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Guerra – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Sat, 02 Mar 2019 19:38:16 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Guerra – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 3 jogos para entender a Primeira Guerra Mundial (antes de ‘Battlefield 1’) https://www.finisgeekis.com/2016/05/17/3-jogos-para-entender-a-primeira-guerra-mundial-antes-de-battlefield-1/ https://www.finisgeekis.com/2016/05/17/3-jogos-para-entender-a-primeira-guerra-mundial-antes-de-battlefield-1/#respond Tue, 17 May 2016 11:56:36 +0000 http://finisgeekis.com/?p=5293 No mundo dos games existem alguns mandamentos não-escritos. Até pouco tempo atrás, “Não ambientarás teu jogo na Primeira Guerra Mundial” estava no topo da lista.

De fato, se a Segunda Guerra Mundial é um dos períodos históricos mais abordados de todo o meio, a Primeira sempre mereceu notas de rodapé. Ou, no melhor das hipóteses, uma menção indireta em algum título grand strategy.

As razões já foram ditas e repetidas. Batalhas em trincheiras são paradas demais. Os motivos que levaram à guerra são complexos, e não há nenhum Hitler para nos servir de vilão óbvio.

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Até, claro, Battlefield 1. O novo hit da DICE , anunciado para outubro, promete finalmente tirar a “Guerra para Acabar com Todas as Guerras” do esquecimento.

Isso tudo é verdade, mas nem tanto. A despeito da falta de amor do mercado AAA, muitos desenvolvedores ao longo dos anos arregaçaram as mangas para criar jogos interessantíssimos sobre o primeiro grande conflito total.

Sem as algemas de orçamentos milionários ou a pressão midiática da E3, alguns estúdios  conseguiram produzir jogos que não só não ignoraram o que fez a Primeira Guerra tão peculiar, como tiveram sucesso justamente por isso.

Estejam vocês ansiosos por Battlefield 1, ou apenas animados em ver a Primeira Guerra finalmente conquistar os holofotes, abaixo vão três jogos (dos mais diferentes gêneros) para entender por que 1914-1918 foram os anos que inauguraram o mundo contemporâneo.

1) Verdun 1914-1918 

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De todos os games da lista, Verdun 1914-18 certamente é o que chega mais perto do que esperamos de Battlefield 1. Tal como o novo lançamento da DICE, o game é um FPS ambientado na Primeira Guerra.

Encarnando soldados alemães, franceses, americanos, ingleses ou canadenses, jogadores podem reviver algumas das batalhas mais sangrentas do Front Ocidental. Combates em trincheiras não são coisa fácil de se reproduzir em videogames, mas Verdun faz um ótimo trabalho em retratar a claustrofobia e carnificina da guerra de atrito.

verdun trench

Em seu principal modo de partida, Frontlines, os jogadores precisam defender suas posições e ganhar terreno sobre as linhas inimigas.

Em dados momentos, ordens de avanço são proferidas, e os soldados devem escalar suas trincheiras e investir contra seus inimigos. Se o ataque for mal sucedido, a debandada é soada, e os jogadores tem de correr de volta ao seu refúgio e defendê-lo a todo custo.

verdun charge 2.png

O “pulo do gato” é que obedecer aos comandos não é uma alternativa. Recusar-se a recuar ou atacar as linhas inimigas pode fazer com que o jogador seja automaticamente executado por deserção.

O resultado é um jogo incrivelmente tenso, que captura com vigor o desespero de avançar contra balas de metralhadora, ou de escutar os assobios das bombas e saber que a trincheira onde estamos presos está prestes a ser obliterada.

Adicione a isso arame farpado, gás venenoso, poças de lama e ataques noturnos e temos um jogo que reproduz como poucos outros o estresse do front. Verdun pode dar nos nervos de quando em quando, mas nunca falha em nos deixar colados ao monitor.

verdun trench carnage

O game não possui uma campanha single-player nem um bot mode, mas isso não deve dissuadir fãs de Battlefield. Afinal, desde o original 1942 o carro chefe da franquia foi sempre as batalhas coletivas.

2) Valiant Hearts: The Great War

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Valiant Hearts é um adventure game com traço cartunesco que não tem nada de inocente. Por meio de quebra-cabeças e uma narrativa visual e minimalista, o jogo nos empurra para a brutalidade das trincheiras, a miséria dos civis e os milhões que perderam a vida entre 1914 e 1918.

