Warning: Use of undefined constant CONCATENATE_SCRIPTS - assumed 'CONCATENATE_SCRIPTS' (this will throw an Error in a future version of PHP) in /home/finisgeekis/www/wp-config.php on line 98

Warning: Cannot modify header information - headers already sent by (output started at /home/finisgeekis/www/wp-config.php:98) in /home/finisgeekis/www/wp-includes/feed-rss2.php on line 8
Beyond: Two Souls – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 17:57:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Beyond: Two Souls – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Game over?” Como os games tornam o fracasso viciante https://www.finisgeekis.com/2017/04/04/game-over-como-os-games-tornam-o-fracasso-viciante/ https://www.finisgeekis.com/2017/04/04/game-over-como-os-games-tornam-o-fracasso-viciante/#respond Tue, 04 Apr 2017 15:55:14 +0000 http://finisgeekis.com/?p=16007

Tudo o que vive está fadado a terminar.

Com essas palavras começa Nier: Automata, o novo jogo de Yoko Taro que coleciona elogios.

Meio JRPG, meio bullet hell; meio ruminação filosófica, meio tributo metanarrativo, o jogo nos força, a todo momento, a repensar o que sabemos sobre nosso hobby.

Como sua frase de abertura já entrega, isso envolve o elemento mais importante da mídia.

fail state.

You-Died dark souls.jpg

Fail states são as condições de fracasso, aquele momento em que descobrimos que perdemos. Para o  designer e teórico Jesper Juul, eles são a característica que diferencia os jogos de qualquer outro tipo de ficção.

Nem toda essa importância, porém,  os salva de críticas. Para alguns, telas de game over são as maiores inimigas dos jogos. Um recurso defasado da era do fliperama que impede que games contem boas histórias.

É verdade que ninguém gosta de perder. É também verdade que um jogo impossível deixa de ser interessante.

Felizmente, ao longo dos anos designers criaram várias estratégias para tornar o fracasso não só tolerável, mas uma parte fundamental da diversão:

1 – Reduzir punição por fracasso

autosave.jpg

Como tantas outras questões, a raiva com os fail states vem, em grande parte, de um problema de comunicação. Muitas vezes, quando falamos de “derrota”, “morte” ou “fracasso” o que realmente estamos pensando é em punição. 

“Fracasso”, com o perdão do pleonasmo, é o mero ato de fracassar. É o que acontece quando morremos em uma boss fight, perdemos a curva em um jogo de corrida ou erramos o salto em um jogo de plataforma.

“Punição” é o que acontece conosco quando fracassamos. Pode ser algo sério, como retornar ao menu inicial, ou algo simples, como um NPC rindo às nossas costas.

Gamers vivem reclamando que seus jogos estão ficando fáceis demais. Que as novas gerações, ao contrário da década “raiz”, não tem paciência para um desafio. Hoje em dia, dizem, “perder” um jogo se tornou quase impossível.

press f pay respects.jpeg

Há um pingo de verdade aí, embora a explicação seja outra. Games de fato ficaram mais fáceis, mas não porque perdemos menos. Na verdade, fracassamos tanto em nossos jogos “casuais” quanto nos anos 1990, com pérolas como Battletoads.

Battletoads_gameplay.jpg

A diferença é que a punição, vinte anos atrás, era muito mais alta.

O motivo é histórico. Na era dos fliperamas, games precisavam ser difíceis e viciantes para obrigar as pessoas a gastar mais moedas.

Os fliperamas acabaram, mas a moda ficou – em parte, porque a tecnologia da época não permitia fazer diferente. Até o surgimento dos saves, com o primeiro Zelda, “perder” no jogo significava voltar do começo, quantas vezes fosse preciso.

pac-man-game-over.jpg

Para atrair um público mais amplo, jogos recentes viraram essa filosofia de ponta cabeça. De games em que vencer era uma proeza, chegamos a jogos que praticamente nos garantem que chegaremos ao fim.

Graças a checkpoints, não precisamos voltar mais ao início do nível a cada deslize. Com a possibilidade de salvar durante o combate, mesmo a luta mais ferrenha pode ser ganha na tentativa e erro.

Se antes o fracasso podia custar horas de jogo, hoje tudo o que perdemos é o tempo de clicar em um botão de load game.

Critical_Mission_Failure mass effect.jpg

Punições menores parecem bem óbvias, mas levaram a uma consequência peculiar, que com certeza ferirá o ego dos puristas.

Com uma menor punição por fracasso, gamers passaram a errar cada vez mais. Para alguns especialistas, o fracasso é responsável por até 80% do tempo que passamos com um jogo.

Os gamers de hoje até podem reclamar, mas se tivessem de competir com seus “eus” de vinte anos atrás, provavelmente perderiam de lavada.

2 – Mudança persistente

gamers-dont-die-they-respawn-5.jpg.png

Checkpoints são maçantes.

Sim, temos a possibilidade de voltar atrás, mas quem tem paciência para fazer tudo de novo? E se tivéssemos uma forma de nos poupar do pior? De combinar clemência com a impressão de que nossos atos importam?

