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design de games – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Sun, 24 Nov 2019 16:49:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 design de games – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Game over?” Como os games tornam o fracasso viciante https://www.finisgeekis.com/2017/04/04/game-over-como-os-games-tornam-o-fracasso-viciante/ https://www.finisgeekis.com/2017/04/04/game-over-como-os-games-tornam-o-fracasso-viciante/#respond Tue, 04 Apr 2017 15:55:14 +0000 http://finisgeekis.com/?p=16007

Tudo o que vive está fadado a terminar.

Com essas palavras começa Nier: Automata, o novo jogo de Yoko Taro que coleciona elogios.

Meio JRPG, meio bullet hell; meio ruminação filosófica, meio tributo metanarrativo, o jogo nos força, a todo momento, a repensar o que sabemos sobre nosso hobby.

Como sua frase de abertura já entrega, isso envolve o elemento mais importante da mídia.

fail state.

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Fail states são as condições de fracasso, aquele momento em que descobrimos que perdemos. Para o  designer e teórico Jesper Juul, eles são a característica que diferencia os jogos de qualquer outro tipo de ficção.

Nem toda essa importância, porém,  os salva de críticas. Para alguns, telas de game over são as maiores inimigas dos jogos. Um recurso defasado da era do fliperama que impede que games contem boas histórias.

É verdade que ninguém gosta de perder. É também verdade que um jogo impossível deixa de ser interessante.

Felizmente, ao longo dos anos designers criaram várias estratégias para tornar o fracasso não só tolerável, mas uma parte fundamental da diversão:

1 – Reduzir punição por fracasso

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Como tantas outras questões, a raiva com os fail states vem, em grande parte, de um problema de comunicação. Muitas vezes, quando falamos de “derrota”, “morte” ou “fracasso” o que realmente estamos pensando é em punição. 

“Fracasso”, com o perdão do pleonasmo, é o mero ato de fracassar. É o que acontece quando morremos em uma boss fight, perdemos a curva em um jogo de corrida ou erramos o salto em um jogo de plataforma.

“Punição” é o que acontece conosco quando fracassamos. Pode ser algo sério, como retornar ao menu inicial, ou algo simples, como um NPC rindo às nossas costas.

Gamers vivem reclamando que seus jogos estão ficando fáceis demais. Que as novas gerações, ao contrário da década “raiz”, não tem paciência para um desafio. Hoje em dia, dizem, “perder” um jogo se tornou quase impossível.

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Há um pingo de verdade aí, embora a explicação seja outra. Games de fato ficaram mais fáceis, mas não porque perdemos menos. Na verdade, fracassamos tanto em nossos jogos “casuais” quanto nos anos 1990, com pérolas como Battletoads.

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A diferença é que a punição, vinte anos atrás, era muito mais alta.

O motivo é histórico. Na era dos fliperamas, games precisavam ser difíceis e viciantes para obrigar as pessoas a gastar mais moedas.

Os fliperamas acabaram, mas a moda ficou – em parte, porque a tecnologia da época não permitia fazer diferente. Até o surgimento dos saves, com o primeiro Zelda, “perder” no jogo significava voltar do começo, quantas vezes fosse preciso.

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Para atrair um público mais amplo, jogos recentes viraram essa filosofia de ponta cabeça. De games em que vencer era uma proeza, chegamos a jogos que praticamente nos garantem que chegaremos ao fim.

Graças a checkpoints, não precisamos voltar mais ao início do nível a cada deslize. Com a possibilidade de salvar durante o combate, mesmo a luta mais ferrenha pode ser ganha na tentativa e erro.

Se antes o fracasso podia custar horas de jogo, hoje tudo o que perdemos é o tempo de clicar em um botão de load game.

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Punições menores parecem bem óbvias, mas levaram a uma consequência peculiar, que com certeza ferirá o ego dos puristas.

Com uma menor punição por fracasso, gamers passaram a errar cada vez mais. Para alguns especialistas, o fracasso é responsável por até 80% do tempo que passamos com um jogo.

Os gamers de hoje até podem reclamar, mas se tivessem de competir com seus “eus” de vinte anos atrás, provavelmente perderiam de lavada.

2 – Mudança persistente

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Checkpoints são maçantes.

Sim, temos a possibilidade de voltar atrás, mas quem tem paciência para fazer tudo de novo? E se tivéssemos uma forma de nos poupar do pior? De combinar clemência com a impressão de que nossos atos importam?

Boa notícia: ela existe. Chama-se mudança persistente.

Jogos com essa propriedade nos fazem voltar atrás ao perdermos, mas “guardam” parte de nosso progresso. Inimigos derrotados continuam mortos. Itens, experiência e habilidades compradas ficam no seu lugar. Quebra-cabeças resolvidos permanecem resolvidos.

Mundos com mudança persistente estão presente em alguns dos jogos de maior sucesso dos últimos tempos. Bioshock nos revive na Câmara Vita mais próxima sempre que morremos. Em Borderlands, um novo personagem é “gerado” em uma New-U caso percamos uma batalha.

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A estratégia não é nova; pelo contrário, é a essência da mecânica de respawn disseminada em RPGs, dos clássicos isométricos aos MMORPGs mais recentes. No entanto, não é por ser popular que se livrou de algumas críticas.

Games desse tipo são frequentemente acusados de prejudicar a suspensão de descrença, “barateando” a morte e minando a sensação de desafio. Embora certos jogos tenham remediado o problema “cobrando” alguma punição pelo respawn, para os críticos não é o suficiente.

Games, dizem eles, precisam de uma solução mais drástica.

3 – Fail states implícitos

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Para alguns criadores, nenhuma dessas táticas resolve o problema central. Pelo contrário, a própria existência de fail states é um defeito que precisa desaparecer.

Essa é a opinião de David Cage, autor de Heavy Rain e Beyond: Two Souls. Ele defende que a tela de game over é um fracasso narrativo. No mundo real, não voltamos a um save anterior quando alguma coisa dá errada.

A vida – para o bem ou para o mal – continua.

Se quiserem contar histórias sérias, videogames precisam fazer melhor do que proibir o jogador de encarar seus próprios erros.

Cage prefere desenlaces que reconheçam o fracasso, mas que forcem o gamer a lidar com suas consequências. Foi visto em uma missão de stealth? Dê um jeito de fugir dos guardas. Falhou em salvar um NPC? Meus pêsames, viva em um mundo em que ele não existe mais.

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Artifícios como esses são conhecidos como fail states implícitos e funcionam, na prática, bloqueando segmentos do jogo.

Em Morrowind, matar uma personagem necessária à quest central nos impede de completá-la. Em The Witcher 3, trair Yennefer com Triss (ou vice-versa) faz com que Geralt termine sua jornada chupando o dedo.

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Nenhum dos dois casos é um fracasso “clássico”, pois somos livres para continuar jogando. No entanto, algum elemento da nossa experiência possível é excluído.

Se é difícil enxergar esses fail states “moles” como fracasso, basta se lembrar do mais célebre entre eles.

Em Mass Effect, nosso protagonista, o comandante Shepard, é vítima de uma emboscada e precisa deixar um membro de sua equipe para morrer. A consequência não apenas remove um NPC importante do jogo, como o exclui de toda a trilogia.

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O exemplo de Virmire, como a missão é chamada, dá uma boa referência do impacto desse tipo de fail state. Jogos são fantasias de poder, que tentam nos convencer que qualquer coisa, com mais ou menos esforço, está ao alcance dos nossos braços.

Derrotas implícitas são poderosas porque nos lembram de que não podemos ter tudo.

Mais do que isso, elas são interessantes porque estão por toda parte. David Cage é um entusiasta de “filmes interativos”, mas seu comentário é também certeiro para jogos mais tradicionais.

Se pararmos para pensar, toda decisão, de certo ponto de vista, implica num “fracasso”. Ao ajudar um dos lados em uma guerra, “fracassamos” em apoiar o outro. Ao vivermos um romance com a personagem A, “fracassamos” na relação com a personagem B.

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Fazer escolhas é fechar portas. Quem já tomou algum grande passo na vida, do vestibular ao casamento, sabe disso melhor do que ninguém.

Fail states implícitos são necessários para a liberdade de escolha – e, consequentemente, para a sensação de que estamos no controle da nossa experiência.

4 – Em vez de excluir, aumentar a experiência

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David Cage pensa que as telas de game over devem acabar. Já outros designers acham que fail states devem ser mais explícitos, não menos.

Se fracassos implícitos reduzem a experiência do jogador, alguns dos exemplos mais bem-sucedidos de fail states nos trazem derrotas que a aumentam.

É o caso de Dark Souls, rei indiscutível do tough love, que transformou o game over em um prazer em si.

Personagens que morram (e acredite, eles morrerão com frequência), respawnam no último ponto de save, mas suas souls (moeda do jogo) permanecem no lugar. Se o jogador morrer uma segunda vez antes de recuperá-las, estarão perdidas para sempre.

A mesmíssima estratégia foi empregada em Nier: Automata, integrada de maneira superinteressante com sua lore. 2B, nossa protagonista, é uma androide. Quando é abatida em combate, sua organização envia um novo corpo equipado com o “back-up” das suas memórias na nuvem.

O pulo do gato, como no caso de Dark Souls, é que apenas memórias fazem upload. Todas as melhorias que o jogador comprou para seu corpo permanecem no corpo. Se a nova androide morrer antes de recuperá-lo, estas melhorias desaparecerão.

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Torment: Tides of Numenera leva o princípio a um nível ainda mais extremo: somos, literalmente, recompensados por morrer.