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Produzido na França e lançado em 2014, exatos 100 anos após o início do conflito, ele  é o jogo “oficial” da Primeira Grande Guerra: foi lançado em parceria com a Mission Centenaire 14-18, uma iniciativa do governo francês para preservar a memória do conflito.

O game acompanha a vida de quatro pessoas unidas pelo embate. Karl, um alemão que vive na França, é forçado a retornar ao seu país natal e lutar contra a família que o acolheu. Seu sogro, Émile, é enviado à trincheira oposta. Anna é uma estudante belga que se torna enfermeira, e Freddie, um voluntário americano em busca de vingança.

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Valiant Hearts é um jogo militar tanto quanto O Túmulo dos Vagalumes é um filme de guerra. Dizer que é “pacifista” não é exatamente errado, mas não chega perto de sua proposta. Entre 1914 e 1918, não existiam vilões óbvios, e a produção da Ubisoft deixa claro que todos estavam à mercê de uma situação sobre a qual não tinham poder.

Como eu mesmo disse em uma das primeiras colunas do Finisgeekis, a intenção do game não é passar uma lição de moral, ou nos ensinar “a história” para que ela não se repita. É, tão e simplesmente,  celebrar a dor e o sacrifício daqueles que viveram – e morreram – nesse período tão sombrio.

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Como era de se esperar do selo Ubi Art (que também trouxe o excelente Child of Light), Valiant Hearts é acessível sem ser bocó e entrega tanto para veteranos de adventure games quanto para gamers mais casuais.

Que o jogo tenha tido a coragem de abordar um tema tão sério de maneira tão leve é uma façanha – e uma lição a ser estudada pela indústria.  Em um mercado infestado de referências batidas aos anos 1990 e ladainhas adolescentes de hipsters de 30 anos, Valiant Hearts nos emociona com uma história que chora por ser contada, e que prova acima de qualquer suspeita que há espaço para arte nos games.

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Quando falo em “emocionar”, não estou sendo leviano. O game tem um dos finais mais belos e depressivos da história da mídia e levou até críticos profissionais às lágrimas. Embarque com fé nesse trem de feels, mas não se esqueça da caixa de lenços.

 

3) Commander: The Great War

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Fidelidade histórica e dificuldade excruciante geralmente são coisas que atribuímos à Paradox. De fato, o estúdio que trouxe Europa Universalis não deixou a Grande Guerra batida. Victoria II permite que acompanhemos qualquer nação do globo entre 1836 e 1936. Já Darkest Hour: A Hearts of Iron Game é um mod de Hearts of Iron II que nos joga de cabeça no conflito de 1914.

Para quem já gabaritou os games do estúdio, ou apenas deseja buscar novos ares, pode experimentar Commander: The Great War. Trata-se, sem mais nem menos, do jogo definitivo para quem não tem medo de complexidade ou de telas de game over.

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Commander: The Great War é  wargame das antigas, com direito a um grid hexagonal, turnos longos e um visual retrô mimetizando um tabuleiro.

Não deixem a aparência datada intimidá-los. O jogo é um verdadeiro triunfo de gameplay balanceado e tem sucesso em um feito raro: suas mecânicas são incrivelmente fáceis de se aprender, mas estupidamente difíceis de se dominar.

Da poltrona dos generais, temos uma visão “aérea” do conflito, mobilizando regimentos e orientando a produção industrial. O sistema de batalhas é intuitivo e divertido. A árvore tecnológica é simples, e as poucas mecânicas de economia não chegam aos pés do hermetismo típico do grand strategy.

commander great war units

O diferencial, no entanto, é a escala das coisas. Se na maioria dos games controlamos países, Commander: The Great War nos obriga a assumir todas as facções mobilizadas.

Jogadores devem controlar a força de todas as ações da Tríplice Entente ou dos Poderes Centrais em todos os teatros de guerra. Escalar as trincheiras inimigas não é suficiente. É necessário ter olhos abertos para o Báltico, o Oriente Médio, os Balkans e os Estados Unidos. Tudo ao mesmo tempo.

Não importa quão experiente você seja: não espere uma blitzkrieg típica dos jogos Total War. Commander: The Great War deixa muito claro o que é uma guerra de atrito. Avanços são lentos, unidades causam poucos danos, vitórias táticas são efêmeras. Para triunfar, é preciso pensar no longo prazo – contra uma inteligência artificial demoníaca, mesmo na dificuldade mais piedosa.

