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CLAMP – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Thu, 22 Oct 2020 20:22:20 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 CLAMP – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Rayearth” e a guerra sem fim https://www.finisgeekis.com/2020/10/22/rayearth-e-a-guerra-sem-fim/ https://www.finisgeekis.com/2020/10/22/rayearth-e-a-guerra-sem-fim/#comments Thu, 22 Oct 2020 20:02:36 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22416 Tudo começou com um desafio.

Um dos editores da revista shoujo Nakayoshi confessou à mangaká Nanase Ohkawa que estavam com um problema. A publicação não conseguia expandir seu público para além das crianças.

Ele esperava que Ohkawa e seu grupo, um quarteto de mulheres conhecidas como CLAMP, tivessem o sucesso que até então os havia eludido: uma série infantil que mantivesse as leitoras interessadas mesmo depois de crescidas.

À luz do presente, a aposta parecia fadada a dar certo. Mas aqueles eram os anos 1990. Cardcaptor Sakura, seu grande sucesso na demografia shoujo, ainda estava por ser escrito. O pedido do editor trazia um dificuldade, mas era uma dificuldade que Ohkawa não podia ignorar. Tinha sido a Nakayoshi, afinal de contas, que trouxera ao mundo A Princesa e o Cavaleiro Sailor Moon.

Lançar um título em suas páginas colocaria a CLAMP no rol dos grandes do universo dos mangás.

O título em questão foi Guerras Mágicas de Rayearth, e seu sucesso superou em muito o briefing original. Mais de vinte e cinco anos depois, a série não apenas superou as barreiras de sua demografia, como continua a inspirar uma geração de adultos.

Apontar o que torna esse isekai da CLAMP tão especial é, de certa forma, uma tarefa insolúvel. Nenhuma obra se torna um clássico desse porte significando o mesmo para todos que a apreciam. Parte dessa riqueza talvez venha do fato de que, para elevar sua história, Ohkawa trouxe ao mundo de Céfiro um dos problemas mais espinhosos da experiência humana.

Com Rayearth finalmente disponível no streaming brasileiro, não poderia haver oportunidade melhor para mergulhar nessa questão.

Até que ponto temos o poder de mudar o mundo?

Todos que já leram ou assistiram à obra sabem dizer exatamente onde ela prova a que não é uma série como as outras. Falo, é claro, do final do primeiro arco, quando o conflito que move a série finalmente se revela pelo que de fato é.

Rayearth começa sem surpresas. Três meninas são teleportadas a um mundo paralelo para salvar uma princesa do grande vilão. Em retrospecto, é possível imaginar Ohkawa puxando as cordinhas de seu enredo, preparando as leitoras da Nakayoshi para um choque de que não se esqueceriam.

Capítulos depois, descobrimos que a princesa não é uma donzela em defesa, e sim uma rainha pescadora, fadada a governar uma terra regida pelas suas emoções. O vilão não é um inimigo, mas o grande amor de sua vida, lutando uma guerra ingrata para libertá-la de seu fardo. E as guerreiras mágicas não são heroínas, e sim as executoras que ela própria convocou para dar fim a sua agonia.

Lendo a história pela primeira vez, durante uma viagem de avião aos 18 anos, tive a impressão de que algo mais forte que a turbulência me sacudia no assento. Ainda hoje estremeço ao pensar no quão mais poderosa ela foi àqueles que a acompanharam em sua infância.

Precisei, contudo, de outra década para descobrir que Ohkawa não fora a primeira a dar vida àquela fábula. Vinte anos anos, a escritora americana Ursula Le Guin havia ganhado o prêmio Hugo com uma história suspeitamente parecida, Os Que se Afastam de Omelas.

O conto trata de uma cidade, à primeira vista, perfeita demais para existir. Seu povo não precisava de reis, de armas ou de escravos. De procissões nababescas a orgias lisérgicas, Omelas tinha o suficiente para realizar qualquer sonho. Como a Céfiro de Rayearth, era uma terra limitada apenas pela imaginação.

