Warning: Use of undefined constant CONCATENATE_SCRIPTS - assumed 'CONCATENATE_SCRIPTS' (this will throw an Error in a future version of PHP) in /home/finisgeekis/www/wp-config.php on line 98

Warning: Cannot modify header information - headers already sent by (output started at /home/finisgeekis/www/wp-config.php:98) in /home/finisgeekis/www/wp-includes/feed-rss2.php on line 8
Dragon Age – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Sun, 24 Nov 2019 16:49:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Dragon Age – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 ‘Liberdade de escolha’, ou como os video games nos enganam https://www.finisgeekis.com/2015/09/21/liberdade-de-escolha-ou-como-os-video-games-nos-enganam/ https://www.finisgeekis.com/2015/09/21/liberdade-de-escolha-ou-como-os-video-games-nos-enganam/#comments Mon, 21 Sep 2015 21:04:59 +0000 http://finisgeekis.com/?p=699 O mundo dos games é repleto de chavões. Dentre eles, pouco são mais usuais (e controversos) do que “liberdade de escolha”. Fãs de RPG, em particular, terão dificuldade em encontrar qualquer análise aprofundada de seu jogos favoritos que não esbarre na expressão ou em suas parceiras: “escolhas significativas”, “histórias customizáveis”, “narrativas ramificantes”, “agência”.

À primeira vista, parece que há uma demanda para que games se tornem playgrounds virtuais, ferramentas para que os jogadores brinquem de faz-de-conta e inventem as próprias histórias. Eu mesmo já me deparei com isso. Ano passado, após dar uma palestra sobre video games, ouvi um membro da plateia dizer que jogava para “ser ele mesmo”, com todas as opções e nuances do mundo real. Jogos que chegavam perto disto eram jogos bons.

Isso, é claro, à primeira vista. Basta estourar uma pipoca e observar as trocas de farpas entre profissionais da indústria para ver que nem entre desenvolvedores há um consenso sobre o que significa ser “livre” e “entrar na pele” das personagens. Pior: nem se essas duas coisas, ou qualquer outro dos chavões do primeiro parágrafo, têm necessariamente a ver um com o outro.

Em 2010, Daniel Erickson, diretor de roteiro da Bioware, soltou os cachorros sobre Final Fantasy XIII. Segundo ele, o game não era um RPG, e colocar um “J” na frente não enganaria ninguém:

Você não faz escolhas, você não cria uma personagem, você não vive a sua personagem… Eu não sei o que eles são – adventure games, talvez? Mas eles não são RPGs.

Não bastou nem dois anos para que o feitiço voltasse contra o feiticeiro. Em 2011, Dragon Age II, sequel da IP de sucesso da Bioware, foi malhada por incluir um protagonista não customizável e ter um enredo pouco reativo.

No ano seguinte, Mass Effect 3 acendeu a internet em chamas com uma das sequências finais mais controversas da história. A polêmica foi tão grande que uma versão “consertada”, ajustada aos interesses do público, foi lançada no mesmo ano. O episódio foi impactante a ponto de alguns terem sugerido que Half Life 3 custa a sair porque os desenvolvedores estariam com medo de uma reação similar por parte dos fãs.

Talvez haja algum fundo de verdade nos comentários de Erickson. Mesmo assim, ele deveria, nos dizeres de Bill Gates, ter arrumado o próprio quarto antes de tentar mudar o mundo. É verdade que JRPGs não oferecem o mesmo tipo de “liberdade” de que a Bioware se gaba. Mas até que ponto o modelo “ocidental”, “sem o J” de Erickson vive às suas próprias expectativas?

Para responder a essa pergunta, é necessário voltar  no tempo.

‘Interatividade’…. até quando interessa

press a

Nos anos 1980, quando computadores eram uma novidade e a maioria das pessoas sequer sabia o que eram videogames, Brenda Laurel propôs uma ideia pioneira. Segundo ela, softwares tinham muito em comum com o teatro. Tal como as peças, eles eram compostos por uma série de elementos que deveriam funcionar em conjunto, do código à interface. Para que tudo opere como esperado, é necessário que esses elementos estejam orientados por um projeto geral do autor, e que esse projeto seja traduzido para a dimensão material da obra. Se o criador pesar a barra em seu plano, a ideia parecerá inacabada ou forçada. Se, por outro lado, ele estiver escondido demais, o público encarará o que se passa sem fazer ideia do que significa.

Deve haver uma obra de arte escondida aí...

Deve haver uma obra de arte escondida aí…

Brenda Laurel influenciou teóricos e designers, que se basearam nesses princípios para criar experiências em que as ações dos jogadores tivessem maior impacto. O que eles perceberam foi que games com escolhas relevantes são justamente aqueles em que essa balança está em equilíbrio.

Se ela pende para o lado do autor, chegamos no famoso railroading: a sensação de sermos “carregados” para finais que não necessariamente desejamos. Se ela pende para o lado material, temos conteúdo filler, que parece estar no jogo apenas para gerar volume.

Em Dragon Age II, templários e magos entram em guerra e destroem Kirkwall, independente dos esforços do protagonista para impedi-los. A vontade dos autores de contar sua história e preparar terreno para o jogo seguinte falou mais alto que seu desejo de deixar as rédeas nas mãos dos jogadores.  Em Mass Effect 3, o plano de Casey Hudson e Mark Walters de autorar uma ficção científica “cabeça” pesou além da conta sobre uma série que se propunha a ser a versão digital de um livro de “escolha sua aventura”.

choose your own

Por outro lado, as caças aos shards, mosaicos, garrafas e quebra-cabeças de Dragon Age: Inquisition parecem filler porque não conseguimos ver um sentido geral por trás delas. O problema não está na natureza das quests. Os audio diaries de Bioshock são essenciais à narrativa, e nos trazem enorme satisfação ao serem encontrados. Ambas são “caças ao tesouro”: uma pecou pelo excesso; a outra achou a medida certa.

Isso mostra que, contrário à sabedoria popular, mais nem sempre é melhor. Se não está claro como as decisões se relacionam com a ideia central,  há alguma coisa de errado com estas decisões, e a impressão que elas passarão com certeza não será de liberdade.

Eu insisto em “impressão’. Folheiem um guia de estratégia de um jogo que gostam e verão que, na maioria das vezes, o potencial de escolha é muito pequeno. Se os desenvolvedores são generosos, vocês terão alguns finais diferentes. Na maioria das vezes, uma dezena de variações dos mesmos finais, ou um punhado de escolhas significativas ao longo de 50h de aventuras. Levante a mão quem nunca jogou um grande RPG, voltou do começo para fazer uma aventura completamente nova e descobriu que certas coisas não mudariam.

A questão, portanto, não é de prometer liberdade infinita, mas de fazer a pouca liberdade de que os jogadores dispõem parecer aceitável. Há uma série de truques para isso, alguns dos quais são mais antigos que os próprios games. Abaixo vão três dos meus favoritos.

Esconder o plano geral dos jogadores

 DM-Screen

Esse é um ponto que mestres de RPG já conhecem de cor e salteado. Os jogadores não precisam saber que a Cidade A que eles visitaram é exatamente igual à Cidade B que eles decidiram não conhecer. Tampouco precisam, após perderem os cabelos derrotando um boss, saber que você os deixaria ganhar de qualquer jeito.

Isso é possível porque há dados que são escondidos dos jogadores. Sem ter mapas ou descrições das cidades, eles não têm como saber se o mestre os está conduzindo com uma guia. Sem informações sobre pontos de vida, habilidade ou classe de armadura dos montros, eles não fazem a menor ideia do tamanho dos desafios que encontram.

