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convenções – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Sat, 02 Mar 2019 19:38:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 convenções – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 O Finisgeekis na BGS: uma espiada no futuro dos games https://www.finisgeekis.com/2017/10/16/o-finisgeekis-na-bgs-uma-espiada-no-futuro-dos-games/ https://www.finisgeekis.com/2017/10/16/o-finisgeekis-na-bgs-uma-espiada-no-futuro-dos-games/#respond Tue, 17 Oct 2017 00:04:24 +0000 http://finisgeekis.com/?p=19273 Esse domingo foi o último dia da Brasil Game Show, o maior evento de games da América Latina.

Como gamer de carteirinha, é uma convenção que sempre quis conhecer. Como cosplayer, é mais uma oportunidade de ouro para vestirmos nossas personas favoritas. Como paulista, não tinha motivos para dizer não. O Expo Center Norte, afinal, é logo ali.

Esse ano, tive a oportunidade de ouro para embarcar de cabeça nessa Meca dos games. Eu e minha colega Juliana Mouro, arqueóloga do ARISE, decidimos ver por nós mesmos como a magia era feita.

eu e ju

Visitar uma convenção nos últimos dias tem seus prós e contras. O salão de evento pode ficar incrivelmente cheio ou absurdamente vazio.

Fomos esmagados por multidões aqui e ali – e mais de uma vez temi que meu sky hook de Bioshock: Infinite fosse destruído por um passante estabanado. Mesmo assim, a BGS felizmente estava mais próxima do segundo caso. O domingo foi um dia tranquilo.

sony e micosoft

A tranquilidade, no entanto, tem seu preço. Alguns dos expositores já tinham se despedido. A maioria dos convidados especiais também, embora tenhamos conseguido topar com Nolan Bushnell, o lendário criador do Atari.

Nada disso é muito sério. A cada convenção de que participo, sou mais e mais convencido de que são os pequenos expositores que fazem o passeio valer a pena.

Conhecer nossos ídolos é legal, mas há algo especial em ver alguém expondo o fruto de seu próprio trabalho, sem as roupagens da hype. É a maneira como muitas das “lendas” de hoje começaram. Ao passear pela BGS, foi fácil entender o porquê.

Ao longo da tarde, tivemos a oportunidade de conhecer algumas das promessas do mercado indie nacional. Algumas, como Rise of the Foederati, são games incrivelmente ambiciosos, que provam que nossa indústria já começa a superar seu bairrismo.

foederati.jpg

O impressionante mapa de Rise of the Foederati

Até que ponto eles conseguirão a atenção que merecem, obviamente, só veremos no futuro. O que me chamou a atenção foi ver como vários dos autores possuem referências muito claras para suas obras. Seus jogos estão de provas: nos monitores, senti estar assistindo a versões alternativas de God of War, Dark Souls, Ori and the Blind Forest, Mass Effect e outros.

Se isso é útil (quando não vital) para chamar a atenção, pode ser também um calcanhar de Aquiles. Se a resultado final não se equiparar ao material de origem, o tiro pode sair pela culatra.

Originalidade é uma solução, mas nem todos parecem estar na mesma página. Se alguns games, como o hypado Distortions, transbordam de novidade, outros parecem menos seguros de onde ir.

Um expositor, por exemplo, me disse que a mitologia nórdica é pouco explorada em jogos. Porém, entre Hellblade: Senua’s Sacrifice, Banner’s Saga e Jotun (para citar só alguns), não parece ser bem o caso.

O mais incrível, de qualquer maneira, foi notar como vários desses jogos eram empreitadas individuais. Não porque seja novidade que, em tempos de Unity, Construct e RPG Maker, qualquer um pode criar seu próprio jogo.

Pode ser coisa minha, mas me parece mágico ouvir autores contando sobre sua visão, suas referências, seu processo de criação. Por exemplo, conversar com Israel Torgano, criador de Memories of Kami, e descobrir que ouvimos as mesmas músicas para trabalhar.

memories of kami.jpg

(By the way, é a trilha de Nier: Automata)

Infelizmente, mesmo o melhor dos eventos tem seus problemas. E não falo da maneira ríspida como a organização resolveu suas diferenças com o Flux Game Studio, que outros portais já comentaram.

Nesse sentido, nossa experiência com as delegações estrangeiras foi o que mais nos deixou a desejar.

A ideia de que o mundo de games está preso ao eixo EUA/Japão já virou um estereótipo. Coréia é uma potência dos e-sports. China possui um mercado doméstico assombroso, e o Leste Europeu mostra que tem outras cartas além de The Witcher.

Eu e a Juliana estávamos ansiosos para conhecer esse mundo. Infelizmente, seus estandes estavam dispersos de maneira pouco intuitiva. A missão chinesa, por exemplo, ficou ao lado da praça de alimentação, num espaço que parecia o restaurante do Kuga em Shokugeki no Souma.

kuga

Para piorar, nem todos os expositores – desses e de outros estandes – pareciam preparados a responder perguntas. Conversar com desenvolvedores é uma experiência de abrir os olhos. Porém, é um balde de água fria encontrar porta-vozes que não só não conhecem os jogos, como sequer fazem parte dos estúdios.

piotr

Eu e a Juliana com Piotr Bajraszewski da 11 Bit Studios

Felizmente, tivemos um encontro que fez todo o resto valer a pena. Pudemos bater um papo com Piotr Bajraszewski da 11 Bit Studios, criadores de nada menos que This War of Mine, um dos mais celebrados games indies para PC.

Piotr nos contou de seu futuro lançamento, Frostpunk, jogo de estratégia que parte de onde o último hit parou. Enquanto que This War of Mine acompanha um grupo de civis tentando sobreviver durante uma guerra, Frostpunk nos coloca nos pés de uma sociedade inteira batalhando a natureza num futuro pós-apocalíptico.

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O game tecnicamente não está pronto, mas eu nunca o adivinharia pela demo que trouxeram à BGS. Frostpunk parece um jogo complexo e visualmente maravilhoso, sem dúvida uma das minhas maiores apostas do ano que vem.

O que dizer de comentários finais? A BGS vive à altura de sua reputação. Vislumbrar o futuro dos games valeu cada segundo do domingo. Espero ansiosamente por 2018 para poder curtir na íntegra o que experimentar. E pela próxima edição, para poder, mais uma vez, mergulhar nesse mundo de fios, LEDs e muita paixão.

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“Cosplay, Steampunk e Medievalismo”: muito além da fantasia https://www.finisgeekis.com/2017/09/25/cosplay-steampunk-e-medievalismo-muito-alem-da-fantasia/ https://www.finisgeekis.com/2017/09/25/cosplay-steampunk-e-medievalismo-muito-alem-da-fantasia/#comments Mon, 25 Sep 2017 22:16:34 +0000 http://finisgeekis.com/?p=18329 Hoje trago a vocês um artigo um pouco diferente.