Havia apenas um porém: num calabouço subterrâneo, escondido das vistas dos outros, uma criança era mantida nas piores condições de cativeiro. Sem luz ou ar fresco, longe do contato humano, ela dormia sobre seus escrementos enquanto o resto das pessoas aproveitava sua utopia.

Ninguém sabe ao certo por que manter a criança naquele estado era necessário. Apenas que, sem seu sacrifício, o paraíso em que viviam deixaria de existir. E ninguém estava disposto a desafiar o pacto maldito que fazia as flores desabrocharem.

Le Guin não foi a única, nem a primeira, a nos convidar a pensar numa utopia movida pelo sofrimento de um pilar. No entanto, seu conto é aquele que coloca esta fábula nos termos mais próximos aos de Rayearth. De fato, para nós que temos familiaridade com a série, as últimas palavras de Omelas soam suspeitamente com a voz de Lantis:

Às vezes, uma das garotas ou um dos meninos adolescentes que vão ver a criança não voltam para casa para chorar ou enraivecer-se; não voltam, de fato, para casa de todo. […] Cada um sozinho, eles se dirigem a oeste ou a norte, em direção às montanhas. Eles continuam em frente. Eles deixam Omelas, eles seguem adiante escuridão adentro e não retornam. O lugar aonde eles vão é um lugar ainda menos imaginável para a maioria de nós que a cidade da felicidade. Eu não posso de forma alguma descrevê-lo. É possível que ele não exista. Mas eles parecem saber onde eles estão indo, aqueles que se afastam de Omelas.

É um final poderoso como a rajada de um mashin, não pela natureza de sua crítica, mas pela sutileza como a expressa. Indignar-se com a injustiça não é o suficiente.

Le Guin nos convida, como Zagato no início de Rayearth, a ousar a acreditar em um mundo diferente.

Mesmo que, para alcançá-lo, precisemos seguir adiante escuridão adentro, sem a menor garantia de que encontraremos alguma coisa do outro lado.

Zagato é um daqueles que se afastaram de Omelas.

O poder de ditar nosso próprio destino

Essas similaridades entre as duas obras levaram alguns a afirmar que Rayearth e Omelas são essencialmente a mesma história. Mas existe uma diferença fundamental nos pensamentos de Ohkawa e le Guin que não pode ser menosprezada.

Individualista convicta, a líder do CLAMP acredita que cada pessoa é responsável – e a única responsável – por mudar seu destino. Como ela disse em uma entrevista à Animerica,

Eu acho que é uma mentira [dizer] que existe uma força mística aí fora, manipulando sua sina. […] Eu acho que destino é algo que você escolhe fazer, mesmo quando você está sendo conduzido por ele. Por exemplo, se você está no trabalho e você quer pedir demissão, é necessário muita energia para fazê-lo. Você estará perdendo uma vida estável, e se você não gosta disto, você terá de aprender a lidar com a maneira como as coisas são. Mas se você quiser mudar as coisas, apenas você pode fazer isso para você mesma. Se você não gostar de fazer isto, você deixa as circunstâncias ditarem seu destino. Mas se você tem determinação e coragem, eu acho que você pode mudar seu destino.

A mangaká e roteirista Nanase Ohkawa

É, talvez, por conta dessa crença inabalável na ação humana que Ohkawa não perde tempo explicando como Céfiro deu a volta por cima.  No anime, as guerreiras mágicas abandonam o mundo paralelo tão cedo sua missão acaba.  No episódio final, somos brindados com um vislumbre do que ele se tornou, já inteiramente reconstruído.

No mangá, temos de nos contentar com explicação de que todas as dificuldades enfrentadas pelas guerreiras mágicas foram“palavras certas em linhas tortas”, escritas por um demiurgo – Mokona – e postas em prática por uma heroína ainda mais romântica e individualista que Ohkawa – Hikaru.