O jogo é tão, mas tão realista que torna até difícil “desviar” da história. Se nos games da Paradox  é possível resistir aos mongóis, descobrir a América com os romanos ou transformar o Império do Brasil na grande potência do globo, em Commander: The Great War reescrever o final da guerra exige esforço monumental.

Não importa quanto nos esforcemos: o reino da Sérvia dificilmente resistirá à Áustria-Hungria. Os russos sempre sucumbirão ao bolchevismo. Os rebeldes árabes e suas armas pré-históricas funcionam como bucha de canhão contra os igualmente jurássicos otomanos, mas jamais resistirão a um exército avançado.

Isso pode ser bom ou ruim, dependendo do que o fã de estratégia tiver como prioridade. Só não espere terminar o jogo rápido, ou derrotá-lo de primeira. Se existisse um troféu “git gud” de sadismo em videogames, Commander: The Great War seria hors concours. 

Bônus: Bioshock Infinite e Red Dead Redemption

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Como quem a jogou sabe muito bem, a sequel da obra-prima de Ken Levine não é um game sobre a Primeira Guerra. No entanto, o jogo é uma das reflexões mais interessantes – e menos óbvias – do grande conflito de 100 anos atrás.

Bioshock: Infinite se passa em 1912, mas seu futurismo steampunk antecipa muito da tecnologia que se tornaria habitual entre 1914 e 1918. No jogo, a pistola nada mais é do que a Mauser C96, uma das armas mais famosas do exército alemão. O sniper é o Springfield 1903, fuzil padrão da infantaria americana em 1917. E o icônico Triple R é a Bergmann MP18, uma submetralhadora experimental usada pelos alemães no final da guerra.

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Fãs de FPSs contemporâneos poderão estranhar a tecnologia centenária que Battlefield 1 quer trazer à tona. Veteranos da saga de Booker de Witt, no entanto, sentir-se-ão em casa no game da DICE.

A maior referência do jogo, porém, não está em seus detalhes, mas em seus temas. Bioshock: Infinite nos leva a uma cidade fictícia que encarna às últimas consequências do extremismo político do início do século XX.

O mesmo extremismo que, com o assassinato do Arquiduque Ferdinando, levaria a uma espiral de destruição nunca antes vista na história. É, entre outras coisas, a época em que os EUA, então um país isolacionista, começava a mostrar as garras como futura potência mundial.

bioshock

Não é à toa que boa parte da iconografia da cidade voadora de Columbia é baseada diretamente em material contemporâneo à Grande Guerra. Inclusive um de seus mais famosos pôsteres de propaganda:

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Não é à toa, também, que Zachary Comstock, o líder da metrópole voadora de Columbia, fez sua carreira na Rebelião dos Boxers. Foi, não por acaso, uma das primeiras intervenções militares americanas em terras estrangeiras. Intervenções que, com os 14 Pontos de Woodrow Wilson e a Liga das Nações, se tornariam a nova regra.

red dead redemption american army captain

“Strange times we live in, partner. Strange times.”

Red Dead Redemption, o faroeste mundo-aberto da Rockstar, aborda essa mudança de forma ainda mais explícita. A trama se inicia em 1910 e nos leva até 1914, quando a guerra tinha acabado de ser declarada, e os americanos a encaravam ainda como um pequeno conflito que acabaria em algumas semanas.

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John Marston, nosso protagonista, não é um fora da lei no sentido de que é um criminoso (mesmo que já tenha participado de uma gangue), mas porque está “fora do sistema” em um mundo industrializado onde não mais tem espaço.

A transição de New Austin e México para West Elizabeth, no terceiro ato do jogo, é também a evolução dos Estados Unidos da fronteira e liberdade irrestrita ao Estado forte e militarizado da Prohibition, da linha de montagem e das guerras mundiais.

É simbólico que Marston comece sua jornada com o rifle Winchester, a arma que “conquistou o oeste”, e a termine a bordo de um carro blindado da Primeira Guerra, fuzilando inimigos com uma metralhadora Browning.

red dead redemption maxim gun

Talvez o mais interessante na Primeira Guerra não sejam nem os tanques, os ataques com baioneta ou os duelos aéreos do Barão Von Richthofen, mas essas  consequências mais sutis.