Apesar de ser cosplayer e medievalista (do tipo que faz pesquisa acadêmica, não batalha campal), não tenho grandes fetiches pela Idade Média (como leitores do blog estão cansados de saber, é o Japão dos anos 1930 que me ocupa esse espaço).

Mesmo assim, é difícil seguir na profissão sem topar com aqueles que vestem (literalmente) o tabardo de outras épocas.

Qual foi minha surpresa, assim, ao descobrir um livro que unia partes tão diferentes da minha vida. Cosplay, Steampunk e Medievalismolançado mês passado, é um livro que responde a todas as suas dúvidas sobre esses hobbies de performance – mesmos as que você não sabia que tinha.

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O livro é um fruto do MnemonGrupo de Pesquisa em Memória, Comunicação e Consumo, liderado pela professora Mônica Nunes da ESPM.

O assunto está longe de lhes ser estranho. O grupo publicou outro livro especificamente sobre cosplay anos atrás, além de uma produção expressiva em periódicos acadêmicos.

Cada capítulo foi escrito por um autor diferente – que tentei, no melhor da minha habilidade, identificar nos meus comentários. Os papers são independentes e podem ser lidos em qualquer ordem, à conveniência do leitor.

Se você é um cosplayer, steamer ou revivalista e está interessado no livro pelo assunto, esteja avisado. Este é uma obra científica, direcionada a um público acadêmico. Para os não aclimatados no estilo, seus jargões e formalidade podem assustar.

Mesmo assim, a mera quantidade de depoimentos e curiosidades que o estudo traz já o torna uma leitura divertida e edificante.

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Asylum Steampunk Festival em Lincoln, onde pesquisadores do Mnemon fizeram trabalho de campo. Fonte

O livro é resultado de um trabalho de campo realizado em convenções de várias partes do Brasil e também na Inglaterra.

Para isto, utilizaram o método conhecido como flânerie. A técnica consiste em “passear” pelas convenções com aparente casualidade, de maneira a extrair testemunhos mais espontâneos dos participantes.

Não é a primeira coisa que nos vem à cabeça quando pensamos em pesquisa acadêmica. Entretanto, ao ler os inúmeros depoimentos compilados no livro, é impossível duvidar de seu mérito.

Cosplay, Steampunk e Medievalismo é uma janela ao coração dos hobbies de performance. Mesmo eu, cosplayer há nove anos e LARPer na adolescência, me flagrei descobrindo um universo novo.

Está certo o ditado: quem só conhece sua aldeia não conhece a sua aldeia.

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Lançamento de Cosplay, Steampunk e Medievalismo na Geek.etc.br

Cosplayers desconfiam de quem os olha “de fora”, e com razão. Como Pri Suicun disse na entrevista que deu a mim, quando cosplayers aparecem na mídia, quase sempre são retratados como doentes mentais.

Não é o caso desse livro. Pelo contrário, seu grande mérito é demonstrar que esses hobbies são expressões de desejos que, de uma forma, ou de outra, ardem em cada um de nós: viver sob princípios, encontrar uma comunidade, construir sua própria história.

Estamos todos confinados a uma época que não escolhemos, presos à certeza de que, um dia, tudo acabará. Diante do fim, procuramos um escape. Alguns, na longevidade de um livro. Outros, na efemeridade de uma foto.

Na vida, e não só no palco, todos nós usamos máscaras.

Steampunk: o futuro que nunca chegou

De um ponto de vista histórico, seus capítulos sobre o steampunk e o revivalismo são os mais interessantes.

O livro não é uma propriamente uma história sobre o retrofuturismo. Mesmo assim, traz um prato cheio para quem sempre quis saber mais sobre chaminés fumacentas e goggles acobreados.

Como Dora Carvalho nos conta, embora a estética se baseie em clássicos como Júlio Verne, H.G. Wells e Mary Shelley, sua origem é muito mais recente. O termo surgiu nos anos 1980, em uma tentativa de transportar o cyberpunk à era do gim e do vapor.

O que se buscou foi justamente o underground, o distópico. Nas palavras de Raul Cândido de Souza, co-fundador do Conselho Steampunk de São Paulo entrevistado no livro, um “vapor marginal.”

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Cosplay, Steampunk e Medievalismo acompanha o fenômeno não apenas nas convenções, mas também nas subculturas que as cercam.

Assim, Wagner Silva se debruçou sobre o colecionismo na cena Steampunk. Lilia Horta, por sua vez, escreve sobre as referências steampunk e medievalistas nos filmes de Miyazaki.

É uma pena que nenhum dos autores tenho abordado a influência do steampunk na cultura pop japonesa como um todo. Embora, dada a complexidade do assunto, não é possível culpá-los por conta disso.

Steampunk, afinal, tem uma longuíssima tradição nos animes, de clássicos como Nadia  a novidades como Kabaneri Princess Principal.  Isto sem falar nos JRPGs, em que tornou espécie de segunda pele.

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A cidade de Midgar no game Final Fantasy VII

Para além das influências ocidentais, tenho a impressão que essas obras trazem inquietações bem particulares.  Não exatamente de sua bagagem como país asiático, mas do país que foi na virada do século – e que a bomba atômica condenou ao passado.

Como disse Mahiro Maeda, produtor de Last Exile:

Nós tínhamos essa imagem da Alemanha no início do século XX. Nós pensamos que a Alemanha do entreguerras tinha características muito interessantes. As pessoas pensam em algo sombrio e negativo por causa da ascensão do nazismo. Mas tantas coisas apareceram naquela época, como o crescimento rápido das cidades e riqueza. Tecnologia industrial, química, descobertas científicas (…) Eu acho que tudo o que a Alemanha produziu naquele tempo foi extremo e único.

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Last Exile

É uma visão que também encontra eco no Japão: um país fechado e agrícola que se converteu, quase da noite para o dia, em uma potência industrial, com direito a luz elétrica, ferrovias e encouraçados.

No país que se tornou o primeiro Estado asiático a derrotar um império Ocidental. E herdar, com igual crueldade, seus ideais colonialistas.

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Kotetsu, primeiro encouraçado da Marinha Imperial Japonesa. Originalmente batizado de CSS Stonewall, construído na França para a Confederação durante a Guerra Civil Americana. Mais steampunk, impossível.

Trata-se de um dilema que o próprio Miyazaki abordou em outro de seus longas, Vidas ao Vento. E que, como o filme bem lembra, teve consequências funestas.

