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cinema – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Wed, 16 Mar 2022 21:50:27 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 cinema – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Drive My Car”: para que serve uma adaptação? https://www.finisgeekis.com/2022/03/16/drive-my-car-para-que-serve-uma-adaptacao/ https://www.finisgeekis.com/2022/03/16/drive-my-car-para-que-serve-uma-adaptacao/#respond Wed, 16 Mar 2022 21:41:48 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=23121 Adaptações têm uma fama ambígua no mundo do cinema. Se é verdade que livros e filmes flertam um com o outro desde os primórdios da sétima arte, poucas opiniões são mais repetidas que a máxima “o livro é melhor”.

Quando soube que o conto Drive My Car de Haruki Murakami havia sido adaptado ao cinema, contive meu entusiasmo. Embora Murakami seja o escritor japonês mais popular da atualidade, adaptações de suas obras foram, até hoje… menos que ótimas, para dizer o mínimo. Saber que o novo filme possuía quase três horas pouco fez para aliviar minha desconfiança. Roteiristas frequentemente patinam para adaptar romances a uma história deste tamanho. O que seria de um conto de menos de 40 páginas?

Como quem assistiu Drive My Car sabe, a resposta é um primor do cinema japonês contemporâneo.

Mas comentar por que o filme de Ryusuke Hamaguchi conseguiu acertar em cheio é apenas pretexto para uma discussão mais importante: talvez esteja na hora de repensarmos na nossa relação com as adaptações.

Qual é, afinal de contas, o sentido de contar de novo uma história que já foi escrita?

E o que, exatamente, torna uma adaptação ‘bem’ ou ‘mal’ sucedida?

Drive My Car em palavras…

Capa original do livro “Homens sem Mulheres”

Se o filme de Hamaguchi é qualquer indicativo, a primeira escolha começa antes mesmo que as filmagens. Drive My Car, o conto, é um excelente material para adaptações.

Haruki Murakami é conhecido por seu realismo fantástico e por um estilo intuitivo, quase anárquico de escrita. O escritor já afirmou diversas vezes que não é um “contador”, e sim “observador de histórias”: simplesmente registrando as ideias que saem de sua cabeça. Boa sorte para adaptar um livro destes a um roteiro – mais ainda para fazê-lo funcionar em movimento.

Para complicar as coisas, Homens sem Mulheres, coletânea a que Drive My Car pertence, está longe de seu melhor trabalho. Suas histórias, em grande parte, giram em tornos de homens desprezíveis que insistem em atribuir às mulheres a culpa de suas mágoas. Há mais autocomiseração e misoginia em suas páginas que frases bem construídas. Pelo contrário, alguns períodos, como “todas as mulheres nascem com um órgão especial, independente que lhes permite mentir”, nos fazem perguntar o que passou pela cabeça do editor ao publicá-las.

Drive My Car é uma exceção às duas regras. O conto não apenas demonstra um controle da linguagem de que suas obras posteriores parecem ter perdido, como esbanja uma empatia que falta a seus colegas de coletânea. Seu protagonista é, de fato, um “homem sem mulher” – mas quem é essa mulher e o real significado de sua ausência são questões nada óbvias que nos acompanham pelo conto inteiro – e que o final, em aberto, pouco se esforça para elucidar.

O homem em questão é Kafuku, ator veterano de teatro. Sua esposa (Oto no filme, sem nome no conto) é uma companheira perfeita e colega de trabalho, que grava os diálogos de sua peça para que estude no carro enquanto dirige. Ela também o trai. Serialmente. Com múltiplos homens.

Dividido entre a estabilidade conjugal e um acerto de contas que sem dúvida a destruiria, Kafuku opta pela inação. Em tempo, nenhuma outra escolha lhe será possível. Sua esposa morre (de câncer fulminante no conto, de uma doença súbita não declarada no filme). A dúvida, o choque, e os assuntos inacabados corroem o que resta do homem que um dia foi.

Não é difícil simpatizar com Kafuku. Embora seja a personagem ponto de vista, o ator parece viver pelo mote de outra personagem de Murakami, que certa vez disse que “apenas escrotos sentem pena de si mesmos”.  O conto é quase que inteiramente contado do banco de trás de seu Saab 900, em conversas com Misaki, motorista contratada pelo teatro depois que um diagnóstico de glaucoma o impossibilita de dirigir.

É Misaki que, em dado momento, lhe dispara uma Pergunta-Gretchen – “Por que você não tem amigos?” – depois da qual Kafuku se abre como uma rede esgarçada por toneladas de pensamentos vergonhosos.

… e em imagens

E é aqui que as semelhanças do filme com seu material de origem acabam.

Em seu longa, Hamaguchi força Kafuku para fora de seu Saab com a mesma violência da pergunta de Misaki. Sua esposa, antes uma recordação mal digerida, ganha um nome. Flashbacks da traição nos mostram os detalhes que o protagonista do conto reluta até em imaginar.

Enquanto que Murakami apenas nos informa que Kafuku estava ensaiando a peça Tio Vânia de Tchekov, Hamaguchi transforma sua montagem em uma história dentro da história, praticamente nos forçando a enxergar os paralelos entre uma obra e outra.

Em mãos menos habilidosas, a inclusão de toda essa bagagem extra afundaria a história mais rapidamente do que levaríamos para dizer que “o livro era melhor!”.  Mas há duas características do filme de Hamaguchi que o põe em um caminho diferente.

Em primeiro lugar, a despeito de todos os desvios, ambas as obras chegam ao mesmo lugar.

Kafuku, descobrimos no conto, é um homem sem mulheres, no plural. Muito antes de descobrir a traição, seu casamento foi abalado com a morte precoce de sua filha. Murakami nunca soletra o paralelo, mas é possível deduzir que, como Molly e Leopold Bloom de Ulisses, foi a morte da criança que colocou Kafuku e sua esposa em uma crise que apenas os braços de terceiros podia aliviar.

E Misaki, sua motorista, é uma mulher sem homem. Especificamente, uma mulher da idade de sua filha, consternada pela ausência de uma figura paterna. É da aproximação entre os dois, mais do que a traição que sofreu, que o conto verdadeiramente trata.

O filme de Hamaguchi subverte essa prioridade, afogando o relacionamento de Misaki e Kafuku sob o peso de quase três horas de tramas paralelas. Até mesmo o amante de sua esposa (no conto, apenas um de muitos) ganha um holofote para chamar de seu – junto com um arco pessoal que envolve suas ambições como ator e até mesmo um passado criminoso.

Mas Misaki e Kafuku ainda assim se encontram e abrem-se um para outro e percebem que são peças de um mesmo quebra-cabeças, ainda que tão maltratado pelos anos que dificilmente pode ser montado.

“Isso é tudo o que fazemos” disse, certa vez, outra personagem de Murakami, “tomamos infinitamente o caminho mais comprido”. Drive My Car, o filme, vive por esta máxima.

Em segundo lugar, mesmo o conteúdo original de Hamaguchi parece misteriosamente Murakamiano.

A traição de sua esposa, no conto apenas mencionada, ganha no longa uma cena de sexo ao som do Rondó K.485 de Mozart– tocado de um disco de vinil, ainda por cima. Leitores veteranos do autor reconhecerão de pronto o apreço de Murakami por música clássica – e por cenas eróticas (segundo seus críticos) mais tristes que prazerosas de se ler.

Se originalmente uma tomboy nas linhas de Kaoru, a durosa dona de um motel e Após o Anoitecer, a Misaki do filme mais se aproxima de uma contraparte jovem de Reiko, ex-pianista de Norwegian Wood que aconselha o protagonista Toru à luz dos sofrimentos de seu próprio passado.

O longa, de fato, parece quase uma releitura de Norwegian Wood, com jovens universitários com as emoções à flor da pele trocados por adultos de meia-idade. Mesmo as digressões mais originais de Hamaguchi – as cenas e mais cenas sobre o processo de criação de Kafuku, a subtrama sobre uma atriz surda-muda – lembram o enredo livre de seu romance de 1987, que acompanhar suas personagens sem a mordaça de um Kishotenketsu ou uma estrutura em três atos.

É possível imaginar um mundo paralelo em que Muramaki em pessoa tivesse concebido cada um desses detalhes. Provavelmente, enquanto escutava o Rondó K.485. Ou corria pela manhã.

Um ponto de partida… para a própria obra

Nada disso desmerece o trabalho de Hamaguchi e Takamasa Oe, que coassina o roteiro. Pelo contrário, suas escolhas mostram que seu filme possui algo cada vez mais raro no campo do entretenimento. Um propósito.

Hoje em dia, gastamos tanta energia debatendo se uma adaptação é ou não boa que raramente nos perguntamos para que serve uma adaptação.

Qual é o propósito de reescrever uma história que já existe? Para que revisitar conflitos, plot twists e retratos conhecidos de antemão?

Hamaguchi e Oe têm uma resposta: ela é apenas um ponto de partida – não, necessariamente, para novas ideias, ao menos não como um fim em sim, mas para fisgar aquelas escondidas no próprio texto; não para negar ou substituir a obra, mas para torná-la mais a obra que é.

Leiam comigo as últimas linhas do conto:

— Eu vou dormir um pouco – disse Kafuku.

Misaki não respondeu. Ela estudou quietamente a estrada. Kafuku estava grato pelo seu silêncio.

Quando Misaki aparece na última cena do filme de Hamaguchi, ela também estuda quietamente a estrada. Ela não está na companhia de Kafuku, dirigindo-o a mais uma peça. Não está mais sequer no Japão. Hamaguchi não nos explica o que faz na Coreia ou porque dirige o carro que pertencera ao ator.

Mas nós, como ele, somos gratos pelo seu silêncio.

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“Le Sommet des Dieux”: a obsessão humana é sua própria montanha https://www.finisgeekis.com/2021/12/22/le-sommet-des-dieux-a-obsessao-humana-e-sua-propria-montanha/ https://www.finisgeekis.com/2021/12/22/le-sommet-des-dieux-a-obsessao-humana-e-sua-propria-montanha/#respond Wed, 22 Dec 2021 20:39:57 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=23079 Eu era criança quando chegou às livrarias No Ar Rarefeito, relato do jornalista Jon Krakauer sobre o desastre do Monte Evereste de 1996.  Graças, entre outras coisas, a um número excessivo de alpinistas pouco treinados, a temporada de escaladas resultou em uma tragédia. Doze pessoas morreram. 

Na época, não tinha idade, nem interesse, para ler o testemunho de Krakauer, um dos sobreviventes da dita temporada. Mas acompanhei os acontecimentos por meio do meu pai, que escolheu o livro do jornalista como leitura de férias e o terminou com a palidez de quem sobrevive a uma avalanche. “Se fosse hoje, eu não o leria” ele me disse anos depois, ainda chocado com seu conteúdo. 

De todos os detalhes horripilantes que compartilhou comigo, o que ficou em minha mente foi o de Beck Weathers, sobrevivente que voltou para casa sem as mãos, pés e nariz. 

A imagem de um alpinista semicongelado, sem nariz, habitou meus pesadelos por semanas à fio. 

Por conta disso, alpinismo sempre me pareceu um esporte mais sinistro que heroico; uma compulsão perigosa mais do que a empreitada romântica de humanos desafiando a natureza. 

É um bom mindset com que encarar Le Sommet des Dieux, animação de Patrick Imbert baseada no mangá de Jiro Taniguchi.

O cume dos deuses

É o tipo de coisa que jamais adivinharia dos trailers, mas Le Sommet des Dieux tem mais em comum com Cidadão Kane que com um filme tradicional de escalada.  

Suas primeiras cenas nos apresentam a Fukumachi, um fotógrafo enviado ao Evereste para cobrir a temporada de alpinismo. Ao escutar que trabalha em uma revista, um sujeito lhe oferece uma câmera antiga. Segundo ele, ela teria pertencido a George Mallory, alpinista britânico que desapareceu na montanha em 1924. 

A relíquia é mais do que uma simples curiosidade. Diz a história oficial que o Evereste foi escalado pela primeira vez por Edmund Hillary e Tenzing Norgay em 1953. Mas e se Mallory, antes de desaparecer, tivesse alçado o cume e fotografado a conquista? Estas fotos, se reveladas, reescreveriam a história do alpinismo. 

Fukumachi se recusa a comprar a câmera, tomando-a por uma fraude. Algo, porém, o faz mudar de ideia. Logo depois de receber sua negativa, o sujeito que a vendeu é confrontado por outro alpinista, que o acusa de lhe ter roubado a máquina. Para a surpresa de Fukumachi, ele é ninguém menos que Habu Jôji, lendário escalador japonês que desapareceu da sociedade anos atrás. 

Fukumachi pede a licença de seu editor para ir atrás de Habu – em teoria, ao menos, para recuperar a câmera de Mallory. Porém, quanto mais retraça os passos do famoso alpinista, mais a ambição de reconstituir a vida deste homem se transforma em um fim em si. 

Habu não é Charles Foster Kane, mas as migalhas de sua vida, examinadas por Fukumachi por meio de reportagens antigas, vídeos e conversas com antigos conhecidos, parecem arrancadas do filme clássico de Orson Welles.  

Ele era genial, mas irascível. Todos que cruzaram seu caminho terminaram mortos, traumatizados ou enfurecidos. “Para Habu, nós éramos apenas um degrau para que ele escalasse montanhas cada vez mais altas”, confessa um ex-parceiro. 

Em um flashback no início do filme, ele abandona uma confraternização entre colegas de seu clube de montanhismo. Do lado de fora, é interpelado por um desconhecido que lhe pede dicas de escalada. Habu atende seu pedido – por horas a fio, sem sequer se preocupar em procurar um assento.  

