que salta aos olhos quando comparamos as duas fichas é o quão similares seus guerreiros são. Isto foi proposital. Exércitos na Irlanda eram, por necessidade, multiculturais: tanto ingleses quanto irlandeses contavam com soldados e mercenários provenientes de outras culturas. Nossa ilustração buscou atentar para esse fato, retratando soldados que bem poderiam se confundir no calor da batalha – algo que historicamente ocorria.

Fichas de devastação/destruição

A ficha de devastação se tornou a imagem mais icônica do nosso jogo. Foi ela que escolhemos para a capa do manual e todo o material de divulgação.

Aqui, todo o mérito pertence ao nosso artista, Vinícius Veneziani. Meu único briefing havia sido que as fichas deveriam incluir um assentamento – possivelmente um mosteiro – sendo saqueado.

Veneziani escolheu não um mosteiro qualquer, mas a Abadia de Clare, o exato lugar onde a saga que inspirou o jogo foi escrita. Ele também incluiu o Castelo de Bunratty – capital inglesa no reino de Thomond – e o antigo Castelo de Quin – outra importante fortaleza inglesa, hoje destruída.

A imagem não é exatamente fidedigna: na vida real, esses três lugares estão há dezenas de quilômetros de distância um do outro. Porém, inclui-los no mesmo quadro dá à imagem uma importância simbólica. Ele concentra três dos assentamentos mais importantes pertencentes às duas linhagens-chave do conflito: os Uí Bhriain e os de Clare.

Um detalhe curioso: os animais retratados nessa ficha são vacas Kerry. Trata-se de uma das raças contemporâneas de gado que mais se assemelham às vacas criadas na Irlanda na época de Tarlac.

A mesma vaca também aparece na nossa ficha de gado – que inclui, como easter egg, um auto-retrato do nosso artista (à direita)!

O Tabuleiro

Se a ficha de devastação se tornou o cartão de visitas do jogo, o tabuleiro é o elemento que mais recebe atenção dos próprios jogadores. É ao redor dele, afinal de contas, que passarão horas a fio durante suas partidas.

Nós sabíamos que ele precisava ficar não apenas funcional, mas bonito – de preferência, impressionante.

A tarefa ficou a cargo de outro de nossos artistas, Gabriel Cordeiro – que também se encarregou de colorir as fichas desenhas por Vinícius. Para tanto, ele se inspirou no Mapa Gough: uma obra cartográfica de meados do século XIV que representa a Irlanda e Inglaterra.

Detalhe do mapa Gough
Detalhe do tabuleiro de Os Triunfos de Tarlac

Os castelos são baseados em Bunratty, mesma fortaleza inglesa retratada na nossa ficha de devastação. Os longphoirt (assentamentos irlandeses), por outro lado, foram inspirados nos ráthanna e cathracha: tipos de residência circulares populares entre famílias gaélicas.

Aqui, fomos também obrigados a fazer concessões. Ráthanna e cathracha não foram os únicos tipos de fortaleza construídas por irlandeses na época em que o jogo se passa. Os Triunfos de Tarlac inclusive sugerem, em uma passagem, que Clonroad, residência principal dos Uí Bhriain, possuía muralhas e defesas de pedra. Teria ela sido, na vida real, mais parecida a um castelo que a um ráth?

Infelizmente, não sabemos. Boa parte dos assentamentos dessa época foram eventualmente abandonados. Em muitos casos, sequer sabemos seus nomes – ou mesmo sua localização exata! O que de fato sabemos é que pelo menos algumas das residências irlandesas da época seguiam esse modelo – por exemplo, Caherballykinvarga, no antigo reino de Corcamruad. E foi nelas que baseados o design do jogo.

Se esse processo criativo nos ensinou alguma coisa, foi que fidelidade histórica é importante, mas deve ser encarada como um horizonte, não como um requisito. É impossível fazer um jogo que seja uma fotografia perfeita do passado. Não temos informações suficientes (e, mesmo que tivéssemos, quem segura a câmera sempre afeta o resultado da imagem).

Certas escolhas artísticas podem nos ajudar a lidar com nossas lacunas de saber. No contexto do nosso jogo, o traço cartunesco de Vinícius Veneziani e as cores fortes de Gabriel Cordeiro deram à sua identidade visual um aspecto irreverente, que gera menos expectativas que um trabalho fotorrealista. Com sorte, ela também servirá de antídoto à densidade de suas regras, contribuindo para fazer de Tarlac um jogo mais acessível.

O fim da jornada

Esse é o último diário de desenvolvimento de Os Triunfos de Tarlac. Após mais de dois anos de desenvolvimento, nosso jogo finalmente terá seu lançamento oficial!

Espero que você tenha curtido acompanhar nossa jornada até aqui!

O material do jogo está disponível para download nesse endereço, em formato print & play.Planejamos também lançar uma versão digital nos próximos meses, que será incluída nessa mesma página.

Boa jogatina! Que suas campanhas na Irlanda da época de Tarlac também sejam um triunfo!

 

Historical accuracy in games is one of the most talked about topics among history enthusiasts– although, as I argued elsewhere, not necessarily the most important one. For us, historians, to adequately represent things like political systems, mentalities and long-term transformations is usually more relevant than to know which type of belt buckle a given king or prince used.

This does not mean paying attention to the representation of weapons, clothing and buildings in historical games is unimportant. For some – like archaeogames – recreating certain features of a material culture might be a first order priority. Efforts towards this goal can also be an opportunity to introduce laypersons to recreations of the past that challenge tropes often associated with the medieval era.

Although The Triumphs of Turlough is a very abstract game, we did our best to confront these clichés within the limits of our material.

Battle tokens

Two specific tropes we wanted to avoid at all costs concern the equipment worn by warriors – by far one of the most fetichized aspects of the Middle Ages. The first is the image of soldiers clad in shining plate armor. Iconic as it may be, this type of personal protection is actually more recent than the first firearms and only became truly widespread in the late 15th and 16th centuries – for effects of comparison, around the same time Europeans started to colonize the Americas.

The second trope concerned the Gaelic Irish. In popular culture, the Irish and Scottish from this period are often portrayed as barbarians that marched to war naked and/or painted with woad. As a famous 20th century historian – now duly criticized – once wrote, it was as if there was no difference between Ireland in the time of the English conquest and Gaul during the campaigns of Caesar.

There is a reason why this trope is so popular. In addition to political factors harking back to the centuries of British imperialism, it is very hard to obtain information about what warriors in the time of Turlough actually looked like. This is not so much an issue in relation to the English, about whom there are plenty of sources – e.g. figures in manuscripts, seals, effigies, and surviving arms and armour.

Seal of Gilbert de Clare, an ancestor of the de Clares de Thomond. c. 1218-30

However, the situation is different in relation to the Irish. Although we have some visual sources from the period before the English conquest (12th c.) and from the Early Modern period (15th – 17th c.), there is preciously little evidence from the interval between these eras.

To address this gap, we had no choice to broaden our scope and include visual sources from other centuries. Whenever possible, this material was compared to descriptions of military equipment from the saga-text The Triumphs of Turlough. In other cases, however, we were forced to use our imagination.

To avoid falling into the cliché of a barbaric Ireland, I decided that, in the case of absence of data, we would base our artwork in arms and armour from a later period (15th – 17th c.). Our Gaelic army, therefore, is probably more “modern” than the soldiers that marched under Turlough O’Brien, although not modern enough to be taken for the paladins in shining armour that would dominate battlefields during the Renaissance.

Battle token (English version)
Battle token (Irish version)

The first thing one notices when comparing both tokens is how similar they are. This was intentional. Armies in Ireland were mixed by necessity: both the English and the Irish recruited soldiers and mercenaries from different cultures. Our artwork tried to account to that fact, portraying warriors that could well struggle to identify friends and foes in the heat of battle – something that historically happened.

Devastation/destruction tokens

The devastation token became the most iconic image of our game. It was the image we chose for the rulebook cover and all our promotional material.

Here, all the credit belongs to our artist Vinícius Veneziani. The only guideline I gave him during briefing was to include a settlement (possibly a monastery) being raided.

Veneziani chose not just any monastery, but Clare Abbey, the exact place where the saga that inspided the game was written. He also included Bunratty castle – the English capital in Thomond – and the old castle at Quin – another important stronghold, which was later dismantled.

The image is not quite true to life: in reality, these three places are located several kilometers apart from one another. However, including them in a single picture provides the token with symbolic meaning. It features three of the most importante settlements belonging to the main lineages involved in the conflict: the Uí Bhriain and the de Clare.

An interesting detail: the animals in this token are modeled after the Kerry cow, one of the contemporary breeds that resembles the most the cattle reared in the time of Turlough.  

The same cow is featured in our cattle token – along with a self-portrait of our artist (on the right)!

The game board

If the devastation token became our game’s greeting card, the board is the element that receives the most attention from players. It is around it, after all, that they will spend countless hours during matches.

We knew it needed not only to be functional, but also pretty – even better, it should be impressive.

The task fell on another of our artists, Gabriel Cordeiro (who also colored the tokens drawn by Vinícius Veneziani). To that end, he took inspiration from the Gough Map, a mid-14th c. cartographic source that features Ireland and Britain.

Detail from the Gough map
Detail from The Triumphs of Turlough game board

The castles are based on Bunratty, the same English stronghold from our devastation token. The longphoirt (Irish settlements), on the Other hand, were inspired by raths and cahers: circular holdings popular among Gaelic families of the time.

Here, we had again to make some concessions. Raths and cahers were not the only types of settlement built by the Irish in the period the game is set. The saga The Triumphs of Turlough even mentions, in one passage, that Clonroad, head place of the Uí Bhriain, had walls and fortifications made of stone. Is it possible that it resembled a castle more than a rath?

Unfortunately, we don’t know. Most settlements from this period were eventually abandoned. In many cases, we don’t even know their names – or even their exact location! What we do know is that at least some of the Irish longphoirt resembled raths or cahers – for example, Caherballykinvarga in the kingdom of Corcomroe. It was on these settlements that we based our design for the game.

If this creative process taught us anything, is that historical accuracy is important, but it should be pursued as a horizon, never as a requisite. It is impossible to make a game that is a perfect photograph of the past. We don’t have enough data (and, even if we did, the person holding the camera always affects the result).

Certain artistic choices can help us deal with knowledge gaps. In the context of our game, the Vinícius Veneziani’s cartoonish style and Gabriel Cordeiro’s bold colours brought some irreverence to its visual identity, granting the game a leeway in regards to detail it would not have enjoyed if we had pursued strict realism. With luck, this art style will also act as an antidote to the density of Turlough’s rules, making it more accessible to a larger audience.

The end of the journey

I hope you enjoyed following our journey so far!

This is the last dev diary for The Triumphs of Turlough. After more than two years of development, we will be having our official launch on August 15th.

The print & play game material can be downloaded here. We are also planned a digital version in the coming months, that will also be available at this same address.

Have a good game! And may your campaigns in Ireland in the time of Turlough also be a triumph!

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https://www.finisgeekis.com/2022/07/01/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-9-a-arte-do-jogo/feed/ 2 23159
“Os Triunfos de Tarlac” dev diary #8 : os desastres https://www.finisgeekis.com/2021/07/07/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-8-os-desastres/ https://www.finisgeekis.com/2021/07/07/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-8-os-desastres/#respond Wed, 07 Jul 2021 20:53:50 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22947

Nos games, senão na vida, desastres são incríveis. Nada nos força a pensar fora da caixa durante uma partida do que ver tudo o que construímos desabar de um instante para outro.

Essa é uma experiência que Os Triunfos de Tarlac tinha o objetivo de providenciar desde o princípio. Afinal, nosso jogo toca não só uma, mas  três crises mais ou menos simultâneas que sacudiram as Ilhas Britânicas na Idade Média: A Pequena Era do Gelo, a Grande Fome de 1315-1322 e a Primeira Guerra de Independência da Escócia.

Mas há uma contradição intrínsica na ocorrência de desastres que salta aos olhos quando tentamos transpô-la a um jogo: pela sua própria natureza, eles não acontecem toda hora.

Isso não é um problema para games que já de pronto nos lançam uma tragédia no colo.

Mas é, sim, uma questão complicada quando a proposta é retratar a normalidade de um dado povo, sociedade ou nação – e como um evento inesperado pode, da noite para o dia, pô-la em risco.

Os desastres de Tarlac

Exemplos de desastres em “Tarlac”

Pode não parecer, mas o desafio, no fundo, é uma questão de escala.

Os Triunfos de Tarlac abrangem cerca de quarenta anos de história,de 1277 a 1318. Dois dos três eventos calamitosos que queríamos fazer os jogadores enfrentar só começaram a dar as caras por volta de 1315. Esta foi a data de uma invasão escocesa da Irlanda, parte da Guerra de Independência que opunha Inglaterra ao seu vizinho setentrional. A campanha destruiu as finanças do governo colonial inglês. De quebra, ajudou a piorar um período de vacas magras que assolava toda a Europa.

Se parasse por aí, Tarlac poderia beber sem problemas de convenções já existentes nos jogos de estratégia. Teríamos uma “primeira fase” com mecânicas normais (1277 a 1314)  e um “end game” cataclísmico (1315 a 1318 ) em que a astúcia dos jogadores seria posta a prova.

O problema é que tínhamos uma terceira crise a implementar. Não só isso, mas uma crise de um tipo terrivelmente pernicioso: uma mudança climática.

A Pequena Idade do Gelo foi um período de esfriamento global que teve início por volta de 1300 e quebrou as pernas das economias do norte da Europa. “Por volta” é a palavra chave. O clima não opera na mesma escala de tempo que seres humanos, e seus processos podem levar décadas – quando não séculos.

Isso torna esse tipo de crise difícil de enxergar antes que o pior aconteça. Algo que, infelizmente, observamos em nossos próprios dias nas ações e palavras de negacionistas climáticos.

No caso específico da Irlanda medieval, essa mudança já começa a mostrar suas garras na década inicial do nosso jogo, causando uma série de invernos frios e temporadas de chuvas fortes. Este tempo inclemente provocou colheitas ruins – que, com o tempo, trouxeram a carestia e a fome.

Infelizmente, esse processo era longo demais para que nosso jogo desse conta de retratar. Cada rodada de Tarlac foi pensada para representar um ano. E é impossível esperar que uma única partida se estenda por quarenta rodadas, quando cada turno dura, em média, mais de trinta minutos.

Para o jogo ficar divertido, ele precisava poder ser concluído em, no máximo, seis ou outo rodadas – do contrário, estaríamos falando de um dia inteiro de jogatina! O que nos dava, em tempo histórico, menos de uma década para reproduzir quase meio século de mudanças climáticas.

Para a surpresa de ninguém, nossos resultados iniciais foram bem longe de ideais. Em nosso primeiro protótipo, os desastres eram determinados pela rolagem de um d20: os primeiros cinco ou tantos números representariam os principais tipos de desastres; os demais representariam anos em que nada significativo aconteceu.

Logo percebemos que as rolagens haviam virado letra morta: a probabiilidade de alguém rolar um não desastre era de 80%.  Mesmo quando dávamos sorte e alguma crise interessante acontecia, seus efeitos não tinham tempo gerar a bola de neve que resultou na Grande Fome.

Nós entendemos que tínhamos duas opções na manga: ou adaptávamos as ações humanas ao ritmo da economia, ou simplificávamos a economia para se adequar à percepção humana.

A primeira solução significaria abrir mão de todas as mecânicas que já havíamos desenvolvido para o combate – o que, depois de tanto esforço para acertá-las, não era algo que estávamos considerando.

Restava, portanto, o segundo caminho.

Uma crise no fast forward

Para nossos protótipos seguintes, substituí o dado por um baralho de desastre, em que todas as cartas representavam algum tipo de evento. Se você já jogou Fief: France 1429, sabe exatamente qual é o princípio.

Exemplo de carta de sorte em “Fief”

Não existiam mais cartas “em branco”. Todo ano, portanto, forçaria os jogadores a lidar com uma desgraça diferente. Ainda assim, precisávamos decidir com que frequência os desastres ocorreriam – senão em relação a anos de bonança, pelo menos em relação uns aos outros.

Não se tratava apenas de determinar sua probabilidade. Afinal de contas, alguns tipos de desastre são resultado diretos de outros. Chuvas fortes, por exemplo, aumentam a chance de uma colheita ruim, que aumenta a chance do reino experimentar uma crise de abastecimento.

Eu já estava pensando em incorporar algum tipo de card game digital para dar conta do recado. Felizmente, o Gabriel Cordeiro, um dos historiadores da equipe, nos trouxe uma solução mais orgânica: um baralho cuja composição se altera ao longo da partida, tal como o do jogo Seven Wonders.

O jogo “7 Wonders”

Tomamos os cenários iniciais que havíamos montado para refletir as mudanças diplomáticas e demos a cada um seu próprio baralho de desastres.

Na maioria deles, os efeitos são razoavelmente brandos, refletindo a calmaria antes da tempestade que permitiu aos ingleses expandirem sua influência entre 1277 e 1300.

A partir daí, as coisas complicam. Os baralhos dos cenários “A Invasão Escocesa” (1315), “A Batalha de Loch Rásga” (1317) e “A Batalha de Dysert O’Dea” (1318) são recheado de eventos que dificultam – e muito – jogar com os ingleses.

Alguns desses eventos têm o efeito especial de acrescentarem cartas ao baralho – aumentando, portanto, a probabilidade de outros desastres acontecerem.

Essas cartas extras são removidas após a próxima carta de desastre ser comprada, tendo portanto a duração de uma rodada.

Tipo de desastreCartas a serem acrescentadas ao baralho
Chuvas fortes8x Fascíola Hepática e 4x Fracasso da Colheita
Fracasso da Colheita4x Fome
Guerra (qualquer uma)8x Recunhagem

Graças a essa mecânica, mesmo um cenário pré-1315 pode encrespar rapidamente, se os jogadores derem o azar de comprar alguns dos desastres da tabela acima.

Assim, nossa solução se provou mais elegante do que a que implementamos para a diplomacia. Embora cada cenário tenha seu próprio baralho, é teoricamente possível que  um baralho brando “evolua” a um baralho severo ao longo da partida.

Possível, mas não certo – tal como as crises reais da história, imprevisíveis por natureza.

Acurácia histórica e tempo histórico

Já é um clichê dizer que não é possível fazer um game 100% preciso do ponto de vista histórico. Para começar, porque “precisão” pode ser entendida de jeitos diferentes: detalhes visuais autênticos, mecânicas que correspondem a costumes do passado, objetivos que fariam sentido a atores da época.

Às vezes, para acertar em um, é necessário sacrificar outro. E cabe a nós, game designers e historiadores, decidir onde traçar a linha.

Desenvolver o sistema de desastres de Os Triunfos de Tarlac nos fez entender que há uma outra definição de “precisão histórica” que nem sempre levamos em consideração: a escala temporal.

Como dizia Fernand Braudel ( e tantos outros historiadores), nem todos os eventos históricos ocorrem na mesma duração. E algumas dessas “durações” são longas demais para serem percebidas por uma pessoa – ou mesmo uma geração de pessoas. Quem dirá, então, de um grupo de gamers com poucas horas a disposição para jogar uma partida.

É algo importante de se ter em mente da próxima vez que sentirmos vontade de criticar um jogo por tomar liberdades com o tempo. Por exemplo, um wargame que simplifica uma batalha de dias em um único rolar de dados; um videogame mundo-aberto cujo cenário é uma fração do país que desejava retratar, ou um game de simulação em que jogadores podem mudar a cultura de toda uma civilização comprando a carta certa.