É verdade que a Segunda Guerra Mundial foi o conflito mais mortífero da história. E é também verdade que a Guerra Fria nos colocou no lugar em que estamos hoje.

Contudo, o conflito de 1914-1918 foi o chacoalhão que nos lançou ao mundo moderno, que enterrou os velhos impérios e inaugurou os novos países, que ditou que a industrialização, era o caminho, que as cidades ultrapassariam o campo e que a vida pacata de outrora, daqui para a frente,  só existiria na fantasia.

Que a “nova moda” da Primeira Guerra – se moda ela de fato se tornar – seja uma oportunidade para vermos não apenas Mark 1s e Fokkers, mas tudo isso com maior frequência.

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‘Zero Eterno’: Eram os kamikaze terroristas? https://www.finisgeekis.com/2015/07/27/zero-eterno-eram-os-kamikaze-terroristas/ https://www.finisgeekis.com/2015/07/27/zero-eterno-eram-os-kamikaze-terroristas/#comments Mon, 27 Jul 2015 20:56:03 +0000 http://finisgeekis.com/?p=516 Convenções de anime têm muito atrativos, mas poucos, na minha opinião, são tão legais quanto varar um estande de sebo ou livraria de mangás e achar algo que não sabia que existia. Nesse ano, o “achado” foi Eien no Zero, ou Zero Eterno, uma minissérie bonitona lançada pela JBC como parte de seu selo “especial”, com direito a papel off-set e orelhas. Se o título já não entrega, a capa sem dúvida o faz: Zero Eterno é uma mangá sobre caças. Mais precisamente, sobre a segunda coisa que vem à mente quando pensamos no Japão em guerra: os kamikaze.

A primeira dispensa comentários

A primeira dispensa comentários

O mangá é baseado em um romance bestseller do escritor Naoki Hyakuta, lançado em 2006. O  sucesso do livro foi tão grande que inspirou também uma superprodução cinematográfica em 2013, que se tornou um dos filmes mais vistos da história do Japão. A trama acompanha Kentaro, um jovem que decide pesquisar sobre a vida de seu avô, um piloto de Zero (o caça japonês da Segunda Guerra) que se suicidou em um ataque kamikaze.

Tudo estaria certo, não fosse um encontro que tem com um jornalista. Segundo ele, os kamikaze não eram pessoas normais obrigadas a se matar por uma guerra sem sentido, mas guerreiros fanáticos que se voluntariavam para servir ao Imperador. Eram pessoas doutrinadas a valorizar suas causas políticas mais do que a própria vida, não muito diferente dos militantes da Al Qaeda ou do Estado Islâmico. Em suma, eram terroristas.

Incomodado ao pensar no avô como um predecessor dos homens-bomba, nosso protagonista parte em uma jornada entrevistando veteranos que o conheceram. O que ele descobre muda completamente sua visão. Kyuzo Miyabe, seu avô, era um piloto habilidoso, porém tinha fama de covarde. Ao contrário de seus comandantes, que pregavam o sacrifício pela pátria, ele buscava sobreviver a todo custo. Sua mentalidade (ao menos à primeira vista) era “contemporânea”: sua vida, e o bem-estar de sua família, falavam mais alto que qualquer imperador.

Contudo, o depoimento não entrega o maior dos mistérios: como um sujeito desses decidiu se voluntariar para um ataque suicida? Teria ele sido forçado? Teria ele mudado de ideia? Por quê?

A complicada memória japonesa

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Eu não me canso de ler (ou assistir) japoneses falando sobre a Segunda Guerra. Na mídia ocidental, o conflito de 1939 a 1945 é quase sempre retratado como uma luta simbólica entre o bem e o mal, entre os defensores da nossa liberdade e os monstros responsáveis por todos os males do mundo, do aquecimento global às flame wars do Facebook.  Às vezes, para efeito dramático, colocamos heróis superpoderosos do lado dos aliados e transformamos nazistas em zumbis. A diferença é apenas estética: a Segunda Guerra foi um morticínio, mas nem por isso deixou de ser a “boa guerra”, a “guerra honesta”, a guerra “necessária”.

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Já no Pacífico, qualquer obra sobre o conflito global é um chute no vespeiro. Ao contrário da Alemanha, o Japão manteve seu imperador, vivo e no poder, até sua morte em 1989. Para quem viveu essa época, fica difícil enxergar o fim da Segunda Guerra como um divisor de águas. O fato dos anos 1980 terem sido um auge da economia do país só complica as coisas. Para o japonês baby boomer, a Era Shouwa, do imperador Hirohito, foi a era da prosperidade.

