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Hayao Miyazaki – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 18:22:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Hayao Miyazaki – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Numenera”: Em um bilhão de anos, o que significará ser humano? https://www.finisgeekis.com/2016/02/22/numenera-em-um-bilhao-de-anos-o-que-significara-ser-humano/ https://www.finisgeekis.com/2016/02/22/numenera-em-um-bilhao-de-anos-o-que-significara-ser-humano/#comments Mon, 22 Feb 2016 23:45:01 +0000 http://finisgeekis.com/?p=2295

2016 pode estar apenas começando, mas alguns jogos, de tão aguardados, nos fazem pensar que o tempo não anda. Para mim – e, imagino, tanto outros que acompanham a renascença dos RPGs isométricos – é o caso de Torment: Tides of Numenera.

O game da inXile foi anunciado em 2013, já arrecadou mais de US$ 5 milhões no Kickstarter, teve a data de lançamento adiada algumas vezes e agora está em early access. Todo cuidado é pouco: o que Pillars of Eternity fez com Baldur’s Gate e Wasteland 2 fez com Wasteland e Fallout, Tides of Numenera pretende fazer com Planescape: Torment.

planescape torment

É difícil navegar por fórums de CRPG sem topar com uma menção ao título da Black Isle. Planescape: Torment é um dos mais populares games que ninguém jogou. Devido à sua arquitetura contraintuitiva,  o RPG foi um tremendo fracasso de vendas. Ao mesmo tempo, ele guarda a honra de ser um dos jogos mais complexos e bem escritos de todos os tempos.

Tides of Numenera promete unir o útil ao agradável. Ao contrário de seu “predecessor espiritual” e suas inclementes regras de AD&D, o game é baseado no sistema Cypher,  que preza pela simplicidade e clareza.

O que sairá da experiência só saberemos nas próximas semanas (ou meses). Felizmente, não precisamos esperar para ter um gostinho do que está por vir. Tides of Numenera é inspirado um RPG de mesa criado por Monte Cook e lançado em 2013.

Se o livro de referência é algum indicativo, gamers podem esperar um 2016 bombástico. Numenera não é apenas o cenário mais criativo a dar as caras na “renascença isométrica”,  como tem o potencial de ser um jogos mais profundos dos últimos tempos.

Quão profundo? A ponto nos convidar a questionar o que é ser humano.

O que é ‘Numenera’?

numenera 2

Numenera é um mundo de ficção científica disfarçado de fantasia. Ou é assim como o descreve seu criador, Monte Cook, no livro base do cenário. Inspirado na 3ª lei de Arthur C. Clarke (“qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”), Cook nos apresenta uma sociedade medieval construída sobre as ruínas de uma grande civilização futurista.

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Na verdade, não apenas uma, mais oito. O Nono Mundo, como se chama o planeta de Numenera, acompanha a vida da humanidade após oito apocalipses. Quem foram os outros povos? Por quanto tempo eles permaneceram vivos? O que os extinguiu? Ninguém sabe dizer. Para os humanos do futuro, as “maravilhas” do passado não passam de magia.

Numenera não é ambientada em em um futuro “próximo” de alguns séculos ou milênios. Pelo contrário, o Nono Mundo tem início mais de um bilhão de anos depois dos nossos dias. É um futuro tão, mas tão distante que a própria natureza já não é mais a mesma.

numenera tree

O sol inchou e engoliu Mercúrio. Os continentes se unificaram em uma nova Pangéia. Todas as plantas e animais mostram sinais de engenharia genética. Mesmo apontar o que é “natural”  ou “artificial” tornou-se um desafio.

Os habitantes do Nono Mundo não fazem ideia do que aconteceu, mas nem por isso deixam de fazer uso das coisas que os antigos deixaram para trás. Estes “detritos” das eras passadas são os “numenera”, máquinas, instrumentos ou peças cujas funções originais foram perdidas, mas que os novos humanos reaproveitam da forma que podem.

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Tal com em Fallout e outras ficções pós-apocalípticas, os poucos que preservam algum conhecimento científico o protegem com devoção sectária. A Ordem da Verdade – versão ainda mais futurista do Brotherhood of Steel – é uma cabala de “cientistas” que exerce sobre o Nono Mundo o mesmo poder de que a Igreja Católica usufruía na Idade Média.