 

Ohkawa dá por certo que sua protagonista tem o que precisa para nos por no caminho do progresso — e as outras pessoas, a unidade de propósito para seguir seu exemplo.

Mas será que as coisas, na realidade, são simples assim?

Não seria a guerra civil em que Céfiro se encontrava quando da chegada das guerreiras mágicas a prova de que seus habitantes têm suas próprias ideias de como o mundo deva ser? E que elas não são, necessariamente, compatíveis?

Não seria a própria insistência de Esmeralda em viver – e morrer – sob o sistema do pilar prova de que não acreditava na capacidade das pessoas de resolver seus próprios problemas?

Não estaríamos nós, habitantes de um mundo onde não existem guerreiras mágicas, mais próximos do pessimismo de Esmeralda que do otimismo de Hikaru?

Uma guerra sem fim

Para Ursula Le Guin, a resposta é sim. E é por isso que apostar todas as fichas em uma intervenção miraculosa é uma receita para o fracasso.

Em um ensaio chamado Uma Guerra Sem Fim, ela critica aqueles que, na luta pelo progresso, argumentam que a mudança violenta é a única solução possível. E que aqueles que não concordam são omissos — ou, pior, conformistas.

Le Guin nos lembra que nem todos têm o poder de ditar seu destino como aconselha Ohkawa. Para escravos, vítimas do Holocausto e toda sorte de oprimidos ao longo da história, virar o sistema de ponta cabeça nunca foi uma opção. O que não significa que não fizeram sua parte, nem que por isso valem “menos” que seus pares mais poderosos.

Como a autora explica, existem um meio-termo entre baixar a cabeça e morrer inutilmente por uma causa: A relutância em aceitar cegamente a tradição. O esforço para capacitar novas gerações.  A coragem de imaginar que um mundo melhor é possível – e a capacidade de fazer os outros acreditarem nele.

Essa resistência flexível, como ela a batiza, “não é um lugar fácil de se encontrar ou de se viver.” Insistir nessa luta, de certa maneira, é uma guerra sem fim.

“Mas […] é onde Gandhi se firmou. Lincoln chegou lá, dolorosamente. O Bispo Tutu, tendo vivido lá por anos em honra singular, viu seu país se mover, ainda que desajeitada e incertamente, em direção a um terreno de esperança.”

Ursula Le Guin. Foto de Marion Wood Kolisch. Fonte

À primeira vista, esse modelo de heroísmo tem pouquíssimo a ver com a Hikaru do mangá. Ele encontra, porém, um inesperado terreno comum com sua adaptação às telas.

Estamos no mundo, não contra ele

Como fãs bem sabem, o anime de Rayearth toma rumos bastante diferentes em sua segunda temporada.

Se no mangá o arco de Esmeralda é seguido por uma batalha real pelo legado da princesa, na série animada o que está em jogo é a própria alma de Céfiro.

Os medos desencadeados pela morte de Esmeralda se transformam em uma entidade que ameaça reduzir o mundo a uma terra de pesadelos.

Esse medo encarnado tem um nome – Debonair – mas é sua braço direito, Nova, quem rouba os holofotes da vilania.

A série pouco faz para esconder seu protagonismo: se Debonair é despachada em questõa de minutos, a batalha final contra Nova dura quatro episódios inteiros – mais um sem número de confusões que recheiam o segundo arco.

Esse destaque tem um motivo claro. Nova, afinal de contas, é para Hikaru o que Debonair é para Esmeralda: uma contraparte odiosa, falível e humana para uma garota impossivelmente boa, capaz de transformar a terra no paraíso pela simples força de se coração.

Se parasse por aí, teríamos os ingredientes de uma história convencional sobre o triunfo do bem. Porém, num twist que faria Le Guin sorrir, Hikaru derrota Nova não ao destrui-la, mas ao trazê-la para dentro de si, vícios e tudo.

Vista sob esse ponto de vista, toda a segunda temporada nada mais é que uma metáfora para o luto da própria Hikaru, que aprende a superar o trauma da morte de Esmeralda aceitando — e não suprimindo — seus defeitos.