Somos lembrados da atriz Ayumi Himekawa de Glass no Kamen, que admite que sua rival artística, Maya Kitajima, é a única pessoa no mundo que a entende. 

Le Sommet des Dieux é uma adaptação do mangá Kamigami no Itadaki de Jiro Taniguchi; este, por sua vez, baseado em romance de Baku Yumemakura lançado em 1998.  O Evereste continua onde sempre esteve, mas muita coisa mudou, de lá para cá, em sua imagem popular.

Em 1998, o desastre do Evereste – e a polêmica suscitada pelo livro de Krakauer – ainda estavam frescos na memória. Mallory – cujo cadáver seria de fato encontrado um ano depois – ainda era uma figura semi-folclórica. A imagem do monte como um playground para ricaços estava em processo de construção. Como experiência, a obsessão por escalá-lo despertava mais espanto que sarcasmo, Fosse a montanha uma droga, seu “consumo” era a nóia eufórica de um novo narcótico, não as consequências batidas de um produto há muito recriminado. 

Hoje, depois de dois desastres ainda maiores do que o de 1996, uma greve de sherpas (os guias nepaleses que acompanham as expedições) e denúncias frequentes do dano ambiental causado pela indústria do alpinismo, ninguém precisa de um filme para entender que há algo de errado em nossa relação com as montanhas. Isto funciona para o filme de Imbert, que se permite acompanhar as vidas de Habu e Fukumachi sem a necessidade de emitir juízos. 

Seu longa se passa quase que inteiramente ao ar livre, mas os conflitos que retrata são pessoais e internos. As cenas de escalada são tours de force de suspense, mas elas não têm qualquer pretensão de heroísmo. Pelo contrário, a cinematografia de Imbert parece estimular em nossos corações uma curiosidade sádica, como se a decisão voluntária de escalar uma montanha fosse comparável ao esforço visceral para sobreviver a uma tragédia. “Ele vai ou não sobreviver?” é o que nos perguntamos a cada corda estourada ou pedra fora de lugar. E a resposta, entendemos, depende nem tanto do que enfrentamos por fora, mas também pelo que temos por dentro.  

É um prazer similar ao de assistir à personagem de James Franco serrar seu próprio braço em 127 horas – se é que “prazer” é o nome correto para este sentimento.   

As montanhas são só um caminho 

Como alguém sem disposição para gastar grandes fortunas arriscando a vida em montanhas, a obsessão de Habu me parece tão absurda quanto a ambição de um Jeff Bezos ou Elon Musk de viajar ao espaço. 

Mas encarar o filme de Imbert como uma mera fábula sobre ricos excêntricos é perder de vista o mais importante.  

Nem todas as compulsões humanas envolvem voos ao Nepal e tanques de oxigênio. Entre nós, pessoas comuns, há também aqueles que se colocam na linha do perigo por motivos nem sempre aparentes. Pessoas obcecadas por desafios sexuais, brigas de rua, rachas em avenidas desertas, substâncias nocivas; obcecadas pelo frio na barriga de subir na ponta dos pés à beira de um abismo, sem saber quão fundo cairão se o pior acontecer. 

Ou ainda compulsões menos óbvias, como a que move Fukumachi a reconstruir a história – e os motivos – de Habu. Eventualmente, o fotógrafo é obrigado a admitir que o alpinista é seu próprio Evereste particular: um desafio intransponível, um cume que não parará de tentá-lo com seus segredos até ser desvendado. 

O que move pessoas a essas obsessões? 

“Não sei o que é” responde Habu no filme. “Parei de me perguntar isso quando percebi que não vivia sem escalar.” 

Nós, pessoas, somos obcecadas por sentidos. Não estamos satisfeitos em seguir o curso dos dias e atender nossas vontades primárias. Precisamos sentir que caminhamos para algum lugar, que a vida é mais do que uma série de eventos marcantes pontuados por vales de insignificância. 

Dessa necessidade vem o milenar (e infinito) imperativo para dar um sentido à nossa existência, causar um impacto nos outros, ser lembrado. 

Não para Habu. “Algumas pessoas buscam o sentido da vida.” Ele diz. “Eu não.” 

“Escalar é a única coisa que me faz sentir vivo.” 

“As montanhas são um caminho, não o objetivo”, complementa Fukumachi. 

Sim. Mas um caminho para onde? 

Para uma vida que nos proporcionará o alívio de nunca mais ter de procurar respostas. 

Podemos denunciar esse estilo de vida como uma tentativa maquiada de escapismo. Podemos zombar daqueles, como Habu, que precisam subir acima dos oito mil metros para gozar de uma satisfação que a vida cotidiana já nos proporciona. 

Porém, como uma montanha em toda a sua glória, não podemos ignorá-los. Nem deixar de admitir, ainda que apenas para nós mesmos, no escuro dos nossos pensamentos, que gostaríamos de experimentar, por um instante que fosse, o mundo através de seus olhos.

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O que “Urasekai Picnic” tem a ver com a ficção científica que o inspirou? https://www.finisgeekis.com/2021/02/24/o-que-urasekai-picnic-tem-a-ver-com-a-ficcao-cientifica-que-o-inspirou/ https://www.finisgeekis.com/2021/02/24/o-que-urasekai-picnic-tem-a-ver-com-a-ficcao-cientifica-que-o-inspirou/#comments Wed, 24 Feb 2021 18:51:06 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22650 Algum tipo de cataclisma muito além da compreensão humana deixou partes da Terra inabitável. Dentro dessa “zona” o sol ainda se levanta, o vento ainda sopra, plantas crescem. Mas as coisas são… diferentes.

Como o mundo de um videogame com erros no código, um passo em falso é o bastante para que exploradores desapareçam – ou sejam eles próprios corrompidos por glitches.  “Pessoas” rondam por este mundo abandonado, embora não seja mais possível dizer que são humanas. Muitos dos que partem para encontrá-las não retornam. Os que retornam nunca mais são os mesmos.

Descrita com alguma liberdade poética, essa é a premissa de Piquenique na Estrada, clássico da ficção científica escrito por Alkady e Boris Strugátski.

É, também, a obra que o escritor Iori Miyazawa decidiu ser a inspiração perfeita para uma história romântica.

Recentemente adaptado às telas pelo estúdio LINDENFILMS, Urasekai Picnic é uma história que parece ter pisado em um dos glitches de seu próprio mundo assombrado.

O que aconteceu com os Romeus e Julietas e Tanabatas da vida? Por que Miyazawa escolheu justamente esta história, cheia de paisagens desoladas e divagações filosóficas, para um slice of life yuri?

A resposta, como as anomalias da Zona, é mais surpreendente do que parece.

Piquenique na estrada

Edição brasileira de “Piquenique na Estrada”

Para responder a essa questão, é melhor começarmos do começo.

Criativo e esquisito em igual medida, Piquenique na Estrada – de onde Urasekai Picnic tirou seu título – não é exatamente o que nos vem à mente quando pensamos em um romance capaz de inspirar uma geração de imitadores.

Na sua encarnação original, o livro se passa na esteira de uma visita alienígena. Os extraterrestes em questão não disseram a que vieram. Porém, como latas e comidas largadas após um piquenique, a sucata que deixaram para trás vira o sonho de cientistas, ladrões e oportunistas do mundo inteiro.

A exploração dessas “Zonas” – como as áreas de contato foram chamadas – empurram a humanidade a uma nova revolução científica. Mas é um progresso feito às cegas, aplicando engenharia reversa a uma tecnologia que, fiel à lei de Arthur C. Clarke, é indistinguível da magia.

Como uma personagem coloca, é possível que estejam utilizando contadores Geiger como machadinhas ou componentes eletrônicos como piercings de nariz. Mas se os componentes em questão fossem armas de destruição em massa, à espera do estímulo certo para dispararem seu gatilho?

Redrick Schuhart, protagonista do romance, sabe disso muito bem. “Red” é um stalker, contrabandista que monta expedições à Zona em troca de bugiganças para vender ilegalmente. A profissão tem vida curta. A maioria dos que a praticam desenvolvem mutações terríveis após entrar em contato com substâncias misteriosas.

Sua própria filha foi uma das vítimas, transformada em um criatura com “pequenas patas peludas” graças ao efeito de algum artefato que trouxe consigo da Zona.

[E]le foi inesperadamente acometido por um terrível pensamento: é uma invasão. Não um piquenique, não um pedido de contato – uma invasão. Eles não podem nos mudar, mas eles infiltram os corpos de nossas crianças e os mudam em sua imagem.

Mas Red é um stalker às últimas consequências e não deixará algo tão simples como o medo mudar seu estilo de vida.

Corre entre seus colegas de profissão a lenda de que há um artefato na Zona capaz de realizar qualquer desejo. Conhecido como A Esfera Dourada, é uma espécie se Santo Graal entre os stalkers.

Red decide arriscar tudo em uma última expedição e usá-lo para retornar sua filha de volta ao que era.

Piquenique é um livro curioso. Seu protagonista está longe de ser um herói carismático – ou mesmo um “herói” de qualquer espécie. O enredo é bem menos coeso que meu breve resumo dá a entender.

Boa parte do livro é composta de viagens diferentes à Zona ao longo de um período de quase uma década. A própria decisão de Red de correr atrás da Esfera Dourada só é tomada no final do romance, tarde o suficiente para questionarmos sua honestidade.

Estaria realmente preocupado com a filha – a quem se refere insensivelmente como “macaca”? Ou apenas obcecado de tal forma pela Zona que não consegue imaginar uma vida sem o seu perigo, mesmo que não haja mais nada valioso a se roubar?

Estaria ele buscando alguma coisa na Zona ou apenas fugindo da admissão de que foi seu envolvimento com ela que estragou sua vida?

Será que Red sabe o que quer? Será que algum de nós realmente sabe ?

Stalker

Muitos dos que leram o romance dos irmãos Strugátski saíram da leitura com a mesma impressão. As questões que o stalker Red enfrenta são muito mais interessantes do que os detalhes específicos de seu universo. É por isso que, ao adaptar o livro para as telas , o cineasta russo Andrei Tarkóvski decidiu enxugá-lo ao seus elementos mais essenciais.

Se você é como 99% das pessoas, é provável que Stalker (1979), mais do que Piquenique na Estrada, tenha sido seu primeiro contato com a fábula dos irmãos Strugátski. Surpreendentemente para um filme de quase 3h criado por um ídolo do “cinema arte”, o longa se tornou um clássico cult, inspirando até mesmo videogames.

Para sua versão da história, Tarkóvksi se livrou dos aliens – e também dos nomes próprios. No lugar de Red, sua família e parceiros de profissão, deixou apenas um punhado de personagens: a esposa, o professor, o escritor e, é claro, o stalker.

O enredo acompanha uma única expedição à Zona, guiada pela personagem titular. Seu objetivo é encontrar o Quarto, lugar dotado dos mesmos poderes da Esfera Dourada do livro dos Strugátski.

“Poderes”, aqui,  precisam ser colocados entre aspas. O diretor excluiu qualquer menção explícita ao sobrenatural. Por mais que o stalker passe boa parte do filme apontando as anomalias à espreita, nenhuma delas jamais é engatilhada. Mesmo os acontecimentos mais bizarros jamais deixam claro se o que estamos vendo são coisa de outro mundo ou apenas os frutos de paranoia.

Em dado momento, começamos a nos perguntar se a “Zona” realmente existe. A impressão é ressaltada pelo uso de cores, em que o mundo real é representado em sépia e a Zona, em cores.

É como se Tarkóvksi nos convidasse para uma versão soviética de O Mágico de Oz, percorrendo não uma estrada de tijolos amarelos, e sim túneis alagados e ruínas decrépitas.

O que, exatamente, essa viagem significa – se é que signicia alguma coisa – é um mistério mais profundo que a natureza da Zona. Recheado de closes de atores boquiabertos balbuciando monólogos filosóficos, o  filme traz simbolismo suficiente para enlouquecer até mesmo um doutor em semiótica.

Após o desastre nuclear de Chernobyl em 1986, o filme adicionou “profético” a sua lista de adjetivos. À luz do que veio depois, é difícil não ver na lore do filme – as anomalias, as mutações, a própria ideia de uma “zona” de exclusão – uma previsão do futuro trazida diretamente pela Esfera Dourada.

Não ajuda que o filme pode ter causado a morte de seu próprio criador. Stalker foi filmado em uma usina hidrelétrica desativada perto de Talinn, capital da Estônia. Segundo Vladimir Sharun, técnico de som que trabalhou no projeto, um derramamento químico de uma outra usina próxima ao set teriam sido responsáveis pela morte de câncer de Tarkóvski, sua esposa e um dos atores principais alguns anos depois.

Teria o diretor pisado em um dos glitches da Zona que ele próprio criou?

O “yuri da ausência”

A mística que Stalker criou para si explica seu apelo ao longo das décadas. Mas torna ainda mais intrigante entender o propósito por trás de Urasekai Picnic.

Verdade seja dita, as novels de Iori Miyazawa distoam bastante do material que a precedeu. No lugar de marmanjos de cara amarrada, temos Toriko e Sorao, duas universitárias de Tóquio. Em vez de um perímetro de exclusão, sua Zona é uma espécie de dimensão paralela habitada por creepypastas. O tom é consistentemente mais alegre, mesmo em tomadas que parecem surrupiar ideias diretamente do filme de Tarkóvski.

Considerando a seriedade de Piquenique e seus sucessores – e a maneira irreverente como essas mesmas ideias são trabalhadas no anime – é díficil ver Urasekai Picnic como outra coisa que uma heresia.