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Com direito a seu próprio papa

O singular do cenário é justamente o quão distante ele é do nosso presente. Para se ter uma ideia, o período jurássico terminou por volta de 145 milhões de anos atrás. Estamos falando, portanto, de um futuro quase sete vezes mais longe da nós do que nós estamos dos dinossauros.

É possível imaginar um mundo tão diferente? Para alguns, com certeza não. Em 1922, o grande dramaturgo George Bernard Shaw escreveu uma peça ambientada em um futuro “tão longe quanto alcança o pensamento”: o ano de 31920 d.C. Sua brincadeira sequer chega perto do exercício mental que Numenera nos propõe.

Já para outros, não há limites para a imaginação. Nos últimos tempos, não apenas autores de ficção científica, mas também historiadores começaram a pensar na humanidade em uma perspectiva cósmica. E as ideias que eles levantaram podem mudar completamente a forma como vemos o mundo.

A “Big History” e o futuro da humanidade

Historiadores costumam brincar que não é possível estudar “Deus e a sua época”. É preciso ter um foco, nos limitar a alguma época ou lugar. Do contrário, seríamos afogados em trabalho infinito.

Ou, pelo menos, é o que diz a maioria. Outros, mais rebeldes, decidiram pensar diferente.

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Big History” é uma tentativa de fazer o que Monte Cook sugeriu com Numenera: investigar toda a história, desde o Big Bang até o fim dos tempos.

O termo foi inventado nos anos 1980, mas a ideia não é nova. O sonho de uma história “completa”, que fosse capaz de nos “colocar” na galáxia, ou mesmo prever o que seres humanos farão no futuro já convive conosco há algum tempo.

Ele já apareceu, inclusive, em vários clássicos da ficção científica. Entre eles, a saga Fundação, de Issac Asimov, e Last and First Men, de Olaf Stapledon – que  o próprio Cook cita como inspiração de Numenera.

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A questão, que tanto fascinou esses autores, é que pensar em uma “história cósmica” requer levar em conta coisas que mal conseguimos imaginar. Um bilhão de anos é tempo suficiente para que os continentes se rearranjem, extinções em massa aconteçam e mesmo o Homo sapiens evolua para uma nova espécie.

Em nossa rotina de anos, décadas e séculos, é surreal pensar nisso fora de um programa do Neil deGrasse Tyson. Como seriam as pessoas desse futuro remoto? O que aconteceria com os países após mudanças geológicas? Existiria cultura humana? Existiriam humanos?

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Nessa escala, as perguntas são outras. De onde viemos? Qual o sentido da vida? Para onde a civilização caminha? O que significa ter “humanidade”? A ciência deixa de ser uma ferramenta para resolver questões pontuais para tentar responder aos antigos mitos de origem.

Qualquer semelhança com o mundo da religião não é mera coincidência. Não é a toa que, em Numenera, a Ordem da Verdade abriu mão da fachada acadêmica para se transformar em um culto, com direito à sua própria liturgia e guerras santas contra facções hereges.

Os novos “pensadores” têm mais em comum com os antigos sábios do que com os pesquisadores de hoje em dia, com sua rotina burocrática e seus departamentos bem divididos. Trabalhando em conjunto, eles não buscam conhecimento especializado, mas uma “teoria de tudo”.

Rumo à psico-história?

O problema é que com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. E com conhecimento absoluto, somos lembrados de algo que nossos antepassados já sabiam muito bem: a consciência do bem e do mal traz consigo o sofrimento.

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Se realmente existisse uma “teoria de tudo”, o que aconteceria com nosso livre arbítrio? Se nossa inteligência, nossa morte e mesmo nossos gostos e inclinações pudessem ser teorizados e previstos, nós continuaríamos realmente no controle?

Qual o sentido de viver se tudo está “escrito nas estrelas” – ou nos átomos, genes ou números?

Não é preciso esperar um bilhão de anos para fazer a pergunta. Em nossos tempos de big data, transhumanismo e genoma decodificado, muitos cientistas já começaram a perder o sono.