A implicação desse aprendizado vai além do nível pessoal. Seres humanos são imperfeitos por natureza, e esta imperfeição deve ser levada em conta em nossos planos para um futuro melhor. Do contrário, eles estarão fadados a dar errado.

“Eu acho que todas as pessoas têm naturezas duais”  disse Ohkawa sobre o Kamui de X/1999, num comentário que serve igualmente bem para Hikaru/Nova “Eu teria medo de um homem bom que fosse apenas bom”. Esmeralda, aparentemente, também. Por isso convocou guerreiras para eliminar tal pessoa.

Ohkawa e Le Guin discordam sobre os limites da ação humana, mas estão na mesma página em relação ao que torna uma ação “humana”. Lendo suas obras lado a lado, não consigo afastar a impressão de que as personagens das duas escritoras também teriam figurinhas a trocar.

Não sei o que passou na cabeça de Águia ao entender que jamais seria o pilar de Céfiro. Ou na de Alcione, quando fez as pazes com a morte de Zagato e ajudou as guerreiras a encontrarem Debonair. Ou ainda nas daquelas crianças que protegeram Mokona dos escombros do palácio, cientes de que não tinha poderes para consertar o mundo; convictas de que, naquele momento, isto de pouco importava.

Mas suspeito que não seja muito diferente do que pensou George Orr, protagonista de outro livro de Le Guin, Os Tormentos dos Céus:

Nós estamos no mundo, não contra ele. Não funciona tentar permanecer fora das coisas e conduzi-las desta forma. Simplesmente não funciona, vai contra a vida. O mundo é, não importa como nós pensamos que ele deva ser. Você precisa ser junto com ele. Você precisa deixá-lo ser.

A entrevista com Nanase Ohkawa citada nesse artigo foi realizada em 1997 e publicada em LEDOUX, T. Anime Interviews: The First Five Years of Animerica, Anime & Manga Monthly (1992-1997). Cadence Books: San Francisco, 1997,  pp. 172-83

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O retorno de ‘Sakura’: O que mudou desde 1998 https://www.finisgeekis.com/2015/11/30/o-retorno-de-sakura-o-que-mudou-desde-1998/ https://www.finisgeekis.com/2015/11/30/o-retorno-de-sakura-o-que-mudou-desde-1998/#comments Mon, 30 Nov 2015 20:28:51 +0000 http://finisgeekis.com/?p=1023

Quando vi o trailer de Sakura Card Captors no Cartoon Network pela primeira vez, inventei um motivo para faltar na escola para não perder a estreia. Como não podia simplesmente desaparecer do mundo para ver todos os 70 episódios (mais as reprises), aprendi às pressas a programar o gravador de cassetes. Em questão de semanas, as prateleiras da minha casa estavam repletas de fitas etiquetadas.

Eu cheguei a criar um fanclube entre meus amigos. Fizemos planos para publicar uma revista sobre a série, que obviamente nunca vingou. Em um mundo sem blogs, a ideia de crianças escreverem sobre qualquer coisa ainda era um sonho distante.

Eu poderia continuar, mas sei que não preciso: cada um de vocês têm histórias muito parecidas. De fato, começo esse post com esta confissão não porque ela é única, mas justamente porque é muito comum.

O meu comportamento – e o de boa parte da minha geração – foi o modus operandi de toda uma uma fanbase. E para mim – e, suspeito, boa parte da minha geração – nada me preencheria com mais alegria do que saber que a série poderia continuar.

O dia tardou, mas parece ter chegado. Fãs de Sakura já devem ter se deparado com a notícia de que a série de maior sucesso da CLAMP voltaria às telinhas para uma nova temporada.

O rumor, espalhado sobretudo por páginas latino-americanas, tem sua origem em um edição especial da revista japonesa Animedia lançada dois anos atrás, na celebração do aniversário de 15 anos do anime. Nela, o produtor da série, Eizo Kondo, manifestou o interesse em voltar aos mares.

