Warning: Use of undefined constant CONCATENATE_SCRIPTS - assumed 'CONCATENATE_SCRIPTS' (this will throw an Error in a future version of PHP) in /home/finisgeekis/www/wp-config.php on line 98

Warning: Cannot modify header information - headers already sent by (output started at /home/finisgeekis/www/wp-config.php:98) in /home/finisgeekis/www/wp-includes/feed-rss2.php on line 8
game design – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Wed, 20 Nov 2019 21:20:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 game design – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Entre o dado e a pena: o futuro da narrativa nos roguelites https://www.finisgeekis.com/2019/11/20/entre-o-dado-e-a-pena-o-futuro-da-narrativa-nos-roguelites/ https://www.finisgeekis.com/2019/11/20/entre-o-dado-e-a-pena-o-futuro-da-narrativa-nos-roguelites/#comments Wed, 20 Nov 2019 21:19:08 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22080 Não é nenhum segredo que videogames são capazes de contar boas histórias.

Todos que já passaram algum tempo atrás de um controle são capazes de se lembrar de um momento em que vibraram rm triunfo – ou se encolheram no chão, chocados pelo destino de personagens virtuais como se fossem velhos amigos.

Mesmo assim, combinar boas histórias com games interessantes continua um desafio. Não são poucos os jogos que parecem filmes interativos, picotando cutscenes entre vinhetas de gameplay inseridos de última hora para justificar um lançamento na Steam.

De certa forma, a ideia de um “autor” responsável por contar uma história parece incompatível com a essência dos games, como playgrounds que prometem nos deixar fazer o que quisermos, na hora em que quisermos.

E quanto mais “gamístico” um game for, mais difícil fica juntar essas duas obrigações contraditórias.

Esse é o caso dos roguelites, um dos mais peculiares, desafiadores e amados gêneros da mídia. Inspirados no clássico Rogue, roguelites são caracterizados por cenários procedurais, morte permanente e, na sua maioria, mecânicas de hack n’slash ou  de exploração. O gênero ganhou um boost de popularidade a partir da Era de Ouro indie, com clássicos como Spelunky, FTL e The Binding of Isaac.

O motivo? Numa cena AAA marcada por jogos seguros, “nos trilhos”, direcionada ao público mais amplo possível, esses games arriscavam ser abertos, imprevisíveis e sadicamente difíceis.

Como eu escrevi em um outro artigo, roguelites, de certa forma, são games no seu nível mais “puro”. Cutscenes e narrações são mínimas. Os cenários e inimigos que lança contra nós estão lá não pela vontade de um Autor, mas pela indiferença de um RNG.

O que essa pureza não faz muito bem é contar histórias – pelo menos, não no sentido tradicional, mais ou menos linear que viemos a esperar de games como The Witcher ou Mass Effect. Parte disso, sem dúvida, tem a ver com a necessidade de nos matar, muitas e muitas vezes. Elemento crucial – e obrigatório – de qualquer roguelite que se preze.

Não é impossível se emocionar com uma história em que somos forçados a recomeçar do zero a cada passo em falso, nas peles de um novo protagonista que, em questão de minutos, estará morto também. Mas, convenhamos, fica muito mais difícil.

Esses jogos nos emocionam porque conseguem nos convencer que as personagens na nossa tela são mais que um conjunto de pixels. São pessoas que, nas 40h que levamos para chegar aos créditos, aprendemos a entender, torcer por – e, às vezes, amar – como nossos amigos de verdade.

Esse ano, dois jogos arriscaram desafiar esse paradigma, combinando a liberdade dos roguelites com histórias tão poderosas quanto o melhor que a mídia tem a oferecer. Estes games pouco têm em comum além de dividirem o mesmo rótulo, mas conseguem, cada um a sua maneira, nos forçar a rever o que esperamos da mídia.

Crying Suns

Criado pela francesa Alt Shift, Crying Suns é um roguelite de exploração espacial que acerta as mesmas notas de FTL. A diferença está na paleta de cor. E não digo apenas literalmente.

Inspirado em Duna de Frank Herbert e na saga Fundação de Isaac Asimov, Crying Suns é uma experiência sombria e cerebral, agarrado a uma narrativa tão melancólica quanto seu universo silencioso.