Medievalismo: entre a justiça e a violência

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Batalha campal do Duché de Bicolline

A seção sobre medievalismo é igualmente instigante – embora, talvez por influência dos estudiosos em steampunk, tenha dado uma importância desmedida ao país da rainha Vitória.

Luis Martino diz que “não seria de todo errado registrar a data e o local de nascimento do medievalismo na Inglaterra do século XIX”. Na verdade, ele pode ser encontrado desde muito antes – e em muitos outros lugares.

Ele está presente, por exemplo, no romantismo alemão do século XVIII e na Alemanha unificada de Bismarck, que legou não só a história medieval, mas a própria noção de “história” como a conhecemos.

Ele pode ser visto nas fábulas ossiânicas do escocês James MacPherson, inspiradas no herói medieval Óisín. No hábito dos reis da França de batizarem seus filhos como Louis, em homenagem a Clóvis, primeiro rei cristão da Gália Merovíngia. E no uso da Joyeuse, espada de Carlos Magno, nas suas cerimônias de coroação.

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Joyeuse em exibição no Museu do Louvre em Paris. A espada foi reformada várias vezes ao longo dos séculos – o que a torna, também, uma recriação medievalista.

Isto sem contar nos “medievalismos” da própria Idade Média. Por exemplo, na Ordem do Garter, irmandade cavalheiresca fundada em 1348 e inspirada nos cavaleiros do Rei Arthur. Ou nas távolas redondas, “feiras medievais” em que membros da corte se fantasiavam de personagens da lenda arturiana.

O revivalismo existe desde que o passado era “presente”.

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Luis está certo, no entanto, ao lembrar que algo muito importante aconteceu na Inglaterra da rainha Vitória.  Diante de poluição, mudanças econômicas e máquinas que não entendiam, muitos oitocentistas preferiram sonhar com um mundo anterior.

Essa “revolta” teve uma expressão no Pré-rafaelismo, movimento que pregava um retorno à Idade Média – estético, mas também moral. Uma tentativa, como explica Cynthia Luderer, de resgatar algo de espiritual a um mundo cada vez mais desencantado.

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É um retorno com que sonham também os entrevistados pelo livro. Para eles, as mulheres do passado eram “mais femininas”; os homens, “mais cavalheiros”; a vida, mais “justa”.

Em algum lugar do presente, algo importante escapou pelas frestas. Com tabardos e crinolinas, boffers e xícaras de chá, eles estão dispostos a recuperá-lo.

Como diz um dos “guerreiros” citados no capítulo de Sami Neppo:

“para o grupo o lema: In Gladius Victoria Est significa: lute com honra, seja honesto, acuse os golpes, aceite perder, entenda seu erro, treine bastante e não trapaceie. E é isso que faço para a vida.

Isso não significa que medievalistas desejam voltar literalmente ao passado. O objetivo, no final das contas, é resgatar as coisas “boas” que se perderam – e abandonar as “ruins” que não cabem no presente.

Obviamente, distinguir umas das outras é mais difícil do que parece. Ao longo da história do revivalismo,  coisas ditas “ruins” já incluíram a ciência, as liberdades individuais e a própria ideia de progresso.

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Cartaz nazista retratando Hitler como um cavaleiro

É o ponto em que toca Davi de Sá, ao comentar sobre o papel da violência nas leituras sobre a Idade Média. Quando pensamos em medievalistas, quase sempre falamos de aspirantes a guerreiros que se batem com armas de espuma.

É como se mil anos de história tivessem sido caracterizados por um grande morticínio, à exclusão de todas as coisas. E devêssemos, por algum motivo arcano, ver nisso uma espécie de virtude.

Até que ponto é positivo remediar um passado feito só de guerras, razias e combates? Em especial quando estas lutas serviram a propósitos eticamente questionáveis, como as cruzadas?

Infelizmente, essa visão continua muito comum, a despeito dos esforços de historiadores de acabar com o mito da “Idade das Trevas”. É uma imagem, porém, que diz muito mais respeito à nossa mentalidade que a um passado medieval.

Como defendem alguns autores, a projeção dos males do mundo ao “passado” é uma forma de aliviarmos nossas neuras sobre o presente. É muito mais fácil lidar com erros herdados da Idade Média do que admitir que foi a própria modernidade que criou os seus demônios.

Felizmente, nem tudo está perdido. Embora não seja o foco dos grupos estudados pelo Mnemon (apesar disto aparecer em alguns capítulos), o medievalismo também é forte em grupos dedicados à música, gastronomia e outros aspectos da cultura.

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Revivalista tocando hurdy gurdy no IMC Leeds, um dos maiores congressos de história medieval do mundo

Conclusão: o que tirar disso tudo?

Existe algo em comum entre cosplayers, steamers e medievalistas? A cada página que lia dos pesquisadores do Mnemon, minhas certezas diminuíam.

Como conciliar escapistas que só querem se divertir de steamers politicamente engajados? Revivalistas que idolatram o passado daqueles que não trocariam o presente por nada? Medievalistas que se chamam de cosplayers daqueles que se prezam como uma tribo a parte?

Como conciliar os desejos e testemunhos, às vezes conflitantes, dos próprios fãs? Como explicar um movimento que pregue o retorno aos “valores do passado”, mas que atribui a esse passado valores contemporâneos, como a “tolerância” e o “respeito às diferenças”?

Como todo grande trabalho científico, Cosplay, Steampunk Medievalismo traz mais perguntas que respostas. E é mérito de seus pesquisadores terem tido a humildade para reconhecê-lo.

Como diz Óscar Ruiz no prefácio à coletânea:

Nessa ocasião foram as dinâmicas cosplay de jovens paulistas que se me apresentaram como um conjunto de máscaras que (eu) deveria decodificar como antropólogo e sobre as quais emitir um juízo a respeito do que de fato significavam. Vã ilusão, a antropológica e a minha, de acreditar que podemos dizer algo sobre “o fundo” das coisas, que corresponde à vida cultural de grupos e de pessoas.

Ilusão porque em primeiro lugar nosso próprio etnocentrismo nos obriga a pensar que as coisas, a cotidianidade cosplay, por exemplo, têm algo mais ou significam algo mais do que a própria encenação de imagens que reelaboram a vida social (das pessoas e das coisas). E ilusão também porque seguimos suspeitando que a identidade é algo que está “no fundo” e, portanto, é tarefa disciplinar visibilizá-la, como se fosse uma operação neutra, e não mediada por saberes, poderes e tecnologias próprias.

Ciências sociais, por lidarem com seres humanos, estão sempre à mercê da imprevisibilidade. E jovens, bem diz uma das autores citadas pelo livro, são difíceis de se etiquetar.