Mas e se fosse justamente esse o ponto?

Segundo um depoimento no evento japonês Science Fiction Seminar, Miyazawa disse com todas as letras que seu interesse não está na Zona. Pelo menos, não na mesma “Zona” dos Strugátski e de Tarkóvski.

Escritor especializado em histórias de amor entre mulheres, Miyazawa é defensor do que chama de yuri da ausência: a ideia de que certos tipos de paisagem ou cenário podem ser inerentemente yuri.

Como ele mesmo explicou em uma entrevista:

Iori Morizawa: Um penhasco se ergue diante do mar, a grama cresce sobre ele, há uma cerca, o oceano cinza e o céu se estendendo para além do horizonte, há um banco vazio para duas pessoas… Alguém estava subindo essas imagens com a tag “#yuri”. Dá totalmente para entender isso”

Rikimaru Mizoguchi: Então é como a capa do capítulo 9 de Otherside Picnic, em que duas garotas estão dirigindo um veículo agrícola, e há um descampado sem fim em torno delas… Você está dizendo que isso é yuri.

I.M.: Sim. Agora remova as garotas desse cenário. […] Então imagine que um dia as duas garotas estiveram ali… Isso já não é completamente yuri?

Fez sentido para você? Confesso que, para mim, não muito.

Ler a sua entrevista, contudo, me fez dar conta de que não é a primeira vez que vejo cenários pós-apocalípticos, melancólicos usados propositalmente como metáfora dos sentimentos entre duas mulheres.

É a mesma ideia articulada à exaustão por Girls Last Tour, que acompanha duas sobreviventes de uma guerra que estirpou a humanidade.

Girls Last Tour

Se isso de fato é uma tendência – como Miyazawa acredita ser – estamos diante de uma maneira surpreendentemente original – e esquisita –  de humanizar a ficção científica.  Tarefa com que mesmo os mestres do gênero sempre tiveram dificuldade.

“Há um ditado famoso: “sci-fi é só sobre a imagem” Miyazawa disse, citando palavras atribuídas ao escritor Masahiro Noda. “Eu compartilhava esse ponto de vista e, se nada mais, preferia escrever apenas o cenário e as cenas, as paisagens. Mas para escrever yuri você precisa focar nos sentimentos e emoções das personagens”.

“O Yuri me tornou humano”.

Nesse sentido, mais do que uma adaptação de um clássico do sci-fi, Urasekai Picnic é um anti-Stalker, que se vale da aridez de seu material de origem para destacar o quão mais aberto é seu coração para os momentos mais casuais, efusivos, até mesmo ridículos que fazem de nós quem somos.

A ideia parece ter dado resultado – para os animes yuri, se não necessariamente para o sci-fi. Desde o lançamento do anime, certas páginas elogiaram abertamente a criação de Miyazawa por expandir o horizonte de obras de gênero.

É provável que houvesse formas mais simples de se fazer a mesma coisa. Pelo menos, mais convencionais.

Mas o anime não seria a mídia que tanto amamos se não apostasse em loucuras de vez em quando.

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“O Tempo com Você”: Makoto Shinkai e nossos medos sobre o fim do mundo https://www.finisgeekis.com/2020/01/29/o-tempo-com-voce-makoto-shinkai-e-nossos-medos-sobre-o-fim-do-mundo/ https://www.finisgeekis.com/2020/01/29/o-tempo-com-voce-makoto-shinkai-e-nossos-medos-sobre-o-fim-do-mundo/#respond Wed, 29 Jan 2020 20:54:40 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22152 “Makoto Shinkai foi enaltecido por alguns como o “novo Miyazaki”, mas esse elogio é prematuro na melhor das hipóteses, uma hipérbole na pior”.

Assim escreveu Theron Martin do ANN sobre 5 Centímetros por Segundo, então recém-lançado em DVD. “Se esse novo projeto confirma o talento fora de série que ele exibiu em seus últimos esforços, ele ainda está por mostrar qualquer versatilidade ou variedade”.

Doze anos se passaram, mas bem poderiam ter sido uma era. Makoto Shinkai se tornou o novo Miyazaki, em retornos da bilheteria, se não em semelhanças criativas. Your Name, seu hit de 2016, tornou-se o anime mais assistido da história do cinema, superando qualquer título do Studio Ghibli.

Seu último longa, O Tempo com Você, lançado em alguns países esse ano, parece disposto a repetir o sucesso. No Lighthouse Cinema em Dublin, onde tentei assisti-lo, a hype foi tamanha que os ingressos se esgotaram. Minha irritação em ter de procurar outra sessão não chegou perto da alegria em notar que, depois de tanto tempo esnobados, os animes finalmente entraram na big league. 

Nem só sucesso, obviamente, faz um grande artista. Seria a “Shinkai-mania” dos últimos anos prova da evolução criativa do autor?

Felizmente, a resposta é sim. O Tempo com Você não é apenas um blockbuster, mas a obra de um cineasta no auge de sua forma, dono de uma voz própria, comovente e inspiradora.

O filme

O longa conta a história de Hodeka, um adolescente que foge de casa para viver em Tóquio. A vida na cidade grande se prova mais difícil do que imagina, e ele logo se vê sem um tostão no bolso ou um teto sobre a cabeça.  O que prometia ser um anime despretensioso se complica, em poucas cenas, com agruras de um romance de Charles Dickens.

Felizmente, tal como Oliver Twist, Hodaka tembém encontra seu Fagin. Os caminhos do garoto o levam até Keisuke, repórter de um tablóide especializado em fenômenos paranormais. O escritor lhe oferece um cama para dormir se prometer ajudá-lo com a revista. Sua missão? Escrever um artigo sobre A Garota do Tempo, uma aparição, reza a história, capaz de controlar a chuva.

Hodoka logo descobre que a Garota do Tempo é mais do que uma simples lenda urbana. Ela se chama Hina, uma órfã que batalha para  fugir dos olhos da adoção. Juntos, eles bolam um plano inusitado para sobreviver em Tóquio:  um serviço de “sol por encomenda”, afastando a chuva daqueles que precisam de um dia seco.

Tudo vai bem até que os dois descobrem que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Num twist que espectadores de Hisone to Masotan reconhecerão de pronto, um velho monge revela que Hina é a última de uma longa linhagem de Garotas do Tempo, agraciadas com controle sobre o clima, mas fadadas a pagar um terrível preço por seu dom.

É um enredo que pede grandes imagens, que o filme entrega sem a menor modéstia. Fiél ao pedigree de Shinkai, O Tempo com Você é um primor de imaginação e poesia visual, em que dragões feitos de nuvens dividem espaço com céus cruzados por relâmpagos e cardumes feitos de água.

Como no resto de sua filmografia, porém, o que mais impressiona é o hiperrealismo de suas paisagens urbanas, tão minuciosas – e comoventes – quando as pessoas que as habitam.

Shinkai sempre teve um interesse particular pelo mistério de como as pessoas se conectam. Em Voice of a Distant Star, o empecilho eram os anos-luz que separavam dois jovens em cantos opostos do universo. Em Jardim das Palavras, os sentimentos não ditos de um garoto e uma mulher de meia idade. Em 5 Centímetros por Segundo, a inevitabilidade de uma vida que sempre avança, indiferente aos nossos esforços de nos agarrar ao que amamos.

Em O Tempo com Você, Shinkai parece ter feito as pazes com essa angústia. Nunca em sua filmografia o sofrimento humano e a esperança caminharam tão próximo.

Com a morte da mãe, Hina perdeu sua única fonte de renda. O desespero a leva a fazer programa para pagar as contas. Keisuke é um viciado em jogo que perdeu a guarda da filha por seus maus hábitos. Sem dinheiro para um albergue, Hodaka passa a morar nas ruas. O acaso o leva a uma arma desovada por um yakuza, que servirá de estopim a uma das cenas mais tensas do filme.

São temas pesados, que não esperaríamos do criador do filme mais mainstream da história dos animes. Troque a trilha upbeat do RADWIMPS pelas melodias de um Kenji Kawaii e seria possível imaginar o mesmo longa como um drama de cortar os pulsos.

Shinkai, porém, foca na pequenas alegrias, não nas grandes tragédias. Na relação de Hina com seu irmão Nagi, não na família que perderam. No esforço de Keisuke de se reerguer como homem, não nos erros que custaram sua filha. Na perseverença de Hodaka em viver um dia por vez, não nos motivos que o levaram a fugir de casa.

Coisas ruins acontecem, diz o filme, mas seres humanos perseveram a despeito de tudo. E nenhum poço é fundo o suficiente para nos impedir de rir, de amar, de tentar nosso melhor e seguir em frente – enfim, de viver.

Como aprendi a parar de me preocupar e amar as chuvas

Cena de “Dr Strangelove, or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”, de Stanley Kubrick

Shinkai reforça a mesma mensagem nas partes mais catastróficas de sua história.

Seu último filme, Your Name foi considerado uma resposta ao sekaikei ou “Síndrome Pós-Evangelion“, um gênero de história apocalíptica popularizado após o Grande Terremoto de Kobe em 1995. Muito presente nos animes, ele é marcado por mensagens niilistas e protagonistas adolescentes, perdidos num mundo abandonado pelos adultos.

Autor de um dos principais marcos do gênero, Shinkai virou sua fórmula de ponta-cabeça em Your Name, com um enredo de desastre em que a calamidade cede os holofotes para um romance adolescente, sem angústia ou desespero.

No seu novo longa, esse sentimento é elevado a um patamar ainda mais alto. “Tudo tem um preço” diz uma vidente a Hodeka no início do filme. Não demora para que o garoto perceba que isto vale também para o dom de Hina. De tanto manipular o clima, as contraforças da natureza entram em ação, e uma tempestade de proporções bíblicas ameaça colocar toda Tóquio debaixo d’água.

Os moradores, todavia, não parecem se importar. “Duzentos anos atrás, Tóquio era uma baía” diz uma personagem após ter sua casa engolida pela chuva “A natureza está apenas devolvendo as coisas ao jeito que eram”.

É irônico, nesse sentido, que o filme esteja sendo promovido como uma alegoria sobre o aquecimento global. Se as personagens de Shinkai parecem ter se conformado com o pior, o ânimo em nossos próprios dias não poderia ser mais diferente.

O Relógio do Fim do Mundo, originalmente criado como advertência à guerra nuclear, foi reaproveitado para medir o avanço da mudança climática. Greta Thunberg se tornou uma celebridade mirim ao abrir mão da escola para militar pelo planeta. Na sua Europa natal, seus simpatizantes se tornaram tão numerosos que o fenômeno ganhou um nome : eco-ansiedade.

Crianças protestando contra a mudança climática na Irlanda. Fonte: Irish Times

Qualquer um desses adolescentes daria tudo para ter o poder de Hina. No filme de Shinkai, porém, a “garota do tempo” desperdiça seu dom afastando a chuva para que crianças possam brincar no parque. Mesmo quando Tóquio se encontra à beira do apocalipse o conflito que a paralisa é pessoal, nunca político. A ideia de que as chuvas de Tóquio são culpa – e, portanto, responsabilidade – de todos não é sequer cogitada.

“Você realmente acha que mudou o mundo?” diz Keisuke a Hodaka no final do filme, num comentário que parece uma crítica velada à histeria de nossos tempos.

Hodaka e Hina acreditam que sim, embora de uma forma com que os ativistas do Extinction Rebellion dificilmente concordariam. O que exatamente eles dizem não estragarei a surpresa revelando. Suas palavras – as últimas do filme – deixam claro que a luta que enfrentam é de outra natureza.

Se ela será suficiente para deter os percalços que nos aguardam só o futuro dirá.

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“Magical Girl”: quando garotas mágicas ganham o live-action https://www.finisgeekis.com/2018/05/14/magical-girl-quando-garotas-magicas-ganham-o-live-action/ https://www.finisgeekis.com/2018/05/14/magical-girl-quando-garotas-magicas-ganham-o-live-action/#respond Tue, 15 May 2018 00:34:09 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20170  

Madoka foi inspirado em Fausto. Ozamu Tezuka adaptou Crime e Castigo aos mangás. Miyazaki citou Paul Valéry em Vidas ao Vento. Digimon fez homenagem a H.P. Lovecraft.

Referências a obras ocidentais não são raras nos animes e mangás. Mais incomum é topar com séries que façam o percurso oposto.

É o caso de Magical Girl, longa espanhol de Carlos Vermut, que trouxe o gênero mahou shoujo – em especial, sua encarnação dark –  às telas de cinema.

Em tempos em que o subgênero parece sucumbir ao seu próprio peso, é interessante descobrir o que foi feito das garotas mágicas transpostas ao realismo do live-action. 

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O filme foi lançado em 2014, mas você está perdoado se a estreia lhe passou batido. Magical Girl é um filme diminuto mesmo para os padrões europeus, de um gênero que fãs de anime não necessariamente acompanham. Que seu diretor tenha escolhido um thriller psicológico e não fantasia para contar sua história é prova da ousadia – e estranheza – do longa.

Sua trama acompanha Luís, pai de Alícia, uma garota com câncer terminal. Prestes a morrer, ela faz um último desejo: comprar um cosplay oficial de Magical Girl Yukiko, sua personagem favorita.

Tal como nos animes, porém, as coisas não são tão simples quanto parecem. Alícia não quer uma fantasia qualquer, mas uma versão especial feita sob medida para uma idol. Apenas uma unidade foi produzida, e o preço está acima do que Luís, professor desempregado, é capaz de pagar.