O RPG nos coloca na pele de um herói imortal, e nos lança todo tipo de artimanha para que tentemos nos “matar”.  De poças de ácido a brinquedos assombrados, espelhos assassinos a seitas canibais, o game mostra uma coleção de armadilhas digna de um filme de terror B.

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Ao falharmos, ganhamos mais desafios, cenários, experiências. O que poderia ser um simples game over vira uma porta para novas possibilidades.

Fracassos como os desses jogos oferecem algo que nenhum dos tipos acima é capaz de fazer: eles tornam seus jogos mais difíceis, sem com isto torná-los mais chatos.

Esse é um ponto importante, pois vai na contramão do que a maioria dos games, nos dias de hoje, têm coragem de fazer.

Dos filmes interativos do David Cage a Call of Duty, a busca por fail states alternativos geralmente visa a tornar os games mais populares – acessíveis a um público que, cada vez menos, está disposto a jogar até o fim.

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Ledo engano. Como mostrou Jesper Juul, as pessoas se divertem justamente quando erram.  Games triviais cansam rápidos e são esquecidos. Games desafiadores na medida certa nos seduzem por semanas a fio.

Nos videogames, como na vida, a tragédia é o tempero que nos move à frente.

5- Cumplicidade

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Vamos imaginar que você é um jogador hardcore, do tipo que faz Hidetaka Miyazaki arder de raiva. Derrotou todos os bosses, libertou todas as cidades, salvou (e dormiu com) a princesa. Um último inimigo se coloca diante de você, mas ele não é páreo para sua espada. Ninguém é.

Então você descobre que o inimigo é seu antigo amigo de infância, que as pessoas nas cidades eram civis, não militares, que os bosses eram guerreiros do bem e que a princesa é uma deusa das trevas, que o seduziu para ajudá-la a conquistar o mundo.

Parabéns, “herói”.

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O que você acaba de fazer pode ser considerado uma “vitória”? Ou não seria isto, também, uma forma de derrota?

Aqui, precisamos sair do game design e entrar no universo da literatura. Trair a expectativa do público, invertendo o bem e o mal, é uma das estratégias mais conhecidas da ficção. De Sailor Moon a Old Man Logan, está presente em todo lugar.

A diferença, nos videogames, é que os enganados somos sempre nós. Ao nos fazer ludibriar para fazer o mal achando que estamos fazendo o bem, os jogos nos tornam cúmplices do que aconteceu.

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Em Shadow of the Colossus, enfrentamos gigantes para salvar nossa amada apenas para descobrir, tarde demais, que estes colossos estão longe de serem malignos.

Em Nier: Automata, encarnamos uma androide com a missão de salvar a terra de uma invasão de máquinas. O que começa como um hack n’ slash descerebrado logo se mostra uma jornada filosófica num mundo pós-apocalíptico, e percebemos que a “humanidade” que defendemos é bem diferente do que imaginávamos.

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Em outros casos, a cumplicidade não está em nos enganar, mas em nos premiar por fazer coisas que nos repugne. Em Heavy Rain, para salvar seu filho de um serial killer, uma personagem é chantageada a decepar o próprio dedo.

Suceder na amputação caseira é uma “vitória”, pois nos aproxima do nosso objetivo. No entanto, ela não nos traz alegria, só um calafrio que revira nossos estômago.

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Derrotas por cumplicidade não são exatamente “fracassos” no sentido gamístico. Pelo contrário, elas só funcionam se nós “ganharmos”. Elas são o que Jesper Juul chama de fracassos fictícios.  A mesma sensação que temos ao assistir a um filme trágico, sabendo que não podemos mudar o que acontece.

A diferença, nos games, é que nos sentimos responsáveis.

Quando lemos ou assistimos a uma tragédia, nós nos emocionamos, mas não desejamos averter o desastre. Entendemos que é da tristeza que depende a beleza da obra. Sentimo-nos “bem” vendo os outros (na tela ou na página), sofrendo.

Não nos games. Quando o controle está nas nossas mãos, tudo o que passa com nosso avatar – e seus entes queridos – vai direto ao nosso coração.

Não importa quanto sentido aquilo faça no contexto do jogo. Não importa quão bem construída ou necessária a tragédia for dentro da experiência. Nós sentimos culpa por aquilo, pois fomos nós que apertamos os botões que engatilharam o desastre.

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Se parece difícil enxergar esse tipo de twist como um fracasso, basta se lembrar dos exemplos em que foi implementado.

Atire a primeira pedra quem não sofreu ao sacrificar Kaidan ou Ashley em Mass Effect. Quem não se sentiu pesado quando (SPOILER) John Marston morre ao fim de Red Dead Redemption. Ou quando, em Heavy Rain, (SPOILER) descobrimos que Scott Shelby é o assassino do origami.

Esses desenlaces não são apenas tristes. Por se tratar de uma mídia participativa, temos a impressão de que poderíamos ter feito diferente. Mesmo quando tudo não passa de uma impressão.

O código, tal como as estrelas, é indiferente ao sofrimento dos homens.

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Muito já foi escrito sobre o que separa o jogo das outras mídias como uma forma de arte. Para Jesper Juul, estamos olhando para o lugar errado. Concentramo-nos nas conquistas quando, na verdade, games são a arte do fracasso.

Ao pessoalizar o sofrimento, videogames se tornam a linguagem trágica por excelência, mais potentes que qualquer mídia que Sófocles ou Shakespeare poderiam ter imaginado. O suicídio de Ofélia não nos arrepia como a morte de Ciri no “final ruim” de The Witcher 3.

Como diz 9S de Nier: Automata, as máquinas (tal como os gamers!) parecem buscar o fracasso.

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‘Pokémon Go’: O bom, o mau e o feio https://www.finisgeekis.com/2016/08/16/pokemon-go-o-bom-o-mau-e-o-feio/ https://www.finisgeekis.com/2016/08/16/pokemon-go-o-bom-o-mau-e-o-feio/#respond Tue, 16 Aug 2016 11:35:22 +0000 http://finisgeekis.com/?p=9068

Goste ou não, não é mais possível ignorar o fenômeno. Pokémon Go se tornou campeão de pesquisas no Google , superou o Tinder em número de instalações e criou um novo gênero de pornografia.

Sua popularidade é tão grande que foi criado até um site para acompanhar o ritmo dos novos downloads em tempo real. Os resultados, como é de se imaginar, são assombrosos.

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Nem tudo funciona, nem tudo o que funciona funciona como esperávamos e nem todos conseguiram resistir à mais nova febre da forma como imaginavam.

Para você que já começou a seguir os caminhos de um mestre pokémon, ou para você que ainda está pensando em se render a um dos jogos mais populares de todos os tempos, segue abaixo um balanço daquilo que Pokémon Go fez de melhor… e o que poderia melhorar.

O BOM: Recompensas para todos os gostos

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Games não são todos iguais, muito menos as pessoas que os jogam. Muitas vezes, o maior atrativo para uma demografia é razão suficiente para outra abandonar os controles para sempre.

Tiro em terceira pessoa é um pré-requisito para fãs de ação-aventura, mas irá alienar RPGistas mais tradicionais. Micro-management é o oxigênio de fãs de estratégia, mas coloque-o em um FPS e gamers fugirão como o diabo da cruz. Griding é o caminho das pedras em JRPGs, mas em jogos ocidentais, um defeito imperdoável.

A história dos games está repleta de tentativas “inovadoras” de se juntar o “melhor de dois mundos”. E do fracasso de jogos que, na sanha de agradar a todos, perderam de ambos os lados.

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A maior parte dos estúdios decide tomar o caminho seguro e se focar naquilo em que são fortes. Porém, há também aqueles que decidem se arriscar – e fazer o impossível acontecer.

Para Jason Vandenberghe, diretor criativo da Ubisoft, o segredo dos jogos hiper-populares está em agradar simultaneamente as pessoas com os interesses mais díspares. Ser inovador sem abandonar a tradição, desafiador sem deixar de ser relaxante, severo sem punir os mais fracos.

Em suma, um jogo em que todos encontrem alguma coisa para gostar.

Pokémon Go cumpriu a façanha. O jogo combinou uma das IPs mais nostálgicas dos anos 1990 com um estilo de jogo pouco conhecido (embora não exatamente novo). Salpicou seu mundo com inúmeras recompensas sociais e oportunidades para interagir, sem prejudicar o apelo do single player. E uniu modos de jogo altamente competitivos (os ginásios) e estressantes (o griding) com o prazer de caçar casualmente pokémons que apareçam pela frente.

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Acima de tudo, é notável a maneira como lidou com sua dificuldade. Como já era esperado de um jogo mobile, Pokémon Go é extremamente simples e não demanda qualquer experiência prévia em games – muito menos nos seus predecessores de Gameboy.

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Embora algumas coisas nunca mudem

Ao mesmo tempo, fãs que desejem se dedicar aos monstrinhos de forma mais agressiva encontrarão bastantes oportunidades para experimentar com alguma complexidade tática. Explorar fraquezas de guardiões de ginásios, truques para farmar pidgeys, e pokebolas com efeito trazem um quê a mais para quem sente falta de um desafio.

O BOM: o jogo (ainda) não sucumbiu ao “pay to win”

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Não importa se você já se aventurou por Farm Ville, Angry Birds, Candy Crush Saga ou qualquer outro.  Se já passou tempo suficiente em um jogo casual, é muito provável que já tenha gastado alguns trocados – ou sido extorquido tanto para fazê-lo que acabou por largá-lo de todo.