Até que ponto tudo isso converge para um denominador comum? E se não converge, como podemos fazer sentido dessa diferença – se nada mais, para entender para onde estamos indo como sociedade?

São questões que darão pano para manga a futuros trabalhos. E que eu, sem dúvida, terei o maior prazer de acompanhar.

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‘Otakontro’: por dentro de uma convenção de anime https://www.finisgeekis.com/2016/08/31/otakontro-por-dentro-de-uma-convencao-de-anime/ https://www.finisgeekis.com/2016/08/31/otakontro-por-dentro-de-uma-convencao-de-anime/#respond Wed, 31 Aug 2016 21:38:13 +0000 http://finisgeekis.com/?p=9559

Não dá para negar. Convenções são uma das forças vitais da cena otaku. Sem esses espaços para conhecer novos fãs, adquirir merchandise e prestigiar as franquias que amamos, é muito provável que o anime não teria superado o seu terrível estigma de anos atrás.

De lá para cá, muita coisa mudou. Para aqueles que se lembram de como tudo começou, não necessariamente para melhor.

Por um lado, eventos como a CCXP colocaram o Brasil no mapa das grandes convenções. A cobertura midiática da cena otaku nunca foi maior. Nos grandes centros urbanos, eventos nunca foram tão grandes e, a despeito de seus problemas, suas instalações já foram muito piores.

Por outro lado, convenções parecem estar perdendo sua essência. A celebração da cultura japonesa, de protagonista, tem passado ao banco de passageiro. A chegada da velha “cultura pop” à cena mainstream nos levou a um ponto onde é difícil separar uma da outra. Exceto para alguns velhos fãs, que sentem que seu mundo está desaparecendo.

Essa, pelo menos, é a opinião de Pablo Santos, organizador do Otakontro na Baixada Santista. Se você não reconhece a convenção de nome, deve com certeza reconhecê-la de reputação. O evento ganhou popularidade ao se anunciar como um encontro old school, sem a presença de youtubers.

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Eu tive a oportunidade de bater um papo com o Pablo e conhecer mais sobre o evento. Na nossa conversa, ele me contou sobre os bastidores do Otakontro, a penetração dos youtubers na cena otaku, o futuro das convenções e muito mais.

Confiram a entrevista abaixo:

O que é o Otakontro? De onde surgiu a ideia de organizá-lo? De 2009 para cá, como está sendo a resposta do público?

O Otakontro é um encontro de admiradores da cultura japonesa popular como animes, música e jogos. A idéia surgiu em meados de 2009, quando um grupo de amigos resolveu se reunir numa praça pública para conversar sobre o assunto.

O encontro durou até 2011, quando os organizadores originais não puderam seguir com o projeto. O público está sendo 100% receptivo com a idéia, pois não somente na baixada santista mas no país inteiro, vários eventos se dizem de um tema e para garantir público, contratam algumas pessoas que criam conteúdo para o YouTube mas que nem sempre condizem com o tema do evento.

O Otakontro se descreve como um tributo à era de ouro dos eventos de anime na Baixada Santista. Como era esta época? O que fazia dela tão interessante?

A época de ouro dos eventos não é somente na Baixada Santista, mas em todo o país. Era uma época em que as atrações principais eram dubladores e a principal idéia era a reunião de pessoas que gostavam do tema para se conhecer e fazer novas amizades.

O Otakontro já foi caracterizado como o “evento mais old school dos últimos tempos e se propõe a “recuperar a essência oriental” que caracterizava convenções em outras épocas. Muitas pessoas consideram que vivemos no auge da cultura nerd/otaku. Por outro lado, há aqueles que apontam que algumas coisas vêm se perdendo. Ao conhecer o Otakontro, não pude deixar de me lembrar da San Diego Comic Con, e de como alguns de seus exibitores mais tradicionais acabaram afastados quando a popularidade atraiu a atenção das grandes corporações de entretenimento. Como você enxerga a cena de convenções no Brasil? O que você acha que melhorou ou piorou com chegada do universo nerd na cena mainstream?

Acreditamos que a evolução é natural, assim como a expansão, mas para isso, deve-se saber o que fazer e como fazer. Algumas empresas no Brasil pegam temas aleatórios para criar uma convenção e acabam se perdendo sem saber qual a própria proposta. Acredito que o apoio das grandes empresas é algo muito bacana e que esperamos acontecer durante décadas, mas os organizadores devem saber como apresentar isso ao público de forma que não atrapalhe outras atrações e que seja mais um agregador do que um causador de discórdias e críticas negativas entre os visitantes do evento.

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Hoje em dia, é muito comum encontrar as palavras “nerd” e “geek” usadas para descrever fãs de todo tipo de cultura pop. O próprio Finisgeekis é fruto dessa mentalidade, abordando desde games da Paradox até literatura japonesa. No entanto, pude perceber que há certa antipatia entre otakus em relação a canais “nerds”. Muitos os acusam de priorizar conteúdo ocidental, no qual têm pouco ou nenhum interesse. Na sua visão, essa distinção entre tribos se reflete no circuito de convenções? Ou parecem ser todos parte de uma mesma comunidade?

Eu particularmente nunca vi algum caso de desrespeito ou menosprezação de alguém em cima de outra pessoa por conta de preferir uma cultura oposta. Muito pelo contrário, geralmente nos eventos você encontra fãs de um lado mais oriental e de um lado mais ocidental conversando, dividindo atividades e socializando de um modo geral sem julgamento de preferências.

Recentemente, tive a oportunidade de entrevistar vários cosplayers e cosmakers como parte do projeto Profissionais do Cosplay . Alguns deles já trabalharam como hosts em eventos otakus ou nerds. Como organizador de uma convenção, como você enxerga essas possibilidades? Cosplayers profissionais já se tornaram uma presença frequente na cena otaku? Aqueles que sonham em trabalhar com isso encontram bastantes oportunidades?

Nós temos o maior carinho e apreço pela comunidade cosplayer, estamos disponibilizando uma sala inteira para estúdio, temos camarins exclusivos e ainda várias outras surpresas que vão ser reveladas a quem for no Otakontro.

Acreditamos que o cosplay além de hobbie é um trabalho no qual a pessoa dedica dinheiro tempo e suor para que saia da melhor forma possível. Hoje o mercado é bem mais amplo, com diversas empresas contratando aqueles que se destacam na arte, especialmente para juri de concursos cosplay. Toda a bancada do Otakontro é formada por profissionais que trabalham já a anos com o cosplay.

A Otakontro em si já contratou cosplayers como promotores, ou pretende fazê-lo em edições futuras? Seus expositores têm o hábito de fazê-lo?