Sim, todas essas coisas são distorções. Mas a função da distorção, no design tal como na história, é tornar algo mais fácil de enxergar. Nesse caso, é difícil argumentar que não cumprem seu objetivo.

 

In games, if not in life, disasters are awesome. Nothing forces us to think outside the box during a board game match than witnessing everything we built crumbling from one moment to the next.

This is an experience that The Triumphs of Turlough was supposed to offer from the very start. After all, our game touches upon not one, but three more or less simultaneous crises that shook the British Isles up in the Middle Ages: the Little Ice Age, the Great Famine of 1315-1322, and the First War of Scottish Independence.

But there is an intrinsic contradiction in the occurrence of disasters that becomes glaring when we attempt to transpose them to a game: by their very nature, they don’t happen all the time.

This isn’t a problem for games that drop a tragedy on our lap from the get go. But it is, indeed, a complicated issue when the goal is to portray the normalcy of a given people, society or nation – and how an unexpected event may come to threaten it.

The disasters of Turlough

Examples of disasters in “The Triumphs of Turlough”

It may not look like it, but the challenge, in the end, is one of scale.

The Triumphs of Turlough spans roughly forty years of history, from 1277 to 1318. Two of the three catastrophes we wanted our players to face only started to play their hands around 1315. This was the date of a Scottish invasion of Ireland, part of the War of Independence that pitted England against its northern neighbor. The campaign took a toll on the finances of the English colonial government in Ireland. What is more, it helped worsen a period of lean cows that beset all of Europe at the time.

If we stopped right there, Turlough could easily do well by relying on the existing conventions of the strategy genre. We’d have an initial phase with normal mechanics (1277 to 1314) and a cataclysmic end game in with players’ resourcefulness would be put to the test.

The problem was we had a third crisis to implement. And what is worse, it was the most insidious type of crisis of all: a climate change.

The Little Ice Age was a period of global cooling that started around 1300 and broke the legs of the economy in many Northern European countries. “Around” is the key word here. The climate doesn’t operate in the same temporal scale human beings live in, and its processes can take decades – if not centuries – to be felt.

This makes this type of crises difficult to perceive before the worst comes to pass. Something we can unfortunately observe in our own present age, in the actions and words of climate change deniers.

In the case of medieval Ireland, specifically, this change started to show its colors in the first decade of our game, causing a series of unusually cold winters and disastrous rainfall. This inclement weather caused a string of harvest failures – which, in turn, brought upon supply shortages and famine.

Unfortunately, this process was way too long for our game to handle. Each round in Turlough was designed to represent a year. It is impossible to expect that a single match would extent for forty rounds, when each turn, on average, lasts longer than thirty minutes.

For the game to be fun, players should be able to finish a match in no more than 6-8 rounds – and even that would be pushing their patience. Otherwise, we’d be looking at an entire day spent around the game board!

In historical time, that gave us less than a decade to portray roughly half a century of environmental changes.

To nobody’s surprise, our initial results were far from ideal. In our very first prototype, disasters were determined by a d20 roll: the first five or so numbers represented the main types of disaster; the rest represented years in which nothing significant happened.

We soon noticed that the rolls were moot: the probability of someone rolling a non-disaster was 80%. Even when we got lucky and some interesting event took place, its effects didn’t have time to snowball into the crisis that led to the Great Famine.

We realized we had two options up our sleeve: we could either adapt human agents to the pacing of the economy, or simply the economy to fit into human perception.

The first solution required discarding all the combat mechanics we had already developed – something which, after the pains we took to make it work, was not something we’d consider doing.

We were left, then, with the second alternative.

A crisis on fast forward mode

For our next prototypes, I replaced the die with a disaster deck in which every card represented some significant event. If you played Fief: France 1429, you should recognize the principle right away.

Example of fortune card in “Fief”

There were no more “blank” cards. Every year, therefore, would force players to deal with a different calamity. Still, we needed to decide how frequently each disaster would occur.

It wasn’t just an issue of determining their probability of being drawn. After all, some types of disasters are direct results of others. Abnormal rainfall, for example, increases the likelihood of harvest failures, which makes a kingdom more vulnerable to a shortage crisis.

I was already thinking in incorporating some sort of digital card game when Gabriel Cordeiro, one of the team’s historians, offered us a much more organic solution: a deck whose composition changed throughout the match, as in the game 7 Wonders.

The board game “7 Wonders”

We took the initial scenarios we had developed to reflect diplomatic changes and gave each one its own disaster deck.

In most of them, the events are relatively mild, reflecting the calm before the storm that allowed the English to expand their influence in Thomond between 1377 and 1300.

From that point on, things got messier. The decks for the scenarios “The Scottish Invasion” (1315), “The Battle of Loughrask” (1317) and “The Battle of Dysert O’Dea”(1318) are filled with calamities that make it very hard to play as the English.

Some of these events have the additional effect of adding new cards to the deck – as such, increasing the probability of other disasters happening.

These extra cards are removed after the next disaster card is drawn, lasting, therefore, a single round.

Disaster TypeCards to be added to the deck
Heavy Rainfall8x Liver Fluke Disease and 4x Harvest Failure
Harvest Failure4x Famine
War (any)8x Recoinage

Thanks to this mechanic, even a pre-1315 scenario could rapidly get worse if players were unlucky enough to drawn some of the disasters in the table above.

As a consequence, our solution proved to be a much more elegant way to portray historical change than the system we had invented for the diplomacy. Although each scenario has its own deck, it is theoretically possible for a mild deck to “evolve” into a more severe one throughout the match.

Possible, but not certain – just like the real crises in history, unpredictable by their very nature.

Historical accuracy and temporal scale

It is already a cliché to say that it isn’t possible to make a 100% accurate historical game. To begin with, because “accuracy” can be understood in many different ways: accurate visual elements, mechanics that correspond to customs and practices of the past, objectives that’d make sense to people of that period.

Sometimes, to get one right, we are forced to sacrifice others. And it is up to us, game designers and historians, to decide where to drawn the line.

Designing the disaster system for The Triumphs of Turlough made us understand that there is another definition of “historical accuracy” that is not always taken in account: temporal scale.

As Fernand Braudel ( and so many others) used to say, not all historical events happen in the same time frame. And some of these “durrées” are too long for any person – or even a generation of them – to notice. How can a group of gamers with no more than a few hours at their disposal fare any better?

This is something important to keep in mind next time we feel like criticizing a game for taking liberties with their time scale. For example, a wargame that simplify a battle that took days into a single dice roll; an open-world videogame whose scenario is a fraction of the country it wanted to portray; a kingdom simulator in which players may switch the culture of all of their subjects by drawing the right card.

Yes, these are all distortions. But the purpose of the distortion, in history just like in visual design, is to make something easier to perceive. In this case, it’s hard to argue it doesn’t do justice to this goal.

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“Os Triunfos de Tarlac” dev diary #7: a diplomacia https://www.finisgeekis.com/2021/05/12/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-7-a-diplomacia/ https://www.finisgeekis.com/2021/05/12/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-7-a-diplomacia/#respond Wed, 12 May 2021 20:15:18 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22836

Quando fazemos um game histórico, certas coisas são difíceis de acertar porque são complicadas ou abstratas demais para fazer caber em um jogo.

Já outras são difíceis porque não parecem fazer o menor sentido.

A diplomacia na Irlanda medieval é uma delas.

Esse é um problema que salta aos olhos a qualquer um que se aventure a ler Os Triunfos de Tarlac, a saga em que nosso jogo é baseado. Embora estejamos lidando com uma guerra civil entre duas dinastias– que continuaram basicamente as mesmas do início ao fim – as coalizões que as apoiavam parecem ter sido montadas por uma dança das cadeiras após uma festa com muito álcool.

São casos de aliados atacando aliados, inimigos virando a casaca, facções que até então não sabíamos que existiam aparecendo de última hora, personagens históricas que considerávamos protagonistas sumindo de vista. Como muitos dos envolvidos tinham nomes idênticos, é até difícil entender quem está lutando contra quem – e por quê.

O que fazer para transformar uma confusão dessas em um jogo? De onde nós tiramos que  poderíamos ensinar aos nossos jogadores um pouco de história se nós mesmo estávamos arrancando os cabelos em desespero?

Há algo de louco aqui, sem dúvida. Mas há uma dose de loucura envolvida na criação de todos os games. Após meses de pesquisa, esboços descartados e fins de semana debruçados na frente do tabuleiro, conseguimos, ainda que timidamente, dar alguma ordem ao caos.

A história de como chegamos a uma solução foi tão complicada que bem mereceria uma saga própria.

Dança das cadeiras

O primeiro desafio era decidir o que estávamos eu estava chamando de “laços diplomáticos”. E aqui a questão, que já era espinhosa, tornava-se complicada a ponto de nos convidar a virar a mesa.

E não só metaforicamente

Para começar, como já adiantei no último diário, certas facções tinham laços de vassalagem com outras, o que implicada no dever de providenciar serviço militar. Contudo, “dever” não é sinônimo de “querer”, e vassalos não tinham escrúpulos para dar as costas a certos reis em favor de seus rivais.

Para contornar esse problema, uma solução era arranjar casamentos entre as famílias em questão.

Outra solução popular era entregar crianças para serem apadrinhadas por um vassalo. Parece estranho para nossas sensibilidades contemporâneas, mas na Irlanda medieval crianças muitas vezes viviam com os pais apenas durante a primeira infância. Depois, eram enviados para outra família, que terminava sua criação. A ideia é que o padrinho e a criança desenvolveriam um vínculo que perduraria mesmo depois que o protegido crescesse.

Obviamente, não era possível apostar o sucesso de uma aliança somente em laços como esses. De onde acordos eram geralmente selados com a entrega de reféns. Para provar que estavam dispostos a cumprir o prometido, vassalos cediam um membro da família para viver com seus suserano. Se a aliança se rompesse, sua cabeça rolaria.

Quer dizer, isso era o plano. Como todos que já sobreviveram a uma ceia de natal em família sabem, há parentes e há parentes. Às vezes, acontecia de um rei entregar de propósito membros pouco importantes (ou problemáticos) da família sabendo que seriam mortos.

Por fim, havia a questão dos aliados externos. Ingleses de outras partes da Irlanda às vezes se aliavam a reis irlandeses, seja por meio de casamentos, seja por meio de vínculos mais informais. Outros, porém, serviam em exércitos irlandeses como mercenários. E nem sempre é fácil saber quando uma coisa começa e outra termina: as fontes, muitas vezes, chamam ambos apenas de “amigos”.

Não havia dúvidas: para fazer o jogo sair do papel, nós teríamos de simplificar muita coisa. O problema é que a diplomacia medieval era tão complicada que nem sabíamos por onde começar.

Nosso game se passa em uma única região da Irlanda. Mas casamentos – para citar apenas um exemplo – raramente são questões locais. Não era raro que um rei gaélico casasse com uma princesa de outra parte da ilha – ou mesmo de fora da Irlanda. No caso de Thomond, nós nem conseguimos ao certo saber de onde vinham essas mulheres, pois elas mal aparecem nas fontes.

No caso dos reféns, a situação era ainda pior. Os reis irlandeses eram poligâmicos. Por conta disto, tinham muitos filhos – e mais ainda parentes próximos. Boa parte deles sequer aparece nas fontes, exceto vez ou outra na lista de baixas de alguma batalha.

Como nós poderíamos representar o ônus de entregar um parente se nem sabíamos quantos familiares um rei tinha? E como, ainda por cima, decidir quais eram “importantes” ou não?

Simplificando as coisas…

Interpretação artística de encontro entre o rei irlandês Art Mac Murchadha e um enviado da Coroa inglesa. Ilustração de Henry Doyle

Para nosso primeiro protótipo, resolvi adotar uma estratégia de terra arrasada. Desenvolvi o modelo diplomático mais simples possível, sob o raciocínio de que era sempre possível ir deixando mais complexo em futuras tentativas.

Agrupei todos os vínculos da seção acima em um único laço: “aliança”. Se um reino marchava ao lado de outro na guerra, ele era um “aliado”. Mercenários, padrinhos, membros da mesma família seriam apenas variações de um mesmo tema.

Dentro desses parâmetros, elaborei dois cenários iniciais: o histórico e o livre.

O histórico começava com os reinos agrupados segundo as alianças de 1277-78, quando a guerra começou.

O livre começava sem nenhuma aliança vigente. “Propor”e “aceitar” alianças eram ações que jogadores teriam liberdade de tomar por sua própria conta e risco.

Era também possível trair sua aliança e agir contra os interesses da coalizão. Porém, isso custaria um ponto de febasa reputação política de um rei, que equivale, em termos de jogo, nos “pontos de vida” de um jogador. Isto representaria, de maneira abstrata, o ônus pessoal e dinástico de sacrificar um refém.

Minha ideia é que o cenário livre estimulasse o gameplay emergente, incentivando jogadores a desafiar a história tal qual conhecíamos. Sabotar a própria coalizão? Virar casaca três vezes consecutivas? Apelar para a “anarquia” e declarar guerra contra todo o mapa? Tudo seria possível.

Na prática, contudo, isso deixou o jogo tão confuso que derrotou seu próposito de existir.

Sem alianças no início do jogo não havia porque qualquer jogador decidir tomar parte da guerra. E se ninguém tomasse parte na guerra, jogadores não teriam nada para fazer além de sentar nas próprias mãos e se perguntar porque decidiu jogar o jogo do Viniciusem vez de fazer algo produtivo da vida.

Mesmo quando as pessoas forçavam a barra para fazer o jogo andar, o resultado era desanimador. Pessoas propunham alianças a seus amigos, reproduzindo no jogo as “panelinhas” da vida real. Como as alianças eram tomadas sequencialmente havia também uma pressão implícita para se unir à coalizão com mais aliados. Afinal de contas, por que você aceitaria se aliar com o underdog se seu inimigo tinha 3/4 dos jogadores em seu bolso?

Havia também um problema histórico. Casamentos, apadrinhamentos e reféns eram relações complicadas demais para serem simplificadas a uma única mecânica. Da maneira como havíamos implementado, ficava a impressão de que reis medievais construíam as alianças que queriam, na hora que queriam. O que não podia ser mais longe da realidade.

O cenário histórico estava mais focado, mas tinha sua cota de problemas. Como o jogo conta com poucas facções, não é como se houvesse uma grande variedade de caminhos que o jogo pudesse tomar depois que o dado começasse a rolar.

Não demorou para que nossos jogadores encontrassem uma “solução ótima” que fazia todas as partidas enveredarem pelo mesmo caminho.

… para voltar a complicá-las.

Não posso dizer que não suspeitava que o resultado seria esse. Como disse, todo o propósito de simplificar as regras era para que pudéssemos enxergar em que partes ela precisava ser rebuscada.

E rebuscá-las foi exatamente o que fizemos.

Minha primeira solução foi criar cenários iniciais diferentes, correspondentes ao equilíbrio de forças em diferentes momentos da guerra. Isto não foi uma tarefa fácil, pois, como já mencionei, a trama de alianças era tão complicada – e as fontes históricas, tão confusas – que às vezes é impossível saber quem está lutando contra quem.

Mas, após um grande esforço, eu consegui fechar em sete datas selecionadas: 1277, 1278, 1281, 1284, 1315, 1317 e 1318.

Além de bem documentados, estes cenários tinham a vantagem de serem bem diferentes uns dos outros. Em 1277 e 1278, por exemplo, um dos clãs em disputa começa o jogo exilado. Em 1281, o reino de Thomond começa dividido ao meio entre eles. Em 1284, os ingleses não jogam no início da partida, refletindo uma viagem feita pelo barão Thomas de Clare para cuidar de suas terras na Inglaterra. Seu aliado irlandês precisará, assim, aprender a se virar sem a sua ajuda.

A segunda solução foi transformar a entrega de reféns em uma mecânica própria. Esta mudança foi feita ao mesmo tempo em que alteramos as condições de vitória tornando a participação na guerra obrigatória. Desta, maneira, pudemos unir as duas coisas de uma maneira que nos pareceu satisfatória:

Segundo o novo esquema, ser aliado de uma facção significa que fazê-la vencer a guerra é sua condição de vitória.

Reféns, por outro lado, se tornaram “peças” que certos jogadores são a outros – e que podem ser “sacrificadas” caso alguém descumpra uma promessa e faça com que sejam executados. Eles também são automaticamente “devolvidos” caso o jogador que os mantenha em cativeiro seja eliminado no combate.

Eles representam coisas diferentes dependendo de quem os cede e quem os recebe. Entre um dos clãs dos O’Brien e o jogador inglês, ele funcionam como um misto de aliança e laço de vassalagem. Dar reféns aos ingleses é uma prova de que um rei irlandês aceita governar sob seu jugo – em troca de apoio militar.

Entre os O’Brien e os reis gaélicos menores, eles representam uma garantia de que o jogador em questão não se mobilizará contra aquele que recebe os reféns. Isto representa um tipo de situação bastante frequente nas fontes do período. Forçados a providenciar soldados a um rei que não apoiavam, muitos chefes gaélicos optavam por não participar da guerra e ceder reféns de sua família. Desta maneira, eles não eram obrigados a trabalhar para o inimigo, mas também evitavam (ou assim esperavam) as piores consequências de desafiá-los.   

Resultado

Nenhum dos dois sistemas é perfeito. Embora os diferentes cenários iniciais tragam uma boa variedade ao jogo, eles não representam como alianças se formavam ou se desfaziam. Como expliquei, no entanto, esta é uma limitação das próprias fontes, já que não temos muita informação a respeito – e aquelas que temos não cabem em um jogo do escopo do nosso.

Já nossa mecânica de reféns ignora que o fato, já mencionado, de que reis do período às vezes usavam esses tratados para sacrificar parentes pouco importantes. Nossos reféns, pelo contrário, sempre são cruciais.

Ainda assim, penso que conseguimos atingir um bom equilíbrio entre a representar a complexidade da diplomacia no período e encaixá-la num jogo simples o suficiente para ser curtido. Qualquer crítica que venha desta decisão é uma que humildemente aceitarei.

E de resto? Se pelo menos um jogador me disser que jogar Os Triunfos de Tarlac deixou a política irlandesa menos confusa aos seus olhos, já me dou por satisfeito.

When we make a historical game, some things are hard to get right because they are too complicated or abstract to fit into a ludic experience.

Others, however, are hard because they do not seem to make any sense at all.

Medieval Irish diplomacy is one of them.

This is an issue that becomes obvious to anyone brave enough to dredge through The Triumphs of Turlough, the saga-text after which our game is based. Even though we are dealing with a dynastic war between two lineages – that remained basically the same from beginning to end – the coalitions that supported them seem to have been put together in a game of musical chairs after a party with too much alcohol involved.

We’ve got allies attacking each other, enemies turning coat, factions we didn’t know even existed showing up at the last minute, historical characters whom we thought were protagonists disappearing from the sources. Since many of the people involved had identical names, it is hard to even figure out who was fighting whom – and for what.

How can be turn such a confusion into a game? How did we convince ourselves we could teach our players something about history if even we were pulling our hair out in despair?

In hindsight, our ambition seems crazy. But there is a dose of craziness involved in the creation of every game. After months of research, discarded sketches and weekends spent in front of the board, we finally managed, albeit tentatively, to bring some semblance of order to the chaos.

