O Finisgeekis está de volta!
Nas últimas semanas, eu e minha esposa, a Vivian, tivemos a oportunidade de realizar um grande sonho e conhecer de perto a Terra do Sol Nascente. Para dois otakus como nós, foi uma experiência como nenhuma outra.
Estamos cansados de saber que a mídia não é o melhor espelho da realidade. É fascinante, mesmo assim, notar como os pequenos detalhes são bem reproduzidos. Visitar o Japão como um otaku é um grande dejà vu: certas peças você já viu em animes, outras em livros – algumas em sonhos.
Se você também planeja algum dia contornar o globo para visitar os samurais, ou se é apenas fascinado em cultura nipônica, preparei um guia em 10 partes com o melhor, mais estranho e divertido do Japão.
Confira abaixo!
Toda cidade é um mundo próprio. Tóquio, no entanto, parece ser um mini universo.
Não digo apenas pelo tamanho (com uma população metropolitana de 37 milhões de habitantes, é maior que São Paulo). Como disse a Vivian durante a viagem, se acordássemos em bairros diferentes da capital japonesa, não perceberíamos que estávamos numa mesma cidade.
Veja por exemplo Shinkuju, onde ficamos hospedados. O distrito é um labirinto de ruas estreitas e letreiros luminosos. É talvez a primeira imagem que nos vem à mente quando pensamos em “Tóquio”. Não à toa, aparece na abertura da série da Netflix Midnight Diner: Tokyo Stories.
Andando pelas suas ruas, dá para entender porque Ridley Scott se inspirou em Tóquio para o cenário de seu Blade Runner. Shinjuku é uma pequena Coruscant terráquea, com bancas de lamen, bordéis de maids e esquisitices japoneses escondidas em cada beco.
Vire uma esquina, porém, e dará de cara com um passeio arborizado. Não qualquer passeio: você está diante da prefeitura de Tóquio, uma das barreiras de X/1999 e cenário de Tsubasa Chronicles: Tokyo Revelations.
Isso, claro, é apenas um bairro. Basta atravessar uma ponte (ou melhor, outra barreira) e somos transportados, tal como um livro do Murakami, a uma realidade paralela.
Odaiba é uma ilha artificial separada de Tóquio pela imponente Rainbow Bridge. Quem topar uma boa caminhada pode atravessá-la a pé, ao lado de um corredor ensandecido de caminhões de frente cromada. Se existir uma forma melhor de se sentir como Aomame, protagonista de 1Q84, eu não conheço.
Próxima ao mar e coroada por uma roda gigante, o distrito salta aos olhos na skyline da cidade – um refresco em meio aos prédios quadrados dos anos 1970 e torres de karaokê que dominam o resto da metrópole.
A ilhazinha é uma paraíso de fins de semana saído de um romance shoujo. Como fã de Cardcaptor Sakura, não pude deixar de notar como algumas das casas pareciam o apartamento de Shaoran:
Odaiba, de fato, parece ter sido criada de propósito para servir de cenário ao episódio da date no parque de diversões. A ilha conta com jardins, shoppings, showrooms de automóveis e até sua própria praia.
Mais do que tudo – ao menos para o otaku que vos escreve – é um prato cheio para uma das mais inusitadas paixões japonesas: os gashapons.
Essas máquinas de brinde, que nos dão miniaturas em troca de moedas, são típicas da cena otaku. O que faz a diferença, como tudo no Japão, é a escala.
Nos parques de Odaiba, existem muitos gashapons. E por “muitos”, quero dizer muitos.
E não apenas gashapons. Há galpões inteiros de máquinas de brinde, jogos de garra, clones de Guitar Hero com taikô e fliperamas rodando Luigi’s Mansion, Final Fantasy e Kantai Collection.
A jogatina parece ser bem-querida aos japoneses, o que comprovamos pela popularidade desse tipo de estabelecimento. Fora Odaiba, confinados pelo espaço, eles brotam na vertical, andares atrás de andares.
Curiosamente, uma das redes mais famosas, a Game Taito Station, também apareceu na opening de Midnight Diner.
Dia após dia em nossa viagem, testemunhamos vários funcionários de escritório, paletó e tudo, dirigindo-se em grupo a esses espaços na tentativa de faturar uma figure da Madoka.
Falando em figures, algo interessante que pude constatar é que uma boa parte das linhas que chegam ao Brasil (e pelas quais pagamos fortunas) são originalmente brindes de máquinas como essas.
Óbvio, a rotatividade é bem alta, e elas são eventualmente vendidas em lojas. Com raridade e especulação, algumas chegam a valer bastante.
Mesmo assim, é desolador pensar que, lá do outro lado do mundo, elas estão ao alcance de uma moedinha de 100 ienes… e alguma sorte no jogo da garra.
Oh, well. Pelo menos a Vivian pegou uma Sailor Jupiter.
Nenhum passeio otaku estaria completo sem o cartão postal máximo dos animes. Localizada em Minato, ao lado de Odaiba, tivemos a oportunidade perfeita para visitá-la.