Nosso plano para este ano é mostrar a todos que retornamos e que vamos continuar o trabalho duro por um evento de qualidade. Futuramente, iremos trabalhar não somente com cosplayers durante o evento, mas vamos criar concursos e patrocinar photoshoots algumas vezes durante o ano. Os cosplayers que forem escolhidos ou ganharem os concursos, vão ganhar ensaios completos com direito a editores profissionais e making of em vídeo. Essa é uma surpresa que ainda não anunciamos e vamos explicar melhor após o evento.

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Você me contou que a Jaqueline Abrão (que eu também tive o prazer de entrevistar) atuará como jurada do concurso de cosplay na próxima edição do Otakontro. De uma maneira geral, como se dá a escolha dos jurados nesse tipo de atividade? Quem são os responsáveis pela seleção? Quem são os intermediários?

A organização faz um processo de seleção entre os cosplayers que são conhecidos do meio e que possuem boa reputação, tivemos o prazer de encontrar com a Jack durante alguns eventos que comparecemos como público e adoramos o trabalho dela. É um prazer trabalhar com alguém cuja qualidade e responsabilidade precedem sua fama.

Concursos de cosplay são coisas complicadas. O que acontece nos bastidores que os espectadores geralmente não vêem? Quais são os cuidados a serem tomados para que tudo ocorra como deve?

As regras são o ponto principal, todas as cláusulas devem ser claras para que todos os participantes compreendam e aceitem os termos de participação e que isso não se torne uma dor de cabeça nem para os participantes nem para a organização. Especialmente em relação às notas, que devem ser o mais claras possíveis para que não haja acusações de “panelinhas” ou fraude. O concurso cosplay do Otakontro possuiu 11 versões das regras, sendo a 12ª a versão final.

Em várias convenções, profissionais e voluntários já se mobilizaram para oferecer “primeiros socorros” a cosplayers. Em outros países, um dos exemplos mais interessantes é o International Cosplay Corps, uma aliança de cosplayers que perambula eventos com kits de costura e maquiagem, ajudando aqueles que sofrem acidentes com suas fantasias. Esta prática já se tornou comum no Brasil? O Otakontro oferece serviços similares de SOS cosplay? No que ele consiste?

O SOS Cosplay é uma iniciativa que tomamos após conferir que a maioria dos eventos não oferece uma estrutura mínima para que o cosplayer possa se sentir confortável e seguro para poder ir e vir no evento sem temer que o cosplay fique com uma costura solta ou que seja necessário vestir a fantasia apenas na hora do concurso com medo dele se desgastar. Ele consiste em uma área específica dentro da sala cosplay que disponibilizamos, onde teremos diversas ferramentas como cola quente, linhas e agulhas entre outros, para que reparos rápidos possam ser feitos sem problemas, tudo a um custo único de 2 reais por cosplayer, que ganhará um “passe” que dura o evento inteiro.

O Otakontro recebeu bastante cobertura em relação à sua posição em relação aos YouTubers. De fato, estes produtores de conteúdo se tornaram uma verdadeira força midiática, chegando a dominar até mesmo a Bienal do Livro.  Como você enxerga essa preponderância? Você acha que existe uma tentativa deliberada de promover YouTubers em outros segmentos, ou tudo seria apenas uma tentativa de capitalizar sobre sua popularidade?

Como conversamos acima na proposta do evento, não somos “contra” youtubers, mas somos contra a falta de foco dos eventos e falta de estrutura oferecida pelos mesmos. Na ganância de conseguir milhares de jovens e adolescentes como público, um evento em Santos por exemplo, se envolveu com diversas polêmicas envolvendo agressões, confusões, diversos cosplayers sairam com fantasias danificadas entre outros.

Lembrando que o mesmo evento cobra um ingresso que é o mesmo valor de convenções de grande porte de São Paulo. Acreditamos que investir em infra-estrutura, treinamento de staffs e segurança é o essencial para que o evento possa apresentar atrações de peso como Youtubers, o que infelizmente não foi demonstrado nos últimos anos.

Por conta dos assuntos tratados em palco dos youtubers que são geralmente convidados, acreditamos que tudo não passa de tentativas de capitalização sobre a popularidade da pessoa que foi colocada ali, uma vez que não trazem conteúdo relevante pro cenário de cultura oriental.

Com tantos eventos de grande porte abrindo as portas a YouTubers, você acredita que eles estejam buscando novas audiências? Ou há de fato uma correspondência entre os amantes de cultura otaku e os fãs de YouTubers?

Todo evento busca atrair públicos diferentes a cada edição, agora a onda são os Youtubers, em breve, quem sabe, pode ser outro tipo de atração. Os amantes da cultura oriental antes de tudo esperam respeito, boa organização e conforto, isso deve ser a prioridade sempre.

Na sua experiência como organizador do Otakontro, você conseguiu perceber alguma diferença em relação a isso? Seu público alvo é o mesmo que frequenta convenções com YouTubers, ou fazem parte de outra comunidade?

Infelizmente, grande parte do público que frequenta eventos com youtubers vai por falta de opção. O que queremos atrair é o público que clama por um evento que se preocupe com a infra-estrutura, segurança e diversão em primeiro lugar.

Embora (relativamente) raros no Brasil, alguns YouTubers têm canais dedicados a conteúdo otaku. Você enxerga um possível compromisso entre estes YouTubers “especializados” e a “essência oriental” das convenções de velha guarda?

Sim, conhecemos muitos youtubers que possuem conteúdo totalmente oriental e acreditamos que eles poderiam trazer coisas relevantes aos eventos que fossem chamados. Infelizmente são geralmente trocados por outros Youtubers que possuem mais seguidores e que tratam de assuntos que não condizem em nada com o tema do evento.

Convenções são um paraíso para se comprar todo tipo de merchandise, de camisetas temáticas até figures. Ao mesmo tempo, há no mercado brasileiro uma abundância de produtos não-oficiais. Algumas pessoas, sobretudo colecionadores, acreditam que estes produtos encarecem e dificultam a chegada de merchandise oficial no Brasil. O resultado seria particularmente sentido no segmento de DVDs e CDs, muito comuns em outros lugares do mundo, mas que sofrem para competir com o mercado pirata no país. Você acha que este é um problema solucionável no nível das convenções? Ou acredita que seja uma questão maior, envolvendo as próprias agências de licenciamento?

É difícil conseguir produtos importados no Brasil, mas não impossíveis, tanto que as convenções sempre são sucessos financeiros para qualquer loja. Isto claro, dependendo da convenção. O licenciamento no país é possível, mas é um desafio que poucos estão dispostos a enfrentar.