Microtransações são a fórmula mágica para o sucesso de games mobile, mas também sua maior fonte de frustração. Não raramente, estes jogos apelam tanto para que abramos nossas carteiras que se tornam impossíveis de jogar sem gastar dinheiro. É o famoso “freemium”.

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Toda uma geração de copiadores da Zynga, de The Sims Social a Dragon Age Legends, nasceu e morreu por não saber achar o ponto ótimo entre o assédio e a falência.

Pokémon Go não é uma exceção à regra. Ele não só possui um sistema de microtransações, como incentiva os jogadores a utilizá-lo.

Lures e lucky eggs são importantíssimos, mas bem raros (sobretudo em níveis avançados). Ovos de pokémon demoram uma lenda para chocar sem incubadoras extras. Para pôr as mãos nos bichinhos dos 9 ovos que cabem em nosso inventário, pode ser necessário andar mais de 40km, tanto quanto uma maratona!

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Ou… podemos pagar uma pequena fortuna em incubadoras extas

No entanto, o jogo parece ter tomado cuidados para que a situação não degringolasse logo de cara. Muito embora podemos facilitar as tarefa do jogo, as microtransações não resolvem tudo. Ainda é necessário sair de casa e capturar pokémons, treinar e evoluí-los.

Lures dão uma vantagem a quem as compra, mas não só a eles. O efeito se manifesta para todos os jogadores na vizinhança. Ginásios invariavelmente serão dominados por pokemóns fortes, mas podem ser atacados em grupo. Desta forma, mesmo jogadores fracos têm uma chance de viver seu momento de glória.

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Achei que a lure trouxesse mais pokémons… não mais pessoas

O que poderiam ser motivos de discórdia, favorecendo jogadores pagantes em prejuízo aos outros, acabam se tornando oportunidades para cooperação.

O FEIO: O jogo é mais opaco que uma parede de tijolos

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Pokémon Go nos dá as boas vindas com um simpático discurso do Professor Willow, nos ensinando a pegar nosso primeiro pokémon. Dicas extras estão disponíveis quando encontramos pokéstops, ginásios e quando escolhemos nossa equipe.

E… Só.

CP, tipos de pokemón, fraquezas elementares, golpes, comandos de batalha. Tão cedo olhamos para nossos inventários, somos bombardeados por uma série de elementos que não fazemos ideia de como funcionam.

Mesmo suas mecânicas melhor explicadas continuam horrorosamente obscuras. Lures e incensos têm efeitos cumulativos? O que eu ganho fortalecendo um pokémon? +10 CP? +50 CP? +100 CP? Meu Weedle CP 10 vai morrer se lutar com o Vaporeon CP 1543 do ginásio da Equipe Mystic? O que raios é stardust?

Pokémon Go espera que os jogadores descubram tudo isso por tentativa e erro. O problema é que, sem saber o que esperar, pessoas ficam inibidas. Pior ainda: se se sentirem enganadas pelo jogo, desistirão de uma vez por todas.

No jogo, por exemplo, podemos usar lucky eggs para ganhar uma quantidade absurda de XP, se deixarmos para evoluir vários pokémons ao mesmo tempo. Quem descobrir isso apenas depois de evoluir todos os seus monstros um a um terá vontade de jogar o celular contra a parede.

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Na prática, obviamente, não precisamos ir pelo caminho mais difícil. Para todas as dúvidas, há sempre a internet. E Pokemón Go dispõe de uma das comunidades mais pró-ativas dos últimos tempos.

Em apenas alguns minutos, é possível encontrar todo tipo de guia, de explicações sobre os combates nos ginásios a dicas de como maximizar a experiência jogando pokebolas.

O problema é que, ao fazemos isso, não conseguimos escapar de uma certa pergunta…

 

O MAU: Até quando tudo isso vai durar?

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Jogos multiplayer são divertidos, competitivos, imprevisíveis. No entanto, todos que os jogam sabem que são experiências com uma hora para terminar.

Eu ainda posso abrir Star Wars: KotOR e me divertir tanto quando me diverti em 2003, quando o joguei pela primeira vez. No entanto, se quiser retornar a Star Wars Galaxies, lançado no mesmo ano, ficarei chupando o dedo. Seus servidores foram desligados em 2011.

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Isso vale em dobro para jogos sociais e mobile. Heroes of Neverwinter, tentativa de levar Dungeons & Dragons ao Facebook, ficou pouco mais de um ano no ar antes de ser desligado. Mass Effect: Galaxy e Mass Effect: Infiltrator, spin-offs do hit da Bioware para iOS, tiveram destino similar.

Pokémon Go vai nos divertir, irritar, incentivar a fazer amigos e gastar dinheiro. Porém, cedo ou tarde, será esquecido como todos os outros, e nós, deslumbrados com a próxima moda, provavelmente nem perceberemos.

A questão, obviamente, é quando isso acontecerá. Pokémon Go não apenas requer jogadores para permanecer em operação, como depende de muitos interessados para que funcione minimamente bem.

Sem milhares de pessoas para colocar lures perto de nossas casas, desafiar ginásios e colocar guias na internet, o jogo enfrentará um declínio bem rápido. Afinal, a diversão de se apanhar Zubats e Ratattas pela nonagésima vez é bem limitada.

Se a situação piorar muito, é possível que a Niantic aumente o peso das microtransações, na tentativa de obter algum lucro em cima dos jogadores mais devotados. O problema é que, se fizerem isso, alienarão todos os outros que não estarão a fim de pagar

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O jogo em um possível futuro próximo

Se isso te deixou assustado, não fique. Mesmo se a hype passar, a Niantic tem várias cartas da manga para manter seu público interessado.

Introduzir novos pokémons das gerações mais recentes é a estratégia mais óbvia (e, provavelmente, inevitável). Com mais de 700 pokémons na prateleira, “zerar”a pokédex não é um perigo que sofreremos tão cedo.

A revista Nintendo Life fez sua própria lista de previsões, incluindo eventos especiais (como o surgimento do Mewtwo), batalhas e trocas entre jogadores e integração com os games oficiais (à la Pokémon Stadium).

Já Toby Barnes, do Guardian, acredita que é provável que a Niantic venda espaço publicitário dentro do jogo. Por exemplo, permitindo que marcas paguem para que seus estabelecimentos virem pokéstops ou ginásios.

Independente do que aconteça, dizer adeus à nossa equipe não é algo com o qual precisaremos nos preocupar tão cedo.

Ramin Shokrizade, um expert em monetização, acredita que nada disso está perto de acontecer em um futuro próximo. Pelo contrário, Pokémon Go parece ter uma vida longa e frutífera à sua frente.

De lá para cá, podemos esticar nossas pernas e preparar tranquilamente nossos pokémons. Pois os ginásios das Team Valor e Mystic não vão se tomar sozinhos.

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Go Instinct!

 

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É possível fazer games sem objetivos? https://www.finisgeekis.com/2016/08/08/e-possivel-fazer-games-sem-objetivos/ https://www.finisgeekis.com/2016/08/08/e-possivel-fazer-games-sem-objetivos/#comments Mon, 08 Aug 2016 22:35:58 +0000 http://finisgeekis.com/?p=8860

Gamers estão desculpados por se sentirem inseguros com No Man’s Sky. O jogo da Hello Games mal foi lançado, mas já se tornou um dos títulos mais esperados, ambiciosos e polêmicos dos últimos tempos.

Anunciado como um game de exploração e sobrevivência em um universo “infinito” no qual é possível fazer quase tudo, o game atiçou a esperança de fãs, mas também a desconfiança de uma geração pós-Peter Molyneux.

Para quem já se decepcionou e perdeu dinheiro com jogos hypados no passado, No Man’s Sky parece bom demais para ser verdade.

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Era de se esperar, tratando-se de um lançamento que prometeu 18 quintilhões de planetas exploráveis, em uma jornada que leva 5 bilhões de anos para ser terminada. Ou de um estúdio que recebeu ameaças de morte após atrasar o lançamento do jogo. De fato, há quem considere o game como um case para os riscos de se hypar demais um produto.

De todas as polêmicas, uma das mais contundentes foi a acusação de que No Man’s Sky, para além de seu visual impressionante, seria um jogo para não se fazer nada. Sem objetivos, sem quests ou missões, sem railroading ou finais pré-estabelecidos. Um verdadeiro Minecraft no espaço, se Minecraft tivesse o preço de lançamento de um blockbuster.

Independente do que No Man’s Sky venha a entregar, a controvérsia nos leva a uma pergunta interessante:  É possível fazer um jogo realmente sem objetivos?

Os limites da “liberdade”

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A resposta curta, obviamente, é não.

Jogos precisam de alguma capacidade, por mais sutil que seja, de nos dar incentivos. Sem desafio, recompensas ou mesmo uma lógica básica, games se tornam apenas um amontoado de CGs bonitas – ou um checklist de quests terminadas.

Mesmo que desenvolvedores se esforcem para retirar qualquer forma de interferência autoral do jogo, é muito difícil que consigam. Como eu já disse em outra ocasião, cumprir objetivos é uma atividade que traz prazer ao nosso cérebro. Quando objetivos acabam, nossa própria mente logo cria outros para nos manter estimulados.

É a razão pela qual sandboxes como Minecraft fazem tanto sucesso. E pela qual algumas (muitas) pessoas preferem a liberdade de um Elder Scrolls ou GTA à cabeleira não customizável de um herói de JRPG, preso em uma aventura linear intercalada por cutscenes intermináveis. Por melhor que seja seu enredo.