Um mestre astuto consegue engambelar seu grupo por sessões a fio sem que ninguém perceba. O resultado é uma história em que as regras estão lá apenas como referência e em que o mestre decide, como o “líder” de um faz-de-conta entre crianças, quem viveu e quem morreu.

Antes que vocês abram aquele sorrisinho maldoso e enviem esse texto para aquele seu colega que faz isso, saibam que essa tática é tão eficiente, popular e desejada que virou dica oficial no Livro do Mestre da 4a edição de D&D:

Se você ver que as personagens estão obviamente dominadas em um encontro, você pode:

  • Dar às personagens uma rota de fuga
  • Fazer escolhas ruins de propósito para os monstros
  • “Esquecer” de rolar o dado para ver se monstros recarregam seus poderes
  • Inventar um motivo dentro da história para os monstros abandonarem a luta
  • Deixar os monstros ganharem, mas deixar as personagens vivas por algum motivo.

(…)

[Se um encontro estiver fácil demais], você pode aumentar a dificuldade na medida em que as coisas andam. Traga reforços. Dê ao vilão uma habilidade nova da qual os jogadores não sabiam. 

Em videogames isso é ainda mais crucial do que em jogos de tabuleiro. Nenhum software, por mais complexo que seja, conseguirá ser tão rico quanto a imaginação.

daggerfall

Não, nem Daggerfall

A diferença entre um jogo bom e ruim muitas vezes jaz em uma coisa tão simples como saber o que esconder e por quanto tempo. Em Heavy Rain, escolhas erradas em alguns momentos-chave levam à morte das personagens. Porém, ao anunciar que “ninguém está à salvo” e que suas decisões podem condenar quase todo mundo, os desenvolvedores criam um véu de tensão que faz até os quicktime events mais banais parecerem significativos.

250px-Beyond-two-souls-box-art

Caro David Cage: só não exagere na dose. ALGUMAS decisões reais são necessárias, caso contrário perde a graça

Na maioria das vezes, isso é feito de forma sutil. Vários jogos, a exemplo do mestre de RPG que citei, escondem informações cruciais dos inimigos, de fraquezas a pontos de vida. Quando bem feito, isso torna o jogo muito mais difícil e imprevisível, exigindo que pensemos duas vezes antes de chutar o menor dos goblins.

É o famoso “tigre de papel”. Após alguns playthroughs, pode até ser que deduzamos a lógica da coisa e encontremos um “caminho ótimo” para chegar ao final. Com o tempo, nós logo veremos que a maior parte das ameaças é pífia se encarada do jeito certo ou no nível ideal. Na primeira vez, no entanto, cada mísera escolha será tomada com o suor a escorrer da testa.

Trilhas de migalhas

Fonte

Entregar a história de mão beijada, seja via cutscenes ou diálogos expositivos, não é a coisa mais excitante do mundo. Para contornar este problema, designers muitas vezes “quebram” as informações relevantes da história e as espalham pelo mundo do jogo.

Esses resquícios podem ser qualquer coisa: ruínas, campos de batalha, livros ou mensagens escritas, cadáveres, rumores sussurados por NPCs, gravações ou mesmo visões fantasmagóricas. Nenhum conta uma história completa, apenas uma “peça” que, juntada as outras, ganha um sentido.

Se a diferença parece minúscula, na prática ela é gritante. Aqui, por mais linear que o enredo seja, é sempre do jogador o papel de colocar as coisas em ordem. Rondar cada centímetro de Columbia em busca de voxophones nos dá um sentimento muito maior de agência do que escutar uma narração em off por vinte minutos.

Para aqueles de vocês que curtem um palavreado técnico, o nome disso é paradigma indiciário. O termo foi cunhado pelo historiador Carlo Guinzburg para denotar a capacidade de reconstruir um todo a partir de traços. É o princípio do romance policial. A diferença é que é o jogador, implicita ou explicitamente, que veste a boina do Sherlock Holmes.

Para Guinzburg, trata-se de uma habilidade cultivada desde os caçadores da idade da pedra. Na perseguição por pegadas, sangue e outros rastros de animais, aprendemos a narrar o que havia acontecido com eles e para onde eles iriam. De uma atividade de sobrevivência surgiu nosso dom de contar histórias.

Geralt, o romancista

Geralt, o prosador

Justamente por ser tão básica e fácil de usar essa técnica pode ser encontrada em praticamente todo game narrativo. Ela está presente no prólogo de The Last of Us, em que exploramos a casa de Joel e descobrimos quem ele é, que tipo de relação tem com a filha e o que está acontecendo com o mundo. Ela é o elemento crucial em Bioshock e em adventure games como Gone Home, cujas histórias dependem da interação com objetos. Ela aparece de maneira literal nos contratos de monstros de Witcher 3 e em todos os jogos de investigação. Não que precisemos ir tão longe: nós a vemos em virtualmente todos os dungeons de Skyrim, por meio de notas, cadáveres estrategicamente posicionados e NPCs tagarelas.

Shavari's_Note

Aquela hora em que nos damos conta de que Skyrim tem um índice de analfabetismo menor do que o do Brasil

Mundos dinâmicos

 

Em 2011, Witcher 2 fez os queixos da crítica caírem ao incluir uma decisão tão, mas tão relevante que mudava completamente o segundo ato do jogo. Para ver tudo o que o game tinha a oferecer, não havia saída a não ser jogá-lo (quase) inteiramente uma segunda vez.

A verdadeira narrativa ramificante é um sonho de muitos gamers, mas quem já tentou colocar a ideia no papel– ou apenas já brincou no Aurora Toolset de Neverwinter Nights – sabe o pesadelo que é pô-la em prática.

aurora toolset

Meus olhos doem…

Se cada escolha “mudasse para sempre o universo”, como prometem as contracapas de vários games, jogos seriam infinitos e impagáveis. E isso sem contar as pressões editoriais. Como o escritor da Bioware Patrick Weekes disse num depoimento três anos atrás, o railroading às vezes é uma exigência do escritório de cima. Em um mundo de gamers que só jogam um título uma única vez ou nem chegam até o final e de empresas como a EA que vivem de nivelar por baixo, impedir o jogador de acessar conteúdo (como vez Witcher 2) nem sempre é aceitável.

Quem acompanha a série Elder Scrolls há mais de uma década sabe a pena que isso é. Em Morrowind, as diferentes facções do jogo têm suas rivais, e para prosseguir em suas quests é necessário destrui-las. Deseja se tornar grão-mestre da Guilda dos Magos? Prepara-se para caçar agentes Telvanni. Quer liderar a Guilda dos Guerreiros? Para tanto, é necessário ou eliminar a Guilda dos Ladrões ou organizar um motim e tornar-se mestre à força. Seja como for, o resultado é dramático: personagens-chave morrerão e, com elas, quests, diálogos e oportunidades específicas. Compare isso com Skyrim, em que um único personagem pode se unir a todas as facções, quest-givers são imortais e os impactos de suas ações na postura de NPCs são quase imperceptíveis.

A solução é contar com pequenas escolhas espalhadas ao longo do jogo. Elas não precisam ser relevantes ou mesmo associadas à trama principal. Pelo mero fato de estarem lá – e em grande número – passam a sensação de que o protagonista causou uma diferença no mundo à sua volta. Jogos não são apenas histórias, mas lugares virtuais que habitamos por algum tempo. Deixar nossas marcas nesses lugares muitas vezes é mais importante do que ver um slideshow diferente no epílogo da jornada.

Isso é o que Mass Effect, para a infelicidade de seus criadores, fez bem demais. O terceiro jogo da série contou com mais de 1000 pontos de variação com base em decisões feitas nos dois anteriores. A maioria dizia respeito a side quests formulaicas, easter eggs ou fanservice, mas não importa. O jogo passou a sensação de que as ações de Shepard, por menores que fossem, mudariam a vida das pessoas a sua volta. Quando o mesmo não aconteceu com as “grandes” decisões – e, nestas dimensões, não tinha mesmo como acontecer – a internet pegou fogo.