Da World Con à Comiket, convenções são um dos elementos mais tradicionais da cena nerd/otaku. Como você encara o futuro do seguimento? Existem novos desafios a encarar, novas oportunidades a serem exploradas?

O maior desafio para uma evento é se reinventar e se renovar todo ano. Infelizmente o desgaste é o que mais faz convenções “morrerem”, mas se o organizador souber dirigir bem o navio de acordo com o mercado e ter a sensibilidade de escutar a comunidade, mas sempre mantendo a palavra final, tudo aponta para o sucesso e longevidade do evento.

O Otakontro acontecerá em Santos, dia 11 de Setembro. Para maiores informações, confiram sua página.

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4 coisas a se esperar das futuras convenções nerds https://www.finisgeekis.com/2015/12/07/4-coisas-a-se-esperar-das-futuras-convencoes-nerds/ https://www.finisgeekis.com/2015/12/07/4-coisas-a-se-esperar-das-futuras-convencoes-nerds/#respond Mon, 07 Dec 2015 21:08:56 +0000 http://finisgeekis.com/?p=1116 Fonte da imagem

Nenhum indivíduo que adentrou a Comic Con Experience (CCXP) na semana passada provavelmente saiu da mesma forma.

“Vai ser épico” foi um dos slogans do evento. Memes à parte, a descrição não ficou muito distante da realidade. A CCXP trouxe aos brasileiros um modelo de convenção ao qual nosso país ainda não estava acostumado.

Como alguém que frequenta esse tipo de evento há cerca de dez anos, não pude deixar de notar a diferença entre as celebrações de fandoms de nossas convenções tradicionais e a escala industrial, maciça e corporativa emplacada pela CCXP. Os gigantes do mundo do entretenimento, que antes conhecíamos apenas via VHS piratas, merchandise bootleg e releituras em fanart, montaram seus estandes para se comunicar diretamente com o público.

Nas cerca de 8 horas que passei no evento, uma pergunta não saiu da minha cabeça: Depois de tanto glamour, convidados de peso, produtos de qualidade e atenção da indústria, seria possível voltar atrás?

Se a pompa e circunstância da CCXP vai se tornar o novo preto só o tempo nos dirá. No entanto, para o bem e para o mal, creio que ele sinalize uma mudança importante entre dois modelos de convenções nerds. E esse caminho, apesar de “épico”, traz desafios aos quais devemos nos preparar.

1- O modelo americano chegou em peso

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Quando pensamos em convenções nerds, os Estados Unidos são o primeiro país que nos vem à mente. Foi de lá, afinal, que o culto aos fandoms – e vários de seus rituais, inclusive o cosplay – foram exportados para o restante do mundo.

Observando os números astronômicos da San Diego Comic Com (SDCC), Anime Expo e Wondercon, é difícil imaginar que essas convenções nem sempre foram gigantescas. Pelo contrário, o fenômeno é recente. Até 2007, a SDCC vendia ingressos na entrada. Um ano depois, para garantir o passeio apenas com reservas antecipadas.

San Diego Comic-Con. Photo by Kendall Whitehouse

MUITO antecipadas

O que aconteceu foi uma mudança em todo o modelo de negócio. Após o sucesso do primeiro live-action de  X-Men, a indústria de entretenimento percebeu que o mundo nerd era uma mina de ouro. De artistas independentes e colecionadores de figures, as convenções deram espaço a painéis de produtoras de Hollywood e editoras de alcance global.

Se a CCXP é um indicativo do que está por vir, esse novo modelo acaba de chegar ao Brasil. Saem apresentações de karaokê e entram Dave Tennant, Krysten Ritter e Frank Miller. Saem banquinhas de DVD e entram estandes da Universal, Warner, Sony e Netflix.

Isso pode ser “épico”, como anunciou a organização do evento, mas tudo tem seu preço. Quanto mais dinheiro envolvido, mais caros se tornam os estandes, e mais acirrada é a competição por um lugar ao sol.

Isso aconteceu na SDCC. A trajetória de sucesso do evento – hoje, o mais importante do mundo geek – e a competição com os titãs do entretenimento acabou tornando impossível a participação de muitos expositores independentes. Isto inclui pessoas que apoiavam a convenção há décadas, desde quando era uma celebração sem fins lucrativos feita para dar ibope a eventos maiores.

Em tanque de tubarão, peixe pequeno não tem vez.

 

2- Os modelos de consumo dos brasileiros estão mudando

netflix

Poucos lugares comuns são mais “comuns” do que a máxima de que o brasileiro é corrupto. Para a maioria das pessoas, apostar na honestidade alheia na terra da Lei de Gérson é mais arriscado que jogar roleta russa.

A indústria de entretenimento prova que a realidade pode não ser mais bem assim. Dois grandes serviços de streaming, a Netflix e o Crunchyroll, montaram estandes na última CCXP. A participação não é apenas um indício de coisas por vir, mas o resultado de um processo. No Brasil, o modelo fez um sucesso sem precedentes.

Quem acha que um serviço de assinaturas não conseguiria competir com a pirataria precisa rever seus conceitos. O próprio criador do Netflix, Reed Hastings, declarou o Brasil como um “foguete” da empresa.

Para estudiosos da comunicação, o sucesso é explicável. Um trio de pesquisadores encabeçado por Henry Jenkins – de quem já falei aqui antes – chegou a observações similares em dois outros casos.

O primeiro é o do mercado de vídeos na Nigéria. Sem uma indústria cinematográfica forte, o país se tornou palco de um complexo mercado de fitas piratas, que eventualmente enraizou a cultura de se pagar pelo entretenimento.

O segundo é do nosso Tropa de Elite. O filme – o mais pirateado da história do país – deu origem a uma das mais rentáveis sequels do nosso cinema. A demanda criada pelo frisson da distribuição ilegal motivou as pessoas a investirem no segundo filme.

Não é de se espantar que algo parecido tenha acontecido na cena nerd. Tal como os cinéfilos nigerianos, os geeks brasileiros estão acostumados a suar para encontrar suas séries favoritas. O Crunchyroll tem muito a agradecer às velhas lojas de DVDs de anime.

 

3- As ‘guerras de copyright’ vão finalmente nos engolir

pirate logo

Se você é fã de algo, é muito provável que já tenha violado a lei. E não falo apenas de torrents, mas de coisas muito mais elementares.

Séries, filmes, personagens, figurinos e até nomes próprios são protegidos por direitos autorais. Se você fizer algum tipo de criação e não solicitou direitos de uso, então muito provavelmente você andará na corda-bamba do copyright.

Então por que cosmakers, vendedores de produtos não-oficiais e fanartists conseguem fazer seus negócios?