The story of how we got there is so complicated that it could well deserve a saga of its own.

Musical chairs

Our first challenge was to decide what was it that we were labelling “diplomatic ties” to begin with. And here our historical problem, which was already thorny, became so complex it seemed to be inviting us to flip the table.

To begin with, as I mentioned in the last diary, certain factions had bonds of vassalage to others, which implied in the duty to provide military service. Yet, “being expected to” is not the same as “wanting to”, and vassals had to qualms about turning their backs on certain kings in favour of their rivals.

And not just metaphorically

To get around this issue, one solution was to arrange marriages between the families in question.

Another popular solution was to give children over to be fostered by a vassal. It may seem strange to our contemporary sensibilities, but in medieval Ireland children often lived with their parents only during their first childhood. After that, they were sent to another family, in which they would be brought up. The idea is that the foster parent and the child would develop a bond that would last even after the ward grew up.

Obviously, it wasn’t possible to bet the fate of an alliance just in ties like these. For that reason, treaties were often reinforced with the surrender of hostages. To show that they were willing to make good on their word, vassals ceded a family member to live with their suzerain. If the alliance was disrespected, their head would roll.

In theory, that is. As everyone who survived a Christmas supper with the family knows, there are relatives and then there are relatives. Sometimes, it happened that a king would surrender family members of little political or emotional importance knowing they would be killed. 

Finally, there was the matter of the external allies. English magnates from other parts of Ireland sometimes supported Irish kings, either due to marriage alliances or less formal bonds. Others, however, sent soldiers to fight as mercenaries. And it is not always easy to know when one thing ends and the other begins: the sources often called them both “friends” and left it at that.

There was no question about it: to make the game work, we had to simplify a lot of things. The problem was that medieval diplomacy was so complicated that we barely knew how to start.

Our game is set in a single region of Ireland. But marriages – to mention just one example – are rarely local affairs. It wasn’t uncommon for a Gaelic king to marry a princess from a different part of the isle – or even from outside Ireland. In the case of Thomond, we couldn’t even know for sure where these women came from, as they are seldom mentioned by the sources.

In the case of hostages, the situation was even worse. Irish kings were polygamous. As such, they had many children – and even more close relatives. A good part of them is not even mentioned in the sources, except once or twice in a casualty roll.

How could be represent the burden of handing over a family member if we didn’t even know how many relatives a king had? And how, on top of that, could we calculate who was “important” or not?

Making things simple…

Artistic intepretation of a meeting between Irish king Art Mac Murchadha and an envoy of the English Crown. By Henry Doyle

So, for our first prototype, I decided to adopt a scorched earth policy. I developed the simplest diplomatic model I could think of. My reasoning was that we could always add things in for further versions.

I grouped every kind of political relationship in a single bond: ‘alliance’. If a kingdom supported another in war, it was an ‘ally’. Mercenaries, foster parents, members of a single family would be just variations on a same theme.

Within these parameters, I elaborated two initial scenarios: the historical and the free play one.

The historical one began with the kingdoms bound by the alliances of 1277-78, when the war began.

The free play one started without a single existing diplomatic tie. “Making” and “accepting” alliances were actions players had the liberty of making out of their own volition.

It was also possible to betray one’s allies and act against the interests of your coalition. However, this would cost a febas point – a measure of the reputation of a king, represented in our game as the “hit points’ of a player. This would account for, in an abstract manner, the personal and dynastic cost of leaving a hostage to die.

My idea was that the free play scenario encouraged emergent gameplay, nudging players to challenge history such as it happened. Sabotaging your own coalition? Turning coat three times in a roll? Appealing to “anarchy” and declaring war against the whole map? Everything was possible.

In practice, however, this turned the game so confusing that it defeated its very purpose for existing.

Without alliances at the beginning of the session, no player had any reason to take part in a war. And if no one waged war on anyone else, players had little to do other than sitting on their hands and asking while they decided to play Vinicius’ games instead of doing something productive with their lives.

Even when people forced themselves to take action, the result was disappointing. People would offer alliances to their friends, reproducing the “cliques” that united them in real life. Given that these alliances were negotiated sequentially, there was also an implicit pressure to join the coalition with more players. After all, why would you ally yourself with the underdog if your enemy had 3/4 of the players in their hand?

There was also a historical issue. Marriages, fosterages and hostages were political relationships too complex to be simplified to a single mechanic. In the way we had implemented it, the game left the impression that medieval kings could make the alliances they wanted, whenever they wanted. Which couldn’t be farther from reality.

The historical setting was more focused, but had its own share of problems. Since the game counted with only a handful of factions, it wasn’t as if there was a great variety of outcomes one could reach after the dice started to roll.

It didn’t take long for our players to find an “optimal solution” that made every match go down the exact same path.

… to complicate them once again

I can’t say I wasn’t expecting that outcome. As I said, the whole point of simplifying the rules was to help us see in which ways they needed to be fleshed out.

to see in which points they needed to be complexified.

And that’s exactly what we did.

My fist solution was to create different starting scenarios, corresponding to the balance of power at different points in the war. It wasn’t an easy task, for, as I’ve already mentioned, the weave of alliances was so complicated – and the historical sources so confused – that sometimes it’s impossible to know who was fighting whom.

Yet, after a great effort, I managed to settle on seven selected dates: 1277, 1278, 1281, 1284, 1315, 1317 and 1318.

Aside from being well-documented, these scenarios had the advantage of being very different from one another. In 1277 and 1278, for example, one of the O’Brien lineages starts the game in exile. In 1281, the kingdom of Thomond starts partitioned between them. In 1284, the English don’t play at the beginning of the match, reflecting a leave of absence taken by baron Thomas de Clare to take care of his lands in England. Their Irish allies would thus have to learn how to fend for themselves.

The second solution was to transform hostage taking into its own mechanic. This change was made while we were tweaking the victory conditions, making taking part in the war mandatory. This way, we managed to combine the two things in a manner that seemed satisfactory.

According to the new scheme, being allied to a faction meant that to ensure it wins the war is the ally’s victory condition.

Hostages, on the other hand, became “tokens” players give to others – and that can be “sacrificed” in case someone breaks a vow and causes their relatives to be executed. They are also automatically “returned” in case the player that holds them captive is eliminated in combat.

Hostages represent different things depending on who surrenders them and who accepts them. Between the O’Brien clans and the English player, they work as a mix between an alliance and a bond of vassalage. To surrender hostages to the English is a statement that an Irish king is willing to rule under their authority – in exchange for military support.

Between the O’Briens and the the lesser Gaelic kings, they represent an assurance that the player in question will not mobilize against they who receives the hostages. This represents a type of situation that is very frequently mentioned in the sources of the period. Forced to provide soldiers to a king they did not support, many Irish chiefs opted instead for not taking part in the war and surrendering members of their family as hostages instead. In this way, they weren’t forced to work for the enemy, but also avoided the worst consequences of challenging them (or so they hoped).

Result

Neither of these solutions is perfect. Although the different starting scenarios bring some much needed variety to the game, they do not represent how alliances were formed and dissolved. As I explained above, however, this is a limitation of the sources themselves, since we don’t have much information in this regard – and that which we have don’t fit in a game with such a limited scope as ours.

Our hostage mechanic, on the other hand, ignores the fact that kings of this period sometimes skirted around these treaties by surrendering unimportant relatives. Our hostages, on the contrary, are always crucial.

Be that as it may, I think we managed to find a nice balance between representing the complexity of the diplomacy at the time and fit it into a game simple enough to be fun. Any criticism this decision may come do provoke is feedback I’ll humbly accept.

As for the rest? If a least one player tells me that playing The Triumphs of Turlough made Irish politics seem less confusing to their eyes, I’ll take that as a win.

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“Os Triunfos de Tarlac” dev diary # 6: as facções jogáveis https://www.finisgeekis.com/2021/04/21/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-6-as-faccoes-jogaveis/ https://www.finisgeekis.com/2021/04/21/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-6-as-faccoes-jogaveis/#respond Wed, 21 Apr 2021 19:38:09 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22809 Poucas coisas afetam mais nossa experiência com um jogo histórico do que os uniformes que vestimos – metaforicamente –  quanto sentamos à mesa. Uma mesma jogatina pode ser uma experiência inspiradora ou horripilante dependendo da facção que controlarmos.

Um wargame jogado do ponto de vista do vencedor nos convida a repetir os passos de alguma operação icônica. O mesmo jogo visto pelos olhos do perdedor é um ato de rebeldia contra a inevitabilidade da história.

Um jogo de estratégia 4X pode ser uma fantasia de poder se controlarmos generais ou imperadores – ou uma história de terror se experimentada pelos conquistados.

Desde o princípio, portanto, sabíamos que o tom de Os Triunfos de Tarlac seria dado pelas facções que permitíssemos aos jogadores encarnar.

De todas as escolhas que teríamos que tomar, esta era uma das que menos dava margem para erros. Isto porque ela ditaria todas as decisões criativas a partir daí.

Mas, afinal, o que é uma “facção”?

A questão é mais complicada do que parece. Na vida real, raramente trombamos com “facções” bem-delineadas fora de um estádio de futebol ou de um bar no final de um campeonato. Por mais que façamos parte de grupos de interesse – o que nos confere, às vezes, desvantagens ou privilégios – a sociedade humana é bem diferente de uma colmeia em que todos pensam e agem da mesma forma.

Historiadores, acostumados a enxergar o passado através da lente de povos, nações e movimentos, às vezes esquecem que por trás desses grupos existem indivíduos com vontade própria. Este é um vício que jogos de estratégia amiúde perpetuam, dividindo o mundo em nacionalidades – “Os Ingleses”, “Os Mongóis” – ou países – “O Brasil”, “O Império Britânico” – como se fossem peças indivisíveis.

Por outro lado, não dá para negar que entidades coletivas às vezes apresentam comportamentos agregados.

Instituições, estados, partidos políticos, regimentos de um exército  – para citar apenas alguns exemplos – têm objetivos e condutas que falam mais alto que a soma das ações de seus membros. Não só isto, estes grupos possuem uma incrível capacidade de condicionar seus membros a agir da maneira que gostariam.

Como belamente descreveu o escritor Stephan Crane, em seu clássico A Glória de um Covarde,

“[O soldado] subitamente deixou de se preocupar consigo mesmo e esqueceu de encarar um destino ameaçador. Ele se tornou não um homem, mas um membro. Ele sentiu que alguma coisa de que ele era parte – um regimento, um exército, uma causa ou um país – estava em crise. Ele foi fundido a uma personalidade comum que fora dominada por um único desejo. Por alguns momentos ele não pôde fugir mais do que um dedo mindinho pode cometer uma revolução contra uma mão”.

Navegar esse dilema é uma coisa que todo desenvolvedor de jogos históricos precisa fazer.

Focar demais em grupos e instituições pode nos levar a apagar a agência de indivíduos – quando não a de grupos minoritários inteiros que não participavam diretamente do exercício do poder.

Focar demais em indivíduos, por outro lado, pode nos induzir a julgar a história por suas exceções, um eterno jogo de caprichos pessoais que não obedece a qualquer lógica.

Mas há uma terceira armadilha em desenvolver facções que só descobrimos quando resolvemos testar nosso próprio jogo.

O problema das facções em Os Triunfos de Tarlac

Antes de falar do impasse a que chegamos, é útil falar um um pouquinho do nosso cenário – e da hierarquia de poder que existia na época que retrata. O reino Thomond nos séculos XIII e XIV, afinal de contas, estava longe de ser um reino unificado.

No topo da pirâmide estavam os ingleses da família de Clare, a quem a Coroa da Inglaterra havia cedido a liberty[1] de Thomond.

Num segundo nível, estava o rei gaélico de Thomond, tradicionalmente pertencente à dinastia dos Uí Bhriain. Como expliquei no meu primeiro diário, na época em que se passa Os Triunfos de Tarlac, os Uí Bhriain estavam divididos entre dois clãs em guerra um com o outro: o Clã Tarlac e o Clã Brian Rua

Em terceiro lugar estava uma constelação de reis menores, a maioria deles vassalos do rei gaélico de Thomond.

Hierarquia das facções em “Os Triunfos de Tarlac”

Nossa ideia inicial era que cada uma dessas unidades políticas fosse controlada por um jogador diferente. Desta maneira, alguém controlaria os de Clare; duas pessoas controlariam os Clãs Tarlac e Brian Rua, respectivamente, e o restante dos jogadores se dividiria entre os reinos vassalos.

A vantagem dessa divisão é que ela era simples o suficiente para ser representada no jogo, mas ainda assim respeitava o princípio de que o poder político era fundamentalmente capilarizado.

É impossível conseguir tributo e soldados sem a cooperação de seus vassalos. Contudo, estes vassalos são controlados por outros jogadores, que podem decidir não obedecer – ou pior, fracassar  em fazê-lo. E é super difícil obter esta cooperação quando há oponentes no tabuleiro dando o seu melhor para que ela não aconteça.

O problema: não tinha graça nenhuma

Foi preciso quase um ano de testes até notarmos que havia algo de podre no reino de Thomond.

Depois de muito penar (sem sucesso) para tornar nosso jogo mais divertido, notamos que a qualidade da experiência dos jogadores variava brutalmente dependendo da facção que escolhiam.

Aqueles que jogavam com as facções no “topo” da pirâmide política –Clã Tarlac, Clã Brian Rua ou os ingleses – se divertiam de monte.

Aqueles que controlavam reis menores, por outro lado, experimentavam um tédio sem fim. Não eram raros casos em que jogos inteiros começavam e terminados sem que estes jogadores jogassem mais do que alguns minutos.

Como o destino dessas facções não tem influência direta sobre a duração dos turnos – uma rodada pode continuar indefinidamente desde que os dois clãs principais continuem no páreo —  também acontecia de jogadores serem eliminados logo de início e terem de esperar uma rodada inteira para voltarem a jogar.

Considerando que nossas rodadas às vezes se estendiam por mais de meia hora, é muito tempo para ficar sentado sem fazer nada.

O problema é que não havia muito o que fazer.  Como eu escrevi em um diário anterior, a rotina de um rei medieval podia ser terrivelmente repetitiva e entendiante. Jogos comerciais se esquivam desse problema dando a estas facções objetivos irrealistas ou poderes maiores do que eles gozavam na época. Porém, isto não era algo que podíamos fazer sem sacrificar nosso comprometimento com a precisão histórica.

Sem essas ferramentas para “apimentar” a jogo, tivemos de adotar uma solução mais simples: alterar nossa escala de abstração.

As três facções “divertidas” de se jogar – os clãs principais, os ingleses – continuariam como estavam.

Os reis menores, por outro lado, seriam agrupados em duas super-facções: os aliados do Clã Tarlac e os aliados do Clã Brian Rua.

Segundo esse novo sistema, os jogadores que não controlam as facções principais contam com muito mais responsabilidade. Se antes eles podiam passar partidas inteiras participando ativamente por poucos minutos, o novo arranjo dá a eles o poder de, literalmente, virar o jogo. Somados, a metade dos reinos menores de Thomond são mais fortes que seu suseranos, ou mesmo os ingleses.

Mais: é muito mais difícil para um jogador ser eliminado logo de cara, ainda que ele sofra uma sequência catastrófica de má sorte. Com oito reinos menores espalhados pelo tabuleiro, é quase sempre possível ter pelo menos uma base restante com que se mobilizar. E, caso não é tenha, é provável que o mapa já esteja tão dilapidado que o fim da rodada chegará logo de uma maneira ou de outra.

O esquema não é tão bom quanto nossa ideia anterior para representar a capilaridade do poder político. Embora os jogadores que controlem os clãs principais ainda precisem da cooperação de seus vassalos, é incomparavelmente mais fácil coordenar os movimentos com um jogador do que com um pequeno grupo.

Mas essa limitação não afeta tanto as coisas, já que as regras de mobilização militar, como mencionei em outro diário, são bastante restritivas – e vulneráveis à sabotagem de oponentes.

Gameplay emergente e mais

Curiosamente, esse novo arranjo também permite que os jogadores expandam seus domínios de uma maneira que as regras originais não contemplavam.

Como explicarei em um próximo diário, dedicado às regras de diplomacia, nem todas as facções começam alinhadas com Clã Tarlac e Clã Brian Rua no início do jogo. Certos reinos começam oficialmente neutros, e devem ser convocados pelos pretendentes em guerra antes de tomar parte no conflito.

Em termos práticos, cada facção neutra convocada dessa forma passa a ser controlada pelo jogador responsável pelos reinos menores, efetivamente aumentando seu poder – e, indiretamente, o poder do clã principal a que está aliado.

Isso é interessante de uma perspectiva lúdica, pois permite que o jogo apresente alguma dose de gameplay emergente – a capacidade das regras serem combinadas ou exploradas de tal maneira que produzam situações imprevisíveis.

Ao mesmo tempo, permitir que facções sejam “agrupadas” dá ao jogo uma maior flexibilidade para acomodar números diferentes de jogadores.

Com 5 jogadores (número que considero ideal), duas pessoas controlam cada uma um clã dos Uí Bhriain (Tarlac e Brian Rua), outros dois jogadores controlam seus aliados e um quinto participante controla os ingleses.

Grupos maiores, contudo, podem “quebrar” as facções de aliados em duas, permitindo que até sete pessoas integrem à mesa – embora, obviamente, corram o risco de protagonizar apenas metade da ação.

Da mesma forma, caso faltem pessoas à jogatina, os Clãs Tarlac  e Brian Rua podem ser agrupados com seus aliados em uma única super-facção, permitindo que o jogo seja jogado por grupos apenas três jogadores.

Alguma coisa obviamente se perde nessas montagens alternativas: ao controlar todos os aliados, vai-se pela janela a tensão de depender das ações de outros jogadores. Ao mesmo tempo, ela pode ser interessante para professores que desejem utilizar o Tarlac em sala de aula.

Levará algum tempo para sabermos se a idea funciona. Felizmente, nós não temos mais de fazer isto sozinho. Os Triunfos de Tarlac acabou de entrar em uma fase aberta de testes, o que significa que começaremos a receber feedback de outros historiadores e desenvolvedores de jogos.

Grandes mudanças vêm pela frente – e eu estarei aqui para escrever sobre todas elas!

[1] Liberty era um tipo de concessão de terra que isentava quem a recebia de prestar contas à Coroa. Os líderes destas terras tinham a liberdade para operar sua própria administração local, o que lhes dava grande independência.

Few things affect our experience with a historical game more than the uniforms we wear (metaphorically speaking) when we sit at the table. A single playthrough may turn out to be an empowering or bloodcurdling affair depending on which faction we control.

A wargame played from the point of view of the winner invites us to retrace the steps of an iconic operation. The same game seen through the eyes of the loser becomes an act of rebellion against historical inevitability.

A 4X strategy game can be a power fantasy if we take the role of generals or emperors – or a horror story if experienced by those who were conquered.

From the very beginning, therefore, we knew that the tone of The Triumphs of Turloughs would be set by the factions we’d let players embody.

From all the choices we had to make, this was one of those that allowed the least room for mistakes. This is because it would dictate all of our creative decisions from that point on.

But what is a ‘faction’, after all?

The question is more complicated than it seems. In real life, we rarely stumble upon clear-cut “factions” outside of a soccer stadium or a pub by the end of a sport championship. Even though each of us belongs to interest groups – something that, at times, grants us disadvantages or privileges – human society is very different from a hive in which everyone think and act in the same way.