O leitor que entenda japonês pode ver a notícia diretamente em sua fonte:

animedia sakura

Há um grande salto entre a opinião de um produtor e um novo lançamento. Porém, se Sailor Moon Crystal e Dragon Ball Super são algum indicativo, estamos em uma época ideal para esse tipo de retorno. A avalanche de merchandise oficial que chegou ao mercado confirma que estamos diante de uma renascença de Sakura.

No entanto, se Tsubasa Reservoir Chronicles me ensinou alguma coisa, é que o passado é o passado e o presente é o presente. Como bem disse Jorge Luís Borges, não há sentido em reescrever Dom Quixote. Uma obra dos nossos tempos nunca será igual à sua antecessora.

A CLAMP não é tão velha quanto Cervantes. Mesmo assim, muita coisa mudou desde o lançamento de Sakura em 1998. E não apenas nos animes, mas também naqueles que os assistem.

O que aconteceu com os fãs?

Cinco anos atrás, o comediante americano Patton Oswalt publicou um artigo chamado Acorde, cultura geek. Está na hora de morrer.

patton oswalt

Em nossa época de orgulho nerd, em que convenções de anime reúnem trekkies, estandes de Harry Potter e colecionadores de Lego, o título é de coçar a cabeça.

Oswalt, no entanto, tem um ponto. Para ele, a “cultura geek” nunca existiu.

30 anos atrás – diz ele – não havia nada em comum entre jogadores de D&D, fãs de Star Trek, leitores de quadrinhos autorais underground e espectadores de Space Battleship Yamato. O que unia as diversas tribos não era um conjunto de paixões em comum, mas a devoção com a qual se dedicavam a suas obras mais queridas.

A chave aqui é a internet – ou, melhor dizendo, a ausência dela. Em um mundo sem google, redes sociais e informação infinita, ser um fã dava muito mais trabalho. Era preciso correr atrás de lançamentos, acompanhar revistas físicas – algumas estrangeiras –e se fiar em especulações de todo tipo.

Mais: o tempo entre um lançamento e outro era tão grande que a obsessão vinha naturalmente. Sem um backlog de 400 jogos no steam ou uma série nova no Netflix a cada três meses, não havia escolha senão assistir reprises e memorizar linhas de diálogo.

É por isso que fãs de Star Wars faziam festas de lançamento para os livros do universo expandido. É por isso que colecionadores de action figure corriam atrás de catálogos para ver o que faltava em suas coleções. É por isso que fãs de anime se organizavam em mailing lists trocando informação privilegiada do que acontecia no Japão – produzindo no caminho volumes infindáveis de fanfic.

Nas palavras de Oswalt, ser um otaku – palavra que ele usa no sentido original, como um fã inveterado de qualquer coisa – implicava em construir seu próprio “mundo imaginário” para organizar sua paixão pelos hobbies.

Se isso hoje parece meio demodé, é porque o mundo mudou. O Crunchyroll e outros serviços de streaming permitem que assistamos a animes com meras semanas de atraso. Canais especializados nos permitem conhecer o fim de uma série antes mesmo de toparmos com o primeiro episódio.

Trinta anos atrás, para descobrir quem é Jéssica Jones seria necessário acampar em sebos de quadrinho e passar alguns meses enterrado em pilhas de gibi. Hoje, qualquer fã do seriado pode em questão de minutos consultar a wiki e recitar a primeira aparição do Homem Púrpura.

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Para quem teve de sofrer com as edições irregulares de Ranma 1/2 da Animangá, com material licenciado de segunda mão dos EUA, ou com os cortes que os animes recebiam na TV aberta,  não há dúvidas de que a mudança foi positiva.

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Pelo menos escapamos dessa

Por que, então, Oswalt quer que tudo isso desapareça?