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Não que deixar a tarefa na mão dos jogadores seja a única solução (nem, necessariamente, a mais apropriada). Games, afinal de contas, são feitos para nos enganar. E há uma série de recursos que designers espertos podem usar para manter um jogador interessado sem objetivos claros – ou quando todos eles já tiverem sido cumpridos.

Alison Gazzard, uma pesquisadora que já trabalhou com o assunto, trouxe alguns exemplos desses truques.

Recompensas ilusórias

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Quem nunca, em um RPG, já preferiu vestir uma armadura inferior por ser a mais bonita? Ou já não gastou horas atrás de colecionáveis? Ou então perdeu um tempo considerável explorando áreas vazias do cenário, só para apagar a névoa de guerra do mini-mapa?

Hissing-Wastes dragon age

Como assim não posso conhecer as áreas pretas?

Essas atividades não são necessárias, não desenvolvem o enredo e nem nos beneficiam dentro do jogo. Na maioria das vezes, sequer são exigidas por quests. Porém, como todos que já perderam dias da vida em um mundo aberto sabem, são tão engajantes como qualquer boss fight.

Recompensas ilusórias é o nome dado aos incentivos que dão ao jogador a satisfação de cumpri-los, mas que, em termos do jogo, têm muito pouca utilidade. Antes, seu valor está na realização pessoal, no sentimento de “glória” que nos provoca.

Em The Witcher 3: Blood and Wine, por exemplo, é possível comprar 5 selas diferentes para a égua de Geralt. Selas são importantes porque determinam a velocidade da cavalgada, e seus apetrechos (cabresto, sacolas) influenciam o tamanho do inventário e a chance de perder o controle da montaria em combate.

witcher blood wine horse gear

A pegadinha é que são todas idênticas. Embora tenham diferenças cosméticas, equipar uma em vez da outra não influencia em nada o jogo, nem provoca reações especiais de Geralt ou de outros NPCs.  Não há absolutamente nada a se ganhar, do ponto em vista prático, em comprar todas as selas.

Porém, o desejo complecionista de obter todos os itens do jogo, ou a vontade fashionista de mudar de sela quando der vontade, pode levar o jogador a transformar isso em uma prioridade. Como as selas são caras, isto requer que o jogador acumule ouro – realizando outras quests ou explorando tesouros.

O que antes era uma atividade potencialmente sem objetivo (acumular dinheiro no final do jogo) se torna uma tarefa com uma diretriz clara. A mera repetição de itens, se bem escondida, nos faz criar um propósito onde antes não havia nenhum.

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Quem sabe isso não me anima a pescar todos esses tesouros subaquáticos

Recompensas ilusórias ou de “glória”, como Gazzard as chama, são ferramentes extremamente úteis para fazem com que jogadores levem mais tempo para se cansar de um game.

Em alguns casos, elas atendem a objetivos exteriores aos jogos propriamente ditos. É o caso de se platinar achievements, filmar uma speedrun para um canal de YouTube ou de dar uma volta pelo bairro e perder uns quilinhos caçando pokémons.

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Você está fazendo isso errado.

É possível que os 18 quintilhões de planetas de No Man’s Sky sejam apenas mais-do-mesmo, em diferentes paletas de cor.

No entanto, se a Hello Games conseguir fazer com que pareçam únicos (mesmo que na superfície), ou nos recompense o suficiente para explorá-los por horas a fio, ter um objetivo se tornará redundante. Nós, cedo ou tarde, encontraremos o nosso próprio.


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Recompensas sociais

play of the game overwatch

Como o próprio nome já diz, recompensas sociais são as gratificações que tiramos ao comentar, compartilhar e (por que não?) ostentar nossas conquistas para outras pessoas.

Humanos são seres sociais por natureza. Mais do que isso, são orgulhosos. Em tese, não precisam de nenhum incentivo para exibir seus feitos para os outros. Mesmo assim, designers interessados em atiçar a comunicabilidade de seus jogadores frequentemente lhes dão um empurrãozinho.

Leaderboards, achievements e rankings em FPSs multiplayer são exemplos clássicos. Animações como o play of the game de Overwatch são variações mais sofisticadas, porém que seguem a mesma lógica: esbanjar aos outros o que você fez.

Em fóruns de games de estratégia, AARs, diários de campanha com uma síntese dos acontecimentos da jogatina, já se tornaram uma tradição. E basta navegar pela comunidade da Paradox para encontrar centenas de threads com coleções de pérolas vindas de jogos como Crusader Kings e Hearts of Iron.

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Há fortes indícios de que No Man’s Sky está contando com recompensas sociais, a ponto de terem sido incluídas em uma lista de motivos para se acreditar no sucesso do jogo. Embora não se apresente como um game “multiplayer” stritu sensu, No Man’s Sky estimula as pessoas a trocarem experiências umas com as outras.

Seu universo procedural é compartilhado, embora os gamers comecem tão distante uns dos outros que dificilmente se encontrarão (18 quintilhões de planetas, afinal, é coisa para caramba).

No entanto, ações decisivas tomadas por um jogador (como a extinção de toda uma espécie) são comunicadas aos demais. E exploradores que descobrirem um planeta pela primeira vez têm o direito de lhe dar um nome, o qual será visto pelos outros que seguirem em seus passos.

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Até que ponto isso vai promover um playground para todos se divertirem ou uma hecatombe de trollagem, só o tempo dirá. Para o bem de No Man’s Sky, é bom que a Hello Games torça pela primeira opção. Comunidades tóxicas, afinal, são o beijo da morte para qualquer jogo.

Recompensas falsas

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Para aqueles que desprezam contato alheio e precisam de algum senso de progresso dentro do próprio jogo, há ainda uma terceira alternativa. Em vez de estimular a comunicação ou prometer apenas a realização pessoal, uma solução é montar as tarefas de forma que pareçam quests em tudo… menos no conteúdo.

Chamadas de recompensas falsas, essas estratégias consistem em propor atividades que não atrapalhem o jogador, mas que também influenciem muito pouco seu progresso no game.

Na maioria dos casos, o jogo constrói seus níveis de forma que sigam o “script” de quests, mesmo que não haja quests a serem feitas, ou quando elas já tenham acabado.

Em Skyrim, certos dungeons ganham inimigos específicos durante certas quests. Se nós os visitarmos depois, no entanto, os encontraremos populados por outras criaturas, geralmente bem parecidas, mas cujas ações, pertences e mortes não têm qualquer importância para o restante do jogo.

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A estrutura dos dungeons continua a mesma. Um boss ainda espera o jogador no final, geralmente protegendo o mesmo baú de tesouro com o item raro que ele veio buscar da primeira vez. Entretanto, é um boss genérico e o tesouro, proceduralmente gerado.

Esse sistema permite que repitamos a mesma ação infinitas vezes, sentindo como se estivéssemos cumprindo objetivos. Porém, se formos parar para pensar, tudo o que fazemos é patinar no molhado.

O truque pode parecer enfadonho, mas funciona como milagre. Quando bem implementadas, recompensas falsas podem fazer até mesmo um jogo curto permanecer interessante por toda uma vida.

Aqui, não há exemplo melhor do que os clássicos Zeldas de N64. Gamers que cresceram com Ocarina do Tempo Majora’s Mask talvez se surpreendam ao saber que os jogos nos quais investiram tanto tempo de suas infâncias não têm mais de 30 e poucas horas de duração, mesmo em playthroughs complecionistas.

Se esses jogos pareciam durar uma eternidade é porque estavam repletos de recompensas falsas. Muito embora alguns elementos mudassem com o fim da quest principal, seus cenários continuavam praticamente os mesmos. Seus desafios – inimigos, dungeons e quebra-cabeças – continuavam lá para serem enfrentados quantas vezes quiséssemos.

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Pensando bem, esse dungeon eu dispenso.

Os prêmios, claros, eram “falsos”. Pedaços de coração, garrafas e itens únicos como o longshot podiam ser obtidos apenas uma vez. Porém, o percurso que havíamos tomado para obtê-los continuava aberto, muitas vezes com rúpias ou outros pequenos mimos como recompensa.

O resultado foram jogos que, como descreveu um amigo meu na época, “podiam ser jogados para sempre”. Voltar a dungeons que já havíamos visitado, seja para lembrar as emoções da primeira batalha, seja para testar nossos novos itens e máscaras, era quase mais divertido do que completar o jogo em si.

No Man’s Sky não é Zelda, e não dá para saber se conseguirá repetir a façanha do clássico da Nintendo. Contudo, é um desafio que a Hello Games está disposta a encarar.

Um jogador que recebeu uma cópia antecipada disse que achou o jogo tão imersivo que continuou a jogar mesmo depois de platiná-lo. Para um game com 18 quintilhões de planetas, esse é um super elogio.

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No Man’s Sky não é um game para todos. Se você é do tipo que não dispensa uma experiência coesa, mesmo que curta o eventual mundo aberto, é muito provável que o lançamento o desagrade, não importa quantas recompensas falsas ele espalhar por sua galáxia de faz de conta.

Se nada mais, no entanto, podemos ter uma certeza. Mesmo que o pior aconteça e o jogo se prove um Minecraft no espaço, ainda há muito que pode fazer de certo para nos divertir.

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Por que jogos de ‘grand strategy’ são tão viciantes? https://www.finisgeekis.com/2016/06/06/por-que-jogos-de-grand-strategy-sao-tao-viciantes/ https://www.finisgeekis.com/2016/06/06/por-que-jogos-de-grand-strategy-sao-tao-viciantes/#comments Mon, 06 Jun 2016 23:29:47 +0000 http://finisgeekis.com/?p=6330 No mundo dos games, há mais na última geração do que gráficos fotorrealistas e franquias multimilionárias. Se é verdade que hoje a indústria faz parcerias com Hollywood e investe em realidade virtual, também é verdade que ela tem resgatado alguns dos mais queridos nichos de épocas passadas.