Nosso protagonista é o capitão Idaho, oficial a serviço de um império que colonizou toda a galáxia. Ou, pelo menos, seu clone.

Começamos o jogo em uma estação de clonagem nos confins do espaço, despertados de um pod por um robô que nos convoca a uma missão. A tecnologia que mantinha o império funcionando misteriosamente “desligou”, levando toda a galáxia ao colapso.  E caberá a nós, cópias do melhor comandante que a humanidade já teve, descobrir o que aconteceu.

É com esse gimmick que o jogo incorpore, de uma maneira elegante, o permadeath na sua narrativa. Cada vez que morremos em uma das muitas batalhas, acordamos de um novo pod: um novo clone pronto a tomar a tocha do antigo capitão Idaho.

Toda nossa tripulação, na verdade, está preservada na estação – e, com ela, suas memórias. Diferente dos redshirts de FTL, de que nos despedimos mais rápido do que levamos para decorar seus nomes, estes são soldados com que exploramos e lutamos, celebramos as vitórias e sofremos as derrotas. E que, ao final do jogo, passamos a respeitar como companheiros de uma mesma história trágica.

Nossas mortes também têm um impacto nos NPCs que encontramos ao longo de nossa jornada. Conforme batalhamos nosso caminho até a capital do império, encontramos velhos inimigos e novos rivais, que servem de chefões às fases do game. Longe de simples antagonistas, eles trazem pistas sobre o futuro do império – e o passado difícil que o próprio Idaho esconde no armário.

Ao contrário de nós, nenhuma dessas personagens possuem vidas infinitas: uma vez que as derrotemos, elas morrem para valer. Se precisarmos jogar novamente a fase por conta do permadeath, quem encontramos são outros NPCs, em alguns casos tão importantes quantos os primeiros, com coisas únicas a dizer sobre a narrativa que nos une.

É preciso morrer – e fracassar – para apreciar tudo o que o jogo tem a nos dizer.

Children of Morta

Children of Morta, do estúdio Dead Mage, é menos ousado no seu flerte com o game over. O que ele entrega de convencional, contudo, ele compensa com gameplay impecável – e uma das narrativas mais estranhamente fofas de qualquer hack n’slash.

O jogo acompanha os Bergsons, família de aventureiros que há gerações enfrenta as bestas do Monte Morta. Um dia, uma corrupção misteriosa começa a se espalhar sobre o povoado. Caberá aos Bergson espanarem a poeira de suas armas e cumprirem seu dever como defensores da humanidade.

Roguelite em essência, Children of Morta, ao mesmo tempo, é um jogo que carrega suas credenciais narrativas na manga. Como os trailers deixam claro, ele é um jogo sobre amor.

Esqueletos, goblins e lagartos gigantes tombam perante nossa espada com o passar das fases. Estes reveses, contudo, são apenas a perfumaria de um conflito maior: o desafio de uma família de se manter unida quando tudo conspira para separá-la.

Os primos Mark e Joey nutrem uma rivalidade. Ben, o tio, amarga a lembrança de uma esposa morta e uma perna ruim que o impede de lutar. Mary, a mãe, está grávida, e teme que a proximidade à corrupção de morta leve seu filho por nascer a um lugar de onde ela não poderá salvá-lo.

As lutas dos Bergson podem ser fantásticas, mas eles refletem o espírito, senão a substância, de tantas batalhas diárias que famílias enfrentam no mundo real: dificuldades financeiras, uma gravidez inesperada, a morte de uma matriarca ou de um bêbe prematuro.

Não é de se espantar que o game tenha conquistado o interesse da publisher polonesa 11 Bit Studio, responsável por This War of Mine. Se aquele jogo deu um rosto humano  à guerra – e, com isso, criticou a beligerância sádica de tantos jogos de combate – Children of Morta é o contraponto perfeito às namoradas em geladeiras que games vergonhosamente abusam sobre o pretexto de retratar “conflitos familiares”.

Entre o dado e a pena

 

O acesso à criação de games nunca foi tão democratizado. Se antes desenvolvimento era um talento de poucos, hoje qualquer um com um pouco de criatividade (e um tantitnho de programação) pode trazer suas próprias aventuras à vida.