Por que, para o comediante, eram justamente as dificuldades em se acompanhar as pérolas da cultura pop que criavam grandes fãs. A informação de mão beijada, pelo contrário,  produz “otakus ruins” que têm “rolos” e não paixões; “passatempos” e não “mundos virtuais”. Fãs como esse podem bastar no curto prazo, mas, como eu argumentei em outra ocasião, vão tão rápido como vêm.

Creio, no entanto, que Oswalt foi pessimista demais. Existem ainda sinais da “velha fandom” dos anos áureos. Você a percebe nos fanáticos que criam infográficos superdetalhados sobre séries de TV, nos contribuidores das wikis que espectadores casuais consultam e em autores de obras de arte como essa:

skyrim food

Isso, é claro, sem falar no mundo dos AMVs, cosplays e fanarts, que continuam fortes a despeito de eventuais escaramuças com a justiça.

O que esperar de um novo Sakura nesse momento?

Anos atrás, escutei uma garota em um dos corredores da faculdade queixando-se sobre a ignorância dos “jovens”. O motivo da indignação era uma criança que, aparentemente, nunca havia ouvido falar de Sailor Moon.

Como seria possível – ela pensava – que o marco máximo do anime shoujo, melhor desenho dos anos 1990, hoje fosse relegado ao esquecimento?

Méritos da Toei à parte, imagino que Sailor Moon Crystal tenha acalmado um pouco as suas angústias. Muitos criticam – e com razão – o hábito de produtores de transformarem séries em “vacas leiteiras”.

Contudo, é apenas com material novo que se conquista os corações dos novos. Não fossem os 1397984 finais alternativos e as toneladas anuais de figures, Evangelion provavelmente não seria um dos animes mais conhecidos de todos os tempos.

evangelion figures

O show não pode parar

Sakura é uma série mais jovem. Mesmo assim, um remake ou uma sequel do clássico da CLAMP tem o potencial de cumprir uma função semelhante.

Independente do que aconteça,  é importante ter em mente que teremos um anime criado para os nossos “tempos de fartura.” Não há mais incertezas, margens para rumores ou grandes surpresas. Teremos a lista dos dubladores com um mês de antecedência, o preview do opening em nossos fones de ouvido na semana do lançamento, e o press release sobre a segunda temporada antes mesmo do episódio final.

Mais do que isso – e tal como Sailor Moon Crystal – ele não será, jamais, um marco comparável ao desenho de nossa infância. A era dos grandes animes infantis acabou, pelo menos para nós, que acompanhamos do Ocidente. Sem o privilégio de reprises intermináveis para fixá-lo no imaginário coletivo, um novo Sakura será apenas mais um shoujo, competindo em uma temporada com outros títulos de peso.

O fã hardcore também faria bem em conter seu purismo. A CLAMP “limpou” seu traço nos idos de 2006, então não há razão para esperar o mesmo estilo do desenho original. Alguns dubladores terão de ser alterados. Tal como tudo na fase pós-Tsubasa, fillers com crossovers são quase garantidos.

Isso, por si só, não é um problema. Afinal de conta, uma fandom é mais do que um simples produto, e cabe aos fãs espalharem suas paixões. Ainda há espaço para os “mundos imaginários” de outrora. Nós só precisamos mantê-los vivos.

sakura debris

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O que “The Witcher 3” nos ensina sobre afeto https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/ https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/#respond Mon, 29 Jun 2015 20:54:06 +0000 http://finisgeekis.com/?p=421

Qual foi a última vez que você se pegou pensando em uma personagem de videogame como uma pessoa real? Que passou o dia agonizando após um criatura de pixels e voz pré-gravada lhe dar as costas, ou “morrer” graças às suas ações?

Para fãs de CRPG a pergunta é quase retórica. O gênero veio de histórias coletivas criadas em rodas entre amigos e levou a mesma vibe aos computadores e consoles. Se fãs de estratégia esperam nações e territórios e fãs de tiro olham para balas e alvos, RPGistas estão atrás de pessoas.

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

Jogos de interpretação… ou jogos de afeto?