Porque, na maioria das vezes, é mais vantajoso para as corporações deixá-los quietos do que processá-los. Fãs-criadores ajudam a divulgar as obras melhor do que qualquer estande, e companhias que tratam bem suas fanbases tendem a ser amadas em retorno.

Em contrapartida, acionar os advogados costuma trazer repercussões negativas.  Não fosse o bastante, os meandros da internet tornam disputas de copyright bastante nebulosas. Na maioria das vezes, arriscar os custos legais por uma batalha que pode ser perdida (ou que renda uma indenização pífia) é um preço alto demais a se pagar.

No entanto, erra quem acha que a Disney, Warner, EA ou Universal não estão dispostas a punir criações de fãs quando as interessa. Alguns aprenderam isso do jeito mais difícil. Tempos atrás, a Nintendo declarou cerco a criadores de let’s plays, obrigando-os a dividir os lucros de publicidade para manter seus canais. Um pouco depois, quando Super Mario Maker foi lançado, a produtora japonesa derrubou vídeos de versões modadas de Super Mario no YouTube para forçar gamers a aderir à plataforma.

Enquanto nossa cena nerd se resumia a 3000 pessoas debaixo de uma barraca nos confins da cidade, não havia motivo para esse tipo de pressão. Já se nossas convenções se tornarem realmente “épicas”, podemos dar como certo que as grandes corporações desejarão ser as únicas a lucrar com seus produtos.

Para o visitante comum, duas grandes mudanças estão no horizonte. Em primeiro lugar, prepare a carteira. Camisetas oficiais de Star Wars podem sair a módicos R$80,00. Para ter sua nova Sakura, é bom ter os 500 e poucos reais para comprar a obra-prima da Kotobukiya, pois não encontrará nenhum bootleg à venda.

sakura kotobukiya

Mas que vale a pena vale

Em segundo lugar, esqueça os chaveirinhos, almofadas, chapéus e todo o tipo de merchandise não-oficial de séries obscuras que inundavam as convenções do passado. Com uma distribuição mais centralizada e os estandes dominados pelos big players,  os produtos privilegiarão as séries que suas empresas têm interesse em vender. Obras antigas, de pouco apelo econômico e cuja fanbase dependia da informalidade para “fazer nerdices” serão as mais afetadas.

 

4- Espere mais e mais assédios da imprensa

senhora meme

Quem acompanha grupos de cosplay no Facebook já deve ter tido contato com as polêmicas envolvendo a grande imprensa. Quando da última Anime Friends, uma matéria do UOL atribuiu o desejo de fazer cosplay a distúrbios psicológicos. Na sua cobertura da CCXP, o portal comentou sobre uma suposta “pobreza” dos cosplays no evento, fato que atribuiu à crise econômica.

Mais sério foi uma intervenção dos “repórteres” do Pânico. Com a sutileza que lhes é conhecida, o programa “entrevistou”, zombou, cutucou e lambeu cosplayers como parte de sua cobertura do evento.

Os praticantes do hobby reagiram em peso, e não sem sucesso. A torto e a direito, posts urgiam cosplayers a recusar entrevistas a jornalistas do UOL sob risco de terem suas palavras distorcidas. O portal retirou uma de suas matérias do ar e publicou uma errata. A CCXP baniu o Pânico de edições futuras, acusando-o de “desmanchar o encanto do hobby” e violar do “contrato social” esperado do evento.

Cosplay é um dos hobbies menos compreendidos da nerdsfera, e repostas com essas mostram a força que a comunidade ganhou nos últimos anos. No entanto, seria ingenuidade supor que estas medidas desencorajarão o jornalismo amarelo. Infiltrar-se em eventos proibidos, enganar entrevistados e distorcer informações são táticas centenárias que só tem a ganhar força.

Em parte, isso se deve ao império do click-bait que assola nossa época. A internet transformou todo mundo em um comentarista e, consequentemente, em competição para as páginas estabelecidas. Para garantir os cliques – e a verba de publicidade por trás deles – alguns canais apelaram para o sensacionalismo e a polêmica fácil. Este gênero de “jornalismo” poluiu a web de tal maneira que o Facebook chegou inclusive a criar um algoritmo para filtrá-lo dos feeds dos usuários.

A principal razão do problema, contudo, é a popularidade sem precedentes do mundo nerd. Como as celebridades dos tapetes vermelhos de Hollywood sabem muito bem, tornar-se mainstream atrai os abutres. E nenhum comunicado oficial contra os paparazzi os afastará de uma noite de gala.

O interesse de tais “comunicadores” não está na cultura geek, mas na visibilidade que ela traz. Um evento de grande porte que apele ao interesse geral é a ocasião perfeita para alavancar artigos click-bait. É por isso que os nerds vivem hoje seu auge, mas também estão sujeitos aos maiores ataques pseudo-eruditos desde o pânico pós-Columbine em 1999. Criticar os “problemas” do mundo geek – mesmo que seja preciso inventá-los primeiro – nunca garantiu tantos cliques em tão curto espaço de tempo.

O mesmo vale para o humor. O Pânico não teria nada a ganhar cobrindo um evento underground de 1500 visitantes. A mesma fama que traz convidados internacionais de peso traz apresentadores buscando o caos para atiçar sua audiência.

As reações dos fãs garantirão que esse tipo de oportunismo seja contestado, mas há um limite para o que eles, sozinhos, conseguem fazer. Em especial quando o páreo é um veículo midiático com um alcance muito maior do que qualquer comunidade virtual. Idealmente, a mídia especializada deveria tomar para si a função de porta-voz e defender os interesses dos nerds contra pressões externas. Não atacar seu público alvo, nem se unir ao coro advogando estas mesmas pressões seria um ótimo começo.

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É possível ser “velho demais” para ir a convenções? https://www.finisgeekis.com/2015/07/13/e-possivel-ser-velho-demais-para-ir-a-convencoes/ https://www.finisgeekis.com/2015/07/13/e-possivel-ser-velho-demais-para-ir-a-convencoes/#respond Mon, 13 Jul 2015 20:42:07 +0000 http://finisgeekis.com/?p=473 Resposta curta: óbvio que não. Em um evento público, a entrada é liberada, e todos serão bem-vindos. Jovens de perucas coloridas e props gigantes de MDF são as últimas pessoas do mundo a julgar as outras pelas aparências.

Resposta longa: como todos que já estudaram marketing sabem, “todo mundo” não é um público alvo. Em um sentido literal, é evidente que convenções de anime, games e quadrinhos são abertas a qualquer um. Porém, na prática, estaria o estereótipo de que cultura nerd é coisa de adolescente de fato ultrapassado?

Quantos anos têm os nerds?