Se por um lado isso culmina num mercado incrivelmente diverso, por outro fica mais difícil saber para que lado a mídia está caminhando.

Longe estão os dias em que meia dúzia de produtoras ditava o que chegaria ou não aos gamers. E certos jogos contemporâneos parecem se dirigir a caminhos tão opostos que mal parecem parte da mesma mídia. É o caso dos CRPGs ocidentais, que parecem, de um lado, ter cedido à gaiola dourada dos blockbusters AAA ; de outro, regredido à simplicidade das visual novels.

Disco Elysium (acima) e Anthem (abaixo). Dois games que, de próximo, tem apenas a data de lançamento

Crying Suns e Children of Morta parecem se oferecer de ponte a essas fanbases fraturadas. Eles unem o apelo emocional daqueles que jogam pela história com o masoquismo dos fãs de roguelites; ,a vibe retrô da pixel art com a alta resolução exigida pelos gamers mais moderninhos.

Nenhum dos jogos é perfeito. Crying Suns possui um número pequeno demais de encontros randômicos – o beijo da morte para roguelites, que dependem de mundos procedurais, imprevisíveis, para manter o desafio.

É provável que você decore a melhor resposta para cada desenlace muito antes das 20 e poucas horas necessárias para se chegar até o fim. Por esta e por outras, a PC Gamer o considerou um ótimo jogo de estratégia, mas um péssimo roguelike.

Children of Morta se sai um pouco melhor, mas isso porque ele “rouba”. Tal como sua “pixel art”, que usa animações complexas e efeitos de luz para atingir um visual que nenhum jogo “retrô” teria, seu gameplay é menos avant-garde do que nos faz acreditar à primeira vista.

Um santuário nas profundezas da casa dos Bergson protege a família de perigos letais. Não há “morte” no sentido roguelite-ano do termo: quando somos derrotados, um santuário nos teleporta de volta à segurança de casa. E, com ele, todo nosso progresso.

Todos os colecionáveis e quest items com que topamos aparecem na nossa casa quando retornamos do dungeon, independente do resultado da nossa missão. Encontros únicos e side quests tampouco são perdidas. A única coisa que os jogo nos tira são power up temporários – mas, até aí, estes iriam embora de qualquer forma, vitória ou derrota.

Pode ser cri-cri apontar defeitos em jogos que acertam tanto em coisas que outros games sistematicamente erram. Mas o próprio fato de estarmos fazendo tais críticas é sinal de como os jogos evoluímos – e como nós próprios, gamers, nos tornamos mzixexigentes.

Boas histórias, como bom gameplay, tem um quê de viciante. Uma vez que nos acostumamos a dias improdutivos no trabalho, pensando na trajetória de personagens que voltaremos a encarnar quando voltarmos à casa, nos contentamos com nada menos que isto.

Separados, cada uma dessas coisas – o “dado” do gameplay e a “pena” da narrativa – são capazes de muito. Juntos, talvez sejam capazes de tudo. Inclusive, de inspirar o futuro dos games.

]]>
https://www.finisgeekis.com/2019/11/20/entre-o-dado-e-a-pena-o-futuro-da-narrativa-nos-roguelites/feed/ 2 22080
4 lições de game design de “Cultist Simulator” https://www.finisgeekis.com/2018/11/06/4-licoes-de-game-design-de-cultist-simulator/ https://www.finisgeekis.com/2018/11/06/4-licoes-de-game-design-de-cultist-simulator/#respond Tue, 06 Nov 2018 18:39:20 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20639 Fallen London (né Echo Bazaar), criado pela Failbetter Games,  é o melhor game de browser que já joguei na vida. Com ecos de Neverwhere, o jogo nos leva a uma Londres alternativa enterrada no centro da Terra, onde beefeaters londrinos dividem espaço com traficantes de almas, embaixadores demoníacos e aberrações lovecraftianas.

Resultado de imagem para fallen london gameplay

Contanto com nada além de mecânicas simples de card game, o jogo se tornou uma das experiências mais ousadas (e bem-sucedidas) de storytelling na mídia.