Para alguns, o que separa um grande criador de um medíocre é a capacidade de se virar com pouco. Dê a um chef tomate, azeite, farinha, água e sal e ele fará um banquete a ser lembrado. Coloque um leigo em uma cozinha industrial e ele queimará sua torta do mesmo jeito. Não se trata de inspiração divina ou talento nato, mas da ideia de que bons criadores conhecem seus limites e sabem fazer o melhor sem pisar fora deles.

Se isso é verdade, sem dúvida se aplica aos games também. Os recursos e possibilidades para criar um jogo dos sonhos sempre serão limitados. A marca da experiência inesquecível é a lábia de seus criadores em  “mascararem” as costuras de seus universos de faz-de-conta.

]]>
https://www.finisgeekis.com/2015/09/21/liberdade-de-escolha-ou-como-os-video-games-nos-enganam/feed/ 1 699
4 dicas para você perder o medo de jogos muito longos https://www.finisgeekis.com/2015/07/20/4-dicas-para-voce-perder-o-medo-de-jogos-muito-longos/ https://www.finisgeekis.com/2015/07/20/4-dicas-para-voce-perder-o-medo-de-jogos-muito-longos/#respond Mon, 20 Jul 2015 23:57:02 +0000 http://finisgeekis.com/?p=487 Todo mundo conhece a história.  O sujeito passou a infância ou a adolescência vidrado em games. Virava noites com Zelda, Final Fantasy ou Baldur’s Gate. Chegou a todos os finais dos Fallout 1 e 2. Lembra de Ald’ruhn e Balmora, cidades de Morrowind, mais do que da casa em que passou a infância. Aí perguntamos: “E hoje, o que você anda jogando?” E a resposta: “Não dá mais. Hoje, só jogos curtos”.

Comigo foi assim semana passada. Em uma conversa recente, ouvi um colega dizer que investiu U$ 260,00 no kickstarter do Shenmue 3. Disse que chorou ao ver o anúncio na E3. Perguntei em que plataforma ele iria jogar; ele disse o PS4. Perguntei se ele tinha um PS4; ele disse que compraria só para jogar Shenmue. Eis que meu radar de gamer hardcore começou a apitar.

Lancei então a pergunta: e o Final Fantasy VII? O que achavam do remake?

Nesse ponto, o tom mudou. Outro colega disse: “Jogava quando era moleque. Hoje em dia é impossível.” Parou de jogar videogames? Não, jogava ainda, só não mais jogos longos.

Quando os tempos eram outros

Quando os tempos eram outros

A situação é compreensível. Segundo o HowLongtoBeat, site que cataloga médias de tempo que os gamers levam para terminar seus jogos, FFVII demanda alguma coisa entre 30h e 70h para ser terminado. E isso contanto apenas a quest principal: um complecionista pode rodar de 60h a absurdas 300h dependendo de qual for seu ritmo de jogo.

O game não é um ponto fora da curva. Zelda: Ocarina do Tempo podia chegar a 50h (supondo que você não ficasse travado em um dungeon por dias a fio, como acontecia comigo o tempo todo). Secret of Mana, o clássico de SNES, girava em torno de 30h a 70h caso você quisesse esgotá-lo. A dobradinha Baldur’s Gate 1 e 2 dificilmente saía por menos de 80h para a quest principal ou 200h contando missões secundárias. Se quiser colocar algum Elder Scrolls na lista, prepare-se: explorar tudo o que estes games têm a oferecer pode levar mais de 1000h.

Por jogo

Por jogo

Não é à toa que muitos abriram mão desse tipo de game em troca de títulos multiplayer, de pequeno porte ou vazios do ponto de vista narrativo. Aqueles que criticam FIFA e GTA como “diversão de ignorantes” cometem uma grande injustiça. Nos dias de hoje, quem tem 100h para gastar num jogo?

Por incrível que pareça, muita gente. É questão de saber usar bem o tempo, preparar-se para o desafio e – é claro – estar disposto a embarcar em jornadas virtuais que durem meses.

Abaixo, passarei algumas dicas para aqueles que sentem saudades das experiências digitais da juventude, estão dispostos a encarar o desafio, mas sentem dificuldade em voltar à forma.

1. Separe o relaxante do cansativo e organize sua agenda de acordo

Quests_(Skyrim)_Interface

O que sempre me espanta na maioria dos gamers “enferrujados” é que, ao mesmo tempo em que dizem que não têm tempo para jogos longos, eu os vejo a torto e a direito fazendo maratonas de séries de TV, virando a noite com reality shows ou passando horas no vaso navegando no 9gag. Por algum motivo, videogames parecem “pesar” mais do que todas essas outras atividades.

Por quê?

Games são vistos (não sem razão, diga-se de passagem) como entretenimento que exercita o cérebro. Enquanto que a reprise de um programa favorito nos permite deixar a cabeça no “automático”, a concentração, multi-tasking e perícia exigida pelos jogos nos obriga a ficar alertas. Depois de um dia cansativo, ninguém quer desperdicár as horas de descanso com mais trabalho.  Correto?

Em parte. Desenvolvedores também são gente, e sabem que às vezes não queremos nada além de cair no sofá e ligar o protetor de tela da vida por algumas horas. Por esta exata razão, muitos games são feitos com isso em mente. Por mais “adulto”, “sério” e “complexo” que um título seja, ele quase sempre vai ter um zilhão de atividades meniais, pensadas sob medida para esses momentos do dia em que queremos ‘desligar’.

Mass Effect ganhou os louros da crítica por sua história comovente. Mas é bom lembrar que a maior parte do jogo, quantitativamente falando, se passa viajando à toa pela galáxia, coletando minerais ou escaneando planetas. Os jogos da Rockstar têm momentos de grande tensão, mas nada nos impede de dirigir à esmo ouvindo o rádio de nosso carro virtual. E em Skyrim, para cada dragão que matamos há quilômetros de montanhas arborizadas com florzinhas para coletarmos.

Essas são atividades relaxantes, prazeirosas e que exigem pouco do cérebro. Podem ser muito mais legais (e esteticamente mais agradáveis) do que rever o mesmo gif de gato pela octagésima vez. Como cereja do bolo, elas cumprem uma função prática.  Fetch quests, por exemplo, existem em quase todos os jogos e geralmente dão algum benefício (seja em experiência, itens ou recursos) que pode fazer a diferença mais para a frente.

Where-the-Druffalo-Roam

Não fosse o bastante, essas atividades simples “treinam” o jogador para os momentos mais importantes do jogo, ajudando em outro grande porém: a dificuldade. Dirigir à esmo em GTA nos faz, com o tempo, memorizar o mapa das cidades, algo essencial para perseguições. O minigame de pugilismo do Witcher 3, muito mais difícil que as batalhas “normais”, diga-se de passagem, treina reflexos que fazem do combate bem mais tranquilo.

Mais: jogos podem ter 70h de duração, mas boa parte das quests têm começo, meio e fim e podem ser completadas em menos de uma hora. No tempo que leva para assistir a um episódio de CSI: Miami dá para liberar uma ruína Dwemer em Skyrim ou pegar o troféu de uma arachas no Witcher.

Morre logo que tenho de tomar banho em 20min

Caia dura que eu tenho que preparar o jantar

E quanto às missões principais? Os momentos de decisões sem volta, de perícia e estratégia? As boss fights? Estes deixamos para os fim de semana livres, férias e feriados; para os momentos em que realmente temos horas à fio livres para fazer o que quisermos e curtir a experiência sem culpa. Main quests de games geralmente fluem bem e são, no conjunto,  mais curtas que o total das atividades secundárias. Cuidando do conteúdo de “enchimento” ao longo da “semana útil”, o que resta da experiência pode ser terminado em poucos dias.