Historians, used to seeing the past through the lens of peoples, nations and movements, sometimes forget that behind these groups are free-thinking individuals. This is a shortcoming that strategy games often replicate, dividing the world in nationalities – “The English”, “The Mongols” – or countries – “Brazil”, “The British Empire” – as if they were indivisible entities.

On the other hand, one cannot deny that collective bodies sometimes exhibit aggregate behavior.

Institutions, states, political parties, army regiments – to cite only a few examples – have goals and conducts that speak louder than the sum of the actions of their affiliates. Not only that, these groups also possess an incredible capacity to condition its members to act in the manner they want.

As writer Stephan Crane beautifully described in his war novel The Red Badge of Courage,

“He suddenly lost concern for himself, and forgot to look at a menacing fate. He became not a man but a member. He felt that something of which he was a part— a regiment, an army, a cause, or a country— was in a crisis. He was welded into a common personality which was dominated by a single desire. For some moments he could not flee no more than a little finger can commit a revolution from a hand.”

Navigating this dilemma is something every developer of historical games must learn how to do.

Focusing too much on groups and institutions may lead us to erase individual agency – when not that of entire minority groups that did not directly exercise power.

Focusing too much on individuals, on the other hand, may induce us to judge history by its exceptions, an eternal game of personal whims impervious to logic of any kind.

But there is a third trap in developing historical factions that we only stumbled upon when we decided to playtest our own game.

The problem of factions in The Triumphs of Turlough

Before talking about the impasse itself, it might be useful to run by some tidbits of our setting – and the power hierarchy of the period it portrays. The kingdom of Thomond in the 13th and 14tyh centuries, after all, was far from being an unified kingdom.

On the top of the pyramid were the English from the de Clare family, to whom the English Crown had granted the liberty of Thomond.

In the second level was the Irish king of Thomond, who traditionally belonged to the O’Brien dynasty. As I explained in the first diary, during the events of The Triumphs of Turlough the O’Briens were split between two feuding clans: Clann Turlough (also known as Clann Taidhg) and Clann Brian Roe.

In third place were a constellation of petty kings, most of them vassals of the Irish king of Thomond.

Hierarchy of factions in “The Triumphs of Turlough”

Our initial idea was that each of these political unities should be controlled by a different player. In this way, someone would control the de Clares; two persons would control Clann Turlough and Clann Brian Roe, respectively, and the rest of the players would pick the vassal petty kingdoms.

The advantage of this division is that it was simple enough to be represented in the game, but still observed the principle that political power was fundamentally capillarized.

It is impossible to obtain tributes and soldiers without the cooperation of one’s vassals. However, these vassals are controlled by other players, who may opt not to comply with one’s orders – or worse, fail to do so. And it is very difficult to  enforce this cooperation when there are opponents around the board giving their best to prevent it from happening.

The problem: this was no fun at all

It took almost a year of testing for us to notice that there was something rotten in the kingdom of Thomond.

After struggling for a long time (and without results) to make our game more fun, we noted that the quality of our players’ experiences differed significantly depending on which faction they chose.

Those who played with the factions at the “top” of the political pyramid – Clann Turlough, Clann Brian Roe, the de Clares – were having the time of their lives.

Those who controlled petty kings, on the other hand, were bored out of their minds. It wasn’t uncommon for entire matches to start and end without giving these players the opportunity to play for more than a few minutes.

Since the fate of these factions didn’t directly impact the duration of the turns – a round could continue indefinitely as long as the two main clans were still up and running – sometimes players were eliminated early on and had to wait an entire round to pass to get back in the game.

Given that our rounds sometimes lasted over half an hour, it was too long a break to put our players through.

The problem is there wasn’t much we could do. As I wrote in a previous diary, the routine of a medieval king could be terribly repetitive and boring. Commercial games get around this problem by giving these factions unrealistic objectives or levels of power far greater than they enjoyed in the period. However, this wasn’t something we could do without relinquishing our commitment to historical accuracy.

Without these subterfuges to “spice” things up, we had to adopt a simpler solution: changing our scale of abstraction.

The three “fun” factions – the main clans, the English – would remain as they were.

The lesser kings, on the other hand, would be grouped into two super-factions: the allies of Clann Turlough and the allies of Clann Brian Roe.

According to this new system, the players that did not control the main factions now would have much more on their plates. If they could spend entire matches actively participating for just a few minutes, now they had the power to, quite literally, turn the game upside down. Together, even half of the petty kingdoms of Thomond were stronger than their lieges, or even the English.

In addition, it is far more difficult for a player to be eliminated from the get go, even if they suffer a catastrophic string of bad luck. With eight petty kingdoms scattered around the board, it is almost always possible to have at least one remaining base from which to mobilize. And, in case there isn’t one, it is likely the map is already so dilapidated that the end of the round is imminent one way or the other.

This scheme is not as good as our previous idea to represent the capillarity of political power. While the controllers of the main clans still need the cooperation from their vassals, it is incomparably easier to coordinate your movements with a single player than a small coalition.

But this limitation should not (we hope) affect things too much, since the military mobilization rules, as I mentioned in a previous diary – are quite restrictive – and vulnerable to sabotage by opponents.

Emergent gameplay and more

Interestingly, this new scheme also allows players to expand their territories in a way the original rules didn’t contemplate.

As I will explain in a future, diplomacy-themed diary, not all factions start aligned with Clann Turlough or Clann Brian Roe at the beginning of the game. Certain kingdoms start from a position of neutrality and must be summoned by the belligerent claimants before they can take part in the conflict.

In practical terms, each neutral faction summoned in this fashion becomes a playable faction under the control of whoever controls the lesser kingdoms and gets to it first, effectively increasing their holdings – and, indirectly, the power of the main clan to which they are allied.

This is interesting from a ludic perspective, as it gives the game some measure of emergent gameplay – the capacity to combine or explore rules in such ways that arrive at unpredictable outcomes.

At the same time, allowing factions to be merged provides the game more flexibility to accommodate different numbers of players.

With 5 players (a number I consider ideal), two persons control one of the O’Brien clans (Turlough and Brian Roe) each, two other players control their allies, and a fifth controls the English.

Smaller groups, however, can “break up” the allies’ factions in two, allowing up to seven people to join the match – although they obviously risk seeing only half the action.

In the same way, if there are not enough people to play, clans Turlough and Brian Roe can be grouped with their respective allies in a single super-faction, making it possible for as little as three players to play the game.

Something will obviously be lacking in these alternative setups. By controlling all of one’s allies as well as one’s faction, the whole stress of depending on the actions of others goes out of the window. At the same time, this could be interesting to teachers who wish to use Turlough in the classroom. It’s sometimes easier to break up a class in groups of three, and a limited number of players will also make play sessions shorter.

It will take some time for us to determine if the idea works. Fortunately, we don’t have to do that by ourselves anymore. The Triumphs of Turlough has just entered an open testing phase, which means we’ll start receiving feedback from a number of selected historians and game enthusiasts.

Great changes lie ahead – and I’ll be here to write about all of them!

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“The Life and Suffering of Sir Brante”: A História não é um simples dominó https://www.finisgeekis.com/2021/03/24/the-life-and-suffering-of-sir-brante-a-historia-nao-e-um-simples-domino/ https://www.finisgeekis.com/2021/03/24/the-life-and-suffering-of-sir-brante-a-historia-nao-e-um-simples-domino/#respond Wed, 24 Mar 2021 20:53:44 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22722 Muito tempo atrás, quando videogames ainda eram novidade, estudiosos da mídia se perguntavam qual era a melhor “caixinha”, no mundo da arte, em que deveriam ser colocados.

Alguns defendiam que eles eram apenas outro tipo de jogo, igual ao xadrez ou mesmo ao futebol.

Outros argumentavam que eram uma forma de contar histórias, comparável ao cinema, a literatura e ao teatro.

Não demorou para que ambos percebessem que estavam errados. Videogames eram uma mistura das duas coisas – e mais tantas outras que não haviam antecipado. Tentar separá-las ia justamente contra aquilo que os tornava uma arte tão fascinante.

Mas ambos também estavam certos – em relação a outra coisa. A despeito de seus códigos e interfaces gráficas, games não são uma mídia completamente “nova”. Eles remontam a tradições – de narrativas, de divertimentos, de maneiras de entender o mundo – que acompanham a humanidade desde os seus primórdios.

De vez em quando surge um jogo para nos provar que isso sempre será verdade, não importa quão sofisticados fiquem nossos computadores e consoles.

The Life and Suffering of Sir Brante, RPG baseado em texto desenvolvido pelo estúdio Sever, é um desses games.

Roleplay em tempos de revolta

Que Sir Brante não é um RPG como os outros fica claro já em sua primeira tela. Enquanto que muitos títulos do gênero se contentam em ser um pastiche de J.R.R. Tolkien, dando ao seu universo um tom vagamente europeu e medieval, Sir Brante mira uma época mais recente. Seu estilo artístico parece se inspirar em xilogravuras e águas-fortes dos séculos XVI e XVII.

A referência tem um porquê que se torna evidente quando jogamos o game. Sua história nos leva auma monarquia fictícia conhecida como o Abençoado Império Arkniano. Mais precisamente, como o subtítulo revela, na época em que esse império encontra seu fim.

No que consiste essa derrocada é um mistério que Sir Brante guarda para o final. O jogo é um RPG baseado em texto no estilo de Fallen London, que acompanha retrospectivamente a vida de um homem que virou seu mundo de ponta cabeça.

Seu enredo é organizado em cinco capítulos, correspondentes às fases da vida de seu protagonista. Desde o primeiro, – “Infância” – observamos as tensões que mais tarde se tornarão críticas.

O Abençoado Império, aprendemos, é um mundo cruel cuja sociedade é dividida em três estados: os nobres (que mandam), os plebeus (que sofrem) e o clero (que justificam a desigualdade perante à lei como parte de um plano divino).

As coisas começam a mudar quando a própria Igreja  começa a questionar sua doutrina. Da opressão aos camponeses nasce um movimento dissidente – a Nova Fé – que prega o livre acesso às escrituras e defende o dever de cada um buscar sua própria salvação.

Se você entende de história – ou é fã de Europa Universalis –  já deve ter entendido do que Sir Brante realmente se trata. Seus “padres dissidentes” são uma referência óbvia a Martinho Lutero e os primeiros protestantes. O próprio “Abençoado Império Arkniano” nada mais é que o Sacro Império Romano-Germânico, antigo estado na Europa Central onde Lutero nasceu. E cuja resistência em aceitar sua “nova fé” mergulhou a Europa em uma das piores guerras de sua história.

“O Enforcamento” por Jacques Callot (1633)

As Guerras de Religião

Dissidentes enforcados em “Sir Brante”

Como escrevi em outro artigo tempos atrás, RPGs são um gênero complicado. Vivem nos prometendo “liberdade de escolha”, mas esquecem de nos dizer que as “escolhas” em questão quase sempre estão “sobre trilhos”.

Na maioria das vezes, elas consistem apenas em escolher entre duas ou três alternativas opostas. Geralmente bem identificadas, para que saibamos exatamente o que estamos escolhendo.

Sir Brante joga essa convenção pela janela. Nada mais justo para um game inspirado nas Guerras Europeias de Religião,  uma série de conflitos super-complexos que não podem ser resumidos a paragons e renegades.

O jogo contém um número surpreendente de caminhos, mesmo para um RPG sem uma interface gráfica propriamente dita.

Como em visual novels, há uma série de “rotas” principais, correspondentes aos três estados que regem o Império Arkniano. Dependendo das escolhas que tomar em seus anos de formação, Brante pode se tornar um nobre, um padre ou continuar um plebeu.

Dentro de cada caminho, porém, é possível se posicionar a favor ou contra o status quo. E no seio de cada uma dessas lutas, é possível optar pela via reformisma ou pela violência desenfreada.

Obviamente, nada é tão simples quanto parece. Isto porque o cabo de guerra entre situação e revolução é representado como métricas distintas, cada qual com seus valores máximos e mínimos.

Se qualquer um desses termômetros políticos chegar no extremo, em qualquer uma das direções, o resultado invariavelmente será um banho de sangue – seja no sentido da anarquia, seja de uma reação brutal contra os oprimidos.

Há aqui uma lição importante sobre a natureza do populismo. Lute pelos seus direitos e você pode mudar o mundo para o melhor. Porém, se sua luta violar essa frágil malha de civilidade que chamamos de Estado de Direito, é muito provável que sua cabeça termine ao lado das dos tiranos que almejava depor.

De um ponto de vista de game design, o que impressiona nesses desenlaces é como a equipe do estúdio Sever conseguiu escrever uma história coesa sem que saibamos, até o último momento, que rumo nossa jornada tomará.

Isso jamais seria possível sem o imensa sensibilidade de seu roteiro e o carinho com que trata suas personagens.

Casos de família

“Esteja pronto a aceitar que Sir Brante não conseguirá vencer cada desafio em seu caminho” o jogo nos avisa ao começarmos a campanha, “Cada vitória será uma luta – um caminho calcado por derrotas amargas e fracassos torturantes.”

“O que será de Sir Brante, seus entes amados, e seu mundo?”

Essas palavras salientam bem a natureza do jogo da Sever: essa não é uma história sobre ideias, e sim sobre pessoas.

Boa parte da trajetória de nosso protagonista é passada ao lado de sua família, ao longo de três décadas de crises, tragédias e alegrias compartilhadas.

Brante é filho de Robert, membro da baixa nobreza, e Lydia, camponesa que trouxe à casa sua filha Glória, fruto de um estupro por um nobre abusador. Eles também vivem com Stephan, filho de Robert com sua primeira esposa, uma nobre “da espada” – i.e. que pertence ao alto escalão do Império e tem o direito de passar seu título aos filhos. Por conta disso, ele goza dos privilégios da aristocracia, enquanto seus irmãos, apesar de morarem na mesma casa, são seus inferiores.

Robert é um reformista de coração, mas nunca teve coragem de peitar seu próprio pai, alpinista social disposto a sacrificar tudo para não ser confundido com um plebeu  – em uma cena, ele literalmente tenta colocar fogo na própria casa com a família dentro.

Stephan constantemente humilha seus irmãos plebeus, em especial Glória, que considera a culpada por todos os problemas da família. Cada esporro, porém, torna a irmã mais hostil – e desdenhosa dos esforços de Stephan para erguer a reputação dos Brante.

Lydia, a mãe, faz o possível para manter a família unida, muito embora ela seja a que mais sofra nas mãos de Stephan e do sogro. Paradoxalmente, ela é também uma religiosa devota que acredita que sua opressão é obra de Deus e não deve ser resolvida.

Não é preciso dizer que seja qual for a revolta que Sir Brante vier a armar, ela não descerá bem com sua família.

Esses conflitos trazem à mente We. The Revolution, outro jogo que usou a família do protagonista para dar um rosto humano a um período conturbado da história. No caso, a Revolução Francesa.

Porém, se naquele jogo a ruína da família era uma tragédia anunciada – um lembrete de que revoluções invariavelmente decapitam até mesmo aqueles que manejam a guilhotina – em Sir Brante temos a opção de evitar o pior.

Nenhuma dos caminhos para isso é fácil. O que só torna nossa derrota mais amarga quando nossos esforços para salvar a família fracassarem. Ou quando descobrimos, tarde demais, o preço terrível que teremos de pagar por eles.

O dilema não acaba na família. Virtualmente todas as pessoas com que Brante se relaciona em sua vida pessoal desempenharão um papel na arquitetura de sua revolta. Para ajudá-lo – ou, às vezes, opondo-se a ele até as últimas consequências.

Nesse sentido, Sir Brante é praticamente um anti-Dragon Age II. Se o muito criticado game da Bioware nos obrigava a assistir uma revolução que acontecia à nossa revelia, no jogo da Sever todo o combustível da revolta já está presente desde a nossa infância, esperando apenas nosso movimento estabanado para espalhá-lo e incendiá-lo.

Cada uma de nossas ações – mesmo as mais inconsequentes – terão um papel a desempenhar na Hora H.

“Como uma pessoa normal se torna uma figura história?” escreveu Fyodor Slusarchuk, autor do cenário de Sir Brante, no artbook oficial. “Que caminho alguém percorre para ganhar o poder de remodelar o muito inteiro ao seu redor? Estas são as questões que quisemos fazer ao público”.

De que essas perguntas foram feitas, não há dúvidas.

Mas será que são as perguntas certas?

O dilema das decisões importantes

 

O problema de se acreditar que “cada decisão importa” é que, no mundo real, isso não podia ser mais longe da verdade. Boa parte das coisas que fazemos, dizemos e sofremos não significa coisa alguma.

Mesmo as pessoas que de fato mudaram o mundo não passaram toda sua vida planejando seu grande ato. Não são raros aqueles que se imortalizaram por um único ato de heroísmo. Às vezes, fruto da mera sorte; outras, contrário a tudo o que haviam feito antes.

“Deus escreve certo por linhas tortas” e “há males que vêm para o bem” não seriam ditados populares se não tivessem um fundo de verdade.

Isso não vale apenas para as pessoas, mas também para a própria história. Não é porque nosso presente veio na sequência de épocas passadas que todos os problemas que enfrentamos hoje são resultados de um dominó iniciado quando o primeiro humano descobriu o fogo.

Foto: os responsáveis pela lentidão no combate à Covid-19 em 2020

Admitir o contrário implica em aceitar a conclusão simplista  – e terrivelmente conservadora – de que somos escravos de nosso passado. E que, por consequência, ninguém é responsável de verdade pelas próprias ações.

Se todos os problemas do Brasil vêm da época colonial – como dizem ingenuamente certos professores de história, desesperados para que seu trabalho seja levado a sério – não há por que nos responsabilizarmos pelos erros e desastres do presente.

Se a crise ambiental que enfrentamos é resultado direto da Revolução Industrial, não adianta mexermos um dedo para salvar o planeta. Trezentos anos de desenvolvimento não-sustentável nos trouxeram até aqui. Não será a retórica de uma Greta Thunberg que nos desviará desse caminho.

Se o futuro de uma pessoa é determinado já na sua infância, é inútil investir em educação, assistência ou formação profissional. Afinal, uma vez miserável, sempre miserável.

Se nossa sociedade é desigual e injusta, é porque “tem de ser”. Milênios de civilização nos trouxeram até esse ponto. O que seria um punho erguido perto de toda essa ação humana acumulada?

Tudo o que nos resta a fazer é baixar nossa cabeça e aceitar calados nosso estado como os plebeus do Império Arkniano.

Mas há outra forma de ler Sir Brante que vira de ponta-cabeça essa interpretação. E sua chave está na própria interface do jogo.

Sir Brante é um livro. Mais precisamente, um livro de memórias escrito pelo próprio Brante, na tentativa de entender sua própria vida.

O game deixa isso claro desde o primeiro momento, obrigando-nos a responder “quem determina o destino de um homem?” Pergunta esta que ele repete em diversos da história, como se nos desafiasse a mudar de opinião.

Essa “história dentro da história” esconde uma lição ainda mais importante do que as mensagens que o jogo traz sobre política, história ou relações humanas. Nossa passagem por esse mundo – e a de todas as pessoas  – não é apenas uma lista de lavanderia de coisas que aconteceram. É, também, uma narrativa.

Uma tentativa de agrupar nossas alegrias e sofrimentos, conquistas e derrotas, de uma maneira que faça sentido: que nos convença de que não vivemos à toa, de que seremos lembrados, perdoados, vingados; de que mundo que deixamos não é o mesmo de quando nascemos – para o bem ou para o mal.