O sucesso levou a um spin-off, Sunless Seas, sobre um grupo de exploradores fazendo fortuna nos oceanos do submundo. E uma sequel (ainda em early access) que leva a fórmula ao espaço sideral.

Mesmo assim, havia algo de mágico em Fallen London que escapou a seus sucessores mais tradicionais. Infelizmente, a estrutura engessada dos jogos de browser, com seus limites de ação e microtransações, impediam que o game alçasse vôo.

Com Cultist Simulator, projeto pessoal de Alexis Kennedy, ex-CEO da Failbetter, o obstáculo finalmente foi removido.  

Mas, afinal, o que é Cultist Simulator?

Como seu título entrega, ele é um de tantos simuladores que nos permitem brincar de outras profissões. Nesse caso, porém, de uma profissão inusitada: o líder de uma seita na virada do século XX.

Como fizeram Aleister Crowley, criador da Thelema, ou Gerald Gardner, fundador da Wicca, o jogador deve escolher princípios fundadores, visitar bibliotecas obscuras e recrutar devotos. Tudo sob os olhos da Secretaria de Supressão, que pode a qualquer momento prendê-lo por subversão.

Ao contrário da vida real, no entanto, o mundo de Cultist Simulator é de fato místico – e suas forças sinistras exigem oferendas não-metafóricas. Para conduzir nossa seita a um dos muitos cenários de vitória pode ser necessário sacrificar pessoas, invocar seres de outras dimensões e viajar pelos labirintos do sonho.

Cultist simulator impressiona não só pela sua originalidade, mas pelo quão bem ele funciona como um card game. Com um visual ainda mais minimalista que Fallen London, ele se mostra não só um excelente RPG, mas uma verdadeira aula de game design.

Em especial, em como evitar defeitos que estão presentes desde os primórdios da mídia, mas que poucos criadores conseguem contornar:

1) Vendor trash não é um mal necessário

Muito tempo atrás, jogos nos davam pouquíssimas pistas sobre a importância de certos itens. Qualquer coisa – de um amuleto incrustado a um alfinete no chão – podia ser um quest item imprescindível para avançar na história. Se o largássemos ou o vendêssemos podiam ser obrigados a começar tudo de novo.

Para atender a um público cada vez mais impaciente, quest items passaram a ser “protegidos” da desatenção dos jogadores. Nos piores casos, itens comuns foram relegados a uma categoria “lixo”, com nada além dos nomes para diferenciá-los.

Resultado de imagem para dragon age 2 junk

O resultado é o vendor trash (“lixo de vendedor”), itens que servem apenas para serem vendidos – e que tiram quase completamente a diversão da loot. Afinal, quando a única diferença entre uma recompensa e outra é o valor em moedas, explorar se reduz a uma aula de aritmética.

Com um enredo baseado nas políticas de um bazar subterrâneo, Fallen London foi um marco na subversão do vendor trash. Cultist Simulator repete a dose, efetivamente eliminando a maldita categoria.

O jogo soluciona o dilema de uma forma inusitada. Nele, todos os itens são vitais. Pois tudo, da identidade do protagonista aos caminhos do próprio enredo, são itens de uma forma ou outra.

Cultist simulator possui uma moeda, que pode ser usada para adquirir certos itens e pagar despesas. Serviços ocultos, porém, são pagos e comprados em spintrias, o dinheiro do submundo. Visões oníricas podem consumir sentimentos e inspirações; rituais podem exigir “pagamento” na forma de pessoas ou conhecimento.

Alguns dos muitos “itens” de Cultist Simulator

Mesmo os atributos básicos do protagonista (saúde, razão e paixão) são uma espécie de moeda, em um sistema que remete ao sistema Cypher do RPG Numenera. E o próprio ato de “trabalhar” envolve bens imateriais.

Um quadro pode ser “pintado” com “pavor”, “desassossego” ou “satisfação”, tornando-o mais inspirado – e valioso ao mercado de arte. E um trabalho braçal além de fundos gera “vitalidade”, que pode ser usada para se recuperar de ferimentos.