2. Crie um diário de campanha

Blackbooktext

Essa é uma dica que eu dava para os meus jogadores quando mestrava RPG de mesa. Na adolescência, quando não fazemos nada da vida, é fácil jogar com frequência. Já depois de envelhecermos não é incomum passarmos semanas sem tocar no console ou PC.

A consequência mais óbvia é “enferrujarmos” e perdemos a familiaridade com o sistema ou com os controles. Jogos complexos, que requerem reflexos ou memorização, são os mais afetados.  Nisso, a rotina do item anterior ajuda em muito. Combinada com uma dificuldade mais baixa (ao menos para o período de “aclimatação”) isto deixa de ser um problema.

No entanto, é muito provável que perdamos também qualquer ideia do que acontecia no jogo até aquele momento. Era o que acontecia nos meus encontros de RPG: apesar das pessoas guardarem uma noção básica da história, os detalhes, sutilezas e atmosfera eram esquecidos. Um jogo narrativo, destilado deste jeito, perde toda a graça.

É aqui que entram os diários de campanha. Como todo diário, a ideia é que seja uma récita do que aconteceu de importante até aquele momento. Ele pode ser feito dia após dia, semana após semana, ou antes de qualquer pausa significativa. Tudo é válido: o nome e identidade das personagens, os itens mais utilizados, os controles para as manobras de maior sucesso, desabafos. Para ficar mais interessante, ele pode ser “multimídia”, incluíndo imagens, screenshots, achievements e outras coisas mais.

Diários de campanha podem virar passatempos em si. Eles são muito populares em games de estratégia. Alguns fórums têm inclusive sessões específicas para os AARs (After Action Reports), em que um jogador narra sua jornada e os demais comentam.

AAR

Independente do nível de envolvimento, a estratégia funciona. Um bom diário de campanha é capaz de localizá-lo na história que deixou para traz em uma única lida. Ele não precisa ser feito enquanto jogamos; antes, é útil deixá-lo para as horas perdidas do dia, para as filas de banco e para os chamados da natureza. Aplicativos como o Evernote permitem que você exporte o documento para o computador, caso queira retrabalhá-lo depois.

3. Você não é obrigado a jogar até o fim, mas vale a pena se esforçar para chegar lá

Legend of Zelda The Ocarina of Time_May27 0_25_01

No final das contas, quando falamos de “jogos longos” single player estamos falando de dois tipos de experiência. De um lado, temos os títulos abertos, expansivos, que prezam pelo gameplay emergente e trocam profundidade por quantidade. Elder Scrolls, e as dezenas de séries que chupinharam seu sucesso, são os maiores exemplos.

Esses jogos, quando bem feitos, são lindos, viciantes e repetitivos. A ideia não é vender uma história, mas a sensação de se estar em outro lugar. Se fôssemos fazer um paralelo com o mundo analógico, eles seriam os passeios no parque ou no museu. Você não precisa (e nem deve) fazer ou ver tudo. Foque nas coisas que lhe agradam e, quando cansar, vá embora.

Acho que por hoje já deu

Acho que por hoje já deu

Do outro lado, no entanto, há os jogos que são grandes por que realmente são uma montanha-russa de emoções e esperam se tornar parte de sua vida. São os JRPGs à la Final Fantasy, os jogos da Bioware, com suas quase 100.000 palavras de diálogo, as sandboxes da Rockstar, que têm de enredo quase tanto quanto oferecem de filler, e com qualidade semelhante.

Oh, but you will. You will be responsible

“Oh, but you will. You will be responsible”

Para esses jogos, não adianta fazer um piquenique e ir embora. Eles nos encorajam a comprar o desafio de Clarice Lispector, em seu conto Felicidade Clandestina. Nele, uma garota fica encantada ao ganhar um livro do Monteiro Lobato porque ele é enorme: ela sente que, mais do que lê-lo, vai viver parte da sua vida com ele. Aqueles que já passaram manhãs preguiçosas na escola imaginando as aventuras digitais que viveriam quando chegassem em casa, ou que sofreram no trabalho pensando se destruir o genophage foi mesmo a escolha certa sabem do que estou falando. Jogos longos vivem conosco por um tempo.

Se os primeiros, no mundo real, seriam uma caminhada, esses jogos são as séries de TV. Seus enredos são rebuscados, episódicos e cativantes, com muitos altos e baixos e suspense. Se você for parar para pensar, o tempo que gastamos nelas é mais ou menos o mesmo. Game of Thrones, de cabo a rabo, toma dos espectadores 50h; Breaking Bad, pouco mais de 60h. The Sopranos chega a 86h, e Mad Men passa da marca das 90h. Já se você quiser assistir Grey’s Anatomy em uma tacada, tenho más notícias: a série tem mais de 240h e ainda não acabou.

Ao contrário de sitcons e procedurais de polícia, essas séries não foram feitas para serem vistas “em migalhas”. É a especulação, a ânsia pelo final, a empatia a longo prazo com os personagens que fazem a alma do negócio. Longos games narrativos são a mesma coisa. Terminá-los não é fácil, mas o prêmio, como diria Jacob Taylor, vale cada gota de suor.

Jonas Mattson, um dos criadores de Witcher 3, disse isso com todas as letras em uma entrevista anos atrás:

Eu sou um fã de Skyrim, vários de nós amam Skyrim. Mas enquanto eles estão fazendo a coisa deles, como mundo aberto, pular e correr pelos cantos casualmente, nós estamos fazendo um pouco diferente. Nós estamos investidos pesado em narrativa e mundo aberto. Isto não foi realmente feito antes e nós queremos provar que pode ser feito.”

Agora, se mesmo com toda a boa vontade e organização do mundo terminar um aventura de 100h estiver ainda impossível, acalme-se. Afinal de contas, lembre-se de que…

4. Chegar ao final não é sinônimo de “complecionismo”

51_Platinum_Trophy_(New_Vegas)

Na minha infância, jogo era algo que se “zerava”. A gíria vem das máquinas de pinball, cujos marcadores de ponto tinham 6 ou 7 dígitos e voltavam para o zero quando chegavam a um número muito grande. Hoje, fala-se em “platinar”, oriundo dos achievements de nível platina, obtidos ao cumprir todos os outros de um dado título. O sentido é o mesmo: há um limite de coisas para se fazer em um jogo. Para “terminá-lo”, é preciso deixar tudo devidamente feito.

Assim pensa o “complecionista”. É uma forma incrível e desafiadora de se encarar o game, desde que se tenha muita paciência e tempo de sobra. Exatamente o contrário do que a maioria dos adultos pode dizer que têm. E não há nada de errado nisso.

Então né...

Agora volte ao mapa do começo desse post

Se você é daqueles que se desanima ao saber que está deixando coisas para trás, saiba que não é preciso ser um complecionista para curtir um jogo longo até o fim. Não porque “somos humanos e ninguém é perfeito” ou qualquer outra bobagem do tipo. Mas porque boa parte do conteúdo em jogos está lá só para dar volume.

Mass Effect tem missões para se coletar minerais e relíquias na superfície de planetas, mas o número destes recursos no jogo é muito maior do que o necessário para que as completemos. Na maioria dos RPGs, o ganho monetário é tão grande que se torna redundante após certo ponto: as recompensas, tesouros e jóias encantadas perdem todo o sentido. Já certos jogos têm o level cap tão baixo que pode ser atingido antes do final da experiência. Após isto, completar missões vira ‘esporte’: não há mais nenhum ganho concreto.