Se você não é um recém-chegado ao gênero, sabe que o afeto não é uma firula, mas a lógica que dá sentido a tudo.  Com os orçamentos multimilionários, efeitos especiais e cenas de ação, é tentador tornar as experiências cada vez “maiores”, mais “decisivas” e “épicas”.  No entanto, maior não é sempre melhor. A morte de Obi-Wan nos toca muito mais do que a explosão de Alderaan. “Salvar o mundo das forças do mal” é uma premissa muito mais maçante do que encontrar a pessoa amada, ganhar reconhecimento ou apenas sobreviver.

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Na série Mass Effect, as decisões que mudam o destino da galáxia são importantes porque dizem respeito aos companheiros que reunimos ao longo da jornada. Impedir a guerra entre os Quarians e os Geth é vital não pelos seus motivos estratégicos, mas para salvar a vida de Tali, confidente de Shepard desde o primeiro jogo. Curar o genophage é uma decisão difícil porque envolve Wrex, um dos amigos mais queridos do comandante.

Games de outros gêneros também focados em narrativa seguem o mesmo caminho. John Marston é um excelente protagonista porque Red Dead Redemption não é um jogo sobre a conquista do Oeste, mas o drama pessoal de um homem arruinado em busca de sua mulher e filho. Do enredo meia-boca de Beyond: Two Souls o que se salva é o belo capítulo em que a protagonista é adotada por um grupo de mendigos, que logo se torna sua família adotiva. E, com o devido SPOILER WARNING, no final de The Last of Us Joel deixa claro que entre Ellie e o futuro da humanidade, ele prefere sua jovem companheira.

Isso para ficar só nas últimas gerações

Isso para ficar só nas últimas gerações

The Witcher III: The Wild Hunt não é muito diferente. Um dos muitos (e justíssimos) elogios que o game recebeu é quão “pequeno” é seu foco. Geralt de Rivia ronda uma terra devastada em busca de sua filha adotiva, recolhendo, no caminho, os cacos de vidas destruídas pela guerra. Da guerra em si, das “forças do mal” e do destino do universo ele não sabe nada. Os protagonistas das outras batalhas não lhe dizem respeito.

Entretanto,  por mais popular que tais histórias sejam, há um sentimento de que suas protagonistas sejam fúteis, cafonas. Em parte, isso se justifica pelas inúmeras tentativas horríveis de se contar esse tipo de história. (Watch Dogs, estou olhando para você). Em parte, porém, a crítica tem outra fonte: a obsessão pela “força” das personagens e seu potencial como role models.

A tirania das personagens fortes.

ciri

Existe uma tendência (que suspeito que Star Wars tenha tornado popular) de achar que herois estão acima dos reles mortais. Tal como um mestre Jedi, o protagonista não tem vínculos fortes e se dedica integralmente à sua causa.  Ele precisa servir de exemplo aos outros, não se rebaixar às suas paixões. Para alguns, esse modelo de Jedi é a marca que faz de uma personagem “forte e independente”.

É engraçado, no entanto, que ter “força” signifique muitas vezes ser avesso aos outros. A personagem “forte” não tem amigos; tem aliados, pessoas que servem para alguma coisa e que ela pode largar sem prestar satisfações. A personagem “forte” não tem compromissos amorosos, apenas cobaias para saciar suas vontades. A fidelidade, em um mote que poderia sair direto da boca de um Sith, é uma fraqueza a ser zombada. A personagem “forte”, por fim, não depende de ninguém: ela prefere a si mesma àqueles à sua volta, sua carreira à companhia dos entes amados, seu escritório à família e amigos.  A personagem “forte” só pensa em si e só deve a si própria sua felicidade. Os outros podem partilhar da sua alegria se ela deixar, mas não devem roubar a cena.

À primeira vista, Geralt parece ser o “forte” por excelência: um cavaleiro solitário sem comprometimentos, com poder para matar qualquer vilão, vencer qualquer disputa, conhecer qualquer monarca e ir para a cama com qualquer mulher. Porém, bastam algumas dezenas de horas no mundo dos witchers para conferir que a verdade não é bem assim.