Em si, a Torre de Tóquio é apenas uma cópia da Torre Eiffel com uma pintura vermelha de gosto questionável. No entanto, por ter sido o edifício mais alto do Japão (até a inauguração da Tokyo Sky Tree, em 2012), ela figurou em quase todos os animes ambientados na metrópole.
Esse é um legado que a Torre ostenta a todo momento, da bilheteria até suas exposições temporárias.
Aos otakus mais inveterados, a Torre possui uma loja dedicada a esvaziar seu bolso, com todo tipo de merchandise das séries mais (e também menos) conhecidas.
Alguns produtos, como baralhos de Joker Game, nos fazem pensar “por que ninguém fez isso antes”. Outras, como perfumes de Attack on Titan, são um pouco mais difíceis de entender.
Infelizmente, a Torre de Tóquio ainda é uma cópia da Torre Eiffel – e, infelizmente, Minato não é o Campo de Marte. Assim, ao contrário do monumento parisiense, sua versão japonesa possui um impacto bem menor sobra a paisagem.
Isso não significa que você não deva visitá-la. Porém, se você quiser uma super vista da Torre, faça-se um favor e suba ao mirante do Roppongi Hills (六本木ヒルズ), um dos arranha-céus mais famosos de Tóquio.
De preferência de noite, quando mau tempo algum estragará o seu passeio.
Não é bem o primeiro episódio de Sakura. Mas, vai lá, chega perto.
Uma aventura no Japão continua na próxima sexta. Fique de olho!
]]>Quando pensamos em otakus, poucos símbolos são mais universais do que figures colecionáveis.
Seja na realidade, seja na ficção, prateleiras cheias de miniaturas de plástico se tornaram a prova de que o anime, para seu dono, é mais do que um simples passatempo.
O que um dia foi estereótipo negativo se tornou uma marca de orgulho. O mercado de figures, que hoje já conta com suas próprias convenções, é um dos setores mais vibrantes, lucrativos e cobiçados do mundo nerd.
No Japão, em especial, o hobby se tornou parte da cultura nacional. Não só é o responsável por boa parte do turismo em bairros como Akihabara, em Tóquio e Den Den Town, em Osaka, como ultrapassou as fronteiras do mundo otaku. Artistas contemporâneos como Takashi Murakami já se aventuraram em obras inspiradas em figures.
Tal como o cosplay, as convenções nerds e, em certo sentido, o próprio anime, figures foram uma importação ocidental… e bastante recente.
Que hoje o Japão seja não apenas celebrado como a “capital das figures”, mas também como berço de alguns dos melhores fabricantes de miniaturas de franquias ocidentais é prova de que a cultura otaku, longe de uma marca de vergonha, é um toque de Midas.
Quem cai de paraquedas em uma convenção contemporânea, em toda a sua pompa, pode se espantar ao conhecer as origens do hobby.
Isto porque o “pai” das figures é alguém bem menos imponente – e, para a surpresa de alguns, muito mais conhecido.
Don Levine, vice-presidente da Hasbro, certa vez olhou a vitrine de uma loja de artes e teve uma revelação: por que não criar brinquedos iguais aos manequins de desenho? Figuras humanas que pudesem assumir qualquer pose, vestir qualquer roupa e se reinventar infinitamente?
A ideia de Levine chegaria aos mercados em 1964 como G.I. Joe. E o mundo do colecionismo jamais seria o mesmo.
Colecionar bonecos, claro, é algo muito mais antigo. O próprio G.I. Joe jamais teria ganhado as prateleiras não fosse o sucesso espetacular da sua mais importante predecessora: a boneca Barbie.
No entanto, Don Levine marcou época por ter feito algo que pode passar batido à primeira vista, mas pela qual todos os colecionadores sem dúvida têm muito a agradecer. Ele se recusou a chamar sua criação de “boneco”. Mais do que isso: proibiu a companhia de se referir a ela com a palavra e se recusou a vender para lojas que a chamassem deste jeito.
Nascia a diferença entre figures e “bonequinhos”. E, graças aos nerds, ela jamais seria esquecida.
Como tudo no mundo nerd, a história passa por Star Wars. Se G.I. Joe trouxe o formato, a saga de George Lucas trouxe a função. Sob a direção da companhia Kenner, as figures de Star Wars deixaram de ser apenas brinquedos para se tornarem colecionáveis.
Se antes figures eram apenas figuras de plástico, agora elas eram parte de um projeto maior, com direito a cenários, dioramas e itens promocionais.
O impacto que elas tiveram foi muito além do consumismo. Para alguns, foram as figures, e não os efeitos especiais, as verdadeiras responsáveis pelo sucesso da saga de Lucas.
Em um mundo anterior à internet, sem máquinas publicitárias para lançar filmes e spin-offs ano após ano, o colecionismo era o principal responsável por manter o interesse dos fãs. Sem ele, é muito provável que Star Wars amargasse como uma de tantas promessas esquecidas dos anos 1970/80.
O tempo passou, os fãs cresceram, suas carteiras aumentaram – e, com elas, sua exigência. Figures ficaram maiores, mais populares, detalhistas e exclusivas.