Não perca seu tempo. São todos hidden caches

Não perca seu tempo. São todos hidden caches

Desenvolvedores estufam seus jogos com essas prendas porque sabem que consumidores priorizam entretenimento que vai agradá-los por mais tempo. Porém, em excesso, isso torna a experiência enjoativa. Dragon Age: Inquisition tem cerca de 30h de jogo de alta qualidade dramática espaçadas em um cenário inchado por tarefas meniais e repetitivas. Tentar platiná-lo é um exercício de masoquismo. Pode agradar aos gamers mais devotos, mas de maneira nenhuma vale o esforço.

Onde 8/10 gamers desistem do jogo

Onde 8/10 gamers desistem do jogo

Há claro, outros problemas que tornam jogos longos complicados depois de uma etapa da vida. Infelizmente, nem todos têm solução. No entanto, em uma boa medida um pouco de organização e planejamento fazem toda a diferença. Tal como tricotar, fazer maquetes, cozinhar, tocar um instrumento ou praticar um esporte, jogar no final da contas não é uma questão de talento, mas de disciplina. E muita paciência.

]]>
https://www.finisgeekis.com/2015/07/20/4-dicas-para-voce-perder-o-medo-de-jogos-muito-longos/feed/ 0 487
Da Escócia à Temeria https://www.finisgeekis.com/2015/05/11/da-escocia-a-temeria/ https://www.finisgeekis.com/2015/05/11/da-escocia-a-temeria/#comments Mon, 11 May 2015 20:04:18 +0000 http://finisgeekis.com/?p=224 Esse mês traz um sopro de alívio a todos que sofrem da abstinência de grandes RPGs. The Witcher 3: The Wild Hunt, sequência de uma das mais inesperadas franquias dos últimos anos, chegará às prateleiras. Quem pensava que um game da Polônia viesse um dia a fazer sucesso no grande circuito que venha pegar meu dinheiro da aposta. De minha parte, qualquer esperança que eu pudesse ter a respeito foi varrida pela tímida recepção do alemão Gothic na geração retrasada. Nota mental de que a Europa não-anglófona e não-Ubisoft, se não uma cornucópia da fartura em termos de lançamentos, tem muito talento a entregar.

Céticos ou apaixonados, fãs da série que perderam a entrevista de  Jonas Mattsson, designer da CD Projekt Red, em 2013 vão se interessar em ler seus comentários. Sua declaração de que The Wild Hunt, fiel à nova linha de RPGs pós-Skyrim, será uma sandbox talvez seja o que mais atraia a atenção dos gamers. Contudo, interessante também são as referências sobre as quais ele diz ter trabalhado: Game of Thrones, Robin Hood e o clássico épico de Mel Gibson, Coração Valente.

Afora o fato de ser um filme mais velho que boa parte dos que jogam hoje em dia, não há nada muito estranho em tomar o blockbuster sobre William Wallace como inspiração. Entre batalhas campais, trilha cinematográfica e figurinos de época (sem contar o estrondoso sucesso nas bilheterias) temos a receita de uma “fantasia medieval de sucesso”. Mais do que outros títulos que miram algum tipo de singularidade, The Witcher apresenta uma identidade visual bastante ancorada em referências históricas, com toda a flexibilidade que a low fantasy lhe permite. A questão é que a CD Projekt Red não está sozinha em seus hábitos cinematográficos. Muito pelo contrário.

1995 mode

Chivalry: Medieval Warfare, originalmente um mod de Half Life 2 chamado Age of Chivalry,  é uma paródia de Call of Duty que leva o tiroteiro descerebrado para a era das bestas e alabardas. O hack & slash (ou first person slasher, como seus criadores preferem chamá-lo) tem pouco em comum com o game polonês além dos jatos de sangue e da atmosfera medieval. Ao contrário de The Witcher, no entanto, ele se propõe a ser uma obra “histórica”, e promete “capturar a experiência de realmente estar em um campo de batalha medieval”. O estranho são suas referências: Gladiador, 300 e ele mesmo: Coração Valente.

Retratado: campo de batalha medieval típico

Retratado: campo de batalha medieval típico

Ora, dirá o leitor, são dois jogos blockbusters, para fãs de sangue, mágica e adrenalina. Que importam as palavras que utilizem em seu marketing, ou a fonte de sua inspiração? Nenhum dos dois está preocupado em dar uma aula a seus jogadores. Justo. Kingdom Come: Deliverance, no entanto, está. O game, em desenvolvimento pela checa Warhorse, se propõe a ser um dos jogos “medievais” mais “realistas” já feitos. Se Chivalry tem os olhos em CoD: Modern Warfare, Kingdom Come vê sua musa em Arma, a detalhada (e dificílima) série de tiro, na qual muitos de seus desenvolvedores trabalharam. A proposta é fazer um game fidedigno em todos os sentidos: na física, na ambientação, vestuário, geografia e mesmo narrativa. Uma proposta para lá de ousada, e que nos faz imaginar com que tipo de referências estão trabalhando. Nas palavras de seu diretor, Daniel Vávra: “Será Coração Valente: o jogo!

Duas vezes podem ser coincidência; três, não. Talvez sejam os “castelos majestáticos, cavaleiros em armadura, batalhas em campo aberto e intriga política” (Pelo menos, é o que diz o Kickstarter de Vávra). Talvez sejam as dez indicações ao Oscar ou o carisma de seu ator principal. Talvez seja o efeito mnemônico de reprises intermináveis na Sessão da Tarde e seus equivalentes mundo afora. O fato é que o épico de Mel Gibson passa inegavelmente uma impressão de autoridade.

O cético poderia criticar a escolha de fonte. De fato, há pouco para recomendar Coração Valente como um modelo de fidelidade. Os kilts e claymores que esbanja a rodo levariam ainda duzentos anos para serem criados. O jus primae noctis, que faz com que a esposa de William Wallace seja raptada e morta e o motiva ao levante, não existia na lei inglesa. Muitas das pessoas nas quais suas personagens foram baseadas sequer viveram na mesma época. Reúna meia dúzia de historiadores, deem-lhes um bloquinho e o filme para assistir e você terá uma lista homérica de outras incoerências até os créditos finais.

Novas obras para novos tempos

O ponto, como eu já disse antes, é que nem só de detalhes se faz o autêntico. Saber criar uma atmosfera envolvente muitas vezes faz toda a diferença. E, quando se trata de atmosfera, não estamos mais falando de argumentos, e sim de emoções e de como influenciá-las. De Os Sopranos Demolidor, há uma tendência na TV de explorar personagens imperfeitos em histórias cínicas ou brutais. No que diz respeito ao relativamente pequeno (mas querido) nicho dos games medievalistas, parece acontecer algo similar. Há certo ranço com os clichés coloridos introduzidos por O Senhor dos Anéis e reproduzidos por três ou quatro gerações de fãs de RPG. Existe um público incrédulo demais para heróis adolescentes com capas coloridas, perdido demais para as visões de moralidade, ordem e natureza da obra de Tolkien e incomodado demais com o desgaste de sua lore favorita. Daí que desenvolvedores da Obsidian apelam ao Kickstarter para financiar seu jogo sobre bebês natimortos e designers da Bioware descrevem Dragon Age como uma alegoria sobre a  época da Inquisição. Coração Valente pode não ser muitas coisas, mas uma delas ele sem dúvida é: sério sem parecer ridículo.

A tendência não é nova, mesmo no mundo dos games. De certa forma, ela é até previsível. Jogos de tiro deram suas caras no mercado com ninguém menos que Adolf Hitler em um exoesqueleto robótico e braços de metralhadora. Vinte anos depois, temos uma história sobre a Rebelião dos Boxers, o Massacre de Wounded Knee e um criminoso de guerra vertido em capanga enlouquecido com o sangue em suas mãos. Tal como os fãs de Breaking Bad, Mad Men True Detective, há um grupo de gamers (e desenvolvedores) que começou a exigir mais do seu entretenimento.