A história não é um dominó inevitável que une o Homo erectus às eleições de 2018. Somos nós que escolhemos encará-la dessa forma, seja porque isso permite prever minimamente o futuro (ainda que com uma grande margem de erro), seja apenas porque tememos um Deus que joga dados.

É essa decisão que Sir Brante nos convida a tomar. Certas eventos com que nos deparamos ao longo do jogo nos dá a entender que estamos no controle. Outros tantos acontecem à nossa revelia. Há sinais de que a divisão da sociedade em três estados é mesmo parte de um plano divino. Outras pistas sugerem que não existem deuses – e que a própria realidade não passa de um sonho.

Certas pistas são melhores que outras. Mas decidir quais segui-las, e qual história com elas escrever, depende apenas de nós.

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De onde vem o fascínio dos animes com a Irlanda? https://www.finisgeekis.com/2021/03/17/de-onde-vem-o-fascinio-dos-animes-com-a-irlanda/ https://www.finisgeekis.com/2021/03/17/de-onde-vem-o-fascinio-dos-animes-com-a-irlanda/#comments Wed, 17 Mar 2021 19:21:27 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22707 Em 2018, o site francês Manga-News perguntou a Nagabe qual era a história por trás do subtítulo de seu maior sucesso, A Menina do Outro Lado: Siúl a Run.

Senti que o entrevistador tinha lido minha mente. Eu sabia que Siúl a Rún ( “Ande, meu amor”), é uma música tradicional irlandesa. Mesmo após ler oito volumes de seu mangá, porém, não havia conseguido captar a conexão.

Será que a canção apareceria futuramente em algum momento de clímax? Será que o universo da história fictício seria cindido por uma guerra, como aquela a que seus versos se referem?

A resposta de Nagabe foi tão gélida quanto um banho de mar na Irlanda durante uma tarde de chuva:

“Eu não conhecia nada dessa música […]. Foi meu responsável editorial que, um dia, me trouxe um CD me dizendo “Escute bem essa canção, eu acho que a atmosfera corresponde ao seu mangá. Eu a escutei e achei que ela tinha uma linha melódica triste, mas ao mesmo tempo colorida de esperança, que ia perfeitamente com a atmosfera que eu gostaria de criar em “A Menina do Outro Lado”.

Verdade seja dita, saber que Nagabe escolheu seu título apenas porque soava bem não me impressona tanto assim. Rola na internet o rumor – talvez apócrifo- de que Hideaki Anno teria escolhido o  nome “Evangelion” porque a palavra soava difícil. Miyazaki confessou que puxou sua Nausicaa de um dicionário de mitologia (embora, anos depois, tenha lido de fato a Odisseia).

Não há nada errado em se inspirar em uma música por conta da vibe. Ainda mais em uma canção que tem alguma penetração no Japão, tendo já sido gravada por intérpretes locais.

Álbum da cantora KOKIA, com faixas em irlandês, inclusive “Siúl a Rún”.

O que me chamou a atenção é que esse está longe de ser um incidente isolado. Para cada Fate/ ou Durarara! que aborda diretamente a cultura ou mitologia irlandesa, há um punhado de animes e mangá que parece se referir à Ilha Esmeralda sem uma razão muito específica.

Há um motivo para ‘Legend of Galactic Heroes’ possuir uma nave chamada Mannanan Mac Lir? Ou ‘Last Exile’ retratar uma nau batizada de ‘Claoímh Solais?

O que há na cultura irlandesa que atrai de tal forma os animes?

Para responder a essa pergunta, é preciso voltar no tempo.

Do Japão à Irlanda…

Seja qual for esse feitiço que une as duas culturas, els não é novo. Já no final do século XIX, um escritor criado em Dublin largou tudo o que tinha para construir uma vida em terras nipônicas.

Seu nome era Patrick Lafcadio Hearn, e ele se tornou o primeiro ocidental a fazer fama escrevendo sobre o folclore e as tradições japonesas. Sua obra mais conhecida, Kwaidan, é um compêndio de histórias de youkai, criaturas fantásticas – e muitas vezes assustadoras – da mitologia nipônica.

Primeira edição de “Kwaidan”, obra mais conhecida de Hearn

Hearn escrevia sobre temas japoneses, mas seu interesse em fantasmas e assobrações carregavam um toque da Dublin em que viveu. O escritor viveu nos anos da Renascença Literária Irlandesa, um importante movimento que repaginou as lendas e mitos gaélicos às sensibilidades do final do século XIX.

Em uma carta ao poeta e dramaturgo W.B. Yeats, um dos maiores expoentes do movimento, ele confessou ter sido influenciado por contos de fada narrados por sua babá irlandesa.

Lafcadio Hearn (também conhecido como Koizumi Yakumo) e sua esposa, Koizumi Setsuko

Hearn teve alguma influência na cena cultura japonesa. Um de seus maiores fãs foi Okuma Shigenobu, fundador da Universidade de Waseda, que o convidou para lecionar lá.

Seu verdadeiro impacto, porém, aconteceu no próprio Ocidente. Hearn estava na posição privilegiada de ser um dos poucos ocidentais escrevendo em inglês sobre um Japão, em uma época em que o interesse pelo país estava nas alturas.

Em grande parte, isso se deveu à Exposição Universal de 1900, de que o país participou com seu próprio pavilhão. Todos os países da Europa queriam saber mais sobre essa nação misteriosa e sua cultura diferente.

Pavilhão japonês na Exposição Universal de 1900, em Paris

A Irlanda, em particular, levou o fascínio a outro patamar. Yeats, conhecido de Hearn, ficou de tal forma fascinado com o teatro noh que decidiu escrever sua própria peça em estilo japonês, At the Hawk’s Well.

A obra passou no crivo dos próprios japoneses, que a adaptaram a sua língua duas vezes, em 1949 e 1967. Hoje, ela faz parte do repertório tradicional do teatro noh.

Montagem da peça Takahime, “At the Hawk’s Well”, co-organizada pelo ator noh Gensho Umekawa e o grupo musical irlandês Anúna.

e da Irlanda ao Japão

Mas será mesmo que é daí que vem a fascinação com a Irlanda no dias de hoje?

Sim, Hearn não passou batido aos holofotes da cultura pop. Um de seus contos foi adaptado às telas nos anos 1980. O mangaká Eiji Ohtsuka transformou sua vida em uma série chamada Yakumo Hyakkai (em referência a Yakumo Koizumi, o nome que adotou ao se naturalizar japonês). Touhou Project batizou duas de suas personagens em sua homenagem.

Capa do manga Yakumo Hyakkai

Mas esses exemplos são gotas d’água no oceano de Cúchullains, Diarmuid Ua Duibhnes e Cliffs of Mohers na cultura pop. E nada disso parece ter muito a ver com Hearn.

O escritor foi uma sensação no Japão de sua época. Porém, como lembra Rie Kido Askew, seu apelo sempre foi mais “cult” que mainstream. Por escrever em inglês, suas obras ficavam restritas aos japoneses que dominavam a língua estrangeira.

Ademais, o “fator novidade” que o tornou tão popular no ocidente não existia no circuitos nacionais. Afinal de contas, não havia falta de escritores japoneses escrevendo – em japonês – sobre sua própria cultura.

Se não fosse bastante, Hearn pode ter sido influenciado por histórias de fadas e deuses irlandeses, mas ele pouco fez para tornar esses mitos mais conhecidos no país em que escolheu morar.

De fato, por mais que olhamos as referências à Irlanda nos animes, mais parece que elas estão lá justamente por serem obscuras.

Segundo Rika Muranaka, compositora de Metal Gear Solid, a faixa The Best is Yet to Come foi cantada em irlandês porque Hideo Kojima disse que “não queria ouvir letra em inglês”, nem em nenhuma outra língua que ele reconhecesse.

Yoko Taro, criador da série Nier, deu instruções parecidas aos compositores Keichi Okabe e Emi Evans. “[T]er letras que você reconhece e entende pode distrai-lo do gameplay”, ele justifica. O resultado foram músicas cantadas em línguas inventadas – uma delas baseadas no gaélico escocês.

Em outras palavras, a língua irlandesa é conveniente porque não significa nada. Ou melhor, ela passa uma vibe genérica de “exotismo” capaz de intrigar até mesmo os japoneses mais viajados.

Ironicamente, é exatamente como muitas produções ocidentais lidam com a cultura japonesa de uma maneira cotidiana. Se obras do nosso hemisfério usam samurais, geishas e flores de cerejeira para carimbar uma personagem como “estrangeira”, animes e games nipônicos fazem o mesmo com os Túatha Dé Dánnan e viaturas da Garda Siochána.

Fractale

Mas isso também não explica tudo. Por que a Irlanda e não qualquer outro lugar da Europa – ou do Ocidente como um todo?

Talvez, porque Japão e Irlanda tenham mais em comum do que salta aos olhos à primeira vista. E não falo apenas de serem cercados pelo mar.

Soft power

A Irlanda é um país minúsculo nos confins da Europa – até recentemente, paupérrimo para os padrões do mundo desenvolvido. Porém, ela tem uma vantagem gigantesca sobre qualquer um de seus vizinhos: há irlandeses por toda parte.

O censo dos Estados Unidos estima que quase um em cada dez americanos tenham ascendência irlandesa, incluindo presidentes como John Kennedy, Barack Obama e Joe Biden. O primeiro ministro da Austrália declarou hoje que um terço do país têm raízes irlandesas. Isto sem contar imigrantes em países como Canadá, Chile, África do Sul e muitos outros.

Essa comunidade age como um “megafone” global para a cultura, língua e folclore do país. Além disso, gera um imenso mercado consumidor para as obras vindas da ilha, sejam os livros da Sally Rooney ou filmes do Cartoon Saloon.

E não falo apenas de gente com ascendência irlandesa, mas pessoas sem nenhum vínculo com a ilha que decidem provar uma Guiness ou arriscar uma cúpla focal depois de participarem de uma festa de São Patrício.

Tal como, aqui no Brasil, muita gente se apaixona pelo Japão porque cresceu frequentando a feirinha da Liberdade ou visitando o Kinkaku-Ji do Brasil.

Ambos os países têm de sobra o que cientistas políticos chamam de soft power: a capacidade de projetar sua influência não disparando balas, mas espalhando cultura. No caso da Irlanda, esse é um poder que chegou até à realeza japonesa.

Segundo o jornal Irish Times, a ex-imperatriz Michiko fala um pouco de irlandês, toca harpa e era amiga do poeta Séamus Heaney. Uma de suas filhas, a princesa Mako, fez parte de seus estudos no University College Dublin.

Se nada mais, as aristocratas estão afinadas com o interesse de seus súditos. Organizado pela primeira vez em 1992, a Festa de São Patrício já é um evento nacional no Japão. Em 2019, nada menos que 15 cidades organizavam paradas – em Tóquio, 130 mil pessoas tomaram as ruas.

Parada do dia de São Patrício em Tóquio, 2015. Foto de Yoshiaki Miura

Será que isso é o bastante para que a TG4, emissora irlandesa em língua gaélica, adicione animes a sua programação?

Provavelmente não. Mas eu continuarei na torcida. De preferência, acompanhado de um pint de Guinness.

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“Os Triunfos de Tarlac” dev diary #5: o combate – regras avançadas https://www.finisgeekis.com/2021/03/10/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-5-o-combate-regras-avancadas/ https://www.finisgeekis.com/2021/03/10/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-5-o-combate-regras-avancadas/#respond Wed, 10 Mar 2021 18:58:54 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22693

No último diário, eu falei sobre os princípios gerais do combate. Nesse texto, entrarei em maior detalhe em algumas de suas regras específicas: os efeitos de terreno, mobilização e situações especiais de combate.

Os efeitos de terreno

Como eu expliquei no último diário, o combate em Os Triunfos de Tarlac é definido por rolagens de dado. Cada jogador em batalha rola uma quantidade de dados correspondente ao número de fichas de batalhão do combatente com menos batalhões. Cada rolagem perdida custa ao jogador uma ficha, progressivamente diminuindo seu exército.

Tamanho e sorte, obviamente, eram apenas dois ingredientes do caos que era a guerra medieval. Tão ou mais importante era onde o combate acontecia.

Em Os Triunfos de Tarlac, rolagens são modificadas pelos tipos de terreno das casas em que a batalha acontece. Estes modificadores agem como penalidades que subtraem um ponto de cada dado rolado:

Tipo de terreno Atacante Defensor
Floresta – 1 para cada dado rolado
Pântano – 1 para cada dado rolado
Travessia de Rio – 1 para cada dado rolado
Crannóg – 1 para cada dado rolado
Castelo Não pode ser atacado

Alguns tipos de terreno afetam negativamente atacantes; outras, defensores, por razões que expliquei em detalhe no último diário.

Uma única casa pode ter mais de um tipo de terreno – ex. um local pode conter tanto uma travessia de rio quanto uma floresta. Neste caso, todas as penalidades aplicáveis são levadas em conta no resultado.

Castelos e cercos

Casas que contenham um castelo possuem uma penalidade singular: elas não podem ser ocupadas por peças inimigas, tampouco atacadas. O único jeito de anular este efeito é montando um cerco.

Em termos de jogo, isto consiste em terminar a rodada com pelo menos três exércitos de uma mesma coalizão em casas adjacentes ao castelo.

Isto é bastante difícil em termos de gameplay, pois exige que um jogador a) tenha três aliados no tabuleiro e b) neutralize a maioria dos inimigos antes de iniciar o cerco. Se houver exércitos inimigos demais em jogo, eles interceptarão as forças sitiantes, transformando a manobra em uma batalha normal. Se todos os inimigos forem derrotados antes do cerco, a fase de expedição termina antes que o cerco possa acontecer.

Ruínas do castelo de Quin, Co. Clare. A espessura das paredes dão uma boa ideia de quão difícil esses castelos eram de se tomar.

Castelos são poderosos, mas raros. Apenas os ingleses têm acesso a eles, e há apenas dois castelos no tabuleiro: Quin e Bunratty.

Assentamentos irlandeses não têm as mesmas proteções e podem ser atacados diretamente. A exceção são os crannógs.

Esse era o nome de ilhas lacustres artificiais (ou artificialmente reforçadas) onde reis irlandeses às vezes construíam fortalezas. O lago que as rodeava providenciava defesa contra atacantes, aplicando a mesma penalidade de uma travessia de rio.

Lago Inchiquin, localização de um crannóg na época de Os Triunfos de Tarlac.

De um ponto de vista tático, tanto as penalidades de terreno quanto esses regras especiais de assentamentos pareciam funcionar bem nas nossas jogatinas.

O problema era o que acontecia imediatamente depois.

Everybody, rush B

Um ou dois dias de testes depois, percebemos que todas as nossas campanhas terminavam com uma reconstituição da Batalha dos Cinco Exércitos.

Os jogadores que controlavam facções irlandesas, embora individualmente mais fracos que os ingleses e dispersos pelo mapa, tinham plena capacidade de segurar o inimigo até que seus aliados chegassem.

Como resultado, a invasão inglesa de Thomond de 1276 – que, historicamente, foi tão bem sucedida que mal encontrou resistência – se tornou um desafio impossível. Jogo após jogo, a facção inglesa nunca conseguia sequer tomar Clonroad, quanto mais manter o rei local sob seu controle.

Não havia dúvidas: apostar tudo em uma batalha campal era a estratégia ótima para vencer o jogo.

O problema é que isto não fazia sentido historicamente.

Por que os ingleses de Tarlac estavam apanhando tanto se os da vida real obtiveram tanto sucesso (pelo menos, em um primeiro momento)?

Olhando por outro lado, se decisões como as que estávamos tomando eram de fato viáveis, por que os irlandeses do século XIII perdiam tanto tempo com escaramuças e estratégias fabianas?

Para entender o que havia dado errado, precisei vestir meu uniforme de historiador, separar meu dicionário de irlandês e voltar para as fontes.

Eu repassei o material que havia levantado para minha tese e reli atentamente todas as descrições de fugas, manobras militares e marchas para lugares inóspitos.

O que eu descobri nessa segunda leitura, que havia ignorado da primeria vez, é que os comandantes irlandeses nãoc orriam de um lado para o outro para lutar, e sim para recrutar seus exércitos.

A maioria das campanhas eram ataques surpresa, de que os reis em questão só se davam conta quando descobriam de que seus aliados já haviam capitulado. Ou pior: quando enxergavam o exército inimigo montado cerco do lado de fora das muralhas.

Se eles dessem sorte e não fossem imediatamente rendidos, tudo o que lhes restava era correr o reino com sua guarda pessoal, torcendo para chegar em seus aliados e mobilizá-los antes que seus inimigos os alcançassem.

No fundo, o problema do meu sistema é que ele ignorava completamente a velocidade de comunicação. Como líderes de Crusader Kings, que podem mobilizar suas populações inteiras com um clique de seus mouses, eu assumia que reis medievais eram informados imediatamente do que acontecia e tinham um exército esperando sentado em seu pátio, aguardando apenas a ordem para começarem a marchar.

Image - 529299] | Monty Python | Know Your Meme

Condições de mobilização

Minha primeira mudança foi implementar condições específicas de mobilização. Em vez de fazer jogadores comprarem fichas de batalhão ao mesmo tempo, no início da fase de expedição, eles só poderiam fazê-lo se uma das condições abaixo fosse cumprida:

1) Se eles forem os primeiros a jogar no cenário

2) Se eles fossem atacados

3) Se uma outra facção mobilizada viajasse até sua capital e os mobilizasse.

4) Se notícias da guerra chegassem até ele.

Para facilitar a conta, eu decidi que a “velocidade” das notícias seria igual às dos exércitos: seis casas por turno – ou cerca de 25km-35km/dia, na escala do nosso mapa. Como isto correspondia à maior parte do tabuleiro na maioria das vezes, resolvi simplificar ainda mais e tomar “uma rodada” como o atraso médio das notícias.

Mas fazer esse sistema funcionar como jogo ainda apresentava um desafio, que nosso mapa deixa claro:

Clonroad, a capital gaélica de Thomond (em azul), fica figurativamente do lado de Bunratty, a capital inglesa. Isto significa que um jogador que controle a facção inglesa pode atacar seu ocupante no primeiro turno enquanto ainda estivesse desmobilizado, encerrando a guerra antes mesmo dela começar.

Obviamente, esse não era um problema do jogo mais do que um problema dos próprios O’Briens. Os ingleses não escolheram a localização de seu castelo à toa. Segurar a rédea do rei de Thomond era sua razão de existir.

Mas nem só de rapidez se constrói uma vitória. Ao contrário do que sugerem  games como Total War, exércitos não marchavam o tempo todo em formação, descansados e prontos para lutar. Eles andavam em colunas – às vezes, com quilômetros de comprimento – que precisavam ser reorganizadas antes do contato acontecer. Tempo suficiente para que um exército defensor montasse uma fuga se visse que a situação não lhe era favorável.

Sim, esse defensor ainda enfrentaria tropas de vanguarda, mas seriam uma fração do contingente total de seus oponentes. Para reis atacados em suas capitais, a chance de fugir era ainda maior, pois contavam com fortificações, obstáculos e defensores dispostos a ficarem para trás segurando o inimigo.

Rolagens de desengajamento

Resolvemos implementar essas ações com uma mecânica chamada desengajamento.