Para piorar, os ocidentais antiamericanos, que adoram pregar que o Ocidente é culpado por tudo o que tem de errado no planeta, têm dificuldades para entender que o Império do Japão foi uma das ditaduras mais sangrentas da história. Ainda mais quando a maior parte da sua “resistência de oprimido” foi dirigida contra outros povos asiáticos: chineses, filipinos, indonésios. Os ultranacionalistas japoneses (pensem nos defensores da nossa ditadura) foram rápidos em agarrar a deixa. Segundo eles, o Japão foi uma “vítima” que lutou para se defender, e os crimes contra a humanidade que cometeu não passam de  “propaganda comunista”.

Assim, não é de se espantar que obras japonesas sobre a guerra gerem debates acalorados. Zero Eterno não fugiu à regra. Hayao Miyazaki, que abordou questões similares em seu Vidas ao Vento, chamou a obra de “uma pilha de mentiras” que induz jovens a se orgulharem dos pilotos de Zero.  Quando o premiê japonês Shinzo Abe disse que se emocionou com a adaptação à telona, a mídia não perdoou. Os veículos chineses acusaram a obra de ser “propaganda para o terrorismo”. A Economist, num artigo provocativo intitulado “A direita japonesa: missão cumprida?” diz que seu autor, Naoki Hyakuta, é um extremista político que prega que o Massacre de Nanquim em 1937 nunca aconteceu.

O que mais parece ter incomodado em Zero Eterno é a ideia de que os kamikaze teriam sido patriotas, que lutavam e se sacrificavam por convicção. Na realidade, dizem os críticos, a maior parte dos pilotos se alistava contra a sua vontade.

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Tenho minhas dúvidas de que as coisas sejam assim tão simples. A visão dos críticos é mais confortável, e mais parecida com a história “Capitão América vs Caveira Vermelha” que virou regra no ocidente. Todos são “vítimas” de uma ideologia malvada que não existe mais, e tudo o que foi feito em nome dela é errado.

O problema, infelizmente, é que fanáticos existem, e eles não são um ponto fora da curva. Décadas atrás, Haruko e Theodore Cook lançaram Japan at War: An Oral History, uma compilação de entrevistas com vários sobreviventes da Segunda Guerra. Basicamente o mesmo tipo de livro que o protagonista de Zero Eterno busca escrever. A variedade dos testemunhos é enorme, mas neles podemos separar claramente os alistados contra a própria vontade daqueles que se voluntariaram para morrer.

Um deles, piloto de kaiten (submarino suicida), diz que até hoje se sente envergonhado por não ter morrido pela glória do Imperador. Outro, que servira no exército, disse que as bombas atômicas foram apenas um arranhão, e que o Japão teria vencido a guerra caso não tivesse se rendido.  Os pacifistas que me perdoem, mas esse é o tipo de depoimento que eu espero de um homem-bomba.

Os “patriotas” da obra de Hyakuta existiram de fato. Que não fossem todos patriotas, obviamente, é outra história. No entanto, mesmo aqui acho que os detratores do Zero Eterno pegaram pesado demais. O autor é bem insistente ao dizer que os motivos que levavam cada um daqueles jovens a se tornar kamikaze eram muito diferentes. Um dos veteranos que Kentaro entrevista era um garoto pobre, forçado a trabalhar desde criança e que apanhava de todo mundo. A glória da aviação lhe dava aquilo que ele nunca teve: reconhecimento, fama, e – acima de tudo – um jeito de fugir dos espancamentos.

Ele não é um exemplo único. Em toda sociedade há uma multidão de jovens sem propósito, que se acham um lixo e são odiados ou ignorados pelos outros. Nenhum filme retratou isso melhor do que o alemão A Onda, em que um professor cria acidentalmente uma seita fascista na intenção em ensinar a seus alunos como o fascismo funciona. A garota popular da sala, amiga de todo mundo, é a primeira a perceber que há algo errado e pular fora. Já aquele que leva a doutrina às suas últimas consequências é justamente o excluído, o “estranho”, o sem amigos. Convença uma pessoa de que ela é infeliz, de que a culpa é dos outros e de que ela tem direito de odiá-los e o caminho para o fanatismo está aberto. Não é a toa que os extremismos foram (e sempre serão) tão populares.