Felizmente para nós, a maioria acredita que o livre-arbítrio é real. O universo humano  é muito complexo para ser ditado apenas pelas leis da física, ou quaisquer outros princípios elementares. E quando mais subimos na “escada” da sociedade humana – do nosso destino pessoal à trajetória de países, civilizações, planetas – mais complexas e imprevisíveis as coisas se tornam.

Mas Numenera não para por aí. O Nono Mundo não é apenas futurista: é construído nas ruínas de civilizações que tiveram o poder de alterar a própria natureza. E por “alterar” não falo de coisas simples, como desviar o trajeto de um rio, mas de transcender a mortalidade, construir estrelas, reescrever as leis da física.

O que impede seres humanos de usarem esse poder para controlar o desenvolvimento da espécie? De decidir quem nasce e quem morre, de projetar indivíduos “sob medida”, de fundir tecnologia e natureza até o ponto em que não saibamos o que é uma coisa e o que é a outra?

Sondas Von Neumann

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Essa é uma daquelas hipóteses que parece boa, até pensarmos nela com mais calma. Graças à Mass Effect, temos um retrato bem convincente do que seria o “pior cenário”.

No game da Bioware, a humanidade descobre ruínas alienígenas e entra em contato com tecnologias avançadas. Graças à isso, a ciência avança a um patamar nunca antes visto, permitindo fontes infinitas de energia, viagens intergaláticas e o contato com outras civilizações.

Em dado momento, no entanto, fica claro que tudo não passa de uma armadilha. A tecnologia em questão foi desenvolvida pelos Reapers, uma raça de naves ciborgues que invade a galáxia a cada 50000 anos para extinguir toda a vida sapiente.

A “ajuda” que os Reapers oferecem é, no fundo, uma ferramenta de controle. Tal como o monólito de 2001, eles “forçam” as espécies a evoluir de uma maneira previsível e observável.

Os Reapers também têm uma “teoria de tudo”. Eles prevêm que a inteligência artificial inevitavelmente destruirá a vida na galáxia. Para eles, a única forma de impedir o desastre é evitar que comece: eliminando os inventores antes que dêem o passo final.

Destruir ou incorporar?

mass effect catalyst

 

Se fãs de Mass Effect se decepcionaram com o final de sua saga, talvez lhes seja um consolo saber que a Bioware não foi a primeira a contar essa história. Nausicaa do Vale do Vento, um clássico de Miyazaki e outra inspiração para Numenera, antecipou a jornada do Comandante Shepard em mais de trinta anos.

Nausicaa se passa em um cenário muito parecido com RPG de Monte Cook. O mundo civilizado foi destruído pela guerra, e as pessoas sobrevivem de “detritos” de uma época mais evoluída. Tal como em Numenera, humanos usam relíquias do passado sem saber como elas funcionam, e a tecnologia caminha bem próxima da magia.

A diferença é que, no conto de Miyazaki, a natureza decide revidar. Para salvar o planeta da aniquilação, o mar podre – uma floresta tóxica de fungos e insetos – começa a se espalhar pela superfície terrestre.

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Nausicaa acredita que a natureza não está errada, e que se os humanos pararem de agredi-la, tudo voltará ao normal. A verdade, no entanto, está muito além do que ela imaginava.

Em um fim digno da trilogia da Bioware, Nausicaa encontra uma inteligência de uma civilização passada, que lhe conta que o mar podre não é natural. Ele foi desenvolvido por seres sapientes para “trazer ordem ao caos”, e “salvar” a humanidade por meio de sua destruição. Só um apocalipse, diz ela, protegeria os seres humanos de acabarem com todo o planeta.

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Mass Effect joga a escolha em nossas mãos como um grande dilema moral. Nausicaa, por outro lado, não tem nenhuma dúvida sobre qual é o caminho certo:

nausicaa scan 3nausicaa scan 4

Morrer, sofrer, ser extinto não são coisas ruins. Elas fazem parte da natureza, e o ser humano, para viver em harmonia com seu ambiente, precisa aprender a aceitá-las. A vida é arriscada e imprevisível, mas é assim que as coisas devem ser. Nunca, em hipótese alguma, nós devemos controlá-la.