Sempre que um exército ataca outro – ou ataca a capital de um jogador desmobilizado – o defensor tem direito de tentar de desengajar. Para isto, ele e o jogador atacante realizam uma rolagem de combate normal, com todas as penalidades de terreno, mas rolando apenas um dado.

Este dado representa as tropas de vanguarda e retaguarda que trocam escaramuças enquanto as forças principais se mobilizam – para fugir ou para lutar.

Se o atacante vencer a rolagem, os exércitos continuam engajados – ou, no caso da capital de um jogador não-mobilizado, o defensor automaticamente é derrotado. Já se os dados favorecerem quem está defendendo, este jogador escapa do ataque e se ganha o direito de se mover uma casa para qualquer direção.

Ao contrário de rolagens de combate normais, rolagens de desengajamento não provocam baixas de nenhum dos participantes.

Resultado

Ao implementar essas mudanças no jogo, o gameplay mudou literalmente de uma partida para outra.

Jogadores que antes percorriam sempre as mesmas rotas se viram obrigado a explorar cantos distantes do mapa. Aqueles que controlavam facções distantes do centro do tabuleiro subitamente se tornaram importantes.

Antes, a distância era apenas um empecilho até chegarem na inevitável batalha coletiva envolvendo todos os jogadores. Agora, aliados posicionados nas fronteiras do reino funcionavam como portos-seguros para aliados combalidos.

Se há um porém que posso fazer é que as regras funcionaram até bem demais. A mecânica de desengajamento permitiu que mesmo exércitos combalidos prolongassem a fase de expedição por vários turnos, obrigando inimigos a persegui-los até os cantos mais inacessíveis do mapa.

Em nosso último teste, um de nossos membros resolveu perseguir essa estratégia ao extremo, insistindo em “lutar” com apenas uma ficha de exército depois de todos os seus aliados terem sido derrotados.

Infelizmente para os outros jogadores, ele teve uma incrível sorte no dado, o que fez com que prolongasse a fase de guerra por mais de vinte minutos.

Por um lado, isto é exatamente o que os comandantes irlandeses faziam nas guerras da época. Por outro, a experiência se mostrou enfadonha para todos os jogadores que já tinham se desmobilizado naquele turno – e que não tinham o que fazer senão esperar sua derrota inevitável.

Esse é um problema que ainda estamos tentando resolver – se não mudando as regras, ao mesmo criando recompensas “meta” para encorajar jogadores a agir diferente. Por exemplo, penalizando aqueles que prolongarem a guerra por mais de X turnos, ou tornar uma derrota em combate mais custosa que uma fuga ou rendição.

Para isso, contudo, serão precisos mais testes.

Conclusão: um jogo à serviço da pesquisa

Esse “bate-e-volta” para criar as regras avançadas de combate me deixou bastante feliz, pois me mostrou que nosso jogo está cumprindo a missão a que veio: me ajudar a refinar minha pesquisa de doutorado.

Graças aos problemas que meus jogadores encontraram no tabuleiro, fui forçado a repassar minhas evidências e encontrar um novo modelo de explicação para os acontecimentos que estou estudando.

É uma vitória tão grande que compensou todos os perrengues. Até mesmo passar horas a fio perseguindo meu colega que insistia em desengajar…

In the last dev diary, I talked about the general principles of combat. In this post, I will get into more details about some of its more specific rules: terrain effects, mobilization and special combat situations.

Terrain effects

As I explained in the last diary, combat in The Triumphs of Turlough is determined by dice rolls. Each player in a battle rolls a number of dice equal to the number of battalion tokens owned by the player with the fewer battalions. Each lost roll costs a token, gradually reducing a player’s army.

Obviously, strength and chance were but two ingredients of the chaos of medieval warfare. Just as – if not more – important was where combat took place.

In The Triumphs of Turlough, combat rolls are modified by the types of terrain of the hexes in which the battle occurs. These changes act like penalties that subtract a point from each rolled die:

Terrain type Attacker Defender
Wood – 1 for each die rolled
Bog – 1 for each die rolled
River crossing – 1 for each die rolled
Crannóg – 1 for each die rolled
Castle Cannot be attacked

Some terrain types negatively affect attackers; others defenders, for reasons I explained in detail in the last diary.

A single hex can have more than one terrain type – e.g. it can be both a river crossing and a wood. In this case, every applicable penalty is taken in account when calculating the results.

Castles and sieges

Hexes housing a castle have a unique penalty: they cannot be occupied by enemy pieces or attacked. The only way to nullify this effect is by besieging them.

In gameplay terms, this consists in ending the round with at least three armies belonging to the same coalition positioned in surrounding hexes.

This is quite difficult to accomplish, as it requires that a player a) have three allies in the game and b) neutralize most (but not all) enemies prior to beginning the siege. If there are too many enemies in the board, they will intercept the besieging forces, turning the siege into a regular battle. If all enemies are defeated, the campaign ends before the siege can happen.

Ruins of Quin Castle, Co. Clare. The thickness of the walls shows why these castles were so difficult to take.

Castles are powerful, but rare. Only the English have access to them, and there are just two of them in the map: Quin and Bunratty.

Irish settlements do not have the same defenses and can be directly attacked. The exception are the crannógs.

This was the name of artificial (or artificially reinforced) lacustrine islands in which Irish kings sometimes built strongholds. The lake around them provided shelter against assailants, applying the same penalty as a river crossing.

Lough Inchiquin, site of a crannóg in the time of The Triumphs of Turlough

From a tactical standpoint, both terrain penalties and the special rules for castles and crannógs seemed to work fine in our matches.

The problem was what happened soon afterward.

Everybody, rush B

One or two days of testing later, we found out that every single one of our campaigns ended with a re-enactment of the Battle of the Five Armies.

Players that controlled Irish factions, although individually weaker than the English and dispersed around the map, were fully capable of holding the enemy down until their allies arrived.

As a result, the 1276 English invasion of Thomond – which, historically, was so successful it barely faced resistance – became an unwinnable challenge. Match after match, the English faction never manage to take Clonroad, let alone control the regional king.

There was no question about it: betting everything in a pitched battle was the optimal strategy to win the game.

The problem is this made no sense, historically speaking.

Why were the English in Turlough taking so bad a beating if in real life they were so successful (at least at first)?

Or, to put things differently, if decisions like the ones we were making were indeed viable, why did the 13th century Irish waste so much time with skirmishes and Fabian strategies?

To understand what had gone wrong, I had to put my historian’s uniform on, open the dictionary of Irish language and look back at the sources.

I went over the material I had collected for my thesis and attentively reread every description of flights, military maneuvers and marches to isolated places.

What I found out in this second reading that I had missed the first time around is that Irish commanders didn’t run back and forth to fight, but to recruit.

Most campaigns were surprise attacks, which the kings in question only noticed when they received word that their allies had capitulated. Or even worse: when they spotted the enemy on the other side of their walls.

In the off-chance that they weren’t immediately forced to surrender, everything they could do was keep running around the kingdom with their personal guard, hoping to reach their allies and mobilize them before their enemies caught up with them.

In the end, the problem of my system is that it completely ignored the speed of communication. Like rulers in Crusader Kings, that could raise their whole kingdom’s levies with the click of a mouse, I assumed medieval kings were immediately informed of what happened and had an army just sitting on their porch, waiting to get in action.

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Conditions for mobilization

My first fix was to implement specific conditions for mobilization. Instead of making players buy battalion tokens at the same time, in the beginning of the expedition phase, they could only do so if one of the conditions below were met:

1) If they were the first to play in the scenario

2) If they were attacked

3) If another mobilized player travelled to their capital and mobilized them

4) If news from the war reached them.

To simplify things, I established that news “travelled” at the same speed of armies: six hexes per turn – or around 25km-35km/day according to our map. Since this corresponded to most of the board in the majority of situations, I decided to simplify it ever more and take a single round as the average speed of communications.

But making this system work as a game presented another challenge. One that our map made obvious:

Clonroad, the Irish capital of Thomond (in blue), was figuratively next to Bunratty, the English capital. This meant that a player that controlled the English faction would attack its occupant in the first turn while the Irish were still demobilized, ending the war before it had even started.

Naturally, this wasn’t a problem of our game more than a problem for the O’Brien themselves. The English didn’t choose to build a castle there on a whim. Holding the leash of the king of Thomond was its reason for being.

But swiftness alone was not all it took to secure a victory. Contrary to what the Total War and related games suggest, armies didn’t march all the time in formation, rested and ready to strike. They moved in columns – sometimes, kilometers long – that needed to be reorganized before contact occurred. Enough time for a defending army to stage a retreat if it saw that the situation wouldn’t turn out in their favor.

Yes, this defender would still face vanguard forces, but they’d be a fraction of the total contingent of their opponents. For kings attacked in their capitals, the chance of escaping was even higher, for they counted with fortifications, obstacles and defenders willing to stay behind and delay the enemy.

Disengagement rolls

We decide to implement these actions with a mechanic called disengagement.

Every time one army attacked another army – or the capital of a demobilized player – the defender has a chance of disengaging. To do so, both they and the attacking player take a normal combat roll, with all applying terrain penalties, but rolling a single die.

This die represents the vanguard and rear-guard troops that traded blows while the may forces mobilize – either to retreat or to fight.

If the attacker wins the roll, the armies remain engaged – or, in the case of an attacked settlement, the defender automatically surrenders. If the dice favour whoever is defending, on the other hand, that player escapes the attack and earns the right to move a single hex in any direction.

Players attacked in this fashion while still demobilized get the right to mobilize, but they do so with a single battalion token. This represents household troops that were always present at the leader’s side.

Unlike normal combat rolls, disengagement rolls do not inflict casualties on either party.

Result

After implementing these changes, the gameplay changed literally from one match to the next.

Players that always took the same routes were forced to explore the edges of the map. Those controlling factions situated far away from the center of the board suddenly became important.

Before, distance was merely a hindrance before the inevitable battle royale involving every player. Now, allies residing at the borders of the kingdoms acted as safe havens to their beaten friends.

If there is any fault I can find with the new rules is that they worked too well. The disengagement mechanic allowed even armies on their last legs to prolong the expedition phase for several turns, forcing enemies to pursue them until the very last hexes of the map.

In our latest test, one of our team members decided to follow this strategy to the extreme, insisting on “fighting” with a single battalion token after all of his allies had been defeated.

Unfortunately for the rest of the players, he was incredibly lucky at the dice, which extended the expedition phase for over 20 minutes.

On the one hand, this is exactly how Irish commanders acted during the wars of the period. On the other hand, the experience proved to be wearisome to players who had already demobilized in that round – and had nothing else to do but to wait out his inevitable defeat.

This is a problem we are still trying to solve – if not by tweaking the rules, at least creating “meta” rewards to encourage players to act differently. For example, by penalizing those who prolong the war beyond X turns, or by making a defeat in combat more onerous than a retreat or surrender.

This, however, will require further tests.

Conclusion: a game in service of research

This “back-and-forth” to create advanced combat rules made me really happy, for it showed me that our game is fulfilling the role it was created to do: helping me refine my PhD research.

Thanks to the problems my players faced in the game board, I was prompted to review my evidence and find a new explanatory model to the events I was studying.

This is big enough a win that it made up for every annoyance along the way. Even wasting turns on end chasing my colleague that insisted in disengaging…

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https://www.finisgeekis.com/2021/03/10/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-5-o-combate-regras-avancadas/feed/ 0 22693
“Os Triunfos de Tarlac” dev diary #4: o combate – regras gerais https://www.finisgeekis.com/2021/02/10/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-4-o-combate-regras-gerais/ https://www.finisgeekis.com/2021/02/10/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-4-o-combate-regras-gerais/#respond Wed, 10 Feb 2021 16:35:58 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22609

Dizia François Truffault que é impossível fazer um filme anti-guerra. Para o cineasta, o mero ato de retratar a guerra na telona já trivializa – quando não glorifica – o derramamento de sangue.

Coisa parecida pode ser dita sobre jogos. Por mais que tentemos apresentar conflitos humanos de uma maneira responsável, é inegável que a excitação de participar de batalhas é um dos principais motivos que nos leva a rolar dados e desafiar nossos amigos.

Em um jogo como Os Triunfos de Tarlac, que versa justamente sobre uma guerra, nós sabiamos que o combate era uma faceta que não poderíamos ignorar.

Felizmente, de todas as mecânicas que criamos até agora as de batalha foram as que mais rapidamente acertamos.

“Acertamos” na diversão, quer dizer. De um ponto de vista histórico, mesmo as mais cuidadosas e  complexas representações da guerra são bastante problemáticas. Entender como conflitos acontecem é uma das tarefas mais difíceis para qualquer historiador. Poucas coisas são mais caóticas ou aversas a explicações lógicas que milhares de homens nervosos tentando se matar.

Representação artística da Batalha de Towton, 1461

Em jogos, especificamente, esse desafio significa reduzir toda essa complexidade a uma fórmula matemática.

Quando dizemos que o dano de uma certa espada longa é igual a 1d8+3 com crítico 19-20/x2, estamos justamente nos expressando por meio de uma equação. Da mesma forma, ao dizer que uma certa arma de um CRPG tem 180 DPS, estamos, no fundo, fazendo uma divisão: dano de cada ataque / número de ataques por segundo = DPS.

O desafio, para nós, é encontrar uma fórmula que respeite as particularidades da guerra medieval em vez de lançar tudo à aleatoriedade RPGística.

O combate nas guerras de Thomond, 1276-1318

Escultura da cena da paixão no Convento de Ennis, Thomond. Os soldados foram retratados com equipamento típico do final da Idade Média. Foto por Luke McInerney.

Antes de falar das dificuldades que tivemos de enfrentar, é útil explicar primeiro como a guerra do período funcionava.

Como eu expliquei no primeiro artigo dessa série, os líderes da Irlanda nos séculos XIII e XIV pertenciam a duas culturas diferentes. Parte de seu território estava nas mãos de barões ingleses sujeitos à autoridade da Coroa da Inglaterra. Outra parte continuava sob o controle de reis nativos, que cujas linhagens se estendiam para muito antes da invasão inglesa.

No papel, ingleses tinham acesso a recursos que fariam qualquer irlandês tremer nas bases. Seus guerreiros de elite, os equi cooperti (lit. “cavalos cobertos”) não tinham par no campo de batalha. A Coroa inglesa tinha mais dinheiro que qualquer reino irlandês e dispunha de uma população adulta muito mais numerosa. Qualidade e quantidade estavam a seu favor.

Equi cooperti em combate. Estes guerreiros eram assim chamados por conta dos tabardos coloridos que suas montarias usavam. Imagem: British Library Royal 16 G VI f. 379v

Na prática, a situação era outra. Na Irlanda gaélica, a maioria das populações vivia dispersa, dificultando a conquista. Não havia uma única cidade ou centro populacional que podia ser tomado, “decapitando” a administração do reino.

Entre os anos 1276-1318, quando se passa o jogo, as áreas da ilha que resistiam à conquista eram cobertas por florestas e pântanos. Nesse tipo de terreno, quase todas as vantagens táticas com que os ingleses podiam contar caíam por terra.

Cavaleiros não podiam operar livremente sob o risco de seus animais quebrarem a perna. Arqueiros tinham utilidade limitada, já que folhas e galhos obstruíam a visão e serviam de escudo natural às flechas. Armaduras pesadas, então, eram basicamente um suicídio. Guerreiros em cota-de-malha corriam o risco de afundarem na turfa.

Mesmo se os ingleses dessem sorte e conseguissem enfrentar irlandeses em terreno favorável, não era certeza de sairiam vitoriosos. Isto porque as relações entre ingleses e irlandeses não eram um Fla x Flu.

Barões ingleses viam seus pares como rivais e não tinham pudores de lutar ao lado de irlandeses se isso os beneficiasse de alguma forma. Estes aliados davam aos reis gaélicos acesso aos melhores exércitos e equipamento que o dinheiro inglês era capaz de pagar.

Nas guerras de 1276-1318, este foi o caso dos de Burgh, família inglesa que marchou diversas vezes ao lado do Clã Tarlac contra outra família inglesa, os De Clare.

Efígie do século XVI retratando William de Burgh (d.1205 ou 1206), ancestral dos de Burgh na Irlanda. Seu equipamento é similar ao que reis irlandeses na época de Os Triunfos de Tarlac usariam

Tudo isso resultava em um fato importante para entendermos o combate na época: não havia grandes diferenças de qualidade nos exércitos da época, fossem eles liderados por irlandeses ou ingleses.

Isto significa que o modelo de “tiers” de tropas com gradações diferentes de qualidade, usados por tantos jogos comerciais, não nos serviria.

Excerto de regras do board game Fief: France 1429, mostrando diferenças em qualidades de tropas

Precisávamos, portanto, de uma outra solução.

Tamanho é documento

Para nosso primeiro protótipo, elaboramos uma rolagem de combate que levava em conta apenas o tamanho dos exércitos e a sorte.

Tamanho representaria a observação histórica de que exércitos maiores costumam sair por cima. Afinal de contas, se vitórias em condições desvantajosas fossem comuns, elas não seriam tão celebradas na história militar e memória nacional.

E o fator sorte estaria aí para nos lembrar que zebras às vezes acontecem.

Calcular o tamanho dos exércitos foi a parte mais fácil. Segundo as fontes financeiras medievais, listas de baixas militares e descrições de batalhas da época, os exércitos em atividade na Irlanda eram relativamente pequenos. A maioria dos comandantes marchava para a guerra com algumas centenas de homens sob seu comando. Apenas em raros casos tropas de um único rei ou barão ultrapassavam 1000 soldados.

Assim, decidi representar esses exércitos em uma escala de 1:100. Cada ficha de exército equivaleria a 100 guerreiros até um máximo de 10 (equivalente a 1000 homens).

Esse “teto” tinha a função de evitar que jogadores “quebrassem” o jogo recrutando mais guerreiros do que seria possível a um líder da época sustentar. Outras mecânicas, como a devastação (de que falarei melhor em um diário futuro) também existem para desencorajar recrutamentos absurdos.

Esboço da arte para fichas de exército, por Vinícius de Oliveira

Implementar o fator sorte, por outro lado, foi mais complicado.

Inicialmente, estabelecemos que cada rolagem de combate seria decidida por um d6 multiplicado pelo número de fichas exércitos de cada jogador. Quem perdesse sofreria uma baixa – i.e. perderia uma ficha. Os jogadores repetiam a rolagem de combate até que um deles desistisse ou perdesse todos os seus exércitos.

Essa fórmula respeitou o princípio medieval de que exércitos grandes geralmente saíam vitoriosos. Infelizmente, ela fez isto bem demais: era virtualmente impossível para um exército menor sair por cima.

Como a rolagem era baseada em uma multiplicação, cada exército a mais que um jogador trouxesse ao campo de batalha representava uma vantagem brutal em relação ao seu oponente. Comandantes com apenas um exército, então, estavam praticamente mortos antes mesmo de lançarem os dados.

Esse era um problema que não podíamos deixar passar. A razão era simples: a batalha que selou as guerras de Thomond foi decidida graças à tenacidade de um exército pequeno.

Em 1318, o Clã Tarlac e seus aliados tinham uma vantagem numérica sobre seu inimigo, o barão Richard de Clare. Sabendo que um confronto direto acabaria mal para seu lado, de Clare desviou da capital do Clã Tarlac e decidiu atacar um de seus vassalos, o Clã Uí Dheaghaigh (em inglês, O’Dea). A ideia era destruir os irlandeses enquanto estavam divididos.