Foi o caso dos roguelites, um dos gêneros mais distantes do mundo mainstream. E é, também, o caso dos grand strategies, que pelas mãos da cada vez mais popular Paradox têm conquistado não apenas fãs de carteirinha, mas também o grande público.

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Em linhas bem gerais, grand strategies são jogos de estratégia em que assumimos o controle de toda uma unidade política. Ao contrário de jogos menores, geralmente focados apenas no movimento de tropas ou na construção de cidades, grand strategies nos entregam todas as responsabilidades esperadas de um líder. Ao mesmo tempo. 

O gênero é mais antigo do que os próprios videogames, mas sempre ocupou um nicho no mercado. Não é difícil entender por quê. Estes jogos são assustadoramente complicados, inclementes com novatos e crueis com veteranos. Numa escala de dificuldade, eles ocupam com louvor a faixa da “hard fun”.

O desafio, contudo,  não parece amedrontar os fãs. Com os lançamentos quase simultâneos de Stellaris e Hearts of Iron IV nas últimas semanas, o grand strategy parece contar com sua maior popularidade desde os anos de ouro dos jogos de tabuleiro.

Nem sempre foi assim. Quando Victoria II foi lançado, seis anos atrás, o gênero era tão obscuro que o CEO do estúdio apostou que rasparia os cabelos se o jogo desse lucro (e deu).

De fato, para quem está acostumado com a adrenalina esperada da maioria dos games, a perspectiva de ficar “encarando um mapa” por centenas de horas a fio parece absurda.

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Parece, mas não é. Não deixem o ritmo lento e os gráficos pouco inspirados enganá-los. Grand strategies são muito mais viciantes do que qualquer game de ação. E devem isto a três razões:

1) Dificuldade é algo que vicia

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Por mais estranho que pareça à primeira vista, aquilo que faz dos grand strategies tão inacessíveis é a mesma coisa que os torna tão engajantes. No final das contas, sofrer para entender um jogo é algo que nos dá prazer.

Pesquisadores descobriram que jogadores sentem enome satisfação quando estão no controle de suas experiências. Isto vale para enredos e personagens, mas também para elementos mais técnicos: a interface, os elementos de cena, os recursos, as mecânicas. Interagir com estas coisas e deixá-las do nosso agrado é, muitas vezes, uma recompensa mais importante até do que vencer o jogo.

Por si só, isso não deveria nos surpreender. Como eu já disse num artigo anterior, games agradam quando nos ensinam coisas novas. É o ato de decifrá-los, de se acostumar aos seus sistemas e encontrar soluções para seus problemas que nos incita a continuar jogando.

Nossa mente funciona decodificando padrões. Graças a esta habilidade, conseguimos enxergar formas nas nuvens, mensagens subliminares em latas de Coca-Cola e rostos em automóveis.

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Essa capacidade não é só natural, mas  também estimulante. Daí a satisfação que sentimos ao montarmos um quebra-cabeça, terminarmos um livro difícil ou aprendermos uma língua nova.

Se tarefas pequenas já nos satisfazem tanto, quando nos depararmos com a complexidade de um grand strategy, com suas mecânicas inclementes, mapas gigantescos e números para dar e vender, o “resolvedor de problemas” dentro de nós encontra seu paraíso.

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Tantos sistemas, tantos recursos… tão pouco tempo

O grand strategy é um caso extremo, mas nem de longe o único. Ao menos uma pesquisa constatou que o prazer pelo desafio é a principal razão pela qual gamers escolhem seus jogos, superando bons gráficos, competição e fantasia.

Por mais que alguns desenvolvedores tentem vender a imagem de que a dificuldade é inimiga do público, a verdade é que poucas pessoas têm problema com ela. Todos curtem um desafio. A diferença, claro, está no seu tamanho.

O designer de games Jesse Schell argumenta que existe um “ponto ótimo” de dificuldade em todo jogo. Se o game for muito difícil, nos estressamos e paramos de jogar. Se for fácil demais, nos entediamos e perdemos o interesse. A teoria não é nova e é conhecida na psicologia como estado de fluxo:

Enquanto jogadores estiverem “oscilando” dentro do fluxo, eles se sentem desafiados e estimulados. Se a seta pender para o campo da ansiedade ou do tédio, sentirão que o jogo está desbalanceado e que estão sendo punidos por progredir.

Fãs de grand strategy têm uma tolerância maior ao estresse da derrota, mas nem por isso são imunes ao tédio. Uma curva de dificuldade mal-elaborada pode fazer até mesmo um jogo difícil parecer maçante após algumas horas de imersão.

Para que isso não aconteça, é preciso que

2) Ele saiba se reinventar

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Para manter uma pessoa interessada no mesmo jogo por 600 horas, não basta desafiá-la uma única vez. É preciso que ela se sinta motivada cada vez que colocar os dedos sobre o teclado.

Em certa medida, isso sempre acontece, independente do jogo. Gamers experientes geralmente adaptam seus estilos para se manterem sempre desafiados.

Trata-se do chamado gameplay emergente, do qual já falei em outra ocasião. Quando pessoas completam o que um jogo tem a lhes oferecer, elas inventam novos objetivos por conta própria. Pode ser um desafio extra (jogar no modo Ironman) ou algo mais subjetivo (só conquistar países que comecem com a letra E)

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Sinto muito, Etiópia

Por serem complexos e imprevisíveis, grand strategies são naturalmente receptivos ao gameplay emergente. É o que admite Henrik Fahraeus, da Paradox, ao notar que uma parte das pessoas começou a jogar Crusader Kings II não pelo interesse em estratégia, mas pelo prazer de criar situações absurdas envolvendo seus monarcas:

“Inicialmente, [o público] era provavelmente nossos fãs habituais. Os jogadores de Europa Universalis que se interessaram em Crusader Kings II. E eu acho que esta é ainda a maior parte dos jogadores. (…) Mas há uma minoria significativa de role-players, ou fãs de The Sims, se você preferir.

[As histórias pessoais absurdas] é a parte do jogo que fez mais barulho. Eu não sei. É parte daquilo pelo qual o jogo ficou conhecido. A narrativa emergente e as situações malucas que surgem dali.”

Um outro caminho é desenvolver as regras de propósito para que surpreendam o jogador quando ele menos espera. Em Crusader Kings II, a invasão mongol altera completamente o equilíbrio geopolítico no mapa. Em Europa Universalis IV, a Reforma Protestante pode transformar um reino estável em uma colcha de rebeliões à espera de uma centelha.

Já em Stellaris, o game espacial da Paradox, tecnologias mais avançadas trazem um percentual de risco. Pesquisar inteligência artificial pode provocar uma rebelião das máquinas. Desenvolver novos meios de locomoção FTL, por sua vez, pode acabar abrindo uma fenda para outra dimensão, trazendo à galáxia o equivalente dos Reapers da série Mass Effect.

unbidden

“Assuming direct control”

Não fosse o bastante, toda a galáxia é criada proceduralmente no início de cada partida. Ao contrário de jogos históricos, Stellaris não nos dá a segurança de decorar um mapa e montar estratégias reaproveitáveis. Sempre que iniciamos um jogo, estamos embarcando em um desafio completamente diferente.

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Um pequeno ponto azul…

A necessidade de apresentar novos desafios explica também um dos costumes mais radicais e estapafúrdios da Paradox: seu hábito de transformar jogos em novos jogos. E não falo apenas em modding, mas em literalmente recriar títulos que já foram lançados no mercado.

Como fãs do estúdio já aprenderam do jeito mais difícil, seus games recebem patches obrigatórios que alteram completamente seu equilíbrio. Não raramente, eles fazem com que estratégias dominantes se tornem inúteis, ou que jogos inteiros tenham de ser abandonados pela metade.

O que pareceria uma loucura em qualquer outro gênero de videogame é, para os grand strategies, a solução de um problema. Ao forçar seus jogadores a aprender de novo as mecânicas fundamentais, a Paradox os mantém no estado de fluxo.

Tudo isso, claro, se o jogador se interessar o suficiente para desperdiçar semanas de sua vida em um único jogo. Para que isso aconteça é preciso que o game primeiro interesse as pessoas a ponto de convencê-las a dominar suas mecânicas.

Aqui, os grand strategies não poderiam ter tido uma referência melhor. Afinal de contas, eles estudaram com o campeão indisputável em gameplay viciante.

3) Intervalos de recompensa

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Como todos já devem suspeitar, jogos de azar não são exatamente aleatórios. Na maioria das vezes, essas máquinas são programadas para “ganhar” em vezes específicas e para “perder” em todas as outras.

Isso vale não só para caça-níqueis, mas até mesmo para as insuportáveis garras de parque de diversões. Embora pareça uma questão de mira e habilidade, obter o maldito ursinho de pelúcia não depende de nós, mas da máquina. Suas garras são desenvolvidas para soltar o prêmio de propósito em determinadas tentativas.

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Obviamente, pessoa nenhuma aceitaria jogá-las se não tivesse pelo menos uma chance de lucro.  Para garantir que isso não aconteça, caça-níqueis e afins adotam  “intervalos” de recompensa, programas que determinam a frequência com que farão seus jogadores pensar que tiraram a sorte grande.

Claro, o “roteiro” que esses aparelhos seguem não é sempre fixo. Do contrário, qualquer um poderia fazer uma fortuna levando um caderno até o cassino e anotando os resultados turno a turno até desvendar o código.