Será muito interessante ver o que a equipe da inXile pretende nos contar desse dilema. Felizmente, pelo menos dessa vez nós não dependemos dos desenvolvedores. Por se tratar de um RPG de mesa, todos nós podemos vivenciar nosso futuro distante no Nono Mundo. E decidir, por nós mesmos, o que nos fará humanos daqui há um bilhão de anos.

 

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Um Ano “sem” Studio Ghibli: O que Miyazaki e Companhia nos Deixaram https://www.finisgeekis.com/2015/07/06/um-ano-sem-studio-ghibli-o-que-miyazaki-e-companhia-nos-deixaram/ https://www.finisgeekis.com/2015/07/06/um-ano-sem-studio-ghibli-o-que-miyazaki-e-companhia-nos-deixaram/#comments Mon, 06 Jul 2015 21:57:00 +0000 http://finisgeekis.com/?p=454 O aviso foi feito em 2014: o Studio Ghibli não faria novos filmes, ao menos por um tempo. O fã de longa data, que escuta Miyazaki anunciar a aposentadoria desde 1997, deve ter ficado incrédulo. Porém, um ano depois, parece que seu produtor, Toshio Suzuki, falava sério. Quando Estava com Marnie, lançado no Japão ano passado e em Blu Ray esse ano no ocidente, foi o último coelho a sair da cartola. A companhia que nos deu Totoro e Nausicaa está sem planos imediatos para novos lançamentos.

Aos abalados, um consolo. Suzuki garante que o estúdio voltará, mas deve passar por uma reformulação. Será que as coisas voltarão a ser como antes? Ou teria a era dos filmes clássicos de Miyazaki e Takahata chegado, finalmente, ao seu fim?

Como o Ghibli, só o Ghibli

Se há algo que podemos dizer sobre o estúdio é que ele nunca fez anime como os outros – daí, afinal, a razão de sua justa fama. Mas há algo peculiar – para não dizer esquisito – em seus três últimos filmes. Vidas ao Vento de Miyazaki, Kaguya Hime de Takahata e Quando Estava com Marnie de Hiromasa Yonebayashi são filmes sérios, de temas pesados e andamento lento. Muito lento.

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Hans Castorp, protagonista do livro de Mann, até fez uma ponta

Está certo que dizer que o Studio Ghibli fazia filmes “para criança”  nunca agradou seus fãs, mas algo nesses últimos lançamentos diverge bem da fórmula do “filme família” – mesmo para os padrões Ghibli. Kaguya Hime arranca suspiros com uma estética inédita e uma discussão filosófica que não é para poucos. Vidas ao Vento é a versão anime do clássico A Montanha Mágica, do Prêmio Nobel Thomas Mann. E Marnie, com sua cara mundana e adolescentes em crise, ora se aproxima da melancolia de  Makoto Shinkai, ora da severidade de Colorful.

Comparado com o anime mainstream, a diferença é gritante.  O Studio Ghibli seguiu a sua própria estrada, e parece ter soltado os freios na ladeira. Pode ser que isso seja o que levou seus criadores a repensar as coisas. Ou pode ser que essa receita que só eles sabem preparar seja o que os salvará daqui para a frente.

Os detalhes são tudo

Muito tempo atrás, uma amiga americana me levou para conhecer um casal próximo à família. Eles moravam em uma enorme casa de lago no estado mais-do-que-remoto de New Hampshire. Para o paulistano que sou, acostumado desde sempre a prédios, casas pré-fabricadas e móveis comprados nas melhores do ramo, o choque foi total.

O edifício parecia ter sido contruído pelos colegas em um fim de semana, acompanhados por alguns engradados de cerveja. As vigas, tábuas e pilares eram todas irregulares, como se eles houvessem simplesmente cortado as árvores e removido as folhas. Não era uma casa desagradável, pelo contrário: combinava como nenhuma outra coisa com a paisagem de florestas e estradas de terra. Mas eu nunca havia visto nada do tipo.