O destino o apresenta à Bárbara, mulher que sofre de problemas psiquiátricos. E um ato carnal precipitado (que leitores de Shuuzou Oshimi acharão dolorosamente familiar) o coloca em uma posição de chantageá-la.

Desesperado para satisfazer o último desejo de sua filha, Luís lhe exige dinheiro sob ameaça de destruir seu casamento. Bárbara, no entanto, possui seus próprios demônios, e na tentativa de pagar sua alforria se envolve em um espiral descendente de loucura, perversões e dívidas pessoais.

O tributo às mahou shoujo é evidente em sua bagagem visual, que pulula de referências a garotas mágicas com pinceladas de ironia e humor negro. A vodka que Bárbara bebe para tentar se suicidar com comprimidos chama-se Sailor Moon. E o vestido que Alícia tanto cobiça é um traje que fãs do gênero conhecem muito bem.

Não espere, porém, o sadismo visual de um  Mahou Shoujo Site. Magical Girl é um filme asséptico como um piso de hospital, contado por palavras não ditas, silêncios pronunciados e cenários claustrofóbicos de tão limpos.

Vermut é um expoente do cinema low cost, e é fascinante como suas táticas para enxugar a produção aproximam sua linguagem a dos animes – outra arte que aprendeu a fazer milagres com pouco recursos.

Suas tomadas estáticas, em especial, lembram não poucas cenas de anime, paralelo que seus diálogos prolongados salienta ainda mais.

  

Mesmo seu enredo parece despido de qualquer bagagem extra – incluindo a verossimilhança. O conflito que une a trama, e as ações desconcertantes de suas personagens, são implausíveis a ponto de parecerem parábolas.

Veja por exemplo Luís, que o filme nos introduz discutindo com um vendedor de sebo. A loja compra livros “por quilo”, sem discriminar o conteúdo. Luís se recusa a aceitar que Camilo José Cela, vencedor do Nobel, valha o mesmo que um manual de bricolagem. Por uma pilha de livros, recebe 5 euros. O cosplay de Magical Girl Yukiko custa 7 mil.

Luís volta ao sebo mais tarde no filme. Movido pelo desespero, vende toda a sua biblioteca. Os livros não valem nada, como nós sabemos muito bem.

Ele também sabe, mas sua questão é outra. Ex-professor de literatura, sua biblioteca é seu maior patrimônio. E ele não pode deixar a filha morrer sem saber que abriu mão do que lhe era mais valioso.

Ou veja então Alícia, que ao receber seu vestido, após tanto esforço, olha para a caixa desanimada. Procura atrás do sofá por um segundo presente. Finge um sorriso amarelo.

Seu pai não entende por que ela, que tanto quis o vestido, se recusa a vesti-lo. Mas nós, fãs de mahou shoujo, entendemos. O poder de uma garota mágica não vem de seu vestido, mas de seu báculo. E o báculo de Yukiko, recoberto de brilhantes, custa outros 20 mil euros.

O filme está cheio de referências a mitos modernos, de Alícia (Alice) e seu pai Luís (Lewis Carroll) a Oliver Zoco (Oz), que leva Bárbara a um mundo paralelo de onde não haverá retorno.

Vermut disse em entrevista que sua ideia era fazer um conto de fadas, com Alícia com princesa e Bárbara como madrasta. Tal como a rainha má de Branca de Neve, Bárbara também pede auxílio a um espelho mágico. Para sua infelicidade, ele se recusou a respondê-la.

Essas não são pessoas normais, mas almas torturadas com um vazio espiritual. É a angústia que encontramos nas páginas de Dostoiévski: na paranoia do narrador de Memórias do Subsolo ou no crime “justo” (e tragicamente executado) de Raskolnikov em Crime e Castigo.

Infelizmente, o estilo de Magical Girl às vezes atropela seu conteúdo. Veja Damián, ex-professor de Bárbara nos tempos de colégio, para quem ela pede ajuda quando tudo parece dar errado.

Nós sabemos que ele foi preso por protegê-la, que a estima tal qual uma filha e que morre de medo de revê-la. Como a personagem de Clint Eastwood em  Menina de Ouro, está disposto a fazer o sacrifício final se isso trouxer à protegida algum alívio.

Qual teria sido seu crime? O que Bárbara teve a ver com isso? Por que tem medo de revê-la, a ponto de implorar a sua agente penitenciária que o deixasse ficar preso mais um pouco?

São respostas que o filme não nos dá e logo entendemos que não nos dará. Em uma de suas primeiras cenas, nós o vemos completando um quebra-cabeça até se tocar de que falta uma peça. Não é o roteiro que está furado: é sua própria vida. Algumas pessoas são incompletas, e devemos aceitá-las assim.

É uma metáfora óbvia demais para seu próprio bem e importante demais para o que está em jogo.

Vermut citou Twin Peaks como um exemplo de série que se comunica bem sem precisar se explicar. É um paralelo pertinente, mas também infeliz. Sim, David Lynch também é um artista do silêncio. Mas há silêncios que dizem pouco. E aqueles que falam por si só.

Imagem relacionada

Club Silencio em Mulholland Drive , de David Lynch.

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Seleção Finisgeekis: os destaques do Oscar 2017 https://www.finisgeekis.com/2017/02/26/selecao-finisgeekis-os-destaques-do-oscar-2017/ https://www.finisgeekis.com/2017/02/26/selecao-finisgeekis-os-destaques-do-oscar-2017/#respond Sun, 26 Feb 2017 13:16:44 +0000 http://finisgeekis.com/?p=15420

Sejamos sinceros, o Oscar é um exercício em masoquismo.

Seus critérios são ditados pela política. A cerimônia dura quatro horas e nos segura até a madrugada. O prêmio ganhou o status de “premiação máxima do cinema” à revelia de Cannes, Veneza, Berlim e tantos outros festivais importantes.

Mesmo assim, ano após ano me flagro conferindo sua lista de indicados – e constatando que, a pesar dos pesares, há muita coisa boa sendo feita.

2016 não foi uma exceção. Embora não ache que nenhum desses filmes levará muitas estatuetas, trago abaixo uma lista dos filmes que, por um motivo ou por outro, merecem a atenção:

A Chegada

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Adaptação do conto História da Sua Vida do badalado Ted Chiang, o longa é uma das melhores ficções científicas de memória recente – talvez a melhor desde Interestelar (2014).

Sua trama acompanha Louise Banks, uma linguista contratada pelo exército americano para se comunicar com alienígenas que chegaram misteriosamente ao nosso planeta. Em um cenário de tensão política, Banks precisa descobrir como se comunicar com os visitantes antes que o primeiro contato se torne o estopim para uma guerra mundial.

Intimista, profundo e bem feito ao exagero, o filme é um prato cheio para fãs de sci fi cerebrais.

Manchester à Beira-Mar

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Um faz-tudo de Boston recebe a notícia de que seu irmão morreu, deixando para trás um filho adolescente. Forçado a retornar para sua cidade natal, ele precisa enfrentar o passado que abandonou  enquanto recolhe os cacos de sua família despedaçada.

Como bem disse minha noiva com seu vocabulário camoniano, Manchester à Beira-Mar é um filme sobre pessoas fudidas fodendo-se ainda mais. É uma história sobre os white trash que levam uma nova rasteira da vida a cada manhã, mas se levantam a cada tombo.

Dos filmes da minha lista, Manchester à Beira-Mar é talvez aquele que tem mais chance de levar uma estatueta. Nada mais justo. O filme é de uma sinceridade afiadíssima. Consegue ser triste, mas não deprimente. Não toma atalhos açucarados, mas tem nisso um quê de reconfortante.

Nas palavras de um crítico, sua tristeza é não é do tipo que nos induz a cortar os pulsos, mas que nos faz sentir ainda mais vivos.

Pear Cider and Cigarettes

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Animação adulta e 2D não são coisas que associamos à academia americana. Tudo tem uma exceção: neste ano, ela se chama Pear Cider and Cigarettes. 

Concorrendo ao oscar de melhor curta animado, o filme conta a história real de seu criador, Robert Valley, atravessando o mundo para salvar seu amigo de uma vida de alcoolismo e libertinagem.

Baseado em uma graphic novel e financiado via Kickstarter, o curta tem um roteiro simples e visuais de cair o queixo. Veterano da indústria, Valley foi o animador por trás do clipes da banda Gorillaz, e seu estilo urbano e descolado pode ser reconhecido em cada frame.

O Lagosta

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Talvez o concorrente mais inusitado da lista, O Lagosta é um representante do teatro do absurdogênero que se vale do nonsense para criticar as mazelas da vida cotidiana.

Neste caso, acompanhamos a sina de um mundo em que ser solteiro é crime. Quem porventura perde seu parceiro é enviado a um hotel, onde tem 45 dias para encontrar um novo par. Aqueles que não conseguem conquistar ninguém são transformados em animais (daí o título peculiar).

Engraçado e desesperador, o filme é uma sátira da nossa obsessão por companhia – e do nosso orgulho pela solteirice. Não posso prometer que você gostar, mas dificilmente verá um filme mais criativo tão cedo.

Kubo e as Cordas Mágicas

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Serei direto: Kubo é a melhor animação a ser nomeada para o Oscar desde O Conto da Princesa KaguyaNão por acaso, tem muito em comum com o anime de Isao Takahata. Ambos são inspirados no folclore japonês, possuem uma mensagem melancólica sobre família e pertencimento e trazem ao século XXI técnicas belíssimas – e tradicionalíssimas – de animação.

O longa acompanha Kubo, um menino dotado de um shamisen mágico, capaz de fazer com que origamis ganhem vida. Perseguido pelo seu avô, o rei do mundo da Lua (pense Princesa Kaguya, não Sailor Moon) Kubo parte em uma jornada para encontrar seu pai, o famoso espadachim Hanzo.

Não deixe seus olhos enganá-lo. Kubo não é um filme em CG, mas stop motion. Que o longa pareça tão deslumbrante é prova de que o estúdio Laika (Coraline, ParaNorman) levou a técnica ao seu ápice.


Como disse, há uma boa chance que nenhum desses títulos seja premiado. Não deixe isso amuar seu entusiasmo: na história do Oscar (como em todos os prêmios), não faltam obras marcantes que nunca faturaram uma estatueta.

Que tenham sido indicados, no entanto, já é uma vitória em si. E algo pelo qual só tenho a agradecer: do contrário, talvez não os tivesse conhecido. O Oscar não é perfeito, mas tem seus usos.

Bom filme, e até a próxima!

 

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“História da Sua Vida”: o conto que inspirou “A Chegada” https://www.finisgeekis.com/2017/02/06/historia-da-sua-vida-o-conto-que-inspirou-a-chegada/ https://www.finisgeekis.com/2017/02/06/historia-da-sua-vida-o-conto-que-inspirou-a-chegada/#comments Mon, 06 Feb 2017 20:43:44 +0000 http://finisgeekis.com/?p=14779

Tudo isso que eu já vi na guerra, (…) tanta falta de sentido, violência… me fez pensar sobre falta de comunicação. Quer dizer, essa não é a raiz de tudo isso? Conflitos, guerras… no final das contas, não é tudo questão de linguagem? As palavras que ouvimos e que dizemos e que não são sempre as mesmas. E eu pensei: e se houvesse uma só língua – uma língua universal?

A sacada é do xerife Hank Larsson, personagem da série Fargo. É uma ideia atraente, em que todos nós, em algum momento, já devemos ter pensado.

E se tudo o que houvesse de errado na terra fossem apenas problemas de comunicação?

E se pudéssemos encontrar uma linguagem objetiva, universal, que nos permitisse entender a todos – e a tudo?

Quem acompanha o Oscar 2017 sabe que o exercício já foi colocado em prática. É, afinal, o enredo de A Chegada, ficção científica com Amy Adams que coleciona indicações.

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O que alguns talvez não saibam é que A Chegada é baseado em um conto de um dos maiores talentos da ficção científica contemporânea. E que, para nossa sorte, já foi lançado no Brasil.

História da Sua Vida

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Ted Chiang pode não ser tão conhecido como Arthur C. Clarke ou Philip K. Dick, mas não há dúvidas de que é um dos novos talentos do gênero. Com apenas quinze textos publicados, já ganhou mais de uma dúzia de prêmios, incluindo vários Nebula, Hugo e Locus Awards.

Sua popularidade fala por si só: depois do lançamento de A Chegada, História da Sua Vida, o conto que o inspirou, se tornou o best-seller número 1 na categoria ficção científica da Amazon.

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O escritor Ted Chiang

Chiang não é conhecido por lores vastas ou trilogias super elaboradas. Seu estilo é enxuto, e é no conto que encontrou sua melhor expressão.

Tal como Jorge Luís Borges (cuja obra ele próprio cita), várias de suas histórias giram em torno de invenções inusitadas que nos convidam a pensar na vida de outra maneira.

Em História da Sua Vida, publicado aqui pela Intrínseca, essa invenção não é exatamente um objeto, mas um idioma. No conto, naves misteriosas pousaram na terra. Não parecem reagir aos humanos. Não dizem a que vieram, nem o que esperam de nós.

Devemos atacá-los? Expulsá-los? Esperar até que façam algo?

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As forças armadas convocam Louise Banks, uma linguista, para encontrar um jeito de se comunicar com os recém-chegados. Em uma trama sem qualquer drama, technobabble ou gordura de sobra, Chiang nos guia para uma obsessão intelectual – e uma viagem pelo mundo da linguagem.

O tempo é relativo

Contatos com extraterrestres são frequentes na ficção científica. Muitas vezes, estes “alienígenas” são humanos em tudo, menos no nome.