Para piorar, a maior parte dos itens expira depois de alguns minutos. Alguns simplesmente desaparecem; outros se transformam em outras coisas – que podem ser letais. Um prisioneiro, por exemplo, se “transforma” em um cadáver após certo tempo de cativeiro, colocando o jogador na mira direta da polícia.

Esse esquema faz com que o jogador nunca caia numa zona de conforto, já que nada que do que possui pode ser facilmente descartado. Pior: como cada atividade requer um recurso diferente, não é possível sequer saber se estamos “ricos” ou “pobres”. De nada adianta uma fortuna incalculável em dinheiro se a ação que buscamos exige, por exemplo, um “lampejo”.

Com um conceito tão diferente de recompensa, era inevitável que outro grande defeito dos games acabasse também por ir abaixo:

2) O grinding não precisa ser maçante

Imagem relacionada

Como bom game de browser,  Fallen London sofria do calcanhar de Aquiles tradicional do gênero: o grinding.

Para atiçar nosso interesse, o jogo nos recompensava por ações repetitivas em um esquema de caixa de Skinner.

A mecânica funcionava para dar algum desafio ao jogo (e para servir de desculpa às microtransações). Infelizmente, fazia muito pouco à qualidade de sua narrativa.

Cultist simulator não se livra completamente do grinding. De dinheiro a itens mágicos, passando por seguidores, pergaminhos secretos e contratos, há todo tipo de recompensa que pode ser “farmada” pela repetição.

Mesmo assim, ele contorna seus excessos com uma solução ao mesmo tempo óbvia e inusitada: a ameaça (imprevisível) da derrota.

Se o atributo “saúde” chegar a zero, morremos. Para tanto, é preciso se alimentar regulamente, o que implica em acumular dinheiro. Para obter dinheiro, é necessário trabalhar ou completar contratos de ocultistas.

Nem todas as tarefas, porém, são seguras: atividades sobrenaturais geram “fascinação”, que em quantidade suficiente fazem o protagonista se perder em visões. Visões podem ser combatidas com “pavor”. “Pavor” demais, no entanto, levam à paranoia – e ao jogador terminando seus dias em um hospício.

Mesmo tarefas simples podem ter consequências inesperadas. Trabalhos braçais consomem saúde para serem realizados, o que pode colocar o jogador em maus lençóis se ele adoecer logo após o início de uma jornada.

Trabalhar como artista, por sua vez, gera “mística”, um atributo que chega a atenção das autoridades. Se o protagonista possuir algum esqueleto no armário (como um prisioneiro amarrado à espera do Homem de Palha), a carta pode levar tudo a perder.

Apostar em derrota é uma decisão arriscada, que faz de Cultist Simulator uma experiência (muitas vezes frustrante) de tentativa e erro. Se isto não nos faz desinstalar o jogo em fúria é porque “vitória” e “derrota”, no fundo, não são lá tão diferentes:

3) Fail states não precisam ser punições

Resultado de imagem para cultist simulator fail state

Fail states – condições de “fracasso” dentro de um jogo – são uma discussão quente entre designers de games.

Há quem tente evitá-los de toda forma, dizendo serem uma forma de gatekeeping a gamers casuais. Por outro lado, há quem acredita que jogos não são jogos sem eles.

Como eu disse em um outro artigo, a derrota é um elemento inevitável nos games. Tanto é que toda a mídia pode ser encarada como a arte do fracasso.

É ao saber transformar o game over em algo agradável – ou, pelo menos, não humilhante – que um designer mostra a que veio.

Existem várias maneiras de se fazer isso: reduzir a punição da perda (para incentivar a tentativa e erro), criar fail states que pareçam vitórias (ou vice-versa), recompensar jogadores por perderem, criando conteúdo que só pode ser acessado depois da “morte”.

Cultist Simulator consegue fazer de tudo um pouco. O jogo está recheado de fail states, dos mais convencionais (morrer, ser internado em um hospício, ser preso) a alguns que podem até ser considerados uma vitória.

No início do game, o jogador pode decidir ganhar seu sustento com um trabalho menial na firma Glover & Glover. Porém, caso se dedique muito a ele, pode concluir que a vida de escritório não é lá tão ruim e deixar toda sua seita para trás.

Em outros casos, livrar-nos de um fail state pode abrir nosso flanco a ameaças de outra natureza.