Em Quando Estava com Marnie, a adolescente Anna, melancólica e perdida com a vida, passa o verão em uma cidade interiorana. Quando o filme nos mostra a casa onde a garota passa a viver, o clique na memória foi quase imediato:

arnie house 3 marnie house 2

marnie house 3

Yonebayashi não reproduziu uma casa no campo qualquer, tirada do manual de desenho. Ele nos recriou uma casa nos seus mínimos detalhes, coisa que passaria batido para qualquer um que não tivesse visto algo parecido.

Miyazaki já disse que para retratar o mundo é preciso conhecê-lo. Ficar trancado em um estúdio na frente de uma mesa de desenho não faz de ninguém um artista. Daí sua tristeza com muitos de seus colegas, que vivem e respiram no mundo do anime e não têm ideia do que se passa além dele. Em Marnie, seu companheiro de estúdio Yonebayashi segue isso à risca. Talvez pela exigência do enredo, talvez pelo andamento devagar, o filme nos traz um detalhismo que deixa até mesmo os outros títulos do Studio Ghibli com inveja. Um tomate sendo cortado sem fazer sujeira. A mistura de pessoas à paisana e de yukata no festival de verão. O sacolejar de um carro pequeno lotado de tranqueiras de viagem. O jeito certo de se comer ovo frito com hashi.

marnie egg

a referência, para os curiosos

Há quem diga que vivemos em tempos tão cibernéticos que ninguém mais se interessa por coisas reais. A popularidade dos filmes do Studio Ghibli me faz questionar o palpite. Não se trata apenas de “realismo”, mas de honestidade com o mundo de verdade. Poucas coisas nos tocam como aquelas que, como a casa de vigas irregulares, nos fazem lembrar de que dividimos o mesmo mundo. Como entregar esse tipo de obra é tudo menos fácil, e os animadores do Ghibli são tudo menos comuns, esse pode ser o caminho para o futuro do estúdio.

O diferencial é a alma do negócio

Em sua queixa contra o excesso de hype na E3, a colunista de games Liana Kerzner disse (com muita razão, diga-se de passagem) que trailers cinemáticos não servem para nada. Nos dias de hoje, “ser bonito” não é suficiente. Todos os jogos são bonitos.

A colocação também vale para o anime. Foi-se o tempo em que a diferença entre uma série “comum” e uma superprodução à la Nausicaa  nos fazia pensar que se tratavam de mídias diferentes. A animação japonesa mainstream melhorou e muito. Computação gráfica se tornou um recurso comum. O outsourcing para a China e Coreia reduziu os custos de produção. Tirando os efeitos de luz e água dos filmes do Shinkai, é bem difícil encontrar algo que faça nosso queixo cair.

Adicione a isso o fato de que o Studio Ghibli dificilmente continuará o rei de bilheterias. Princesa Mononoke foi o filme mais visto da história do Japão, perdendo apenas para Titanic. Mesmo o pouco ortodoxo Vidas ao Vento faturou US$ 120 milhões de dólares. Já Marnie, sem a assinatura de Miyazaki, não lucrou sequer um quarto disso. O criador de Totoro não é só um grande artista; ele é uma marca pela qual as pessoas pagam mais. O estúdio se recusa a fazer outsourcing, então é pouco provável que os custos diminuam se continuarem do jeito que estão. E Miyazaki em pessoa disse achar que a “era do lápis, papel e filme está chegando ao fim“.

As coisas precisam mudar, mas é importante que os dirigentes do estúdio mantenham aquilo que os distingue dos outros. Em tempos de filmes grandes, épicos e impressionantes, são os pequenos detalhes que farão a diferença. Nunca antes a animação de uma garota comendo um ovo, caindo na água ou cortando um tomate foi tão importante.

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Miyazaki e Oshii na mesma página? https://www.finisgeekis.com/2015/01/31/miyazaki-e-oshii-na-mesma-pagina/ https://www.finisgeekis.com/2015/01/31/miyazaki-e-oshii-na-mesma-pagina/#respond Sat, 31 Jan 2015 21:45:05 +0000 http://finisgeekis.com/?p=15

Hayao Miyazaki, a grande lenda viva do mundo do anime, deu recentemente uma declaração bombástica: a indústria de animação japonesa vai mal porque está “cheia de otakus”. Aos fãs de plantão: não se assustem. O mestre do Studio Ghibli não os odeia. A sua queixa, na verdade, é bem específica, e sem dúvida é partilhada por uma boa fatia de seu público alvo.