Infelizmente para de Clare, os O’Dea resistiram tempo o suficiente para que seus reforços chegassem, derrotando a coalizão inglesa.

Dysert O Dea, local da batalha que encerrou as guerras de Thomond. O castelo de mesmo nome, que pode ser visto na foto, só foi construído mais de cem anos depois do conflito.

Aperfeiçoando o fator sorte

Para acomodar esse tipo de cenário, modificamos a fórmula das rolagens. Em vez de multiplicar o resultado de um único d6, as fichas de exército determinariam o número de d6s rolados por cada jogador.

Alguém que controlasse três exércitos, assim, rolaria 3x d6; seis exércitos, 6xd6 e assim por diante.

Essa fórmula colocava muito mais a cargo da sorte, já que era possível mesmo a um jogador com rolagens de 10xd6 ter um surto de azar e tirar apenas 1s e 2s.

O resultado ficou visível nas nossas sessões de teste. Pela primeira vez desde o início das jogatinas, os membros da nossa equipe gritavam, choravam e vibravam na torcida por um dado bom ou ruim.

O problema é que, historicamente, faltavam arestas a aparar.  Os resultados continuavam deterministas demais. Embora existisse uma chance real de  “dar zebra”, um exército grande ainda atropelava forças menores na esmagadora maioria dos casos.

Para melhorar essa situação, decidimos nos inspirar ainda mais na matemática. Em especial, no trabalho do engenheiro britânico Frederick Lanchester.

Frederick Lanchester (1898-1946)

Durante a Primeira Guerra Mundial, Lanchester desenvolveu uma série de equações para tentar prever o resultado de batalhas.

Explicar direitinho essas fórmulas ocuparia muito espaço nesse artigo, mas uma de suas premissas é digna de nota: Lanchester insistia era que, em batalhas corpo-a-corpo, soldados tendem a lutar contra um número limitado de inimigos, mesmo que seu exército como um todo esteja em desvantagem numérica.

O fato de um exército ser 20 vezes maior que outro não significa que cada um dos soldados inimigos será atacado por 20 homens ao mesmo tempo.

É possível que uma força militar seja flanqueada ou atacada pelas costas, obrigando-a a lutar em duas ou mais frentes. Mesmo nesse caso, porém, o número de guerreiros lutando em um dado momento será quase sempre uma fração do contingente total.

Isso significa que mesmo uma força pequena é capaz de resistir a exército maior – pelo menos por um tempo. Sobretudo se ela for amparada por terreno favorável, fortificações ou simplesmente sorte.

Foi, afinal, o que aconteceu em 1318 na batalha de Dysert O Dea.

Nós decidimos aplicar esse princípio ao nosso jogo para ver o que acontecia. Segundo as novas regras, cada jogador rolaria um número de d6s equivalente ao número de fichas do jogador que tivesse menos fichas no momento do combate.

Em outras palavras, se um exército de 6 fichas atacar um de 3, ambos os jogadores rolam 3 dados.

Essa pequena mudança alterou completamente a dinâmica do combate. Números ainda eram importantes: o número de fichas de exército, para todos os fins, funcionava como “pontos de vida” de um jogador, determinando o número de rolagens que ele é capaz de perder. Desvantagens numéricas pronunciadas ( por exemplo, 10 x 1) continuam sendo uma sentença de morte. Ainda que o jogador com mais guerreiros seja incapaz de mobilizar seus 10 exércitos ao mesmo tempo, é praticamente impossível que perca no dado dez vezes consecutivas.

Por outro lado, é quase certeza que ele perderá pelo menos uma rolagem aqui e ali. O que torna as baixas mais frequentes – e o combate, muito mais perigoso.

Imagine, por exemplo, que você tenha 10 exércitos, e seus três oponentes tenham 2, 4 e 1 respectivamente. Segundo as regras antigas, sua vitória já estaria assegurada. Ainda que, por milagre, eles conseguissem se reunir para atacá-lo, você ainda teria uma vantagem de 10 x 7.

Segundo as regras novas, porém, mesmo o oponente mais fraco, com apenas uma ficha exército, pode vencer duas ou três rolagens, custando guerreiros que podem fazer a diferença entre a vida e a morte.

Não é mais necessário ter a vantagem numérica para ganhar. Mesmo underdogs podem vencer por atrito se as condições se alinharam a eles.

Obviamente, a sorte é apenas uma dessas condições. Não podemos esquecer do efeito do terreno, de obstáculos como pântanos e rios, de castelos ou mesmo de diferenças de táticas e movimentos. Soldados montados não se moviam na mesma velocidade que guerreiros de infantaria. Pequenas tropas de poucas dezenas de homens podiam cobrir terreno mais rápido que grandes contingentes acompanhados de veículos.

Mas isso tudo será assunto de um próximo diário.

François Truffault used to say that it was impossible to make an anti-war movie. According to the moviemaker, the very act of portraying war on the silver screen trivialized – if not glorified – bloodshed.

Something similar can be said about games. As much as we try to represent human conflicts in a responsible fashion, it is undeniable that the thrill of participating in battles is one of the chief reasons that makes rolling dice and challenging our friends so appealing.

In a game like The Triumphs of Turlough, which deals directly with a historical war, we knew from the outset that combat was a feature we couldn’t ignore.

Fortunately, of all the mechanics we created so far, those related to battles were the ones we had the easiest time in getting right.

By “getting right”, I mean specifically the task of making them fun. From a historical standpoint, even the most cautious and complex representations of war are very problematic. Understanding how conflicts happen is one of the hardest tasks for any historian to undertake. Few activities are as chaotic and averse to logical explanations than thousands of angry men trying to kill one another.

Artistic representation of the Battle of Towton, 1461

In games, specifically, this challenge involves reducing all of this complexity to a mathematical formula.

When we say that the damage of a given longsword equals 1d8+3 with critical 19-20/x2, we are doing no more than expressing ourselves by means of an equation. Likewise, when we say that a given weapon in a CRPG has a DPS of 180, we are essentially performing a multiplication: damage of each attack * number of attacks per second = DPS.

The challenge, for us, rests in finding a formula that respects the particularities of medieval warfare, rather than relinquishing everything to an RPG-like randomness.

Combat during the wars in Thomond, 1276-1318

Sculpture portraying a passion scene at Ennis Friary, Thomond. The soldiers were represented wearing the typical equipment of Late-Medieval Irish armies. Photo by Luke McInerney

Before talking about the difficulties we had to face, it might be useful to start by explaining how warfare worked in the period.

As I wrote about in the first post of this series, the rulers of Ireland in the 13th and 14th centuries belonged to two different cultures. Part of the island’s territory was in the hands of English barons subject to the authority of the English Crown. Another part remained under the control of native kings, whose lineages stretched back from way before the English invasion.

In theory, the English had access to resources that would make any Irish person tremble in fear. Their elite cavalry, the equi cooperti (lit. “covered horses”) had no equal in the battlefield. The English Crown had more money than any Irish kingdom and counted with a far more numerous adult population. Quantity and quality were on its side.

Equi cooperti in combat. These warriors received their names on account of the colorful caparisons worn by their mounts. Image: British Library Royal 16 G VI f. 379v

In practice, the situation was quite different. In Gaelic Ireland, the majority of the population lived dispersed around a rather large territory, making conquest difficult. There wasn’t a single city or populational centre that could be taken, “decapitating” the kingdom’s administration.

Between the years 1276-1318, when the game is set, the areas that resisted conquest were mostly covered by woods and bog mires. In this type of terrain, nearly every single tactical advantage with which the English could count meant very little.

Knights could not operate freely due to the risk of their animals breaking their legs. Archers had limited utility, as leaves and branches obstructed their vision and served as a natural shield against arrows. Wearing heavy armour was basically a suicide. Mail-clad warriors faced the risk of getting stuck in peat deposits.

Even if the English got lucky and managed to face the Irish on favourable terrain, victory wasn’t assured. This is because the relationship between English and Irish wasn’t a zero-sum game.

English barons saw their peers as rivals and had no qualms in fighting alongside Irish aristocrats if they benefitted from it in any way. These allies gave Gaelic kings access to the best armies and equipment the English money could pay for.

In the wars of 1276-1318, this was the case of the de Burgh, an English family that marched several times with Clann Turlough against another English family, the de Clare.

16th century effigy of William de Burgh h (d.1205 ou 1206), ancestor of the de Burgh in Ireland. His equipment is similar to the one used by Irish kings in the time of The Triumphs of Turlough.

All of this boils down to an important fact to understand the combat in the period: there weren’t big differences in quality between the armies of the time, be they led by Irish or English commanders.

This meant that the model of “tiers” of troops with different levels of quality, employed by so many commercial games, would not do us any good.

Excerpt from the rules of the board game Fief: France 1429 featuring differences in troop quality.

We needed a different solution.

Size matters

For our first prototype, we elaborated a combat roll that only took in account army size and chance.

Size represented the historical observation that larger armies usually came out on top. After all, if victories in unfavourable conditions were common, they wouldn’t be so celebrated in military history and national memory.

And the chance factor was there to remind us that upsets sometimes happen.

Calculating the size of armies was the easy part. According to medieval financial sources, lists of military casualties and descriptions of battles of the period, the armies in activity in Ireland were relatively small. Most commanders marched to war with a few hundred men under their command. Only in rare cases troops from a single king or baron exceeded 1000 soldiers.

Thus, I decided to represent these armies on a 1: 100 scale. Each army token would equal 100 warriors, up to a maximum of 10 tokens (totaling 1000 men).

This “ceiling” was meant to prevent players to “break” the game by recruiting more warriors than it would be possible for a ruler in the period to support. Other mechanics, such as devastation (of which I’ll talk more in future diaries) were also in place to dissuade absurd troop levying.

Sketch for the art of an army token. Drawing by Vinícius de Oliveira

Implementing the chance factor, on the other hand, proved to be trickier.

We initially established that each combat roll would be decided by a d6 multiplied by the number of army tokens each player had. Whoever lost would suffer a casualty – i.e. lose one token. Players repeated the combat roll until one of them gave up or lost all of their armies.

This formula observed the medieval principle that larger armies usually won battles. Unfortunately, it accomplished it too well: it was virtually impossible for a smaller army to come out on top.

Since the roll was based on a multiplication, each additional army a player brought to the battlefield represented a brutal advantage in relation to their opponents. Commanders with a single army token, in this scenario, were practically dead on water before they even rolled the dice.

This was a problem we could not ignore. The reason was simple: the battle that concluded the wars of Thomond was decided thanks to the tenacity of a small army.

In 1318, Clann Turlough and its allies outnumbered their enemy, baron Richard de Clare. Knowing that a direct confrontation would end bad for him, de Clare skirted around Clann Turlough’s capital and decided to attack one of their vassals instead, the Uí Dheaghaigh (in English, O’Dea).  The idea was to overwhelm the Irish forces while they were divided.

Unfortunately for de Clare, the O’Dea stood their ground for just enough time for their reinforcements to arrive, defeating the English coalition.

Dysert O Dea, site of the battle that ended the wars of Thomond. The towerhouse of the same name, featured in the photo above, was only built over a century after the end of the conflict.

Revamping the chance factor

To accommodate this type of scenario, we modified the formula of the dice rolls. Instead of multiplying the result of a single d6, the army tokens of a given player would determine the number of d6s they would roll.

Someone controlling three armies, in this fashion, would roll 3xd6s; six armies, 6xd6s and so forth.

This formula placed much more emphasis on chance, as it was possible for even a player rolling 10 x d6s to have a stroke of bad luck and get only 1s and 2s.

The result was self-evident in our playtest sessions. For the first time since the beginning of our playthroughs, members of our team yelled, cried and cheered for a good or bad die.

The problem was that, historically speaking, there were still some rough edges to polish. The results were still too deterministic. While there was a real chance of an underdog getting the upper hand, a larger army still ran over smaller forces in the vast majority of cases.

To improve this situation, we decided to take even more inspiration from maths. In particular, in the work of British engineer Frederick Lanchester.

Frederick Lanchester (1898-1946)

During World War I, Lanchester devised a series of equations to try to predict the outcome of battles.

Explaining how exactly these formulae work would take too much space in this article, but one of their premisses is worth of note: Lanchester insisted that, in melee battles, soldiers tended to fight against a limited number of enemies, even if their army as a whole was vastly outnumbered.

An army being 20 times larger than another did not mean that each of the enemy soldiers would face off against 20 men at the same time.

A military force could be flanked or attacked in the rear, forcing it to fight on two or more fronts at the same time. Even then, however, the number of warriors fighting in any given moment would almost always be a fraction of the total contingent.

This makes even a smaller force capable of resisting a larger army – if only for a time. Bonus points if it has terrain, fortifications or simply chance in its favour.

It was, after all, what happened in 1318 at the Battle of Dysert O Dea.

We decided to apply this principle to our game to see what happened. According to the new rules, each player rolled a number of d6s equal to the number of tokens of the player who had the least tokens.

In other words, if an army of 6 tokens attacked one of 3, both players would roll 3 dice.

This small tweak completely altered the dynamics of the combat. Numbers were still important: for all intents and purposes, army tokens worked like “hit points” for a player, determining the number of rolls they were allowed to lose. Extreme numerical disadvantages (e.g. 10 x 1 ) were still a death sentence. Even if the player with the most warriors was incapable of mobilizing all of their 10 armies at once, it was practically impossible for them to lose in the dice 10 times in a roll.

On the other hand, it was almost assured that they would lose one roll here and there. This made casualties more frequent – and combat, way more dangerous.

Imagine, for example, that you had 10 armies and your opponents have 2, 4 and 1 token respectively. Following the old rules, your victory would be a given. Even if, by some sort of miracle, they managed to unite their forces and attack you, you’d still be looking at a 10 x 7 advantage.

According to the new rules, however, even the weakest opponent – with a single army token – could win two or three rolls, costing you warriors that could be the difference between life and death later on.

It was no longer necessary to outnumber your foes to became victorious. Even underdogs could win by attrition if the right conditions aligned.

Obviously, chance is only one among such conditions. We cannot forget the effects of terrain, obstacles such as bogs and rivers, castles or even differences in tactics and movements.

Mounted soldiers didn’t move at the same speed as infantrymen. Small warbands of a few dozen warriors could cover more ground quicker than large parties hauling vehicles.

But this is a topic for another diary.

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“Os Triunfos de Tarlac” dev diary #3: o mapa https://www.finisgeekis.com/2021/01/20/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-3-o-mapa/ https://www.finisgeekis.com/2021/01/20/os-triunfos-de-tarlac-dev-diary-3-o-mapa/#respond Wed, 20 Jan 2021 16:08:02 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22530

Board games não têm esse nome à toa. De todos os seus elementos, seu tabuleiro é talvez o mais importante.

Para jogos históricos como Os Triunfos de Tarlac é também um dos mais difíceis de desenvolver.

Desde o ínicio, sabíamos que nosso tabuleiro deveria representar as características políticas e geográficas do reino de Thomond entre os anos 1276 e 1318. Fazê-lo com propriedade era nosso dever: o espaço, afinal de contas, é um dos elementos com que jogos comerciais tomam mais liberdade.

Muitos games históricos retratam reinos antigos como se fossem países contemporâneos, com fronteiras bem delimitadas e uma total homogeneidade política. Basta conquistar uma província que a província inteira  se torna magicamente sua – como se reinos, condados e distintos fossem peças fundamentais, indivisíveis do planeta Terra esperando apenas um senhor da guerra para pintá-las da mesma cor.

Como eu escrevi em outro artigo, porém, no passado as coisas não funcionavam bem assim. Fronteiras modernas, com alfândegas e controles de passaporte, são coisas recentíssimas. Embora reis e governantes medievais tivessem uma noção de onde seus reinos acabavam, dificilmente tinham controle sobre o que seus súditos faziam na maior parte do tempo.

Florestas, pântanos, montanhas e outras regiões de difícil acesso estavam, para todos os fins, fora do alcance direto do governante. Mesmo as regiões mais populosas e desenvolvidas apresentavam um desafio para a autoridade central na ausência de exércitos permanentes e telecomunicações.

Mapa da África do início do século XIX mostrando a influência limitada das potências europeias.

Para contornar esses problema, os governantes do passado preferiam controlar pessoas, não lugares. Em vez de garantir que cada metro quadrado de uma província estivesse sobre seu controle, eles se davam por satisfeito entregando-a a um líder local que se comprometesse a pagar tributos e prestar serviço militar.

Esse era o caso do reino de Thomond, onde se passa Os Triunfo de Tarlac. Estabelecidos na fronteira do mundo inglês, os ingleses com terras no oeste da Irlanda se davam por satisfeito se conseguissem convencer os irlandeses a não causar problemas. Uma colonização efetiva – como a que seria feita a partir do século XVII – era um objetivo impensável.

Esse tipo de governança não territorializada tinha uma consequência importante em tempos de guerra: “conquistar” uma região era uma tarefa bem mais complicada que ocupar um país num tabuleiro de War.

Era do interesse de exércitos invasores subjugar seus inimigos o mais rápido possível para que os custos da campanha não superassem os ganhos esperados da conquista. Líderes locais, opostos a sua autoridade, visavam a exatamente o contrário, adotando táticas de terra queimada e evitando batalhas campais.

Por ser uma região politicamente fragmentada, essa lógica fazia da mobilidade a característica fundamental da guerra na Irlanda. E do controle do espaço – e de suas armadilhas – o fator mais importante para o sucesso das campanhas.

Primeira tentativa: réguas

Quando começamos a pensar em que tipo de mapa criaríamos para nosso jogo, nossa prioridade número um era conceber um tabuleiro que se adequasse a essa lógica.

Logo de cara, duas ideias nos vieram à mente. A primeira era o velho grid hexagonal dos wargames. Utilizado há décadas para recriar operações militares – em níveis invejáveis de detalhe – esse tipo de tabuleiro seria mais do que capaz de lidar com a complexidade de Thomond medieval.

Exemplo de grid hexagonal. Fonte

A segunda era abandonar completamente o conceito de “casa” e utilizar réguas ou fitas métricas para determinar movimento, na linha de Warhammer 40000 e outros miniature games. Como bem colocou um de nossos artistas, Gabriel Cordeiro, a principal vantagem dessa alternativa fica evidente ao se admirar os mapas customizados elaborados para esse tipo de jogo.

Artisticamente, a imaginação é o único limite.

1871: Franco-Prussian War

O argumento do Gabriel nos convenceu de imediato. Para testar a ideia, começamos por utilizar um mapa que desenvolvi para minha própria tese de doutorado.

Dividi os tipos de terreno de Thomond em seis categorias, atribuindo a cada uma delas um “peso”. Na base ficavam as estradas sobre planícies. No topo, pântanos de turfa – um tipo de carvão mole extremamente perigoso, que pode, em dias de chuva, engolir cavalos e homens de armadura como areia movediça.

Água e montanhas entravam em uma categoria especial – obstáculos – que não podia ser atravessada normalmente.

Em termos de gameplay, esse “peso” funcionaria como a quantidade de pontos de movimento que um jogador teria de gastar para atravessá-los. Desta maneira, cruzar um pântano sem qualquer tipo de travessia seria seis vezes mais oneroso do que dar a volta e procurar uma estrada.

As proporções em si eram apenas uma abstração. A ideia era recompensar jogadores por escolher rotas estabelecidas e impedi-los de “cortar caminho” atravessando obstáculos outrora intransponíveis.