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E não digo apenas em aparência. Extraterrestres, Hollywood nos conta, são compatíveis conosco em sentimentos, raciocínio, humor (e até sistemas operacionais)

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Quase impossível fazer um vírus que funcione para PC e Mac. Mas para o computador da nave de Independence Day? Brincadeira de criança.

História da Sua Vida é feliz ao imaginar seres tão diferentes que nos obrigam a rever nossas própria noção de “ser”, “imaginação” e “diferença”.

Na sua missão para se comunicar com os heptapódes (como os alienígenas são chamados), a protagonista descobre que sua mente não tem nada em comum com a nossa. Não só em visões de mundo, mas na própria percepção do tempo.

Nós, seres humanos, captamos os acontecimentos um após o outro. A vida, aos nossos olhos, é uma jornada linear do nascimento até a morte. Nenhum homem entra no mesmo rio duas vezes: nem o homem é o mesmo, nem o rio é o mesmo.

O problema, como físicos vêm nos dizendo há mais de um século, é que o “tempo”, na natureza, é uma coisa bem mais complicada.

Para os heptapódes, ele é simultâneo. Passado, presente e futuro são apreendidos juntos. Suas mentes viajam da infância à velhice, dos traumas aos momentos de alegria, como se fossem quartos diferentes de uma casa.

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Louise descobre que seu idioma é incompreensível justamente porque depende desse entendimento. E qual é a sua surpresa ao se tocar que, conforme o aprende, ela começa, também, a perceber o tempo como os heptapódes.

A linguista se torna onisciente, capaz de se “lembrar” do futuro com a mesma facilidade com que nos recordamos do que comemos ontem. Sua vida inteira – o casamento, o primeiro bebê, a morte da filha aos 25 anos – passa diante de seus olhos.

O conceito é baseado em uma ideia que existe de verdade na linguística. Trata-se da hipótese de Sapir-Whorf, que sugere que forma como nos comunicamos influencia nosso jeito de pensar.

Claro, linguista nenhum já sugeriu que é possível prever o futuro aprendendo uma nova língua. Mas isto é o de menos. História da Sua Vida  não é um conto sobre a clarividência, mas sobre suas consequências.

Como Louise Banks descobre, por sintetizar passado, presente e futuro; aquilo que existe com aquilo que não existe, a língua dos heptapódes é perfeitamente objetiva. Como ela mesma diz a um colega:

 — Existe alguma coisa assim nos sistemas de escrita humanos?

— Equações matemáticas, partituras de música e dança. Mas são todas muito especializadas; nós não conseguiríamos registrar essa conversa usando elas. Mas eu suspeito que, se a conhecêssemos bem o suficiente, conseguiríamos registrar essa conversa na escrita heptapóde. Eu acho que é uma língua gráfica completa, feita para todos os fins.”

Consegue se imaginar escrevendo em partituras? Explicando seu gosto por comida com uma equação? Ver réus e candidatos políticos  se justificando com álgebra?

Com certeza, essa língua seria “melhor” do que as que temos hoje. Mas as pessoas que a usam continuariam a ser humanas? Existe “humanidade” para além da mentira, da ambiguidade… da poesia?

Os limites de uma língua “perfeita”

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Uma língua “perfeita” resolve muitos problemas. Como violinista, por exemplo, acho o máximo saber que existe um sistema que permite que eu registre qualquer som, de uma sonata do Beethoven até a buzina de um caminhão.

O problema é que, para o dia-a-dia, não existe nada parecido com isso. E algumas das características mais fundamentais da nossa cultura surgiram justamente para remediar essa falta.

Se contássemos com uma língua 100% objetiva, não precisaríamos de metáforas, hipérboles e outras figuras de linguagem. Não precisaríamos tampouco de debates ou conversas: afinal, a realidade é uma só e pode ser conhecida por todos.

Pior ainda, não existiria nem “vida”. Se já sabemos o que acontecerá a cada etapa, tudo o que nos resta é esperar o inevitável.

É o que Louise Banks eventualmente descobre, na medida em que sua mente é transformada:

O conhecimento do futuro é incompatível com o livre-arbítrio. O que torna possível para mim exercitar a liberdade de escolha também me impossibilita de saber o que está por vir. Da mesma forma, agora que eu sei o futuro, eu jamais agirei contrária ao futuro, e isto inclui dizer aos outros o que eu sei: aqueles que sabem do futuro não falam sobre ele. Quem leu o Livro das Eras nunca admite tê-lo lido.

Uma linguagem objetiva, capaz de ver o “plano geral” do universo é uma dádiva inimaginável. Infelizmente, como o Dr. Manhattan de Watchmen nos mostra, ao cruzar essa linha perdemos algo muito mais importante.

Cada um de nós vê o mundo com nossos próprios olhos. É isso que dá sentido às nossas discussões, nossas trocas – e mesmo nossa arte. Se tudo o que foi, é e será estivesse diante dos nossos olhos, cada ponto de vista seria indistinguível do outro.

Com onisciência, perdemos a multiplicidade.

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A Chegada é fiel ao conto de Chiang, mas curiosamente deixa isso de lado. Em vez dos conflitos filosóficos de Louise Banks, temos um thriller geopolítico, em que líderes globais ameaçam transformar nosso primeiro contato em uma guerra planetária.

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Comunicar-se com os aliens, logo descobrimos, é apenas um pretexto. A verdadeira missão da linguista é fazer com que nossos próprios líderes ponham suas diferenças de lado e aprendam a trabalhar em equipe.

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Comparado com seu material de origem, é uma história muito mais upbeat. E, justamente por ser assim otimista, parece às vezes “certa demais”.

Ao assisti-la nos cinemas, não consegui parar de pensar em Solaris, a obra prima de Stanislaw Lem que se tornou outra obra-prima do cineasta Andrei Tarkovsky. Para alguns, o 2001: Uma Odisséia no Espaço da União Soviética.

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Tal como em História da Sua Vida, Solaris fala da tentativa de se comunicar com uma entidade alienígena. Neste caso, um oceano inteiro que parece ter consciência própria. Tal como no conto de Chiang, os cientistas percebem que se comunicar com esta criatura é mais difícil do que parece.

Eles logo notam que “Solaris”, este planeta vivo, está em outro nível de realidade, e que sua “língua” não é um idioma, mas um chamado lovecraftiano. Mesmo que possua uma “mente” como a nossa, seu raciocínio não é algo que podemos (ou desejaremos) ouvir.

Não demora para que descubram que não são eles que estão fazendo experimentos com o alien, mas o contrário: é Solaris quem os estuda, invadindo sua mente e brincando com suas memórias, medos e pensamentos.

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Solaris mostra que conhecer o “plano geral do mundo” é uma rota para a loucura. “Deus”, se ele existe, não é um velhinho de barba branca, mas um turbilhão de caos, histeria e impotência:

Quero dizer um Deus cujas deficiências não vêm da simplicidade de seus criadores, mas constituem sua característica mais essencial e imanente. Este seria um Deus limitado na sua onisciência e onipotência, que poderia errar ao prever o futuro de sua obra, que poderia se ver horrorizado pelos eventos que desencadeou. Este é um Deus… aleijado, que sempre deseja mais do que ele pode ter e nunca percebe isto. Que criou relógios, mas não o tempo que eles medem. Que criou sistemas e mecanismos que servem propósitos particulares, mas que superaram estes propósitos e o traíram. E que criou um infinito que, longe de ser a medida do poder que deveria ter, tornou-se a medida de seu fracasso sem fim.

A Chegada brinca com onisciência, mas ao contrário do conto de Chiang – e do romance de Lem –  para por aí.

Seu foco é obviamente outro. O filme é um comentário típico sobre a nova era Trump, reforçando a “força na união” e a necessidade de abrir fronteiras. De certa forma, é uma versão adulta de Pacific Rim, apresentando o globalismo como  panaceia.

É, no entanto, um “globalismo” bem made in America, em que todos falam inglês e compartilham os mesmos valores. Mas e se aquilo que nos tornar diverso também nos impedir de trabalhar juntos?

E se nossas línguas de fato moldarem nossas visões de mundo, nossas culturas… nossas identidades?

Neste “Admirável Mundo Novo” unificado pela língua perfeita, nós continuaríamos a ser quem somos? Ou viraríamos uma nova humanidade, modelados por um Deus aleijado?

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A Chegada louva a linguagem como ferramenta de união, mas se esquece de que é igualmente eficiente como uma arma de alienação. As minorias linguísticas ao redor do globo, que viram suas culturas desaparecerem sob o jugo de potências homogeneizadoras, aprenderam isto do jeito mais difícil.

Sim, nós nem sempre nos entendemos. Às vezes batemos cabeça, somos maus com os outros, guerreamos por nada. Mas é esta teimosia que nos faz humanos.

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A moralidade de “Rogue One” é mesmo cinza? https://www.finisgeekis.com/2017/01/24/a-moralidade-de-rogue-one-e-mesmo-cinza/ https://www.finisgeekis.com/2017/01/24/a-moralidade-de-rogue-one-e-mesmo-cinza/#respond Tue, 24 Jan 2017 20:42:39 +0000 http://finisgeekis.com/?p=14296 Um bilhão de dólares.

Essas são as cifras da bilheteria de Rogue One, stand-alone de Star Wars que chachoalhou os cinemas mês passado. Entre isso e o sucesso de público de O Despertar da Força, parece não haver dúvidas de que a aposta da Disney em comprar a Lucasfilm finalmente pagou.

Independente do que achemos dos longas pós-Lucas (ou do que aconteceu ao Universo Expandido), parece também certo que a Disney está indo bem naquilo que sempre fora um ponto fraco: spin-offs de qualidade.

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Pois é, né

Mas Rogue One não é apenas isso. Para alguns críticos, ele traz algo diferente. Algo que Star Wars, pelo menos no cinema, nunca havia feito.

A palavra aqui é cinza. Reviewers comentaram que o filme abriu mão do maniqueísmo típico da saga e se aventurou pela moralidade ambígua.

O filme seria “cinza e eficiente“, com uma Aliança Rebelde cinza, uma trama com “tons de cinza“, mais “adulta e trágica” que a trilogia original. Se Star Wars prosperava na luta do bem contra o mal, Rogue One coloca a “guerra” em “Guerra” nas Estrelas

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Amando-o ou odiando-o, o veredito é o mesmo. Os tempos mudaram, o público mudou e agora Star Wars muda também. A moral infantil dos “tempos simples” de antigamente já se foi. Está na hora de mostrar a guerra, a dor e a humanidade como elas realmente são.

Ou será mesmo?

Por trás da sua fotografia escura, final trágico e ausência de Jedi, seria Rogue One tão diferente assim? Um tom sombrio e um foco no humano é o suficiente para que uma história seja “moralmente cinza”?

E nós? Será que realmente crescemos e estamos “trágicos e adultos”? Ou continuamos tão esperançosos como antes, maravilhados com a luta do bem contra o mal?

(AVISO: Contém SPOILERS de Rogue One: Uma História Star Wars.)

Uma história Star Wars

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Quem acompanha o blog há algum tempo sabe que meus comentários sobre O Despertar da Força não foram lá muito positivos. Neste caso, deixe eu ser claro desde já: Rogue One é um excelente filme.

O longa de Gareth Edwards conseguiu pagar seu tributo à saga sem soar derivativo. Seu tom é sombrio, mas temperado com humor. O talento dos veteranos Mads Mikkelsen e Forest Whitaker mais do que compensam a protagonista pouco inspirada.

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É um filme de grande peso emocional, do tipo que Lucas, amante do espetáculo e de uma lore expansiva, nunca deu muito espaço. É, também, uma obra que a Disney raramente fez em seus live-actions.

Fora do recente selo Marvel (e mesmo dentro dele), o estúdio americano sempre teve uma zona de conforto na leveza infanto-juvenil. Que um gigante midiático como a Disney esteja dando espaço para histórias como essa é um acontecimento. Não apenas para Star Wars, mas para tudo o que pode vir depois.

A fotografia é escura. A sujeira e desgaste da cenografia levam o conceito de futuro usado, caro a George Lucas, a um novo patamar. O enredo troca o mito de origem por uma história de soldados, e o final nos traz apenas tragédias.

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E a esperança de um futuro melhor

Moralidade “cinza”? Ou só escondida?

Mesmo assim, se o avaliarmos como um filme adulto, alguma coisa não soa muito certa. E não digo em termos de produção (reconstruções bizarras em CG à parte).

Algo em sua seriedade parece artificial: por um lado, óbvia demais; por outro, explorada de menos. E parece ter a ver com a insistência, da crítica e do próprio diretor, na famosa moralidade cinza. 

O termo é geralmente utilizado como oposto à moral “preta e branca”. que a saga original tão bem encarna. Os bons são bons, os maus são maus, e a história é o confronto de um contra o outro. Que os “do bem”, se tudo der certo, ganharão.

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Histórias são chamadas de “cinzas” quando as linhas que separam o bem do mal não estiverem muito claras.

Isso pode acontecer quando humanizam um vilão ou desumanizam um herói. Quando mostram que “bem” e “mal” não existem em formas puras. Ou, ainda, quando se rebelam contra a própria ideia de moralidade.

Ao tirar a Alliança Rebelde do seu pedestal de idealismo, Rogue One parece acenar para esse tipo de história.

O retrato de Saw Gerrera é talvez o símbolo mais evidente. Ao nos mostrar um conhecido herói de universos expandidos passados como um bandido, o filme sugere que a distância entre “heroísmo” e “terrorismo” está no fio de uma navalha.