Como alguns têm coragem de dizer que esses protagonistas são

Como alguns têm coragem de dizer que esses jogos são “farinha do mesmo saco” é algo que eu jamais entenderei

Pode ser que Daniel Vávra seja simplesmente ingênuo e veja em Coração Valente um exemplo de fidelidade histórica. No entanto, é possível também que a Warhorse, tal como a CD Projekt Red, esteja apenas mirando os corações de um certo típico de público que conhece muito bem. É sempre bom lembrar, afinal, que antes de ganhar o mundo como um game The Witcher era uma franquia literária, não muito longe de um Game of Thrones polaco. O Blockbuster de Mel Gibson pode estar distante, mas não esqueçamos que o tempo passa. Há vinte anos, ver um vilão ter o rosto esmagado por uma maça levava a plateia ao delírio como qualquer casamento vermelho hoje em dia.

]]>
https://www.finisgeekis.com/2015/05/11/da-escocia-a-temeria/feed/ 3 224
O papel da imaginação https://www.finisgeekis.com/2015/03/30/o-papel-da-imaginacao/ https://www.finisgeekis.com/2015/03/30/o-papel-da-imaginacao/#respond Mon, 30 Mar 2015 19:45:30 +0000 http://finisgeekis.com/?p=147

Eu acho que o meio está rapidamente se movendo na direção de se tornar mais cinemático do que era – o que é bom e ruim, eu creio. É bom na medida em que agora podemos mostrar tanto quanto contamos. E é ruim porque nós subitamente precisamos mostrar, e menos fica a cargo da imaginação… algo com que, de várias maneiras, nós jamais poderemos competir.

A frase acima é de David Gaider, escritor da Bioware, em entrevista que deu quando do lançamento de Dragon Age II. Sua opinião é ao mesmo tempo pé-no-chão e profética, e só mostra quanto Gaider está antenado na metamorfose pela qual os CRPGs passam. Dragon Age II foi criticado por simplicar demais as mecânicas do gênero, por emprestar demais dos games de ação e por – supostamente – ter se colocado como um “primo pobre” (e fantástico) do bem sucedido RPG/TPS Mass Effect. O lançamento causou alguma comoção – com direito até a uma “mea culpa” do diretor criativo Mike Laidlaw – mas ela pareceu superficial, se não mesmo derrotada. Entre os gráficos superiores, novos sistemas e orçamentos dignos de Hollywood, havia uma impressão sutil de que o novo, goste a gente ou não, chegou para ficar. Adicione a isso uma nova geração de gamers que conheceu pouco a era de ouro dos CRPGs e menos ainda os jogos de tabuleiro que a inspiraram e a situação piora ainda mais. Não há mais lugar para os RPGs de ontem, e quem pensa diferente pode fazer as malas e partir.

golden age

Quem vibrou com esses títulos sabe a pena que isso é

Um recomeço inesperado

As malas eles fizeram, só que pouquíssimos (além de David Gaider) podiam imaginar quão longe eles chegariam. De 2011 até hoje há um Kickstarter de distância, e com a popularização do crowdfunding uma série de desenvolvedores não muito amado pelos investidores tradicionais arregaçaram as mangas e se puseram a desbravar fronteiras. O resultado? Em 2014, Divinity: Original Sin, homenagem saudosa à “era de ouro”, arrecadou 1 milhão de dólares dos fãs; Wasteland 2, sequel de um título obscuro de 1987, juntou quase 3. Pillars of Eternity, lançado esse mês, ultrapassou os 4 milhões, e Torment: Tides of Numenera, sucessor do clássico cult (e fracasso de vendas) Planescape: Torment está a caminho dos 5. Um gamer veterano que retomasse o hobby hoje após vinte anos de hiato se sentiria em casa: os velhos CRPGs isométricos são o novo preto.

As razões para isso talvez não sejam tão misteriosas. Já falei aqui antes do papel do “faz de conta” e da dificuldade dos games em reproduzi-lo. Se um roguelike ou uma narrativa emergente, como um RPG de mesa, trazem isso pelo acaso e pela imprevisibilidade, os CRPGs de eras passadas traziam pelo que lhes faltava. Não havia pixels suficientes para representar uma vestimenta, então estávamos livres para imaginá-la da forma que quiséssemos. Não havia uma voz oficial para o protagonista assinada por uma celebridade, então escutávamos a nossa. Não havia, muitas vezes, o aprisionamento de nossas personagens à uma lore rígida, então podíamos criar personagens do absoluto zero, muitas vezes reutilizando heróis de RPG de mesa ou outros videogames. Não havia a obrigação (ou o espaço em disco) para se contratar muitos dubladores, e assim nossos diálogos eram imensos, irrestritos e versáteis em opções.

O dilema lembra as disputas entre aqueles que consideram jogos um “playground” e os que pensam neles como narrativas, sucessores de filmes e livros. É uma discussão quase tão velha quanto Baldur’s Gate, e que levou desenvolvedores e pesquisadores a coçar muito a cabeça. O curioso dos RPGs é que, mais do que qualquer outro gênero, parecem estar no meio do tiroteio: seus “diferenciais” desde que mundo é mundo foram a liberdade de escolha e a qualidade narrativa, e há fãs de ambos os lados pronto para criticá-los quando pendem para um lado mais do que para outro. De onde vem a questão: e quando liberdade e narrativa forem auto excludentes? E se os longos textos e diálogos intermináveis – sem contar a preocupação em criar um enredo coerente – tirarem do jogador a sensação de autonomia? E se o emaranhado de atributos, cálculos e acrônimos incompreensíveis (porém indispensáveis) afugentarem um jogador que de outra forma teria amado mergulhar na história?

Apesar de meu apreço pela “velha guarda”, sempre me incomodei com que direcionava essas limitações como críticas aos novos CRPGs do mundo AAA. Afinal de contas, trata-se de um estilo de jogo que veio a outro propósito, e tem um currículo próprio de inovações bem sucedidas. Quem nunca se impressionou com uma cinemática bem feita ou com a voz da Jennifer Hale que atire a primeira pedra. Entretanto, o “retorno” dos CRPGs isométricos conta uma história que não pode ser negada: há uma experiência única no gênero que se perdeu com o passar do tempo. E alguns gamers estão dispostos a voltar para buscá-las.

O retorno do filho pródigo

Aqueles que jogam desde os anos 1980 e 1990, todavia, sabem que a coisa não é tão simples. Há motivos para o gênero ter mudado em primeiro lugar, e muito do que era feito antigamente só era feito porque não se conheciam alternativas viáveis. O gamer contemporâneo que explore um título de vinte anos sofrerá o mesmo choque de um estrangeiro perdido em uma feira livre. Afinal, estamos falando de uma época anterior aos quest markers, auto-travel, autosave, regeneração automática; a era das mortes permanentes, diários de campanha pouco claros, resolução de tela sofrível e sistemas de combate desesperadores. A época em que era possível “perder” o jogo simplesmente por deixar de ter um item específico em um lugar específico em um momento específico.  Lembro-me com amargura de ter abandonado Planescape: Torment depois da terceira vez em que tive de recomeçar o jogo do zero por ter jogador fora quest items sem saber que eram importantes.

Seria a nostalgia suficiente para trazer esse estilo de volta à moda, ou seria preciso reinventá-lo? É possível reinventar esse tipo de jogo sem perder sua essência?

A despeito de seu sucesso, a nova leva de RPGs isométricos deixa algumas dúvidas. Divinity: Original Sin modernizou seu visual, sistema de combate, criação e customização de personagens, mas sofre de diálogos prolixos e um sistema de crafting para dar dor de cabeça em qualquer um. Wasteland 2 tem batalhas estupidamente difíceis e uma lista de perícias gigantesca, que exige um planejamento minucioso na hora de criar sua equipe. Qual foi minha surpresa, portanto, ao ver que os criadores de Pillars of Eternity resolveram nadar contra a corrente.