O certo, o errado e o badass

pacific squadron

Resta aqui a crítica de Miyazaki, a mais simples e ao mesmo tempo mais incisiva de todas. O feedback negativo da lenda viva do Ghibli parece ter incomodado Hyakuta. Em uma troca que parece saída de uma briga na pré-escola, ele respondeu que “Miyakazi não bate bem da cabeça” e que Vidas ao Vento é que é cheio de mentiras. O criador de Nausicaa pode ser muitas coisas, mas incoerente ele não é. Como aqueles que assistem seus filmes já sabem de cor e salteado, para ele qualquer glorificação de batalha é errada. A guerra é ruim e ponto final. Não há “males menores”. Não há “causas justas”. Não deveria haver beleza alguma nas coisas que matam (daí o conflito do protagonista de Vidas ao Vento).

Infelizmente para Miyazaki, essa não é uma luta (com o perdão do trocadilho) que ele tem chances de ganhar, ao menos não em seu nível mais abstrato. O combate aéreo da Segunda Guerra Mundial tem um glamour que Castelo Animado nenhum é capaz de apagar. Antes dos mísseis teleguiados e jatos supersônicos, o combate nos céus era uma questão de habilidade. A dogfight do século XX era um duelo de perícia, inteligência e familiaridade com a máquina. Não é por acaso que elas serviram de base para as eletrizantes batalhas de Star Wars e para alguns dos videogames mais memoráveis de todos os tempos.

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Dá para entender porque as lembranças desses combatantes soam tão entranhas aos nossos ouvidos. Eugene Sledge, fuzileiro naval americano cujas memórias inspiraram a série The Pacific, narra que a guerra terrestre era tão cruel e violenta que soldados de ambos os lados chegavam a profanar cadáveres em busca de troféus. Cabeças, dedos e orgãos genitais eram decepados e mostrados aos outros por orgulho. O próprio Franklin Roosevelt chegou a ganhar de presente um abridor de cartas feito com ossos de um japonês. O inimigo era tão odiado que deixava de ser visto como ser humano.

Nos céus, a coisa era outra. Pilotos de caça não viam sangue, apenas explosões. Não havia massacres de prisioneiros, apenas confrontos com oponentes armados. Não havia baixas de civis, pois as batalhas eram travadas em alto-mar, com aviões pousando e saindo de porta-aviões ou de pistas em ilhas isoladas. A impressão, pelo menos, era de uma “guerra limpa”.

O exemplo mais chocante é o de Saburo Sakai, um ás da aviação japonesa que até faz uma ponta em Zero Eterno. Sakai foi um dos combatentes mais entrevistados da Segunda Guerra, e seus depoimentos podem ser encontrados na internet às dúzias. As histórias que ele conta são muitas vezes inacreditáveis. Em uma batalha, ele derrubou um grupo inteiro de bombardeiros, com exceção de um avião: por acaso, era aquele no qual servia Lyndon B. Johnson, futuro presidente dos EUA. Em outra, ele foi metralhado em vôo, perdeu um olho e conseguiu pousar em segurança. Depois da guerra, ele procurou, encontrou e ficou amigo do artilheiro que o havia atingido.

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Saburo Sakai é um homem que nos faz coçar a cabeça em confusão. Ele nunca guardou mágoas pela guerra e se tornou um grande fã da cultura americana, a ponto de mandar seus filhos estudarem nos EUA para “aprenderem o que é democracia”.  Ele era presença garantida em encontros de veteranos americanos, e morreu em 2000 durante um jantar com seus ex-inimigos na base militar americana de Atsugi. Sakai também teve um pé no mundo geek, servindo de consultor para o videogame Combat Flight Simulator 2.

Ao mesmo tempo, ele dizia que as atrocidades cometidas pelo seu país eram “exageros” feitos por oportunistas em busca de indenização do governo japonês. Pior ainda, em um episódio para dar “tela azul da morte” a qualquer militante antiamericano, ele disse que Paul Tibbets, piloto do avião que lançou a bomba em Hiroshima, foi um “grande herói dos EUA” e que teria feito a mesma coisa se estivesse em seu lugar.