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Mesmo assim, Rogue One tem um certo brilho que sugere que não é lá tão cinza quanto parece.

Ouvir os rebeldes falarem das “coisas ruins” que fizeram em nome da aliança mostra que eles não são mais os heróis infantis de Uma Nova Esperança. Mas a cena tem muito menos impacto do que teria se nos mostrassem o que, exatamente, eles fizeram.

A introdução de Cassian matando um informante é chocante, mas também limpa, clínica. A vítima é menos um ser humano que um NPC inconveniente, que seu personagem Leal e Neutro executa aborrecido -para, depois, seguir com sua quest.

Não se trata de violência gráfica, mas de escala. Como dizia Nietzsche, “quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”. Em Rogue One, fazer o mal em nome do bem não causa as personagens a perderem fé na sua causa. Pelo contrário, apenas as motiva a serem mais heroicas. 

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É engraçado, nesse sentido,  o quão diferente ele é das obras “adultas” e “sérias” com as quais foi comparado, como Falcão Negro em Perigo O Resgate do Soldado Ryan.

Confronte apenas a postura de Cassian em Rogue One com a cena do prisioneiro alemão no filme de Spielberg, em que os protagonistas passam horas pensando se devem ou não matar um soldado nazista. Em plena Segunda Guerra.

Quem é o maniqueísta agora?

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É o mesmo conflito do capitão de A Vida dos Outros, que de tanto grampear um suspeito, acaba traindo a polícia política para a qual trabalha. Ou do terrorista de Convidados da Nação, ao ter de executar os reféns de quem ficou amigo.

Em Rogue One, apenas Galen e Bodhi passam por essa metamorfose. Mas o Império, já sabemos, é o “lado” dos malvados. E virar a casaca contra os malvados é o que é esperado dos bonzinhos.

Não há nada de “complexo” em sua defecção. É uma cena que já vimos com Finn em O Despertar da Força e melhor ainda com Darth Vader em O Retorno de Jedi.  

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O problema é que, ao misturar esses dois mundos, o resultado nem sempre é harmonioso.

‘Cinza’ não é sinônimo de adulto

Em Rogue One, na cena do tiroteio em Jedha, vemos uma criança asiática chorando no meio dos lasers. É difícil ver a cena sem pensar em Phan Thi Kim Phuc, a sul-vietnamita queimada por napalm cuja foto mudou o mundo:

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É uma imagem fortíssima, que nos entender que guerras não são lutas entre clones e dróides bobalhões. Não é à toa que fotos de crianças sempre são usadas (e abusadas) em mensagens pacifistas.

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É também uma diferença gritante em relação ao que estávamos acostumados, nos longínquos tempos de George Lucas.

Star Wars nunca escondeu que a inspiração de seus vilões foram os nazistas. O próprio termo stormtrooper (stoßtruppen)  veio do apelido das tropas de elite alemãs. O capacete de Darth Vader é inspirado no stahlhelm, usado por elas desde 1916.

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Stormtroopers com máscaras de gás. Primeira Guerra Mundial.

Rogue One  parece ter buscado referências mais “cinzas” para sua guerra. O problema é se esqueceu do porquê essas imagens são consideradas “cinzas.”

Phan Thi Kim Phuc (processe isso!) foi bombardeada pelo seu próprio “lado”. O objetivo da sua foto – e de tantas outras fotos de crianças em guerra – não foi pregar que deveríamos lutar com mais afinco. Pelo contrário, foi mostrar que a cruzada dos “bonzinhos” (Vietnã do Sul e Estados Unidos) estava causando mais mal do que bem.

No formato, Rogue One emprestou de histórias cuja proposta era nos fazer repensar a guerra. No conteúdo, porém, ele as colocou a serviço de uma mensagem oposta, celebrando a mesma luta do “bem” versus “mal” com que vibramos em Uma Nova Esperança.

Os críticos estão certíssimos ao dizer que o longa trouxe a “guerra” a Guerra nas Estrelas. Só não qualquer “guerra”. Como bem apontou a revista Time, é a guerra de Labaredas do Inferno Canhões de Navaronefilmes heroicos e patrióticos que celebram a “guerra justa”.

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Obviamente, é injusto esperar diferente de Rogue One. 

O longa de Gareth Edwards pode mirar um público adulto, mas ainda é um filme da Disney. Esperar um festival de vísceras como Até o Último Homem é não entender a proposta do estúdio – nem do próprio universo Star Wars.

No entanto, também não consigo afastar a impressão de que há algo a mais por trás disso.

E se a esperança que fechou Rogue One for não apenas uma exigência editorial, mas um reflexo dos nossos tempos?  E se  o preto-no-branco que Rogue One tenta esconder estiver lá de propósito, para atender a uma demanda por uma moralidade adulta, mas também simples e justa?

Para responder isso, é preciso nos lembrarmos de quando o universo Star Wars seguiu caminhos bem diferentes.

 

Knights of the Old Republic: The Sith Lords

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Ao leitor contrariado: não me odeie, não é o que parece. Prometo que não sou daqueles que coloca tudo do velho Universo Expandido num pedestal.

Porém, é inegável que o game KotOR 2: The Sith Lords também trouxe moralidade cinza ao universo Star Wars – só que de uma maneira bastante distinta. Com a Velha República voltando ao cânone e easter eggs aos jogos em tomadas de Rogue One, é interessante ver o que isso nos diz sobre a saga.

Knights of the Old Republic 2 se passa milhares de anos antes da Guerra Civil Galática, quando a República está se recuperando de uma terrível guerra contra os mandalorianos.

O conselho Jedi se recusou a tomar parte na guerra. Dois cavaleiros, Revan e Malak, se recusaram a obedecer a ordem e lideraram à guerra um grupo de voluntários.

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No entanto, bastou os mandaloriano serem derrotados para que eles próprios sucumbissem ao lado negro. E invadissem a República em uma guerra ainda pior.

KotOR 2 se passa após o final desses conflitos. A galáxia se encontra em pedaços. Os Jedi foram quase todos mortos, e os poucos que sobreviveram andam escondidos, protegendo-se do restante dos Sith.

O game acompanha uma Jedi exilada que retorna aos planetas centrais. Entre conspirações, lutas de sabre e batalhas espaciais, sua história é uma reflexão sobre um dos maiores dilemas que a Ordem já se perguntou:

A culpa é dos Sith? Ou fomos nós que erramos?

Se todos esses Sith foram treinados por nós, será que o problema não estaria na própria Ordem? Ao forçar seus cavaleiros a abrir mão do amor, sentimentos fortes e outros impulsos humanos, não estaria ela incentivando seus membros a migrar para o lado negro?

Se os ensinamentos Jedi não contemplam essas falhas, não seria ele o grande culpado? Pode o “jedaísmo utópico” se eximir das atrocidades que o “jedaísmo real” cometeu?

KotOR 2 é muito mais um jogo autoral da Obsidian do que um game Star Wars. Em retrospecto, é possível ver o germe do que viria a ser Fallout: New VegasPillars of Eternity e o excelente TyrannyUma discussão franca sobre a complexidade do mundo – e dos limites das nossas bitolas de “bem” e “mal”.

É até curioso que desenvolvedores com essas opiniões fossem se interessar por uma lore tão maniqueísta como a do universo Star Wars. E compreensível por que colocaram nas bocas de uma personagem, Zez Kai-Ell, uma pergunta espinhosa não só para os Jedi, mas para todos nós:

Do fracasso dos mestres, do nosso fracasso em trainar Jedi corretamente veio o desastre. E eu comecei a pensar se o erro, no final das contas, não estava nos próprios ensinamentos Jedi. (…) Entre tudo o que realizamos para preservar a galáxia, de tamanha arrogância de achar que tudo o que fazemos é justo e bom, eu me pergunto se não existe um contra-efeito que volta para nos atingir. (…)

Nem uma mísera vez eu ouvi alguém do Conselho se responsabilizar por Revan, por Exar Kun, por Ulic, por Malak… ou por você. Talvez haja alguma coisa errada em nós mesmos, em nossos ensinamentos. E, por mais que eu tentasse, não conseguia me livrar desse pensamento. Por isto abandonei o Conselho.

KotOR 2 não questiona nossos métodos, mas nossas intenções. O game nos lembra que nem sempre estamos certos – e que as causas que defendemos, muitas vezes, podem ser a verdadeira raiz do mal.

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É um ponto que Rogue One, por mais sombrio que seja seu clima, passa longe de abordar.

Saw Gerrera é um terrorista torturador. Cassian Andor, um assassino de sangue frio. No entanto, não há a menor questão que pessoas como eles são preferíveis a um Império que destrói cidades com a casualidade de quem espreme uma espinha.

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Rogue One é um filme adulto, sem dúvida. Porém, atrás da fotografia pesada, sua moralidade continua tão dicotômica quanto a fábula que o inspirou. Como bem disse um crítico, a Aliança se tornou cinza, mas o império continua negro.

O que isso nos diz sobre nós mesmos?

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Numa entrevista sobre Rogue One, seu diretor Gareth Edwards fez o seguinte comentário:

Quando eles fizeram Star Wars nos anos 1970, o mundo talvez se sentisse um pouco mais simples: aqueles são os malvados, nós somos os bonzinhos. Hoje – com a internet e a conexão global – nós sabemos lá no fundo que não é tão simples assim. Antigamente, quando você vencia, você acabava com o malvado. Isto nunca vai levar a paz nenhuma. Eu acho que nós só vamos conseguir acabar com a guerra quando entendermos um ao outro e tivermos empatia.

Belas palavras, mas Edwards não parece ter combinado com o resto da equipe. Pouco antes do filme ser lançado, os roteiristas Chris Weitz e Gary Whitta causaram no Twitter ao anunciar o filme como um ato de resistência contra a candidatura Trump.

A polêmica foi tão grande que levou o CEO da Disney, Bob Iger, a se manifestar publicamente dizendo que o filme é completamente apolítico.

Não há a menor dúvida de que Weitz e Whitta acreditam que representam o “bem” e que o inimigo contra o qual lutam é o “mal”. Na sua “luta justa”, é muito mais provável que assumam a certeza de Jyn Erso do que o pessimismo de Zez Kai-Ell.

E não só eles. Com mensagens vagas como “rebeliões são feitas de esperança”, é difícil não simpatizar – em algum nível – com a guerra moral que a Aliança trava. Todos nós somos rebeldes contra alguma coisa e precisamos de esperança para ir em frente.

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Rogue One, diz o Charles do Cosmo Nerd, carrega uma mensagem. “Não importa qual princípio guie seus passos, é preciso acreditar que você está no caminho certo.” Não podia estar mais certo.

Mas e se esse “princípio” que nos guia for, por exemplo, a manutenção da escravidão? A repressão colonial? O apoio a um governo tirano?

E se o “caminho” que achamos certo se provar um fracasso? E se nossa cruzada causar mais danos do que o mal contra o qual lutamos?

É o dilema que assombrou os confederados após a Guerra Civil Americana, os italianos após a Primeira Guerra Mundial, os franceses na Guerra da Argélia e os americanos no Vietnã.

É o dilema que Star Wars, lançado dois anos depois da queda de Saigon, quis esconder ao inaugurar o cinema blockbuster. E de que nós, após décadas de prosperidade, escapismo e alegria, nos esquecemos.

Mas talvez seja para o melhor.

Ao contrário do que Edwards acredita, os anos setenta passaram bem longe de ser simples. A Guerra Fria dividia o mundo, e suas consequências – o Vietnã, as ditaduras, a Crise dos Reféns do Irã, o possível holocausto nuclear – tiravam o sono de muita gente.

Star Wars conquistou seu espaço ao convidar essas pessoas para um outro mundo. Aterrorizadas em casa, elas ganharam um universo paralelo onde podiam sonhar, pensar e – sim – ver o bem derrotar o mal.

Tal como fez a poesia desde a antiguidade e o ballet no século XIX, Star Wars trouxe ao século XX “uma nova esperança”, na forma de uma fantasia otimista, ordenada e atemporal.

Não é à toa que sobrevive forte nos dias de hoje. E que, segundo alguns, durará para sempre.

Perto disso tudo, não dá para negar: moralidade cinza é overrated.

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Entendendo “Nijigahara Holograph”: Inio Asano e o ensemble cast https://www.finisgeekis.com/2016/12/19/entendendo-nijigahara-holograph-inio-asano-e-o-ensemble-cast/ https://www.finisgeekis.com/2016/12/19/entendendo-nijigahara-holograph-inio-asano-e-o-ensemble-cast/#comments Mon, 19 Dec 2016 19:06:32 +0000 http://finisgeekis.com/?p=13804

Nijigahara Holograph, de Inio Asano, é um soco no estômago.

Com uma narrativa não-linear, temas pesados, usos e abusos do “show, don’t tell”, o mangá, que chegou ao Brasil recentemente, é um clássico cult de cair o queixo.

Para a mente acostumada a obras serializadas ou one-shots quadradinhos, é também uma história que nos faz sentar direito na cadeira, franzir o cenho e pensar:

O que, afinal, acabamos de ler?

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Não é meu lugar dizer por que o quadrinho de Asano é imperdível. Várias excelentes reviews, escritas  antes do lançamento da obra no Brasil, já fizeram esse trabalho.

Esse post fala de algo além. Dos caminhos tortuosos que o mangá toma para nos passar sua mensagem. E de porque estas escolhas fazem dele uma obra tão única – e tão confusa.

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Não se trata apenas de entender seu enredo. Aos curiosos, há na internet linhas cronológicas comentadas, para que leitores perdidos consigam decifrar “tudo o que aconteceu”, para além da overdose de estilo de seu autor.