Segundo o diretor de projeto, Josh Sawyer, o objetivo do sistema de regras é impedir a criação de personagens inviáveis. Todos que já tiveram experiências com CRPGs sabem que montar cuidadosamente um protagonista é uma das tarefas mais importantes no gênero – e fonte de boa parte da diversão. Afinal, nada dá mais prazer do que ver uma personagem evitando um combate graças ao bom uso de perícias, ou derrotando um inimigo superior por meio da sinergia entre party members.

2015-03-29_00002

A proposta é estranha, mas assusta menos quando vista em prática. Para os revoltados de plantão: não se alarmem. Há habilidades melhores que outras e o jogo ainda recompensa aqueles que dominam o sistema. Ademais, a dificuldade de alguns encontros vai fazer bom uso dessas recompensas. A “mágica” está em três fatores: níveis de dificuldade minuciosamente customizáveis, diversidade de builds para cada classe e a possibilidade de criar party members, “NPCs do jogador”, ao longo da aventura. Sozinhas, cada uma das medidas não impressionaria muito, mas juntas formam um equilíbrio interessante. Até que ponto vai ser suficiente para levar o gosto por CRPGs isométricos a uma nova geração é ponto para debate. De qualquer maneira, eles não estão sozinhos na luta. Os novos CRPGs do universo AAA também deverão se reinventar caso queiram resistir à popularidade das sandboxes e dos jogos de ação. A diferença é que, ao contrário de Pillars of Eternity, eles não têm um passado ao qual voltar. Dragon Age se diz “sucessor espiritual” de Baldur’s Gate, e várias franquias reivindicam o legado de uma “tradição” RPGística. Mas a verdade é que, mais do que nunca, estes jogos são cartas de despedida a uma origem perdida

]]>
https://www.finisgeekis.com/2015/03/30/o-papel-da-imaginacao/feed/ 0 147
Dragon Age: O Charme do Desconhecível https://www.finisgeekis.com/2015/03/09/dragon-age-o-charme-do-desconhecivel/ https://www.finisgeekis.com/2015/03/09/dragon-age-o-charme-do-desconhecivel/#respond Mon, 09 Mar 2015 20:02:45 +0000 http://finisgeekis.com/?p=78 É possível sentir saudades de um lugar  que não existe?

Os protetores da memória dirão que não. Podemos nos iludir até cansarmos, inventarmos quantos refúgios quisermos para driblar qualquer senso de perda. Os espaços, objetos e pessoas que compõem nossa identidade independem de sortilégios psicológicos. Eles atendem a uma demanda maior: dizer o que somos, com quem devemos andar e o que precisamos deixar para o futuro. Contra isso, podemos reunir todos os mapas fajutos queimados nas pontas, as narrações em off e os rip-offs de trilhas do John Williams. Não muda nada. Uma coisa só é real se for real.

Gamers, no entanto, dirão diferente. Puxe um jogador de The Elder Scrolls à conversa e ele dirá quem é quem nas ruas de Sadrith Mora e qual o melhor lugar para se comprar comida em Whiterun. Chame um fã da Bioware ao desabafo e você escutará sobre as dores da traição do Jacob, o seu triângulo amoroso com o Alistair e a Leliana e o sacrifício dos Bull’s Chargers na Storm Coast. Pergunte sobre a primeira vez em que jogaram seus jogos e eles a compararão a uma viagem: por uma semana (ou um mês, ou um ano), Cyrodiil, Ferelden, Skyrim ou Orlais foram lugares em que de fato viverem, povoados com pessoas com quem de fato conversaram, e que deixaram lembranças mais vivas que qualquer foto.

O que diz de nós quando uma experiência virtual se torna mais verídica que o mundo de carne e osso? Somos nós que estamos impressionáveis ou é o mundo que ficou real de menos?

Quem conta um conto aumenta um ponto

Se RPGs de fantasia como TES ou Dragon Age passam a sensação de um mundo pulsante e fidedigno, não é só pela beleza gráfica, a complexidade de sua lore ou seu “realismo técnico”. Nem mesmo simplesmente por podermos alterá-los à revelia. Tamriel e Thedas são mundos cativantes em parte porque se mostram detentores de um passado e se projetam ao futuro, seja ao reagir (e acolher) as ações dos jogadores, seja no seu riquíssimo misto de tradição, mistérios e surpresas.

Muito do charme está não no que se sabe, mas justamente no que é desconhecido – e no que não é sequer sabível. Se muitos jogos entregam seu cenário como cartas marcadas, TES e Dragon Age apelam ao incerto e à nossa intrínseca curiosidade pelo disputável. Seus mundos não só não têm “certos e errados”, como também não separam entre religião e superstição, história e propaganda, deuses e mitos. Em sua jornada pelas terras fantásticas, o jogador não conta com a “verdade”, mas com versões; com os fiapos de informação que resgata de ruínas antigas e com a bagagem cultural de seu próprio personagem e sua predisposição a relevar algumas coisas em favor de outras. Em Dragon Age: Origins, o processo é literal. Vislumbramos um pouco do mundo do nosso avatar antes de, em seus pés, sermos atirados à demanda do destino. Se o restante do jogo não é lá muito diferente, o mesmo não podemos dizer das primeiras impressões. Como diz o “loremaster” de TES: Online, não há uma única verdade sobre o mundo; cada um o enxerga a partir de seu ponto de vista.

A despeito disso, TES faz pouco com o que tem em mãos. Como bem sabem aqueles que viveram a juventude com Morrowind, é possível jogar por centenas de horas sem abrir um único livro virtual, sem questionar pontos finos da lore ou mesmo prestar atenção à narrativa vaga que amarra as várias missões. Os incentivos para tanto são mínimos. Ruínas dwemer existem para serem exploradas, cidades para se obter missões e suprimentos, templos daédricos para se tentar a morte. O resto é cosmético. Em Dragon Age, em contrapartida, a lore é indissociável da experiência. No colo do protagonista são postas decisões que afetam toda uma realidade – incluindo a perspectiva de jogos futuros. Para se informar, não há “guia definitivo” ou livro sagrado. O que chega ao jogador são depoimentos, diálogos e entradas do códex, a enciclopédia virtual do jogo. Todos, da fofoca da taverna às escrituras divinas, têm seus próprios autores, vieses e propósitos ulteriores.   Um mundo que vive em conflito sobre sua própria definição é mais do que um mundo “realista”. É um mundo que passa a impressão de existir para além de nossa interferência. Isso torna nossa participação ainda mais especial – para o mundo, sem dúvida. Mas, fundamentalmente, para nós também.

Contudo, há algo a mais aqui. O escritor de Dragon Age, David Gaider, pode negar quanto quiser, mas há algo de nosso, do mundo real e do passado que de fato existiu, em sua criação. Assim nos diz Matt Goldman, o diretor de arte de DA: Inquisition, numa entrevista que deu para o guia de estratégia:

A premissa do Dragon Age é a exploração do que aconteceria se barganhas fáusticas fosse uma possibilidade real. O mundo de Thedas se balança em um momento estranho – como uma Europa do thomas moreIluminismo que não consegue se libertar das amarras da religião porque os demônios existem de verdade. A natureza de forte advertência dos arcos narrativos e esses paralelos históricos me levavam de volta aos pintores renascentistas setentrionais como Breughel e Holbein.