Quem está certo em toda essa história? Eu não faço ideia e às vezes tenho medo de saber. Mas é justamente por tocarem em assuntos tão complicados, contraditórios e espinhosos como esse que obras como Zero Eterno me fascinam tanto.

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A guerra que enlouquece os homens https://www.finisgeekis.com/2015/03/23/a-guerra-que-enlouquece-os-homens/ https://www.finisgeekis.com/2015/03/23/a-guerra-que-enlouquece-os-homens/#respond Mon, 23 Mar 2015 11:33:02 +0000 http://finisgeekis.com/?p=124 Na semana passada eu falei sobre guerra e coisas que as pessoas preferem esquecer. Como tudo na vida, há sempre um contrário. Se animes como Shingeki no Kyojin simplificam o conflito aos seus ingredientes mais básicos, outros parecem batalhar desesperadamente para que nada se perca. Alguns acontecimentos são dolorosos demais para ser lembrados. Outros, ainda piores, são dolorosos demais para serem esquecidos.

Na animação japonesa, trabalhos assim aparecem de quando em quando. O recente Giovanni no Shima é um exemplo. Porém, a maior referência continua sem sombra de dúvidas O Túmulo dos Vagalumes, de Isao Takahata. O filme se tornou um marco do Studio Ghibli, do mundo do anime e da animação de uma forma geral, a ponto de ter eclipsado um pouco o diretor, cuja obra inclui o Kaguya Hime de que falei há tempos (e é aqui que o leitor começa a ver um padrão nas coisas de que escrevo).

A dor de pessoas comuns

A trama abre com o narrador, o garoto Seita, anunciando a data de sua morte. Em um flashback, somos levados ao Japão de alguns anos antes, em que Seita, junto à sua irmã, Setsuko, se tornam órfãos depois de sua cidade ser destruída por um bombardeio incendiário. A história então nos mostra a luta dos irmãos para sobreviver sozinhos num país devastado pela guerra, com um pequeno (e terrível) detalhe: sabemos que nenhum dos dois sobreviveu, e que em algum momento do filme nós presenciaremos seu último suspiro.

grave-firefliesO filme é de uma tristeza visceral, e seu poder está não apenas no sentimento de impotência que atiça em nós, mas na escolha de temas. Este não é o lugar para a discussão de estratégias, cenas de batalha ou personagens famosas. A guerra é mostrada vista “de baixo”, sem julgamento quanto a seus motivos ou causas. É a força das imagens, pura e simplesmente, que faz o truque: Seita tentando distrair a irmã após sua cidade, bombardeada, ter virado pó. Corpos desfigurados pelo fogo jogados em valas comuns. Setsuko sucumbindo à inanição.

Um crítico insensível talvez apontasse que, no final, O Túmulo dos Vagalumes não é lá tão diferente de Attack on Titan. Afinal, ele foca na parte “conveniente” da guerra (o sofrimento aos japoneses) ignorando as decisões nefastas que levaram o Japão à guerra em primeiro lugar. Contudo, a mera força dramática do filme derruba tais argumentos. Trata-se de um lamento sobre o sofrimento humano, que de tão forte e sincero é capaz de comover qualquer um, em qualquer época e contexto.

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O lúdico e o trágico

Videogames têm mais dificuldade em falar de guerra, e não por acaso. Não é à toa que o primeiro grande livro sobre jogos tenha sido publicado às vésperas da Segunda Guerra Mundial, com a conclusão de que o lúdico é incompatível com a guerra total. Não importa quão perspicaz, forte ou capaz com uma arma um soldado seja: nada o salvará de uma bala perdida, de uma bomba atômica, da gripe espanhola ou de um campo de concentração. A sobrevivência depende do acaso e de força maior, e “vitória” é algo que poucos encontram (ou mesmo buscam em primeiro lugar). Para uma mídia naturalmente competitiva e dependente de recompensas, traduzir esses dramas não é fácil. Tirar o poder do jogador frequentemente leva a jogos chatos, mas é justamente a falta de poder (sobre as balas inimigas, a liberdade de ir e vir, a própria declaração da guerra) que marca a angústia de um soldado. O resultado são batalhas horrendas mas nem tanto, em que é possível “vencer” fazendo as coisas certas na hora certa.