Uma estratégia muito usada para complicar as coisas é começar com intervalos bem pequenos, fazendo o jogador acreditar que está com sorte e baixar a guarda. A partir daí, ganhar se torna progressivamente mais difícil, exigindo mais e mais moedas para retornos cada vez mais raros.

A grande sacada, como apontam os especialistas, é o que o jogador  não percebe que está sendo enganado. Cada fracasso passa a sensação de ser uma “quase vitória”, um passo extra que os aproxima do jackpot. Afinal de contas, se eles já ganharam uma vez, ganhar uma segunda é apenas questão de tempo.

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Qualquer semelhança com videogames não é mera coincidência. Considerando que máquinas de aposta não deixam de ser, à sua própria maneira, jogos eletrônicos, não é de se espantar que desenvolvedores tenham aprendido com os cassinos.

Quase todos os games usam e abusam de intervalos de recompensa, mas grand strategies são espetáculos à parte. Estes intervalos são o princípio por traz dos sistemas de level-up, da “chance de sucesso” de agentes, dos custos e prazos de edifícios a serem construídos.

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Algumas das upgrades de Crusader Kings II são tão caras, tão demoradas e tão pobres em retorno que sequer compensam o preço exigido para contrui-las. Sua função não é ser útil ao jogador, mas mantê-lo ocupado após 85h de jogo e metade do mapa conquistado.

O já mencionado Stellaris talvez seja o melhor exemplo. Como seria de se esperar de um game ambientado no futuro espacial, um de seus temas fundamentais é a pesquisa científica. Ao mesmo tempo em que batalham contra aliens e colonizam novos sistemas, os jogadores passarão uma boa parte de seu tempo decidindo quais tecnologias desejam ter a seu serviço.

O problema é que o tempo de tecnologia aumenta progressivamente a cada nível. Se no início do jogo é possível fazer grandes avanços no intervalo de alguns minutos, pesquisas avançadas demandam um tempo monstruoso para darem resultado.

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Só mais 107 meses!

Animados pela satisfação do início do jogo, somos incentivados a continuar jogando, mesmo que os desafios em si já tenham se esgotado – e o jogo, se transformado em uma espera interminável.

Não é à toa que, tal como fãs de MMORPG e jogos de mundo aberto, veteranos de grand strategy muitas vezes sentem que estão em um segundo emprego. O impressionante não é que estes jogos consigam nos provocar um sentimento tão agridoce de emoção misturada ao tédio, mas que continuamos a jogar – felizes – a despeito disso.

Portanto, da próxima vez que sentar  para uma breve jogatina e descobrir que seis horas se passaram enquanto você restaurava o Império Romano, não se sinta culpado. Para um fã de história ou raciocínio estratégico, um grand strategy fala mais alto que qualquer caça-níquel.

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Talvez seja hora de dar um tempo…

 

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O cansaço com os ‘open worlds’ e o que significa se divertir https://www.finisgeekis.com/2016/03/07/o-cansaco-com-os-open-worlds-e-o-que-significa-se-divertir/ https://www.finisgeekis.com/2016/03/07/o-cansaco-com-os-open-worlds-e-o-que-significa-se-divertir/#respond Mon, 07 Mar 2016 23:04:39 +0000 http://finisgeekis.com/?p=2460

O fim dos anos 1980 teve os adventure games. Nos consoles, por volta da mesma época, os jogos de plataforma brilhavam. O final dos anos 1990 teve sua “Era de Ouro” dos RPGs isométricos. E os anos 2000 testemunharam a glória dos FPSs militares.

Durante toda a história dos videogames, alguns gêneros foram populares a ponto de marcar suas épocas e determinar (para o bem ou para o mal) o caminho a ser seguido pela indústria.

Entre os sucessos de Skyrim, GTA V, Witcher 3, Metal Gear Solid V  e tantos outros, a impressão atual é de que os games de mundo aberto se tornaram o “espírito da época” dos anos 2010 – e, quem sabe, de tudo o que virá pela frente.

Os números não mentem. Segundo uma estimativa, o gênero foi responsável por 30% de todos os jogos vendidos no ano de 2014. Minecraft, lançado cinco anos atrás, ainda marca presença na listas de bestsellers. O buzz em torno de No Man’s Sky, mundo aberto procedural que se gaba de exigir 4 bilhões de anos para ser completado, fala por si só.

De um ponto de vista tecnológico, há um certa beleza poética nisso tudo. A escritora de games Susan O’Connor certa vez disse que os jogos estavam chegando ao ponto de se tornarem iguais aos sonhos: tudo o que imaginamos pode ganhar vida.

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As gerações passadas chegaram perto

O mundo aberto é a realização mais extrema dessa utopia. Mais do que em qualquer outra época, mergulhar em um mundo paralelo – o tão sonhado “círculo mágico” – nunca foi tão fácil.

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Quem acompanha a blogosfera, no entanto, chega a uma conclusão diferente. Comentaristas têm escrito (e repetido várias e várias vezes) que o gênero está saturado ao ponto da exaustão. Na intenção de repetir os sucessos dos grandes hits da década, produtoras prezaram quantidade sobre qualidade, lançando no mercado uma infinidade de títulos similares e pouco inspirados.

Na opinião desses colunistas, o open world se tornou, de fato, o “espírito” da nossa época, mas não da forma que a indústria de games, com seus números gloriosos, parece indicar. Eles se tornaram o novo “always-online”, uma imposição arbitrária que nada acrescenta e muito prejudica.

É inegável que certos jogos de mundo aberto revolucionaram o mundo dos games. É também inegável que esses games se tornaram especiais justamente por não terem tido medo de entregar liberdade aos jogadores.

Porém, há mais em uma experiência inesquecível do que um mapa grande. Na intenção de repetir sucessos do passado, algumas produtoras parecem ter abatido os gansos dos ovos de ouro. Atentas aos detalhes – e a todo o jargão de marketing – elas se esqueceram do aspecto mais importante.

Sandbox e open world não são a mesma coisa

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Um indicativo tanto do sucesso quanto da decadência dos jogos de mundo aberto é a frequência com que  “sandbox” “open world” são tratados como sinônimos.

De fato, muitos games open world são sandboxes. Mas esses gêneros têm fundamentos bem diferentes, que podem nos ajudar a entender por que tantos games começaram a nos cansar – ou, pelo contrário,  porque alguns continuam a nos maravilhar.

Mundo abertos, fiéis ao próprio nome, são quaisquer jogos que nos dão a liberdade para explorar seu cenário da maneira como quisermos. Seu contrário são games de design linear, que “selam” certas partes do jogo (com loading screens, transições de nível etc) para controlar a experiência do jogador.

Mundo abertos, por si só, não dizem nada a respeito do conteúdo que o jogador possa encontrar. Um game pode adotar um level design aberto mantendo exatamente as mesmas limitações de seu equivalente linear, “salpicando” quests e NPCs por todo um mapa, em vez de concentrá-los em corredores ou salas pequenas.

O estilo tem seus fãs e suas vantagens, mas não necessariamente dá qualquer liberdade além da de locomoção. Em alguns casos, são um jeito simples (e um tanto de preguiçoso) de “inchar” um jogo, compensando falta de diversidade por volume.

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Não, Dragon Age. Nunca vou te perdoar

Sandboxes, por sua vez, são jogos que podem ser jogados “livremente”, sem um direcionamento autoral onipresente. A ideia, como o próprio nome já diz, é a do velho tanque de areia. O jogador pode produzir o que quiser, nos limites da sua própria imaginação.

tanque de areia

Em uma sandbox, a prioridade não é apresentar coisas interessantes, mas dar ao jogador ferramentas para que ele as desenvolva por conta própria. Como dizem alguns designers, pensar em sandbox requer encarar o jogo não como uma história, mas como um playground.

Até que ponto um mundo aberto deixa de ser uma sandbox é um assunto para muito debate – e uma boa dose de opinião. Os frequentadores do RPG Codex, famosos por seu purismo, certa vez fizeram circular o seguinte gráfico:

rpg codex sandbox

Nessa modelo, apenas os jogos realmente abertos, como Minecraft e os simuladores da série Tycoon pode ser considerados sandbox. Este ponto de vista não é compartilhado nem pelos grandes serviços de venda. No sistema de tags do Steam (alimentado por usuários), o rótulo sandbox é aplicado para Fallout, GTA e Skyrim, os três mundo abertos ma non troppo na figura acima.

Apesar desses jogos imporem limites à criatividade do jogador, é inegável que conservam o espírito de “faz de conta” que está na origem do gênero. Se perguntarmos a seus fãs, provavelmente ouviremos que aquilo que separa esses games de outros mundo abertos é a capacidade de “ir contra as vontades do jogo”. No caso de GTA, em especial, “quebrar as regras” se tornou uma subcultura em si.

No mundo do design de games, essa “rebeldia” tem um nome conhecido.

O gameplay emergente

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Eu já falei de jogabilidade emergente em minha coluna sobre os roguelites. Para recapitular, o gameplay é emergente quando o jogador tem espaço para inventar estratégias ou possibilidades que não foram pensadas pelos desenvolvedores.

No clássico Doom, certas pessoas notaram que correr na diagonal era mais eficiente do que seguir para a frente. O resultado foi uma geração de caçadores de demônios que andavam como siris.

Já no MMO War Thunder, jogadores descobriram uma estilo muito mais eficiente de ataque kamikaze.

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Em alguns casos, o entusiasmo é tanto que gamers chegam a criar não apenas estratégias, mas até objetivos próprios.