Como eu já disse em outra ocasião, o mundo de The Witcher é um universo de monstros e Geralt de Rivia é um monstro à sua própria maneira. Pessoas cospem no chão quando o vêem e o xingam de “mutante”, “freak” e “bastardo desalmado”.  Ele não gosta do que faz, mas tem poucas alternativas. As mutações que lhe deram seus poderes lhe deixaram estéril e incapaz de mostrar emoções. Mesmo que ele desejasse mudar, ele está simplesmente excluído do mundo normal.

O que não significa que por trás do cabelo branco e dos olhos de gato não exista, de fato, uma pessoa normal.

Nesse sentido, seu momento mais tocante acontece quando visita a cidade de Novigrad. Geralt viu sua filha adotiva pela última vez na adolescência. Num mundo sem Facebook ou câmeras fotográficas, isto significa que a única imagem que ele tem dela vem de suas lembranças. Eis, então, que surge uma possibilidade de ver como ela se tornou, adulta. A reação do nosso caçador de monstros fala por si só:

Nada de diálogo explicativo. Nada de berros, lágrimas ou abraços. Reparem que quase não há trilha sonora. Apenas a expressão de dor de um homem que não é capaz de chorar, mas que acaba de ver que a criança que mais ama cresceu sem que ele estivesse lá para ver. A dor que muitos pais já sentiram ao perderem a infância de seus filhos; a mesma, provavelmente, que tomou conta de Solomon Northup em 12 anos de Escravidão, quando retorna para casa vê que sua filha está casada e já é mãe.

Quem acha que The Witcher é mais uma história do heroi durão derrotando meio mundo para salvar a pessoa X está perdendo o mais importante. Do triângulo amoroso com Triss e Yennefer à camaradagem de Zoltan e Dandelion, passando pela “amizade” conturbada de Lambert, Drijska e Roche, Geralt deve tudo àqueles à sua volta. O universo dos witchers, como o de outras séries do gênero, é um mundo cruel, em que pessoas procuram a companhia alheia para tentar afastar as trevas. Na maioria das vezes, sem sucesso.

hanged man tree

A insustentável leveza do ser

Mais de trinta anos atrás, o escritor tcheco Milan Kundera escreveu sobre essa “força”. Em seu livro, ele nos dá um cirurgião “forte”, “independente” e “realizado” com sua carreria, vida social e prazeres carnais. Uma pessoa, enfim, que ticaria todos os quadrados da cartilha do individualismo gamístico.  Entretanto, um belo dia ele larga tudo para viver ao lado daquela que jurou passar a vida ao seu lado.

Ao contrário dos role models celebrados a torto e a direito, as personagens de Kundera não vêem sentido nessa vida dos sonhos. O que para outros é “liberdade”, para eles é a insustentável leveza do ser. O ser humano – ou ao menos estes seres humanos não foram feitos para existir sozinhos. Daí que eles se mudam da Suíça para a Tchecoslováquia comunista, da cidade grande para o campo, de carreiras brilhantes e bem remuneradas a bicos no meio do nada, da vida “realizada” a uma morte sem sentido, num acidente de carro numa estrada de terra qualquer.

Por quê? Eu não sei. Talvez ninguém saiba. Na vida real (e nas melhores ficções) algumas coisas não fazem sentido. Mesmo assim, eu não consigo deixar de pensar que a obsessão pelos role models pode nos levar a um lugar perverso, tão apavorante, talvez, como o mundo dos witchers.

Em Cardcaptor Sakura, Kero-chan diz que o apocalipse é algo muito pior do que a explosão da terra: é a perda do afeto por todos aqueles que amamos. Que os justiceiros, na cruzada para impedir a primeira, tomem cuidado para não provocar a segunda. A insustentável leveza do ser pode ser um fim em si mesma. E por “fim” não digo propósito, mas game over. Ponto final.

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