Porém, como aqueles que já leram ou folharam o mangá aprenderam do jeito difícil, conhecer a trama ajuda muito pouco. Nijigahara Holograph não é uma obra de enredo mais do que de linguagem. Seus cortes narrativos, saltos temporais e mensagens vagas são tão responsáveis por transmitir sua “história” quanto os balões de diálogo.

Felizmente para nós, por trás de toda essa invencione há uma narrativa bem clássica, com fórmulas conhecidas e uma longa tradição que todos, sabendo ou não, conhecem. Para descobri-la, é preciso dar uma volta pelo mundo dos romances… e do cinema.

O holograma do campo de arco-íris

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 Antes de mais nada, um contexto aos perdidos:

Nijigahara Holograph é um mangá de Inio Asano publicando em 2003 e recém-lançado no Brasil pela JBC. Sua história acompanha um grupo de jovens e adultos de uma escola, assombrados por uma sucessão de tragédias.

A narrativa é acronológica. Entremeada por flashbacks, ela nos mostra como, durante mais de uma década, atos de crueldade, traumas e culpas mudaram irreversivelmente suas vidas.

O que os une é o campo de Nijigahara, onde vivem seus momentos mais dramáticos – e que guarda mistérios que os obrigarão a encarar sua própria natureza.

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Os detalhes vêm as poucos, e a verdadeira dimensão do horror é algo que o leitor monta em sua própria cabeça na medida em que lê.

Akie é uma jovem em coma. Seus colegas de sala tentaram matá-la jogando-a em um buraco. Suzuki é um garoto perdido, que em dado momento se atira da janela da escola. Maki é uma garota atormentada por ter colaborado com a tragédia de Akie. Kyoko é uma professora desfigurada, agredida após flagrar o estupro de uma aluna.

Se não dou mais detalhes é porque esse é o tipo de história que não permite.

Nijigahara Holograph é um grande quebra-cabeças. Cada página conecta uma peça, e o que parecia a princípio um conto surreal se mostra um retrato complicado, seco e emocionante da crueldade humana.

Nada por acaso. Nijigahara Holograph nos mostra um jeito de contar histórias muito específico, com uma longa tradição no cinema e na literatura.

Mais do que isso, uma fórmula que está na origem do próprio romance.

A narrativa de rede

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Narrativas de rede, como o nome já diz, são histórias focadas nas relações entre diversas pessoas. Ao contrário de enredos tradicionais, que acompanham um ou mais protagonistas, estas tramas priorizam os laços entre as personagens – muitas vezes, às custas do desenvolvimento pessoal de cada uma.

O estilo tem vários nomes. Manuais de roteiro (e a Wikipédia) os chamam de ensemble cast. O grande crítico Roger Ebert os chamava de “filmes de hyperlink”.

Mesmo que nunca tenha ouvido esses nomes, você com certeza já assistiu a algum deles. A fórmula pode ser vista em incontáveis filmes, de Crash a Love Actually; de Amores Perros a Babel, de Magnólia a Medos Privados em Lugares Públicos.

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Para quem tem familiaridade com a obra do Asano, não há aqui nenhuma novidade. Como já comentei em um artigo dedicado a ele, o autor de Oyasumi Punpun é um dos mangakás mais deliberadamente “cinematográficos”.

Sua quadrinização lembra um storyboard. Seus cenários são desenhados a partir de fotos reais. Suas páginas levam indicações de trilha sonora.

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Não é à toa que a Roberta Caroline do Elfen Lied Brasil comparou o mangá a Crash, nem que o tenha chamado de história de “efeito borboleta”. A imagem está tão enraizada nos ensemble casts que já ganhou até referência direta.

O título original de Happenstance (2000), ensemble cast com a Audrey Tautou, é literalmente Le Battlement d’Ailes du Papillon (o bater das asas da borboleta).

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As datas dos filmes não mentem. A narrativa de rede ficou popular justamente quando a “rede social” se tornou a deusa-cadela da nossa época. Com a globalização, a ideia de que nossos destinos estão ligados aos de pessoas que nem conhecemos se tornou sabedoria comum.

Não pensem, porém, que isso é tudo coisa nova. Como lembra o crítico David Bordwell, ensemble casts são escritos desde o surgimento das primeiras “redes” (as cidades) e estão na raiz do romance contemporâneo.

Guerra e Paz Les Misérables, a princípio, não parecem ter muito a ver com efeitos borboletas – nem com Inio Asano. No entanto, a fórmula já está lá: vidas separadas, independentes, que se cruzam em conflitos comuns – depois dos quais jamais serão as mesmas.

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Mas por que tudo é tão confuso?

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Tudo isso é muito interessante, mas há uma pergunta que não quer calar: para que tanto trabalho?

Há mesmo necessidade de dividir uma história em quatro, seis, dez histórias interconectadas? O final vago, narrativa não linear, o surrealismo realmente acrescentam alguma coisa? Onde termina a sofisticação e começa aquela coisa “meio-cult à la Legião Urbana”, como brinca a Roberta do Elfen Lied BR?

Por incrível que pareça, há uma razão muito boa para se tomar o caminho menos óbvio. E não se trata apenas de ostentar habilidade, mas de explorar um de nossos sistemas de recompensa mais poderosos.

Como lembra  David Bordwell (e como eu mesmo já disse aqui outras vezes) nosso cérebro sente prazer quando encontra padrões. Seja ver figuras em nuvens, builds em videogames ou mensagens subliminares em latas de Coca Cola, gostamos de enxergar soluções nas coisas mais aleatórias.

Ensemble casts têm um apelo grande porque combinam esse prazer com outra de nossas fissuras preferidas: a fofoca.

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Não é preciso ser vidente para adivinhar o que os outros pensam. É algo que fazemos naturalmente, uma das razões pela qual nossa espécie veio a dominar o globo.

A Thais do Nave Bebop diz que o julgamento é tão presente em Nijigahara Holograph que poderia ser uma personagem própria. Não poderia ter mais razão. E o ensemble cast brilha quando faz com que nós, leitores, sintamos como se julgássemos e fôssemos julgados também.

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É o que críticos de cinema chamam de exposição atrasada e distribuída.

Em vez de nos jogar a informação de uma vez, ou na ordem em que as coisas acontecem, algumas histórias brincam com nossa ignorância.

Às vezes, nos contam um segredo sobre as personagens que nem elas sabem. Em outras, nos escondem coisas elementares, fazendo com que comecemos a imaginar – e julgar – do ponto de vista de um recém-chegado.

Inio Asano faz isso com tanta frequência que Nijigahara Holograph parece um verdadeiro manual da técnica.

O mangá abre com a silhueta de uma menina com sangue entre as pernas. Imaginamos que ela foi estuprada, mas não as circunstâncias (nem mesmo seu nome!) Kyoko, a professora, possui uma atadura nos olhos, e nós sabemos, pela Arma de Chekov, que há uma história mórbida por trás do machucado.

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As duas tragédias estão relacionadas, mas nós não descobrimos isso até o momento fatídico. Asano poderia ter nos contado de uma vez, mas isto nos pouparia do impacto: o desespero de ver seres humanos fazendo o seu pior e enxergar, em suas ações, ainda mais depravidade por vir.

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Em outros momentos, somos nós quem temos a vantagem. Há um personagem que é um psicopata. Ele estupra uma garota da vizinhança, coloca fogo em sua própria casa, comete atos de violência contra todos à sua volta.

Nós acompanhamos sua trajetória cadáver a cadáver, crime a crime. Os personagens, seduzidos pelo seu carisma, não. Para nossa angústia, que esperamos impotentes ao inevitável acontecer.

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Pode parecer fácil na teoria. Quem já se aventurou na ficção, contudo, sabe que fazer as coisas “clicarem” é uma verdadeira proeza.

Por que os episódios estão fora de ordem?

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Ensemble Cast são histórias sobre o acaso. Sobre como o destino não só “joga dados”, como parece ter um senso de humor: nos deixar perdidos, sem rumo, desesperados.

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A questão, como sempre, é que o que funciona na realidade nem sempre funciona na ficção. Para cada grande momento de crise ou superação, temos incontáveis horas de tédio. Para cada dia que parece decisivo, há anos e anos de vida sem sentido.

Organizar tudo isso em um arco interessante já é complicado. Fazê-lo mantendo o suspense e a angústia – em várias histórias simultâneas – é trabalho de mestre.

Isso não é um problema para romances, que podem nos segurar pela mão e dedicar dezenas de páginas para amarrar todas as pontas. Em narrativas mais curtas, no entanto, é necessário usar alguns truques.

Alternar a ordem cronológica é o jeito mais fácil de produzir esse efeito. É bem difícil provar que as vidas de um grupo inteiro de pessoas estão conectadas. Ao tratar suas histórias como um mosaico e combinar as peças do jeito que preferimos, damos uma aparência de ordem ao caos.

Nijigaha Holograph faz isso a todo momento – não por acaso, em seus episódios mais marcantes.

Do começo ao fim, as personagens são visitadas por borboletas.

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Seria apenas coincidência? Uma jeito do autor de “marcar” as cenas importantes? A consciência de um fantasma ou “espírito” guiando essas pessoas à salvação? Uma referência batida ao “efeito borboleta”?

A resposta demora a chegar, mas sabemos desde cedo que os insetos são importantes. Um colar no formato de suas asas se torna um Macguffin fundamental. Em momentos-chave, personagens se “desfazem” em borboletas.

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Em uma “gambiarra” ainda mais criativa, o garoto Suzuki tem encontros reveladores com duas personagens mais velhas. Apenas no final da história descobrimos que elas nada mais são do que ele próprio, em outras épocas da vida.

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É apenas um “truque”, mas que transmite, ele próprio, uma grande verdade. O tempo pode ser linear, mas os grandes marcos da nossa vida ficam para sempre. Nós carregamos os traumas do nosso passado, assim como as esperanças para nosso futuro.

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Todos nós, no fundo, vamos e voltamos a outras épocas, revisitamos decisões e fazemos planos. O ontem e o amanhã são fardos – de que, para viver no presente, temos de nos libertar.

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O resultado é uma história que parece única e incrivelmente poética. O problema é que isto também faz com que fique complicada – e quase impossível de entender à primeira vista.

Pois Inio Asano não está satisfeito apenas em jogar a ordem cronológica no ventilador. Ele também anda na corda-bamba do fantástico, do sobrenatural e do nonsense inexplicável. 

Ou seria mesmo?

Por que o místico e o surreal?

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Por nada. Nijigahara Holograph não é fantástico. É um retrato ultra-naturalista da realidade nua e crua.

E não, leitor, eu não estou louco. Não estou implicando que um ser humano se desfazer em borboletas é uma coisa normal. Nem estou discordando da Roberta, quando diz que o mangá é fortemente inspirado no taoísmo.

Acontece que, como os antropólogos estão cansados de dizer, nós não vivemos apenas no mundo de carne e osso. Símbolos, mitos, fantasias e paranoias são reais à sua própria maneira.

Mais do que isso, são necessárias para que consigamos entender o que diabos se passa com aquilo em que tocamos, de fato, com as próprias mãos.

Narrativas de rede são caracterizadas pela ordem. Como vimos acima, sua malha de “hyperlinks” depende de uma série de truques para se sustentar. Truques que muitas vezes roubam os holofotes, culminando em odes à esperteza do autor mais do que em uma história bem contada.

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Como NÃO fazer um ensemble cast

Isso acontece porque a vida real é muito menos ordeira que a ficção. E não falo apenas de clichês ou da rule of cool, mas dos pressupostos fundamentais de qualquer história.

Na vida real, não existem mensagens, arcos de desenvolvimento ou justiça poética. Apenas um rolar desesperado de dados e a esperança de que o futuro seja menos horrível que o presente.

Não existem sequer “começos”, “meios” ou “fins”, só pontos arbitrários em que começamos ou paramos de narrar. Como bem disse um personagem de Mad Men, não existem “fresh starts”; a vida apenas segue em frente.

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Narrativas “certinhas” nos parecem artificiais porque pressupõem uma ordem que não existe no mundo. Quando essa harmonia se torna muito evidente (como no caso dos ensemble casts) nós, condenados a penar no caos que realmente existe, achamos difícil simpatizar com elas.

Como aceitar que um assassino, sua cúmplice e o policial investigando o crime sejam, coincidentemente, ex-alunos da mesma turma?

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Ou que a professora desfigurada se encontre de repente com uma antiga aluna, no exato momento em que ela começa a trabalhar para o homem que a desfigurou?

Coincidências existem, mas há um limite para tudo. Histórias muito convenientes são tão absurdas quanto narrativas desconjuntadas.

É o problema de tantas comédias românticas descartáveis, ou dos roteiros de procedurais para a televisão. Por trás de cada um deles há um ensemble cast sem alma, construído com frieza maquinal.

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O surreal, o fantástico, o impossível conseguem passar algo que o mero relato dos fatos não consegue. Eles são capazes de retratar o caos, o acaso, todas as coisas que não entendemos e não sabemos direito descrever. Mas que, ainda assim, afetam nossas vidas.

Por mais incrível que pareça, o imaginário está lá porque parece mais real que a própria realidade.

No mangá de Asano, descobrimos que um velho túnel próximo a Nijigahara é assombrado por um monstro. Pouco sabemos a seu respeito, salvo que parece ter tido uma mão nas maiores tragédias a acometer o bairro.

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Não demora para que notemos que os “atos” dessa suposta besta são bastante humanos. Pois ela não é um verdadeiro “monstro”, apenas uma ferramenta que essas personagens criaram para racionalizar sua crueldade.