Quão exclusivas, exatamente? Basta olhar para a magia por trás dos panos.
Nas palavras de um dos designers da Kotobukiya, uma das mais importantes fabricantes do Japão, a produção de figures é a arte de se transformar o 2D em 3D.
Tudo começa com uma (ou várias) imagens de referência, que são traduzidas em um protótipo tridimensional.
Em alguns casos específicos, seus próprios designers se encarregam do material. Na maior parte das vezes, no entanto, eles recebem as imagens dos detentores de direitos autorais.
Figures geralmente são feitas para atingir o mercado junto (ou próximo) às obras em que são baseadas. Por causa disto, fabricantes geralmente recebem versões preliminares das personagens.
Como dá para imaginar, não é incomum que isso cause atrito. Figures de anime, em especial, costumam ser esculpidas em escala. Na falta de informações oficiais, dados como a altura da personagem e o tamanho de suas armas precisam ser calculados a partir das ilustrações.
Pior ainda: no percurso da arte conceitual até o lançamento, character designs muitas vezes são mudados de última hora. Quando isto acontece, todo o processo deve recomeçar do zero.
Mesmo na melhor das hipóteses, o processo de dar vida a um esboço é sempre longo e pode custar até 3 meses de trabalho.
Protótipos são tradicionalmente feitos à mão, mas é de se imaginar que artistas que dão vida a mechas e armas futuristas sejam bem receptivos à tecnologia. Em grandes fabricantes, imagens de referência são digitalizadas, manipuladas e tridimensionalizadas na tela do computador.
Protótipos, por sua vez, são feitos usando vários tipos de impressoras 3D. Para assegurar que o resultado fique igual ao esperado de um artesão talentoso, a equipe emprega uma série de gadgets. Um dos mais impressionantes, o Freeform, permite que um modelo seja polido no PC como se fosse uma estátua de resina.
Se nada disso impressiona, basta lembrar que a tecnologia por trás da produção de figures é a mesma usada na indústria médica para fazer impressão 3D de órgãos humanos.
Se alguém ainda duvidava que colecionadores levam suas figures à sério, basta ter em mente que os mesmos recursos futuristas desenvolvidos para salvar vidas humanas são usados para garantir que as dobras de um kimono de plástico pareçam naturais.
Nada disso significa que as velhas tradições foram abandonadas. Não deixem as máquinas e os computadores enganá-los: figures são (e, provavelmente, sempre serão) uma arte feita à mão.
Por um lado, o trabalho humano é uma questão de necessidade. Impressoras 3D do tipo utilizado para criar figures são extremamente caras. Mesmo os maiores fabricantes raramente têm mais de uma ou duas à disposição.
Como menos impressoras, menor o volume de trabalho. E maior a necessidade de otimizar o tempo, utilizando as máquinas apenas para o que é realmente necessário.
Por outro lado, ele é uma escolha consciente. Por mais precisos que sejam os modelos 3D, a produção baseada em dados, como é conhecida, não dá conta de todos os recados. Como conta o representante da equipe de protótipos da Kotobukiya:
Métodos de produção baseados em dados não são perfeitos. Há ainda muitas coisas que são feitas de forma melhor e mais rápida à mão. Linguagem corporal e tecidos são dois dos principais exemplos. A produção baseada em dados é mais indicada para a criação de figuras simétricas. Isto significa que, com vários protótipos, uma vez que você tenha criado metade dele, você pode fazer o resto a partir daquela metade. Formas perfeitamente circulares, padrões espaçados regularmente – estes são os tipos de tarefas que a produção baseada em dados faz melhor.
Figures muito regulares ou “robóticas”, como mechas, podem ser colocadas sem trauma à cargo de uma impressora 3D. Peças mais orgânicas, no entanto, não dispensam a boa e velha e escultura.
Como resultado, departamentos equipados com tecnologia de última geração dividem espaço com aquilo que mais parece uma oficina de artes:
Se não parece óbvio que empregar tantas pessoas seja mais eficiente do que adotar uma linha automatizada, basta dar uma olhada no nível de detalhes com que esses profissionais trabalham. Alguns são tão minuciosos que passariam batido aos olhos de leigos.
É difícil saber quem, além dos colecionadores mais ferrenhos, teria a paciência e a atenção para escrutinizar esse tipo de coisa. As empresas com certeza também não sabem. Não é à toa que uma boa parte de seus funcionários são, eles próprios, colecionadores que transformaram o hobby em profissão.
Se você também quer fazer das figures sua vida e está disposto a largar tudo e partir para o Japão, tenho boas notícias: você não será o primeiro a ter vivido o sonho. Embora não seja comum, alguns ocidentais já conquistaram espaço na indústria.
De resto, da próxima vez que você se perguntar como um pedaço de plástico pode custar mais de 1000 reais (e como adultos podem achar que é uma boa ideia encher uma parede inteira com elas), saiba que não se trata de ganância do vendedor, nem de ingenuidade do comprador.
Pelo tempo, tecnologia e trabalho descomunal que demandam, figures são verdadeiros tesouros. Não é à toa que seus fãs as tratam como tal.
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