Quest nenhuma em Skyrim incentiva pessoas a fazer enormes montanhas de queijo (ou panelas, cabeças, ou qualquer outra coisa). O controle para apanhar e empilhar objetos, aliás, sequer é introduzido no tutorial. Isto não impediu jogadores de transformarem um RPG sobre um caçador de dragões em um episódio de Acumuladores.

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Da mesma forma, quando os desenvolvedores de Fallout 4 criaram um sistema de combate corpo-a-corpo, eles não previram que isso traria Saitama para a Commonwealth.

Essas brincadeiras não são apenas uma forma de descontrair ou de levar o jogo menos a sério. Na verdade, elas são a resposta de uma pergunta que certamente já ouvimos (ou fizemos) alguma vez na vida.

Por que jogos são tão viciantes?

Raph-KosterRaph Koster, um dos mais importantes teóricos do design de games, se perguntou isso uma vez. Ele chegou a uma resposta inusitada. Jogos viciam porque nos fazem aprender.

Para o designer, o “vício” dos games vem da sensação de desafio que sentimos ao “desbravar” um sistema. Encontrar a melhor combinação para uma equipe, construir o equipamento perfeito, descobrir a estratégia mais eficiente para derrotar um boss, garantir que nenhuma personagem morra.

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Todo jogo, no fundo, é um tipo de quebra-cabeça. Enquanto estamos tentando “encaixar suas peças”, a experiência nos anima. Por mais paradoxal que pareça, nós nos divertimos mais quando temos problemas para resolver.

Porém, infelizmente, somos seres inteligentes, e cedo ou tarde encontramos uma solução para qualquer desafio. Quando isso acontece, jogar deixa de ser uma descoberta e se transforma em um exercício arbitrário de grinding. As coisas passam a ser feitas apenas por fazer. Nas palavras de Koster, como um trabalho menial em um escritório.

A comparação do designer não podia ser mais certeira. Pelo menos um colunista disse que se cansou de games de mundo aberto porque se sentia em um segundo emprego. Ele não é o único. Alguns veteranos de MMO já contaram que, quando chegam em casa para jogar, sentem que estão saindo de um serviço para entrar em outro.

Quer dizer que jogos têm um “prazo de validade”? Não exatamente. A grande sacada de Koster foi perceber que as pessoas não paravam por aí. Bichos criativos como os seres humanos são, quando gamers “esgotam” os problemas do jogo eles começam a criar os seus próprios.

Missões solo, builds alternativas, personagens fora dos moldes. Homenagens à cultura pop, caminhos inusitados, faz de conta. Com um pouco de criatividade e um jogo aberto o suficiente, um mesmo game pode se transformar em dois, três ou quatro bilhões.

Skyrim, GTA, Just Cause e similares não conquistaram nossa geração  apenas por serem mundo aberto, mas por encorajarem o gameplay emergente. Na ideia de replicar seu sucesso, certas produtoras miraram no alvo errado. Não importa quantos quilômetros quadrados um mapa tenha, quantos colecionáveis estejam espalhados, a quantos níveis se possa subir. Sem a liberdade para criarmos nossos objetivos, games são apenas trabalho.

Os jogadores sabem disso, e é por essa razão, eu imagino, que a nova “moda” está deixando tantos desafetos. Tal como os roguelitessandboxes nos entregam uma coisa única. Em tempos de gráficos cinemáticos e comparação com outras mídias, elas proporcionam uma experiência 100% lúdica. Quando nos acostumamos a isso, é difícil voltar atrás.

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‘Liberdade de escolha’, ou como os video games nos enganam https://www.finisgeekis.com/2015/09/21/liberdade-de-escolha-ou-como-os-video-games-nos-enganam/ https://www.finisgeekis.com/2015/09/21/liberdade-de-escolha-ou-como-os-video-games-nos-enganam/#comments Mon, 21 Sep 2015 21:04:59 +0000 http://finisgeekis.com/?p=699 O mundo dos games é repleto de chavões. Dentre eles, pouco são mais usuais (e controversos) do que “liberdade de escolha”. Fãs de RPG, em particular, terão dificuldade em encontrar qualquer análise aprofundada de seu jogos favoritos que não esbarre na expressão ou em suas parceiras: “escolhas significativas”, “histórias customizáveis”, “narrativas ramificantes”, “agência”.

À primeira vista, parece que há uma demanda para que games se tornem playgrounds virtuais, ferramentas para que os jogadores brinquem de faz-de-conta e inventem as próprias histórias. Eu mesmo já me deparei com isso. Ano passado, após dar uma palestra sobre video games, ouvi um membro da plateia dizer que jogava para “ser ele mesmo”, com todas as opções e nuances do mundo real. Jogos que chegavam perto disto eram jogos bons.

Isso, é claro, à primeira vista. Basta estourar uma pipoca e observar as trocas de farpas entre profissionais da indústria para ver que nem entre desenvolvedores há um consenso sobre o que significa ser “livre” e “entrar na pele” das personagens. Pior: nem se essas duas coisas, ou qualquer outro dos chavões do primeiro parágrafo, têm necessariamente a ver um com o outro.

Em 2010, Daniel Erickson, diretor de roteiro da Bioware, soltou os cachorros sobre Final Fantasy XIII. Segundo ele, o game não era um RPG, e colocar um “J” na frente não enganaria ninguém:

Você não faz escolhas, você não cria uma personagem, você não vive a sua personagem… Eu não sei o que eles são – adventure games, talvez? Mas eles não são RPGs.

Não bastou nem dois anos para que o feitiço voltasse contra o feiticeiro. Em 2011, Dragon Age II, sequel da IP de sucesso da Bioware, foi malhada por incluir um protagonista não customizável e ter um enredo pouco reativo.

No ano seguinte, Mass Effect 3 acendeu a internet em chamas com uma das sequências finais mais controversas da história. A polêmica foi tão grande que uma versão “consertada”, ajustada aos interesses do público, foi lançada no mesmo ano. O episódio foi impactante a ponto de alguns terem sugerido que Half Life 3 custa a sair porque os desenvolvedores estariam com medo de uma reação similar por parte dos fãs.

Talvez haja algum fundo de verdade nos comentários de Erickson. Mesmo assim, ele deveria, nos dizeres de Bill Gates, ter arrumado o próprio quarto antes de tentar mudar o mundo. É verdade que JRPGs não oferecem o mesmo tipo de “liberdade” de que a Bioware se gaba. Mas até que ponto o modelo “ocidental”, “sem o J” de Erickson vive às suas próprias expectativas?

Para responder a essa pergunta, é necessário voltar  no tempo.

‘Interatividade’…. até quando interessa

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Nos anos 1980, quando computadores eram uma novidade e a maioria das pessoas sequer sabia o que eram videogames, Brenda Laurel propôs uma ideia pioneira. Segundo ela, softwares tinham muito em comum com o teatro. Tal como as peças, eles eram compostos por uma série de elementos que deveriam funcionar em conjunto, do código à interface. Para que tudo opere como esperado, é necessário que esses elementos estejam orientados por um projeto geral do autor, e que esse projeto seja traduzido para a dimensão material da obra. Se o criador pesar a barra em seu plano, a ideia parecerá inacabada ou forçada. Se, por outro lado, ele estiver escondido demais, o público encarará o que se passa sem fazer ideia do que significa.

Deve haver uma obra de arte escondida aí...

Deve haver uma obra de arte escondida aí…

Brenda Laurel influenciou teóricos e designers, que se basearam nesses princípios para criar experiências em que as ações dos jogadores tivessem maior impacto. O que eles perceberam foi que games com escolhas relevantes são justamente aqueles em que essa balança está em equilíbrio.

Se ela pende para o lado do autor, chegamos no famoso railroading: a sensação de sermos “carregados” para finais que não necessariamente desejamos. Se ela pende para o lado material, temos conteúdo filler, que parece estar no jogo apenas para gerar volume.

Em Dragon Age II, templários e magos entram em guerra e destroem Kirkwall, independente dos esforços do protagonista para impedi-los. A vontade dos autores de contar sua história e preparar terreno para o jogo seguinte falou mais alto que seu desejo de deixar as rédeas nas mãos dos jogadores.  Em Mass Effect 3, o plano de Casey Hudson e Mark Walters de autorar uma ficção científica “cabeça” pesou além da conta sobre uma série que se propunha a ser a versão digital de um livro de “escolha sua aventura”.

choose your own

Por outro lado, as caças aos shards, mosaicos, garrafas e quebra-cabeças de Dragon Age: Inquisition parecem filler porque não conseguimos ver um sentido geral por trás delas. O problema não está na natureza das quests. Os audio diaries de Bioshock são essenciais à narrativa, e nos trazem enorme satisfação ao serem encontrados. Ambas são “caças ao tesouro”: uma pecou pelo excesso; a outra achou a medida certa.

Isso mostra que, contrário à sabedoria popular, mais nem sempre é melhor. Se não está claro como as decisões se relacionam com a ideia central,  há alguma coisa de errado com estas decisões, e a impressão que elas passarão com certeza não será de liberdade.

Eu insisto em “impressão’. Folheiem um guia de estratégia de um jogo que gostam e verão que, na maioria das vezes, o potencial de escolha é muito pequeno. Se os desenvolvedores são generosos, vocês terão alguns finais diferentes. Na maioria das vezes, uma dezena de variações dos mesmos finais, ou um punhado de escolhas significativas ao longo de 50h de aventuras. Levante a mão quem nunca jogou um grande RPG, voltou do começo para fazer uma aventura completamente nova e descobriu que certas coisas não mudariam.