Os promovedores da cultura geek são apressados em afirmar que o cliché já deixou de valer há algum tempo. A Anime Friends, mais famoso evento de anime do país, teve sua primeira edição em 2003. Um otaku que tivesse 16 anos ao participar da convenção estaria, hoje, com 28. Sob qualquer definição, ele é ainda um jovem, embora não exatamente dentro do perfil “rato de porão” da mídia moralista anti-nerd dos anos 1990. Basta uma folhada na Forbes para ver que há CEOs que ganharam seu primeiro milhão com muito menos.

Essa estimativa que tirei da cartola parte da premissa adotada por vários defensores de fandoms: otakus e gamers “crescem” com o hobby e mantém seus interesses por toda a vida. Um nerd, segundo esse raciocínio, jamais deixa de ser nerd: ele um dia se torna adulto, envelhece e passa a “sabedoria” para as gerações seguintes. Os trekkies e fissurados por Star Wars estariam aí para provar. Essas fanbases, firmes e fortes há mais de 40 anos, continuam marcando presença na cena geek, com divulgadores que não escondem os cabelos grisalhos.

O problema é que essa conclusão não se encaixa muito bem nas estatísticas, ao menos não para tudo. A Eletronic Software Association (ESA), órgão norte-americano que promove a cultura de games, anunciou com o maior orgulho em seu último relatório que a idade média do gamer em 2014 foi de 35 anos. Porém, esse dado (como 80% do panfleto, diga-se de passagem) é fruto de uma maquiagem estatística: para a ESA, qualquer um que tenha interagido com qualquer espécie de jogo eletrônico é um “gamer”. O adulto ou idoso que instalou casualmente Angry Birds ou 2048 em seu smartphone para jogar na fila da lotérica passa a ser considerado um fã em pé de igualdade com um competidor profissional de Dota 2. Assim, a estatística é “puxada” para cima. Não é exatamente a galera que temos em mente quando pensamos nos fãs de Star Trek.

Fonte: ESA

Fonte: ESA

Da mesma forma, uma pesquisa feita pela San Diego Comic Con (SDCC) ano passado concluiu que pouco mais de 36% da fanbase de quadrinhos possui mais de 30 anos. Um número significativo, claro, mas longe de provar a “mudança de paradigma” que advogam os entusiastas. No entanto, a pesquisa foi feita com base em dados extraídos do Facebook, então é possível supor que o levantamento tenha privilegiado aqueles que mais usam a plataforma: jovens, em sua maioria.

Claro, essas são todas estimativas de fanbases. E em relação àqueles que vão de fato às convenções?

‘Con-goers’ e cosplayers

Aqui, a coisa parece mudar. Um levantamento da Eventbrite do ano passado concluiu que pessoas com idade entre 30-49 anos são o grupo etário mais numeroso nas convenções americanas (38% do público). Somados ao pessoal de 50 para cima, totalizam 45% dos participantes. Entre os cosplayers, a participação de veteranos é ainda maior: outra pesquisa, também da Eventbrite e anunciada esse ano na SDCC, constatou que 60% daqueles que participam a caráter estão na faixa dos 23-39. Um belo número, que parece dar crédito aos críticos do estereótipo. Pelo menos nos EUA.

Fonte: Eventbrite

Fonte: Eventbrite

No Brasil, entretanto, o cenário parece ser outro. Levantamentos do tipo são mais raros, mas um estudo de caso sobre a Anime Friends de 2011 afirmou que a esmagadora maioria dos participantes têm entre 17 e 25 anos de idade.

O que explica a diferença? De um lado, o estudo brasileiro partiu de uma amostra bem mais reduzida, então é capaz de que haja aí uma certa margem de distorção. Porém, em um nível fundamental, é importante não esquecermos de que as convenções brasileiras e americanas têm histórias bem distintas.

O levantamento da Eventbrite determinou que a maioria dos participantes vai aos eventos por causa do conteúdo  de ficção científica e fantasia. Animes e mangá, o feijão com arroz da Anime Friends e outros eventos populares do gênero, aparecem apenas na quinta posição, atrás de games, cinema/TV e quadrinhos ocidentais.

Fonte: Eventbrite

Fonte: Eventbrite

Estamos lidando não com uma celebração da cultura otaku (ou da mistureba globalizada que hoje chamados de “cultura geek”), mas da velha tradição das convenções americanas de ficção científica, que acontecem há mais de 70 anos, muito antes da invenção dos consoles e da febre da cultura japonesa a partir dos anos 1980. É bastante óbvio que eventos da geração de nossos avós ou bisavós tenderão a atrair um público mais velho.

Há muito pela frente

Seja como for, nada garante que a demografia se mantenha a mesma nas próximas décadas. Pelo contrário, há indícios de que uma mudança já começa a acontecer.

A edição atual da Anime Friends chegou a incluir uma categoria infantil de cosplays, para que otakus que já tenham filhos possam introduzir seus pequenos aos hobbies de que tanto gostam. A “mira” em um público mais velho aparece também em alguns dos estandes: ao menos uma das lojas participantes vendia joias inspiradas em games e animes. Pedida estranha para adolescentes, para quem bijouteria geralmente dá para o gasto, mas ideal para noivos, casais ou solteiros na faixa etária em que aparência se torna uma coisa séria e gastar R$150 em um pedaço de metal já não soa absurdo. (Aos leitores jovens: protestar é inútil; esse dia cedo ou tarde chegará).

Contrariando a sabedoria popular, não acredito que esse público sênior seja apenas de nerds veteranos. A elevação do geek ao nível “mainstream”  provocou uma explosão de mídias acessíveis, “fáceis” de serem apreciadas por quem não manja nada do assunto. Aprender Gurps e Magic: The Gathering leva tempo e muito esforço. Inteirar-se em novos lançamentos dos games implica quase sempre na compra de hardwares caros. Mesmo animes, se disponíveis gratuitamente em sites de streaming como o Crunchyroll, às vezes são tão autorreferentes que assustam os que não estão acostumados.

Em contrapartida, qualquer um com acesso à internet pode assistir aos Vingadores ou ao seriado Daredevil. Entre o univeros cinemático da Marvel, hits como Harry Potter e Jogos Vorazes, séries como Game of Thrones e Breaking Bad e homenagens nostálgicas no estilo de Lego Movie Detona Ralph, há todo um rol de interesses para agradar ao “novato” que resolva acompanhar seus familiares mais jovens.

Obviamente, não podemos esquecer de que as convenções nerds, como todas as coisas, fazem parte de uma cultura em mutação. O que acontecerá daqui a 20, 10 ou mesmo 5 anos só o tempo dirá. Eu, pelo menos, espero estar nelas para ver.

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