Resultado

Nossa ideia foi um fracasso absoluto.

Super complicadas, as regras de movimento tornaram nossos turnos – que já não eram curtos – insuportavelmente longos. A régua e os seus diferentes valores de “peso”exigia que os jogadores fizessem contas cada vez que desejavam se mover, obrigando-nos a manter uma calculadora na mesa de jogo. Não é exatamente o que a maioria de nós tinha em mente quando pensávamos em “diversão”.

Os problemas não paravam por aí. Nossas peças eram grandes demais para a escala do mapa, o que dificultava calcular movimento e visualizar zonas de controle. Aumentá-lo não era uma opção, pois nosso tabuleiro já alcançava 1m de comprimento.

Ao final de nossa primeira sessão de testes, saímos com poucas respostas definitivas. Uma coisa, porém, era certa: esse mapa precisaria ir embora.

Imediatamente, pedi a um de nossos artistas, Vinícius de Oliveira, que elaborasse o mapa seguinte:

Segunda tentativa: grid hexagonal

Contrariando nossos primeiros instintos, decidimos voltar ao grid hexagonal dos wargames. Esta decisão resolveu, de imediato, várias de nossas dores de cabeça.

Com o mapa dividido em “casas”, acabou-se a ambiguidade que havia tornado nosso primeiro teste um pesadelo. Cada hexágono possuiria um tipo distinto de terreno. A zona de controle de uma peça, por sua vez, corresponderia às seis casas vizinhas.

Para remediar a lentidão dos turnos, decidi também simplificar a fórmula de cálculo dos pontos de movimento. Em vez de seis categorias diferentes, o mapa agora contaria apenas com três: estradas, não-estradas e obstáculos.

Mover-se por casas conectadas por estradas (representadas em verde-musgo) custaria um ponto de movimento por casa.

Mover-se por casas que não estavam conectadas dessa maneira custaria dois pontos de movimento.

“Pântano”, “floresta” e “planície” continuariam importante para o cálculo de modificadores para o combate – representando a facilidade/dificuldade em manobrar e lutar em terrenos distintos. Porém, eles seriam tratados como a mesma coisa na hora de se movimentar.

À primeira vista, essa decisão pode parecer suspeita de um ponto de vista histórico. Afinal de contas, é indiscutível que atravessar um pântano é muito mais trabalhoso do que um descampado.

Porém, a diferença de escala que adotamos ao migrar para o grid hexagonal mitigou essa imprecisão. Cada casa cobria uma área de cerca de 12km de lado a lado. Ainda que o tipo de terreno predominante nesse raio fosse de depósitos de turfa, isto não significava que 100% da região fosse um gigantesco brejo.

Isto fica evidente se olhamos para nosso mapa – cujos dados baseei em surveys do século XVII e dados geológicos contemporâneos – que mostra claramente que a distribuição de pântanos era não-contígua.

Pântanos de turfa (verde musgo) e florestas (verde claro) em Thomond

Assim, não seria uma heresia supor que os exércitos seriam capazes de encontrar um caminho seco e seguro em um raio desse tamanho. Sobretudo porque estamos falando de exércitos compostos – ao menos em parte – por soldados locais, que conheciam Thomond como a palma de sua mão.

Resultado

Infelizmente, sequer tivemos oportunidade de colocar nosso instinto à prova. Um outro problema inesperado acabou tomando toda a nossa atenção. Nossas casas estavam grandes demais para a escala do mapa.

O grid hexagonal colocava assentamentos importantes a poucas casas um do outro, permitindo que jogadores atacassem seus oponentes logo no primeiro turno, sem ter de se preocupar com rotas ou manobras.

Sua escala também causava problemas do ponto de vista histórico. Como eu disse anteriormente, cada casa cobria uma zona de controle de cerca de 12km. Que espécie de exército medieval tinha uma zona de controle tão vasta?

Terceira tentativa: casas menores

Nossa terceira versão do mapa reduziu o tamanho das casas, de maneira que representassem um raio de cerca de 4,4km em vez de 12km. Ao mesmo tempo, recalculamos os pontos de movimento para seis por turno, mantendo a divisão binária entre casas com estrada/sem estrada de antes.

Esse novo esquema melhorou consideravelmente o desempenho do tabuleiro. Para nossa surpresa (e alívio!) simplificar as penalidades de terreno não induziu os jogadores a adotarem rotas ahistóricas.

O baixo número de pontos de movimento, associado à agilidade da malha histórica de rotas,  fez com que nossos testers optassem por seguir as estradas sempre que possível, evitando-as apenas para fugir ou para saquear assentamentos. Mesmo esse último caso era raro: a esmagadora maioria dos mosteiros e residências medievais eram conectadas a algum tipo de rota.

Resultado

A despeito da nossa alegria, o novo mapa apresentava problemas sérios de legibilidade.

Nossos testers também tiveram problema em seguir o trajeto das estradas para calcular o gasto de pontos de movimento. As rotas medievais não se adequavam perfeitamente ao nosso grid hexagonal. Algumas casas eram “conectadas” por nada além de uma minúscula curva bem próxima à borda.

Com as divisões políticas, o problema era ainda pior. Como disse no começo do texto, as fronteiras dos reinos medievais eram muito menos duras do que nos dias de hoje. No nosso tabuleiro, elas tinham apenas duas funções – uma delas provisória.

Em primeiro lugar, o mapa político servia para orientar os jogadores na hora de escolherem suas facções. Nomes irlandeses, afinal de contas, estão longe de serem fáceis para estrangeiros. Não dava para exigir que um jogador escolhesse jogar como “Corcabhaiscinn” ou “Uí mBloid” sem que indicássemos onde tais lugares ficavam no mapa.

Reinos e linhagens de Thomond entre 1276 e 1318

A segunda função era para que jogadores soubessem quais mosterios pertenciam a eles. Em nosso protótipo, todos os assentamentos dentro de um reino pertenciam ao seu controlador.

Essa abstração não correspondia à realidade histórica – reis patrocinavam monastérios em toda parte, não apenas na sua vizinhança. Porém, era um erro que podíamos resolver depois, assim que as regras básicas tivessem sido ajustadas.

Infelizmente, esse “erro” ficou apenas mais grave.

O mapa político que servia de base ao nosso tabuleiro se adaptou mal às proporções simplificadas do tabuleiro. Feitas para auxiliar os jogadores a identificar seus assentamentos, as fronteiras políticas causaram mais confusão do que bem. Alguns monastérios terminavam com parte de seu ícone em um reino e parte em outro. Para piorar, algumas divisas – originalmente distorcidas por montanhas ou outros obstáculos físicos – criaram some “terras de ninguém”.

Esse monastério no meio do tabuleiro ganhou um “reino” só seu

Fazia mesmo sentido manter essas divisas, agora que não funcionavam sequer como conveniência de gameplay?

Quarta tentativa: fronteiras nunca mais

Eu achei que não. Por isso, para nosso quarto protótipo resolvi remover por completo tanto as fronteiras quanto os nomes dos reinos.  As façções agora seriam representadas apenas por uma cor.

No início do jogo, cada jogador escolhia uma peça e assumia controle dos assentamentos da respectiva cor. A distribuição atual de monastérios por facção ainda é provisória. Até o lançamento do jogo, pretendo investigar o registro de cada uma dessas igrejas e determinar a que facções estavam relacionadas.

Em adição a isso, o Vinícius de Oliveira modificou o trajeto das rotas medievais, centralizando-as melhor em nossas casas. Ele também melhorou a visibilidade dos rios e outros corpos d’água.

Resultado final

É difícil falar de um “resultado final” considerando que nosso tabuleiro ainda é um esqueleto à espera de uma arte. Para além de uma ou outra aresta histórica, ainda precisamos elaborar toda a parte estética.

Ainda assim, ter chegado a esse resultado, distante que seja de um produto final já nos valeu como uma verdadeira aula de design de games. Em especial, aprendemos a simplificar os dados a nosso dispor de maneira responsável. Atalhos – como introduzir um erro de propósito para “consertá-lo”  em algum momento do futuro – podem fazer o barato custar caro.

Nosso mapa original, baseado nos dados da minha tese, estava bastante correto do ponto de vista histórico. Porém, seu volume de informação era incompatível tanto com a escala do nosso tabuleiro quanto com sua duração esperada do jogo (com partidas de no máximo algumas horas e turnos que não passassem de 15-20 minutos).

Sim, nosso design original era mais complexo. Mas era também muito mais visualmente poluído, repleto de elementos desnecessários (as divisões políticas) e com regras complicadas que mais atrapalhavam que ajudavam (os cálculos de “peso” de terreno).

Jogos históricos, como todo tipo de modelo, não são espelhos da realidade. Tal como os mapas do metrô simplificam o desenho de uma cidade para nos ajudar a planejar nossa viagem, games também reduzem sociedades passadas a esquemas para que algumas de suas características saltem melhor aos olhos.

Cartograma representando as linhas de metrô de São Paulo comparado a mapa em escala da cidade

Simplificar nunca é fácil para historiadores como nós, que aprendemos desde a graduação a procurar sentido em cada detalhe. Com esse mapa, porém, estamos aprendendo a lidar com representações que desafiam nossos instintos – e, de quebra, a expandir nossos próprios horizontes.


Board games are not named as such for nothing. Of all of their elements, their board is arguably the single most important one.

For historical games like The Triumphs of Turlough, is it arguably one of the most difficult elements to design as well.

We knew since the very beginning that our board needed to portray the political and geographical specificities of the kingdom of Thomond between the years 1276 and 1318. To do so appropriately was our duty: the space, after all, is one of the elements with which commercial games most often take liberties.

Many historical games portray ancient kingdoms as if they were contemporary countries, with clearly-established borders and total political homogeneity. One needs only invade a province for the whole region to magically fall into one’s hand – as if kingdoms, counties and districts were fundamental, indivisible building blocks of the world just waiting for a warlord to paint them with their colors.

As I have written in another article, however, things in the past didn’t work quite like that. Modern borders, with their customs offices and passport control booths, are extremely recent inventions. While medieval kings and rulers had some notion of where their kingdoms ended, they hardly ever had control over what their subjects did most of the time.

Forests, bogs, mountains and other hard-to-reach regions were, for all intents and purposes, outside the direct reach of the ruler. Even the most populous and developed zones were a challenge for the central authority in the absence of standing armies and telecommunications.

Early 19th c. map of Africa showing the limited reach of European powers

To circumvent this problem, rulers of the past attempted to control people rather than places. Instead of making sure that every square meter of a given province was under their control, they were content in handing it over to a local leader that reliably paid taxes and provided military service.

This was the case of the kingdom of Thomond, where The Triumphs of Turlough is set. Settled in the frontier of the English world, English magnates with lands in the west of Ireland counted themselves fortunate if they could manage to convince the Irish not to cause trouble. An effective colonization – such as it was undertaken from the 17th century onwards – was an unattainable goal.

This kind of non-territorialized governance had a very important consequence in times of war: to “conquer” a region was a much more complicated task than to occupy a country in a War board.

It was in the best interest of invading armies to subjugate their enemies as quickly as possible so that the costs of campaigning didn’t exceed the expected gains from the conquest. Local leaders opposed to their authority, on the other hand, attempted to bring upon exactly that by adopting scorched earth tactics and avoiding pitched battles.

Because Ireland was a politically fragmented region, this logic made mobility the defining characteristic of war in the country. And control of the space – and its traps – the most important factor for the success of campaigns.

First attempt: rulers

When we started to think about what kind of map we’d create for our game, our number 1 priority was to devise a board that respected these principles.

Two ideas came to our minds from the get-go. The first was the old wargame hex grid. Utilized for decades to recreate military operations – in enviable levels of detail – this kind of board would be more than able to deal with the complexity of the Medieval Thomond landscape.

Example of a hex grid. Source

The second was to forego the concept of “grid” altogether and utilize rulers or metric tapes to calculate movement, as in Warhammer 40000 and other miniature games. As one of our artists, Gabriel Cordeiro put it, the main advantage of this alternative becomes evident by looking at the kind of customized environments built for this kind of game.

From an artistic standpoint, the imagination is the only limit.

1871: Franco-Prussian War

Gabriel’s argument instantly convinced us. To test the idea, we started with a provisional map that I developed for my own PhD thesis.

I divided the types of terrains in Thomond into six categories, attributing a “weight” to each of them. At the base were routes over dryland (weight 1). At the top, peat mires (weight 6). Peat is a kind of soft coal whose deposits can swallow horses and armoured men like quicksand during particular rainy days.

Bodies of water and mountains made up a special category – obstacles – that could not be normally crossed.

In terms of gameplay, “weight” was supposed to work as the required movement points a player had to spend to traverse them. In this manner, crossing a bog in which there wasn’t any kind of crossing would be six times as expensive as circumventing it and looking for a route.

The proportions themselves were merely an abstraction. The idea was to reward players for choosing established routeways and hindering them from “beelining” to their goals through untraversable obstacles

Result

Our idea was an absolute failure.

Our movement rules were overly complicated and made our turns – which had never been short to begin with – unbearably long. The ruler and the different “weight” values required players to make calculations each time they wanted to move, forcing them to keep a calculator at hand. Not exactly what most of us have in mind when we think about “having fun”

The problems didn’t end there. Our pieces were too big for the scale of the map, making it hard to calculate movement and visualize zones of control. To increase it was not an option, as our board was almost 100cm wide as it was.

Our first test playthrough left us with few definitive answers. One thing, however, was certain: that map had to go.

I immediately asked one of our artists, Vinícius de Oliveira, to elaborate the following alternative:

Second attempt: hex grid

Contradicting our original instincts, we decided to go back to the wargame hex grid. This decision immediately alleviated many of our headaches.

With the map divided into neat “spaces”, the ambiguity that had made our first playthrough a nightmare was over. Each hex possessed a distinctive terrain value. A zone of control of a given piece corresponded simply to the six neighboring spaces.

To remediate the sluggishness of our turns, we decided to simplify the movement points formula as well. Instead of six different categories, the map now counted with just three: routes, non-routes and obstacles.

Moving through spaces connected by routes (represented in olive-green) cost one movement point per space.

Moving through spaces not connected in this fashion costed two movement points.

“Bog”, “wood” and “plains” remained important distinctions for the calculation of combat modifiers – representing the ease/difficulty in manoeuvring and fighting in different types of terrain. However, they would be treated as the same thing when it came to movement.

At first sight, this decision may seen problematic from a historical standpoint. After all, it is undeniable that crossing a bog is way more difficult than a meadow.

However, the difference in scale that we implemented when we migrated to the hex grid mitigated this imprecision. Each space covered a diameter of roughly 12km. Even if the predominant terrain type in this area were peat deposits, it didn’t mean that 100% of the zone was one giant mire.

This becomes evident when we look at our first map – which I built based on data from 17th surveys and contemporary geological databases – that clearly show that the distribution of bog mires was non-contiguous.

Bogs (olive green) and woods (light green) in Thomond

Thus, it would not be a heresy to assume that armies would be able to find a dry and safe route within a radius this wide. Above all because we’re talking about armies comprised – at least partially – by native soldiers that knew Thomond like the back of their hands.

Result

Unfortunately, we were barely able to put our instinct to the test. An altogether different and unexpected problem monopolized our attention. Our hexes were way too big for the scale of the map.

The grid had caused important settlements to be just a few spaces’ off of each other, allowing players to attack their opponents right at the first turn, without having to worry about routes or maneuvers.

The scale was also problematic from a historical standpoint. As I mentioned earlier, each hex covered a diameter of c. 12km. What kind of medieval army had a zone of control so wide?

Third attempt: smaller hexes

For our third version of the map, we reduced the size of the spaces, so that they represented an area of c. 4,4km instead of 12km. At the same time, we recalculated our move point total to six per turn, preserving the binary division between spaces with/without routes.

This new framework improved the performance of our map considerably. To our surprise (and relief!) simplifying the terrain penalties did not cause players to take ahistorical routes.

The low number of movement points paired with the agility of the historical communication network made our testers opt for following the routeways whenever possible, avoiding them only to flee or raid settlements. Even the latter case was rare: the vast majority of Medieval monasteries and residences were connected to a routeway of some kind.

Result

Despite our contentment, the new map had some serious legibility issues.

Our testers also had difficulties in accounting for the routeways to calculate movement point cost. The Medieval routeways weren’t a perfect fit for our hex grid. Some of its spaces were “connected” by nothing but a minuscule road bend very close to their border.

An even worse problem were the political divisions. As I wrote at the beginning, the borders of Medieval kingdoms were considerably less hard than nowadays. In our board, they fulfilled just two roles – one of them provisional.

Firstly, the political map “overlay” served to orient players when they wanted to choose their factions. Irish names, after all, are far from being easy to foreign ears. We could not require players to choose a faction called “Corcabhaiscinn” or “Uí mBloid” without indicating where these places were located.

The second role was so that players knew which monasteries belonged to them. In this prototype, every settlement within a kingdom belonged to its owner.

This abstraction did not correspond to historical reality – kings sponsored monasteries everywhere, not just in their neighbourhood. However, it was a mistake we could solve later, after the basic rules had been set.

Unfortunately, this “mistake” only got more serious.

The political map that served as reference to our board scaled badly to the simplified proportions we had adopted. Originally designed to help players in identifying their settlements, the political borders did just the opposite.

Some monasteries ended up with half of their icons in one kingdom and half in another. To make matters worse, some borders – originally distorted by mountains or other physical obstacles – created some “no-man’s-lands” across the environment.

This monastery got a kingdom all to itself

Was it really worth it to keep these borders, now that they did not work even as a gameplay crutch?

Fourth attempt: no more borders

I didn’t think so. To that end, I decided to remove both the borders and the names of kingdoms for our fourth prototype. The factions were now represented exclusively by a color.

At the beginning of the game, each player would choose a piece and assume control of the settlements of its respective color. The current distribution of monasteries per faction is still a placeholder. Prior to the release of the game, I intend to investigate the records of each of those churches and determined which factions held sway over them.

In addition, Vinícius de Oliveira the course of the routeways, making them more centralized in regard to each hex. We also improved the visibility of rivers and other bodies of water.

Final result

It is difficult to talk about a “final result” when our board is still a sketch waiting for an art. Aside from one or two historical tweaks, we still have to elaborate every single aesthetic element.

Still, having reached this result, as distant as it is from a final product, was already worth it as a veritable game design class. Specifically, we learned to simplify the data available to us in a responsible manner. Shortcuts – such as introducing an error on purpose to “fix it” at some point in the future – could prove dearer than expected.

Our original map, based on data from my thesis, was very accurate from a historical point of view. However, its volume of information was inconsistent both with the scale of our board and with the expected duration of our game (with matches lasting a few hours and turns lasting no more than 15-20 minutes).

Yes, our original design was more complex. But it was always more visually polluted, filled with unnecessary elements (the political divisions) and with overcomplicated rules that hindered us more than they aided us (the “weight” calculations for terrain).

Historical games, like any kind of model, are not mirrors of reality. Just as subway charts simplify the plan of a city to help us plan our commutes, games also reduce past societies to schemes so that some of its characteristics can be seen more clearly.

Cartogram representing São Paulo’s subway lines versus a scaled map of the same region

Simplifying is never easy for historians like us, who are taught since our undergrad years to look for meaning in every detail. With this map, however, we started learning to deal with representations that challenge our instincts – and, in the meanwhile, to expand our own horizons.

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