Na medida em que nossa seita cresce, somos perseguidos por “caçadores” a mando da Secretaria de Supressão. No início, detetives comuns. Depois, investigadores com poderes místicos que fariam inveja a John Constantine.

Há várias formas de se eliminar um caçador. Uma delas, na melhor vibe Lovecraft, consiste em mostrar a ele uma sabedoria eldritch que humano nenhum é capaz de absorver. Se as palavras forem fortes o suficiente, ele pode enlouquecer de imediato.

Porém, há sempre a chance do caçador reagir àquilo de outra forma. E, em vez de loucura, ser tocado pelo fascínio. Caçadores podem assim se tornar rivais, seguindo seu próprio caminho no underground da magia – e “vencendo” o jogo no lugar no jogador.

O game não para por aí. Seja qual o for o fim que nosso protagonista levar, sua história não precisa terminar com ele.

O jogo conta com um sistema de legado, que nos permite começar uma nova história de um novo ponto. Uma personagem que morra, por exemplo, abre o caminho “médico”, colocando-nos nos pés do doutor que nos atendeu no hospital.

O vínculo entre as histórias é sutil. Mas é justamente essa sutileza que faz do forte de Cultist Simulator – a narrativa – algo tão eficiente.

4) História longa não é sinônimo de história boa

Com recursos visuais mínimos, Cultist Simulator conta apenas com palavras para construir sua atmosfera. É surpreendente, portanto, que estas palavras sejam tão poucas.

A maior parte dos cards possui não mais que uma ou duas linhas de texto. Sua lore é destilada em pequenos snippets, deixando o melhor a cargo da imaginação.

Em tempos em que RPGs parecem fazer competição de verborragia,  o caminho de Cultist Simulator é mais que incomum. Isso acontece porque Alexis Kennedy tem ideias um tanto controversa sobre o papel da história em jogos.

Como ele mesmo disse em um depoimento:

“Palavras são como água para a história de um jogo. Você precisa garantir que você terá o suficiente ou a história morrerá, mas coloque palavras demais e a história se afoga. Quando você está escrevendo para um jogo a atenção do jogador é uma dádiva de momento a momento. Assim que o jogador achar que o texto é opcional – ou, pior, lição de casa – eles pararão de prestar atenção e esperarão o resto do jogo começar de novo. A partir daquele momento, palavras são piores que inúteis.”

Quem curte games há um certo tempo sabe exatamente do que ele está falando. Não são poucos os jogos que metralham jogadores com infodumps, cutscenes desvinculadas da ação e tutoriais que ninguém pediu.

Resultado de imagem para owl zelda

E, quando isso acontece, é difícil voltar atrás.

Resultado de imagem para cutscene skip meme i know i must kill

Para Alexis, o problema vem em parte do costume de criadores de pagarem de escritores “sérios” fazendo seus jogos parecerem livros. Um costume que é incentivado pela própria mídia, que vende o “tamanho” de histórias como critério de qualidade.

Acontece que, como escritores sabem muito bem, tamanho não é documento. Pelo contrário: é justamente na capacidade de síntese que o verdadeiro artista mostra sua habilidade.

Pecar pela modéstia cumpre ainda outro objetivo, há tempos perseguido por criadores de RPG: incentivar que jogadores se reconheçam e expressem-se. 

Com a exceção da informação de nosso “legado” e um nome (opcional) no canto da tela, Cultist Simulator não nos dá informação nenhuma sobre quem nossa personagem deveria ser.

Tudo, de suas motivações a suas origens, gênero e aparência física ficam a cargo da imaginação.

É uma decisão arriscada, que nas mãos de um autor menos capaz seria uma receita para o desastre. De fato, houve quem criticasse sua criação como o “esqueleto de um jogo sem nada de carne“.

Mesmo assim, ela oferece uma lição valiosa para criadores de games – e, de certa forma, para toda uma geração obcecada em ter cada obra de arte transformada em seu espelho: a mente funciona melhor quando tem espaço para criar.

]]>
https://www.finisgeekis.com/2018/11/06/4-licoes-de-game-design-de-cultist-simulator/feed/ 0 20639