Por isso que, em momentos diferentes, ele assume a figura de diferentes pessoas que tiveram seu fim próximo a Nijigahara:

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Narrativas de rede, para funcionar, precisam desses pequenos absurdos. Pode ser algo sutil, como um acidente de carro com timing perfeito (Crash). Pode ser uma coisa poética, como uma mulher que “sobrevive” no instrumento pintado com seu sangue (Violino Vermelho). Ou ainda, com todo o didatismo das Escrituras, a “praga de sapos sobre toda a terra” de Êxodo 8:2. (Magnólia).

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Não é à toa que a Thais Lara do Nave Bebop comparou o mangá de Asano com o seriado Twin Peaks, ele próprio um exemplo clássico de narrativa de rede.

Como disse seu diretor, David Lynch, o assassinato da adolescente Laura Palmer, argumento que move a trama, não passava de um pretexto para explorar as relações entre suas personagens: os habitantes da vila de Twin Peaks. Um microcosmo humano que ele traz à vida usando (e abusando) do surreal.

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Para quem conhece Asano, de novo, não há qualquer surpresa. O mangaká é conhecido pelo seu cinismo em relação às “grandes fórmulas” da vida, que encontra sua expressão perfeita no “Deus” de Oyasumi Punpun.

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Asano, de fato, parece se rebelar contra a ideia de propósitos maiores. Tal como suas personagens, esmagadas entre o peso de seus sonhos e ações, em sua eterna “crise dos 25 anos”.

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Conclusão: vale o esforço?

Essas são histórias de coincidência, acaso, intersecções e estranhas coisas relatadas. E sobre qual delas é qual, e quem sabe disso… E é a humilde opinião desse narrador que estranhas coisas acontecem o tempo todo. Assim é e assim sempre será. E o livro diz: “Nós podemos romper com o passado, mas o passado nunca rompe conosco”.

Na minha opinião, essa é a melhor descrição de Nijigahara Holograph já escrita.

São, na verdade, as primeiras palavras de Magnólia, um filme com (não poucas) similaridades com o mangá: um ensemble cast, um retrato do abuso infantil, um flerte com um sobrenatural e um lugar (Magnolia Boulevard) que serve de ponto focal para o destino de várias pessoas.

Elas trazem uma mensagem simples, mas de forma alguma óbvia. Coisas acontecem, e se isto parece inevitável, nem por isso é suportável. Em especial quando estas “coisas” são tragédias, e quando nós somos não os espectadores, mas as vítimas ou os culpados.

Vivemos no fio da navalha entre os “anjos bons e maus” da nossa natureza. Manter-se do lado certo é o que faz a medida de um indivíduo.

Nijigahara Holograph é um soco no estômago, mas há certas lições que não podem ser passadas apenas como carinho. Por isto, se nada mais, sua fórmula é essencial.

 

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“Fune wo Amu”: o dicionário é mais do que um simples livro https://www.finisgeekis.com/2016/09/05/fune-wo-amu-o-dicionario-e-mais-do-que-um-simples-livro/ https://www.finisgeekis.com/2016/09/05/fune-wo-amu-o-dicionario-e-mais-do-que-um-simples-livro/#comments Mon, 05 Sep 2016 23:22:30 +0000 http://finisgeekis.com/?p=9625

Eu me lembro de quando vi o Dicionário Houaiss pela primeira vez na vida. O ano era 2001, e eu, então com 10 anos, nunca havia visto um livro maior, mais bonito nem, provavelmente, mais caro.

Ele acabara de ser lançado, e a banca de jornal em que eu ia toda semana o havia colocado na prateleira de destaque. Eu, que entrara para comprar gibis, tive até dificuldade para entender o que um livro daqueles estava fazendo lá.

Eis que meu pai aparece e me diz algo do qual provavelmente não vou me esquecer: “Você quer esse livro? É seu.” Antes que eu pudesse reagir, emendou: “Sempre que quiser qualquer coisa para ler, pode me pedir que eu compro. Não importa o quanto custe.”

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Não posso dizer que o plano não deu certo. Eu me tornei um grande amante de livros. Mesmo hoje, em que praticamente abandonei o velho códice em favor de ebooks, ainda tenho um grande carinho pela minha biblioteca.

Fune wo Amu, lançamento da temporada de outono de anime, é o que acontece quando meu deslumbramento aos 10 anos é transformado em uma história. Com a character designer de Showa Genroku Rakugo Shinjuu, seiyuus de peso como Maaya Sakamoto e o calibre do bloco Noitamina, é uma série com tudo para dar certo.

Suas credenciais falam por si só. O anime é baseado em um romance bestseller de Shion Miura, adaptado a um filme por Yuya Ishii. E não qualquer tie-in de light novel, mas um longa premiadíssimo, escolhido para representar o Japão no Oscar de 2013.

The Great Passage

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Seu enredo acompanha uma editora que deseja lançar um novo dicionário no mercado.

O diferencial está na proposta. Daitokai (ou “A Grande Passagem”, que também serve de título à adaptação em inglês) pretende ser um dicionário do agora. Ele incluirá gírias, palavras chulas e usos “errados” de expressões.

Não é preciso ser linguista para saber que a proposta é ambiciosa. Em 2013, alguns dicionários causaram polêmica ao definir “literalmente” como “figurativamente, com ênfase”. A resposta foi clara: nossa missão, disseram, é a de registrar a língua como ela é usada, nao como intelectuais querem que seja usada.

Em um país com uma língua milenar e um sistema de escrita tão complexo que mesmo alguns japoneses não o entendem bem, as personagens de Fune wo Amu tem um desafio de peso na sua frente.

É, no entanto, um percalço que abraçam com gosto – e com muita criatividade.

Com um editor prestes a se aposentar, o grupo precisa encontrar alguém capaz de tocar o projeto para a frente. A solução que encontram é engenhosa: aos abordados, perguntam se são capazes de definir a palavra “direita”.

É um problema capicioso, que me levou até a pesquisar como os dicionários de verdade o resolveram. O Michaelis e o Merriam-Webster a definem como o “lado do corpo humano oposto ao do coração” (o que está errado, pois o coração na verdade fica no centro da caixa torácica).

Já o Houaiss a define como o “lado do corpo que aponta para o leste quando o indivíduo está voltado para o norte”. É, por acaso, quase a mesma resposta que o candidato escolhido lhes dá.

Esse candidato é Mitsuya Majime, um nerd introvertido “clássico”, com óculos demais e tato social de menos. Formado em linguística e sem o menor talento para vendas, departamento onde trabalhava, ele é logo recrutado ao projeto.

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No começo havia o verbo

Estamos tão acostumados a consultar dicionários que nunca paramos para pensar como eles são compilados. Hoje, usamos tanto o Google e os muitos sites especializados que temos a impressão de que eles brotam sozinhos, sem nenhum esforço.

Como Fune wo Amu nos mostra, isso não podia ser mais longe da verdade. Os “pais dos burros”  são resultado de um processo longo, demorado e até um pouco divertido.

Tudo, claro, começa com a coleta. Palavras técnicas ou mais difíceis são enviadas a especialistas. Já aquelas do dia-a-dia (as mais importantes para a proposta do Daitokai) tem de ser encontradas pelos próprios editores.

Para isso, todo membro do projeto anda sempre com um cartela de fichas, que preenche quando encontra uma palavra nova, ou que foi usada de uma forma diferente.

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Como dá para imaginar, essa é uma das partes mais difíceis do processo. É, também, a fonte de algumas das cenas mais divertidas do filme.

Em uma, um dos editores mais experientes se senta ao lado de um grupo de adolescentes para “captar” gírias novas. As jovens, no entanto, são otomes, e ensinam a ele a palavra mais importante para qualquer fujoshi:

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“BL”

Em outra, Majime, o atrapalhado protagonista, se apaixona por uma vizinha. Cansado, ele acaba “coletando-a” em uma ficha, para a gargalhada de seus colegas de escritório.

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Porém, nem só de descontração é feito um dicionário. Majime e seus colegas se vêem soterrados até o pescoço numa quantidade de trabalho que faz os desafios dos animadores de Shirobako parecerem brincadeira de criança.

Depois de coletadas, todas as 240 mil palavras precisam ser classificadas e escolhidas uma a uma. O dicionário é então revisado cinco vezes do começo ao fim para que esteja simplesmente perfeito. Se alguma coisa estiver fora dos trinques, precisam voltar à estaca zero.

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Sem tolerância para o menor deslize, com prazos mordendo os calcanhares, os editores e estagiários logo transformam seu escritório em um verdadeiro cortiço.

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Se isso ainda assim parece normal, tenha em mente que um dicionário não é algo que se termina em alguns dias – nem mesmo em alguns anos. O pesado Houaiss que me encantou em 2001, por exemplo, começou a ser feito em 1985, 16 anos antes!

Os editores de Fune wo Amu aprendem isso do jeito mais difícil. O que parecia ser mais uma aventura se mostra o projeto de uma vida inteira. Supondo, é claro, que vivam para terminá-lo.

O tempo passa, as personagens envelhecem, encontram seus caminhos ou se perdem de vez. Novatos entram no projeto, veteranos são forçados a se afastar.

O presidente da editora começa a duvidar que Daitokai dê lucro. Como condição para não cancelá-lo, pede que a equipe faça “dicionários temáticos” sobre vários assuntos: culinária, moda, idols, monstros. O escritório, que antes parecia uma biblioteca, ganha pilhas de revistas de moda e pôsteres de anime.

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Majime, antes mais à vontade nos livros do que no mundo real, pouco a pouco aprende a conviver em sociedade. Seus colegas, de uma forma ou de outra, passam por uma metaformose similar. Pois…

A “Grande Passagem” é mais do que um dicionário

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Fune wo Amu começa em 1995. Em uma de suas primeiras cenas, Matsumoto, o editor-em-chefe, exibe a todos a maior novidade do momento: o revolucionário celular “tijolão”. Quando o dicionário finalmente é publicado, o ano é 2008, e a deusa cadela da internet já domina o mundo.

A “grande passagem” não é apenas um dicionário, nem a trajetória daqueles que o escreveram. É, também, a história do fim da era analógica e do processo que mudaria nossas vidas para sempre: a revolução digital.

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O que leva à pergunta: existe sentido em escrever um dicionário impresso em um mundo de memes, .pdf, ebooks e verdades que mudam toda manhã?

Em uma época em que feiras de literatura estão às moscas e bienais de livro se transformaram em palcos para youtubers, existe ainda alguém disposto a conhecer seu idioma a fundo?

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Há propósito em um “dicionário do agora”, se esse “agora” levará 15 anos para chegar?

Para convencer o presidente da editora a não cancelar o dicionário, Nishioka, o colega extrovertido de Majime, diz a ele que a empresa “ainda dará lucro por mais vinte anos!”. O presidente dá risada. Como é que ele, nos dias de hoje, pode ser ingênuo a ponto de achar que é possível saber o que vai acontecer  com vinte anos de antecedência?

Nós vivemos em um época “sem futuro”, em que as coisas mudam tão rápido que não sabemos o que nos espera. A profissão mais bem paga de 2035 ainda não foi inventada; o bestseller de 2016 será esquecido em 2018.

Em 1992, o historiador Francis Fukuyama disse que estávamos próximos do fim da história. Dez anos depois, ele próprio engoliu suas palavras, argumentando que a ciência poderá nos alterar além de qualquer expectativa.

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No ano 2000, Bill Clinton, então presidente dos EUA, disse que a internet jamais seria controlada. Uma década depois o Grande Firewall da China separou um bilhão de pessoas da web mundial. Para o desalento dos demagogos, a era das profecias chegou ao fim.

É fácil, em tempos de tanta incerteza, querer se refugiar no passado. Esquecer a modernidade e suas loucuras e valorizar a sabedoria consagrada, as tradições, a normalidade. Muito mais difícil é fazer isso sem que o progresso nos atropele – e nos transforme em uma peça de museu.

Em um dos momentos mais tragicômicos de Fune wo Amu, Majime decide escrever uma carta de amor para Kaguya, a garota dos seus olhos. Linguista nerd que é, decide escrever a mão, com pincel, como manda a tradição.

O problema é que sua caligrafia é tão boa – e seus kanjis tão difíceis – que Kaguya não consegue lê-los. Alfabetizada na era da caneta e do teclado, aqueles ideogramas são tão indecifráveis quanto um manuscrito medieval.

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Um barco para nos guiar

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Fune wo Amu é uma obra estranha. Tal como Vidas ao Vento, de Hayao Miyazaki, é o que alguns críticos chamaram de “história de prancheta”. Em vez de grandes jornadas, combates épicos e mistérios sobrenaturais, temos uma obra em que as personagens passam 90% do tempo sentadas trabalhando.

Se a trama mesmo assim cativa, é porque teve sucesso em passar uma mensagem verdadeira, atual e (por que não? ) tocante.

E que sucesso. Da mais tradicional das narrativas (o livro), Fune wo Amu conquistou a mídia que inaugurou o século XX (o cinema) e chega finalmente ao anime, símbolo da modernidade cool do Japão contemporâneo. Modernidade que o próprio Shinzo Abe, premiê conservador do país, anunciou como o futuro que deseja para sua nação.

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Toda temporada nos traz pelo menos um anime com uma pegada mais séria. Na maioria dos casos, como em Showa Genroku Rakugo Shinjuu, me vejo perguntando que loucura teria levado alguém a fazê-las em primeiro lugar.

Para Fune wo Amu, preciso fazer a pergunta contrária. Como um anime como esse não chegou até nós mais cedo?

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