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Os que se lembram dessa batalha em Call of Duty 2 sabem do que estou falando

Há claro, quem tenha tentado mesmo assim. This War of Mine retrata a guerra do ponto de vista de civis, usando elementos de randomização (parecidos com os de Sunless Sea) e mecânicas de sobrevivência já vistas em games de zumbi. No entanto, ele é abstrato, retratando um conflito fictício em um país genérico (e vagamente eslavo). Mais próximo de O Túmulo dos Vagalumes é o francês Soldats Inconnus, ou Valiant Hearts. O título da Ubisoft Montpellier não esconde suas intenções. Lançado em julho do ano passado, no mesmo mês e exatos cem anos depois do começo da Primeira Guerra Mundial, é um esforço para que novas gerações não se esqueçam do grande confronto. O apelo é compreensível.

Se é impossível chegar à idade escolar sem ouvir da Segunda Guerra, a Primeira é condenada às notas de rodapé (já ouvi de um professor que ela teria sido “insignificante”). Sua representação no entretenimento é também mínima, e apesar de ter sido tema de uma geração de escritores e artistas variados, é difícil ver qualquer referência a essa produção fora de um jogo do Ken Levine (o mesmo professor me confessou nunca ter ouvido falar de seus escritores). Não há dúvidas, portanto, de que Valiant Hearts começou bem se queria impressionar.

valiant hearts annaSeu maior acerto, porém, é ter optado por um traço inocente de desenho animado. Como mostraram os quadrinhos de heróis dos anos 1990 (e, à sua maneira, o último Batman de Christopher Nolan), a estética “séria e sombria” está sempre a um passo do ridículo – ou, o que é pior, da lição de moral. Por outro lado, como prova o sucesso do pacifismo até caricato de Miyazaki, uma paleta de cor mais rica e um pouco de fofura fazem milagres na hora de passar uma mensagem.

Karl WaltValiant Hearts segue a história de quatro pessoas dos dois lados do conflito. Não há “inimigos” propriamente ditos: todos, PCs e NPCs,  são de algum modo inocentes, forçados a se matar por razões que nem eles nem (eu suspeito) os desenvolvedores do jogo entendem muito bem. O enredo consegue escapar do bocó, e não é difícil entender por quê. Por um lado, o game passa longe dos clichés pacifistas de crítica à “maldade humana”. Não há ninguém puxando as cordinhas: é o próprio maquinário da guerra que move, quase que sozinho, as coisas rumo a sua destruição.

Ao mesmo tempo, ele não nos poupa de nenhum detalhe. Ao longo das 4 horas de jogos vemos soldados metralhados e envenenados por bombas de gás, pilhas de corpos usadas como escudo humano, cidades arrasadas e mais. A estética “cute” não oferece nenhum consolo – pelo contrário, só torna o horror mais horripilante. Nas missões finais, os quicktime events e quebra-cabeças que compõem o gameplay passam uma sensação de urgência raramente vista no gênero. Modelar um campo de batalha é fácil. Fazer o jogador se sentir em um (com uma jogabilidade que se limita a andar para os lados e clicar em coisas) merece um aplauso de pé.

valiant hearts chemin des dames

É uma pena, pois, que a narrativa  insista pelo batido. Para um jogo com tanta ênfase no acaso e na complexidade da guerra, Valiant Hearts nos faz perseguir um vilão de desenho animado, com direito a um chapéu de caveira, risadas maléficas e um cientista de estimação responsável por todas as invenções da época, do gás cloro ao tanque de guerra. Heróis que socam vilões na boca e gênios malucos que descobrem a fusão nuclear enquanto cantam no chuveiro funcionam em um gibi do Capitão América, mas aqui são destoantes. É como ver Totoro voando com sua folha ao lado dos aviões Zero de Vidas ao Vento.

História errada, Freddie

História errada, Freddie

Apesar dos pesares, as dúzias de vídeos de YouTube de marmanjões chorando com o final da trama provam que o jogo funciona. Não é qualquer coisa que sensibiliza um gamer. Mas se há algo que O Túmulo dos Vagalumes e Valiant Hearts nos ensinam é que a guerra não é qualquer coisa.

De minha parte, confesso que não caí em prantos com o final. Mas não pude deixar de pensar nos meus dois bisavôs que lutaram na Grande Guerra, conquanto do lado da Itália e contra os austríacos. Eles sobreviveram, mas, infelizmente para eles, no game da vida real houve uma sequel. Seus filhos serviram em uma outra guerra: uns foram poupados, outros viraram soldats inconnus.gaetano

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