Miyazaki critica criadores que não sabem como humanos de verdade funcionam. Obcecados pela cultura interna do mundo otaku, não passam tempo suficiente “observando pessoas reais”, e vivem a vida “interessados apenas em si mesmos”. O problema é o excesso de auto referência; uma indústria com olhos apenas para si mesma e que, por consequência, reduz mais e mais o rol de coisas que sabe representar. Daí as hordas de garotas moe, heróis shounen estereotipados e a oferta infindável de personagens idênticos em histórias idênticas em revistas e séries de alta circulação.

Válido ou não, não pude deixar de sorrir com o comentário do diretor. Primeiro porque as diferenças de Miyazaki com a animação de seu país não são de hoje. Desde os longínquos anos 1980 ele nunca hesitou em olhar para fora, para a fartura visual de estúdios como a Disney, em vez de improvisar uma linguagem com poucos recursos e baixo orçamento, como fizeram, por exemplo, os visionários do gênero mecha. Mas, sobretudo, porque seu resmungo é quase idêntico à alfinetada que recebeu anos atrás de seu antigo colaborador, Mamoru Oshii.

Sky Crawlers e os adultos-criança

Criador de Ghost in the Shell, inspiração de Matrix (na minha opinião, um melhor contraponto para Blade Runner), Oshii é quase tão famoso quanto o criador de Viagem de Chihiro. A diferença, óbvia para os familiares com sua obra, é o tom mais adulto, sério e socialmente crítico que adota em seus filmes.

Em uma entrevista de 2008, quando seu filme Sky Crawlers foi indicado para o festival de Veneza, Oshii deixou isso bem claro. Os filmes de Miyazaki são ótimos de se ver, ele disse, mas são maravilhosos, otimistas, bonitos. O problema é que nem só de beleza é feito o mundo. A fantasia glamorosa de Miyazaki, conquanto um “doce para os olhos”, não é real o suficiente.

A crítica não poderia ter vindo em momento melhor. Sky Crawlers é uma metáfora da infantilização na era contemporânea, do mito do “adolescente eterno” e da cultura otaku, especificamente. O argumento é o de uma sociedade que produz adolescentes que não crescem, e que os emprega como bucha de canhão em batalhas aéreas encenadas. Os jovens (chamados Kildren) vivem vidas ocas, com muito álcool, sexo e violência, até o momento em que são abatidos em frente às câmeras às custas de uma boa audiência. Quando mortos, são substituídos por outros jovens idênticos em aparência e comportamento: nesta sociedade, tal como na nossa, o importante não é ser criativo, mas se misturar à tribo.

Em seus reality shows aéreos, há apenas um piloto que jamais foi derrubado. Ele é, sugestivamente, um adulto. Mais sugestivamente ainda, seu codinome é Teacher. Os Kildren são livres para curtir uma breve vida de libertinagem, mas sabem que, cedo ou tarde, seu destino é morrer nas mãos do Teacher. A trama acompanha o drama de um casal, Kusanagi e Yuuichi, que se desesperam com o vazio da adolescência e desejam crescer. Kusanagi tornou-se mãe e se angustia com o fato de que, em alguns anos, suas filhas serão adultas e ela continuará uma criança. Em um final que só poderia ser mais didático se Oshii nos explicasse com um quadro negro, Yuuichi larga tudo e parte para um duelo com Teacher, argumentando que, para se libertar de sua prisão adolescente, precisa “matar o seu pai.”

Sky Crawlers é um soco no estômago para adolescentes e jovens adultos, e sua mensagem só ficou mais forte pelo fato do filme ter sido lançado junto ao levíssimo Ponyo. Mas eu me pergunto se Miyazaki, ou pelo menos o Miyazaki de 73 anos, que se aposentou com uma reflexão sobre o complexo militar-industrial japonês da Segunda Guerra, discordaria da conclusão. Mais do que nunca, os dois gênios parecem estar na mesma página.

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