Esse retrato de Sir Thomas More é para mim uma perfeita síntese do dilema moral de Dragon Age (…). Sir Thomas More foi um humanista progressista, diplomata e escritor. Ele foi também um inquisidor e lutou contra a Reforma Protestante com métodos “tradicionais”. Um homem muito inteligente e de grande compaixão, pego entre o passado e o futuro.

 

O que talvez fosse de se esperar de uma franquia que adota um marcador temporal como título, a intenção não é apenas mostrar uma época distante, mas uma época que muda. Daí a necessidade de jogar a mudança nas mãos do gamer, tanto na forma de dilemas a serem resolvidos (aliar-se aos templários ou debandar a ordem? Colocar Alistair ou Anora no trono?) como em acasos maiores que nos aparecem independente do que façamos (a batalha de Kirkwall, a blight, o sumiço dos grey wardens). Pois, se as coisas mudam, nem sempre mudam para onde queremos, nem quando queremos. Coisa que Sir Thomas More sabia muito bem.

 Escapando para o real

Vamos, EI. Tente destruir minhas estátuas agora.

Vamos, terroristas. Tentem destruir minhas estátuas agora.

Toda fantasia, obviamente, tem suas referências, e nada é mais exótico do que nossa própria realidade. Daí os dwemer, “elfos das profundezas” de TES, serem modelados nos antigos assírios, o “Imperium” de Tevinter de Dragon Age se comunicar em um latim de faz-de-conta e o mundo de Thedas nos apresentar a uma coleção de pastiches medievais (avvars, banns, templários) que foram progressivamente “desmedievalizados” de jogo para jogo.

Mas quando essas referências são mobilizadas em um universo vivo e dinâmico, em que a participação do jogador é levada em conta, a coisa muda. De menções rasteiras aos “povos ancestrais”, passa-se a um mundo em miniatura parecido com o  nosso. É difícil dizer quem tem razão em uma guerra sobre memória, ou quem está certo nas disputas morais do nosso tempo. O velho “tudo é relativo” só funciona até certo ponto e, quando precisamos de respostas, não há fórums ou wikis que nos ajudem. Mas a guerra entre magos e templários, a natureza dos demônios, a existência do Maker e a identidade de Mythal são questões mais diretas. Não são “fáceis” porque essa nunca foi a intenção, porém num meio constantemente louvado por se tornar mais “realista”, elas conseguem tornar palpável a mais pesada das realidades: as dúvidas e as inquietações humanas.

Há quem diga que fugir do que somos é, ironicamente, parte da nossa natureza. O mais interessante é o que nos leva a fazer isso. Os mundos breves de Tamriel e Thedas são mais simples e, por isso mesmo, mais ordenados, didáticos e claros do que o mundo de fora dos monitores. Nisso eles parecem, por vezes, mais reais.

]]>
https://www.finisgeekis.com/2015/03/09/dragon-age-o-charme-do-desconhecivel/feed/ 0 78
Nossa antiguidade virtual https://www.finisgeekis.com/2015/02/07/nossa-antiguidade-virtual/ https://www.finisgeekis.com/2015/02/07/nossa-antiguidade-virtual/#respond Sat, 07 Feb 2015 22:12:54 +0000 http://finisgeekis.com/?p=23 À primeira vista, não parece haver muito comum entre God of War e o recente Apotheon, da Alientrap.  Se é difícil ver páreo na truculência de Kratos – e na riqueza gráfica com que o jogo a apresenta – ambos os jogos, cada qual à sua maneira, nos levam a uma Grécia mítica, com direito a vinganças contra o Olimpo e combate hack & slash com muito sangue. A diferença está na estética. Se God of War almeja o fotorrealismo, Apotheon imita a arte grega estilizada. Se algum dia você olhou para uma ânfora grega e imaginou o que seriam de suas personagens caso pudessem lutar, este é o jogo para você. Se tal pensamento, de tão absurdo, jamais passou por sua mente, vale igualmente a pena conferir: Apotheon vence pelo exotismo tanto quanto pelo apelo visual.

Poucos games abordaram de forma tão didática a mitologia grega.  A trama leva o protagonista, Nikandreos, a desbravar o Olimpo em busca de um acerto de conta com Zeus, a quem deve o sofrimento pelo qual passa sua aldeia. O jogo é uma viagem pelo panteão clássico, e seus meandros, de tão tradicionais, são até inesperados: em vez de diálogos expositivos ou verbetes de “códices” virtuais, as introduções são feitas por citações do cânone grego, em estelas salpicadas pelas fases. Por outro lado, o conjunto é de uma superficialidade um tanto incômoda. O roteiro é funcional, sucinto mesmo em comparação com outros jogos. As citações de Homero são apenas ilustrativas, porém mesmo assim parecem um excesso: enquanto outros games do gênero se salvam pela falta de pretensão, aqui o material de origem parece puxá-lo para baixo.

2015-02-04_00003

Os puristas talvez se incomodem. Já para os fãs do cinema épico essa contradição é fácil de entender. Filmes “históricos” ou “mitológicos” (se há um meio em que é difícil de separar os dois é sem dúvida o cinema) dificilmente se prendem a detalhes. Pelo contrário – argumentariam alguns – um excesso de detalhes seria inclusive prejudicial para o resultado final. Na linguagem blockbuster o importante é a “sensação” de se estar na história: as batalhas grandiloquentes, a trilha bombástica, a narração em off, o recurso quase simbólico a textos de autoridade, mapas antigos, fotos em sépia e outros elementos do “passado”. A rapidez com que videogames seguiram o caminho das pedras é evidente em gigantes AAA como Dragon Age e Total War. Não que a comparação seja necessária: basta constatar o abuso do adjetivo “épico” por gamers, jornalistas e produtores para averiguar o quão arraigada no meio está a “mentalidade Hollywood.”

Apotheon é peculiar porque, de uma certa forma, é sensação.  O jogo carrega pouquíssimo de cinematográfico, uma escolha não mais criativa do que pragmática. O encarecimento de jogos fotorrealistas levou vários designers a buscarem alternativas no velho mundo do 2D. A experimentação culminou num estilo de arte distintivo, com exemplos de grande sucesso como o Child of Light, no ano passado. Acrescenta-se à isso um level design clássico, comparável a jogos de plataforma dos anos 1990, que atiça a nostalgia dos que cresceram com eles na infância ou adolescência. Apotheon é um tributo a tradições; à tradição literária antiga, sem dúvida, mas também à tradição do videogame. É, de maneira bem lúdica, o encontro do que há de fundador em ambas.

Apotheon-2014-10-27-20-29-31-00

O resultado é uma experiência não só “artificial” e “gamística”, mas que chama a atenção para sua própria artificialidade enquanto game. Ninguém joga Apotheon imaginando estar na Grécia antiga, ou em seja lá qual dimensão alternativa em que mitologia se mistura com realidade. Tal como ninguém interage com os falsos pergaminhos de RPGs de fantasia imaginando estar na Idade Média, ou confunde os ícones de jogos de estratégia com os muitos períodos que representam.

Esse é um ponto importante. Muito do que se escreve sobre videogames foca na confusão entre “realidade” e “fantasia”. Esta não é a chave. O que está em jogo não é o “mundo real”, mas aquilo que jaz além: um universo paralelo, em que barras de vida se misturam a figurinos de época, e reconstruções históricas disputam espaço com planilhas de atributo e atalhos de teclado. Aqui, os pop-ups da Ilíada e a pseudo cerâmica de Apotheon cumprem um papel fundamental. Eles provam que, por mais modernos e virtuais que nos tornemos, guardamos uma centelha em comum com aqueles que nos precederam. Podemos não saber direito qual é nosso passado, mas sabemos que temos um passado, e isso nos conforta. Às vezes, nada mais é necessário.

]]>
https://www.finisgeekis.com/2015/02/07/nossa-antiguidade-virtual/feed/ 0 58