A questão, portanto, não é de prometer liberdade infinita, mas de fazer a pouca liberdade de que os jogadores dispõem parecer aceitável. Há uma série de truques para isso, alguns dos quais são mais antigos que os próprios games. Abaixo vão três dos meus favoritos.

Esconder o plano geral dos jogadores

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Esse é um ponto que mestres de RPG já conhecem de cor e salteado. Os jogadores não precisam saber que a Cidade A que eles visitaram é exatamente igual à Cidade B que eles decidiram não conhecer. Tampouco precisam, após perderem os cabelos derrotando um boss, saber que você os deixaria ganhar de qualquer jeito.

Isso é possível porque há dados que são escondidos dos jogadores. Sem ter mapas ou descrições das cidades, eles não têm como saber se o mestre os está conduzindo com uma guia. Sem informações sobre pontos de vida, habilidade ou classe de armadura dos montros, eles não fazem a menor ideia do tamanho dos desafios que encontram.

Um mestre astuto consegue engambelar seu grupo por sessões a fio sem que ninguém perceba. O resultado é uma história em que as regras estão lá apenas como referência e em que o mestre decide, como o “líder” de um faz-de-conta entre crianças, quem viveu e quem morreu.

Antes que vocês abram aquele sorrisinho maldoso e enviem esse texto para aquele seu colega que faz isso, saibam que essa tática é tão eficiente, popular e desejada que virou dica oficial no Livro do Mestre da 4a edição de D&D:

Se você ver que as personagens estão obviamente dominadas em um encontro, você pode:

  • Dar às personagens uma rota de fuga
  • Fazer escolhas ruins de propósito para os monstros
  • “Esquecer” de rolar o dado para ver se monstros recarregam seus poderes
  • Inventar um motivo dentro da história para os monstros abandonarem a luta
  • Deixar os monstros ganharem, mas deixar as personagens vivas por algum motivo.

(…)

[Se um encontro estiver fácil demais], você pode aumentar a dificuldade na medida em que as coisas andam. Traga reforços. Dê ao vilão uma habilidade nova da qual os jogadores não sabiam. 

Em videogames isso é ainda mais crucial do que em jogos de tabuleiro. Nenhum software, por mais complexo que seja, conseguirá ser tão rico quanto a imaginação.

daggerfall

Não, nem Daggerfall

A diferença entre um jogo bom e ruim muitas vezes jaz em uma coisa tão simples como saber o que esconder e por quanto tempo. Em Heavy Rain, escolhas erradas em alguns momentos-chave levam à morte das personagens. Porém, ao anunciar que “ninguém está à salvo” e que suas decisões podem condenar quase todo mundo, os desenvolvedores criam um véu de tensão que faz até os quicktime events mais banais parecerem significativos.

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Caro David Cage: só não exagere na dose. ALGUMAS decisões reais são necessárias, caso contrário perde a graça

Na maioria das vezes, isso é feito de forma sutil. Vários jogos, a exemplo do mestre de RPG que citei, escondem informações cruciais dos inimigos, de fraquezas a pontos de vida. Quando bem feito, isso torna o jogo muito mais difícil e imprevisível, exigindo que pensemos duas vezes antes de chutar o menor dos goblins.

É o famoso “tigre de papel”. Após alguns playthroughs, pode até ser que deduzamos a lógica da coisa e encontremos um “caminho ótimo” para chegar ao final. Com o tempo, nós logo veremos que a maior parte das ameaças é pífia se encarada do jeito certo ou no nível ideal. Na primeira vez, no entanto, cada mísera escolha será tomada com o suor a escorrer da testa.

Trilhas de migalhas

Fonte

Entregar a história de mão beijada, seja via cutscenes ou diálogos expositivos, não é a coisa mais excitante do mundo. Para contornar este problema, designers muitas vezes “quebram” as informações relevantes da história e as espalham pelo mundo do jogo.

Esses resquícios podem ser qualquer coisa: ruínas, campos de batalha, livros ou mensagens escritas, cadáveres, rumores sussurados por NPCs, gravações ou mesmo visões fantasmagóricas. Nenhum conta uma história completa, apenas uma “peça” que, juntada as outras, ganha um sentido.

Se a diferença parece minúscula, na prática ela é gritante. Aqui, por mais linear que o enredo seja, é sempre do jogador o papel de colocar as coisas em ordem. Rondar cada centímetro de Columbia em busca de voxophones nos dá um sentimento muito maior de agência do que escutar uma narração em off por vinte minutos.

Para aqueles de vocês que curtem um palavreado técnico, o nome disso é paradigma indiciário. O termo foi cunhado pelo historiador Carlo Guinzburg para denotar a capacidade de reconstruir um todo a partir de traços. É o princípio do romance policial. A diferença é que é o jogador, implicita ou explicitamente, que veste a boina do Sherlock Holmes.

Para Guinzburg, trata-se de uma habilidade cultivada desde os caçadores da idade da pedra. Na perseguição por pegadas, sangue e outros rastros de animais, aprendemos a narrar o que havia acontecido com eles e para onde eles iriam. De uma atividade de sobrevivência surgiu nosso dom de contar histórias.

Geralt, o romancista

Geralt, o prosador

Justamente por ser tão básica e fácil de usar essa técnica pode ser encontrada em praticamente todo game narrativo. Ela está presente no prólogo de The Last of Us, em que exploramos a casa de Joel e descobrimos quem ele é, que tipo de relação tem com a filha e o que está acontecendo com o mundo. Ela é o elemento crucial em Bioshock e em adventure games como Gone Home, cujas histórias dependem da interação com objetos. Ela aparece de maneira literal nos contratos de monstros de Witcher 3 e em todos os jogos de investigação. Não que precisemos ir tão longe: nós a vemos em virtualmente todos os dungeons de Skyrim, por meio de notas, cadáveres estrategicamente posicionados e NPCs tagarelas.

Shavari's_Note

Aquela hora em que nos damos conta de que Skyrim tem um índice de analfabetismo menor do que o do Brasil

Mundos dinâmicos

 

Em 2011, Witcher 2 fez os queixos da crítica caírem ao incluir uma decisão tão, mas tão relevante que mudava completamente o segundo ato do jogo. Para ver tudo o que o game tinha a oferecer, não havia saída a não ser jogá-lo (quase) inteiramente uma segunda vez.

A verdadeira narrativa ramificante é um sonho de muitos gamers, mas quem já tentou colocar a ideia no papel– ou apenas já brincou no Aurora Toolset de Neverwinter Nights – sabe o pesadelo que é pô-la em prática.

aurora toolset

Meus olhos doem…

Se cada escolha “mudasse para sempre o universo”, como prometem as contracapas de vários games, jogos seriam infinitos e impagáveis. E isso sem contar as pressões editoriais. Como o escritor da Bioware Patrick Weekes disse num depoimento três anos atrás, o railroading às vezes é uma exigência do escritório de cima. Em um mundo de gamers que só jogam um título uma única vez ou nem chegam até o final e de empresas como a EA que vivem de nivelar por baixo, impedir o jogador de acessar conteúdo (como vez Witcher 2) nem sempre é aceitável.

Quem acompanha a série Elder Scrolls há mais de uma década sabe a pena que isso é. Em Morrowind, as diferentes facções do jogo têm suas rivais, e para prosseguir em suas quests é necessário destrui-las. Deseja se tornar grão-mestre da Guilda dos Magos? Prepara-se para caçar agentes Telvanni. Quer liderar a Guilda dos Guerreiros? Para tanto, é necessário ou eliminar a Guilda dos Ladrões ou organizar um motim e tornar-se mestre à força. Seja como for, o resultado é dramático: personagens-chave morrerão e, com elas, quests, diálogos e oportunidades específicas. Compare isso com Skyrim, em que um único personagem pode se unir a todas as facções, quest-givers são imortais e os impactos de suas ações na postura de NPCs são quase imperceptíveis.

A solução é contar com pequenas escolhas espalhadas ao longo do jogo. Elas não precisam ser relevantes ou mesmo associadas à trama principal. Pelo mero fato de estarem lá – e em grande número – passam a sensação de que o protagonista causou uma diferença no mundo à sua volta. Jogos não são apenas histórias, mas lugares virtuais que habitamos por algum tempo. Deixar nossas marcas nesses lugares muitas vezes é mais importante do que ver um slideshow diferente no epílogo da jornada.

Isso é o que Mass Effect, para a infelicidade de seus criadores, fez bem demais. O terceiro jogo da série contou com mais de 1000 pontos de variação com base em decisões feitas nos dois anteriores. A maioria dizia respeito a side quests formulaicas, easter eggs ou fanservice, mas não importa. O jogo passou a sensação de que as ações de Shepard, por menores que fossem, mudariam a vida das pessoas a sua volta. Quando o mesmo não aconteceu com as “grandes” decisões – e, nestas dimensões, não tinha mesmo como acontecer – a internet pegou fogo.

Para alguns, o que separa um grande criador de um medíocre é a capacidade de se virar com pouco. Dê a um chef tomate, azeite, farinha, água e sal e ele fará um banquete a ser lembrado. Coloque um leigo em uma cozinha industrial e ele queimará sua torta do mesmo jeito. Não se trata de inspiração divina ou talento nato, mas da ideia de que bons criadores conhecem seus limites e sabem fazer o melhor sem pisar fora deles.

Se isso é verdade, sem dúvida se aplica aos games também. Os recursos e possibilidades para criar um jogo dos sonhos sempre serão limitados. A marca da experiência inesquecível é a lábia de seus criadores em  “mascararem” as costuras de seus universos de faz-de-conta.

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