Boa notícia: ela existe. Chama-se mudança persistente.

Jogos com essa propriedade nos fazem voltar atrás ao perdermos, mas “guardam” parte de nosso progresso. Inimigos derrotados continuam mortos. Itens, experiência e habilidades compradas ficam no seu lugar. Quebra-cabeças resolvidos permanecem resolvidos.

Mundos com mudança persistente estão presente em alguns dos jogos de maior sucesso dos últimos tempos. Bioshock nos revive na Câmara Vita mais próxima sempre que morremos. Em Borderlands, um novo personagem é “gerado” em uma New-U caso percamos uma batalha.

borderlands new u.jpg

A estratégia não é nova; pelo contrário, é a essência da mecânica de respawn disseminada em RPGs, dos clássicos isométricos aos MMORPGs mais recentes. No entanto, não é por ser popular que se livrou de algumas críticas.

Games desse tipo são frequentemente acusados de prejudicar a suspensão de descrença, “barateando” a morte e minando a sensação de desafio. Embora certos jogos tenham remediado o problema “cobrando” alguma punição pelo respawn, para os críticos não é o suficiente.

Games, dizem eles, precisam de uma solução mais drástica.

3 – Fail states implícitos

fail state implícito beyond two souls.jpg

Para alguns criadores, nenhuma dessas táticas resolve o problema central. Pelo contrário, a própria existência de fail states é um defeito que precisa desaparecer.

Essa é a opinião de David Cage, autor de Heavy Rain e Beyond: Two Souls. Ele defende que a tela de game over é um fracasso narrativo. No mundo real, não voltamos a um save anterior quando alguma coisa dá errada.

A vida – para o bem ou para o mal – continua.

Se quiserem contar histórias sérias, videogames precisam fazer melhor do que proibir o jogador de encarar seus próprios erros.

Cage prefere desenlaces que reconheçam o fracasso, mas que forcem o gamer a lidar com suas consequências. Foi visto em uma missão de stealth? Dê um jeito de fugir dos guardas. Falhou em salvar um NPC? Meus pêsames, viva em um mundo em que ele não existe mais.

morrowind thread.jpg

Artifícios como esses são conhecidos como fail states implícitos e funcionam, na prática, bloqueando segmentos do jogo.

Em Morrowind, matar uma personagem necessária à quest central nos impede de completá-la. Em The Witcher 3, trair Yennefer com Triss (ou vice-versa) faz com que Geralt termine sua jornada chupando o dedo.

witcher 3 threesome.png

Nenhum dos dois casos é um fracasso “clássico”, pois somos livres para continuar jogando. No entanto, algum elemento da nossa experiência possível é excluído.

Se é difícil enxergar esses fail states “moles” como fracasso, basta se lembrar do mais célebre entre eles.

Em Mass Effect, nosso protagonista, o comandante Shepard, é vítima de uma emboscada e precisa deixar um membro de sua equipe para morrer. A consequência não apenas remove um NPC importante do jogo, como o exclui de toda a trilogia.

mass effect virmire.jpg

O exemplo de Virmire, como a missão é chamada, dá uma boa referência do impacto desse tipo de fail state. Jogos são fantasias de poder, que tentam nos convencer que qualquer coisa, com mais ou menos esforço, está ao alcance dos nossos braços.

Derrotas implícitas são poderosas porque nos lembram de que não podemos ter tudo.

Mais do que isso, elas são interessantes porque estão por toda parte. David Cage é um entusiasta de “filmes interativos”, mas seu comentário é também certeiro para jogos mais tradicionais.

Se pararmos para pensar, toda decisão, de certo ponto de vista, implica num “fracasso”. Ao ajudar um dos lados em uma guerra, “fracassamos” em apoiar o outro. Ao vivermos um romance com a personagem A, “fracassamos” na relação com a personagem B.

liara mass effect 2.jpg

Fazer escolhas é fechar portas. Quem já tomou algum grande passo na vida, do vestibular ao casamento, sabe disso melhor do que ninguém.

Fail states implícitos são necessários para a liberdade de escolha – e, consequentemente, para a sensação de que estamos no controle da nossa experiência.

4 – Em vez de excluir, aumentar a experiência

dark souls humanity restored.jpg

David Cage pensa que as telas de game over devem acabar. Já outros designers acham que fail states devem ser mais explícitos, não menos.

Se fracassos implícitos reduzem a experiência do jogador, alguns dos exemplos mais bem-sucedidos de fail states nos trazem derrotas que a aumentam.

É o caso de Dark Souls, rei indiscutível do tough love, que transformou o game over em um prazer em si.

Personagens que morram (e acredite, eles morrerão com frequência), respawnam no último ponto de save, mas suas souls (moeda do jogo) permanecem no lugar. Se o jogador morrer uma segunda vez antes de recuperá-las, estarão perdidas para sempre.

A mesmíssima estratégia foi empregada em Nier: Automata, integrada de maneira superinteressante com sua lore. 2B, nossa protagonista, é uma androide. Quando é abatida em combate, sua organização envia um novo corpo equipado com o “back-up” das suas memórias na nuvem.

O pulo do gato, como no caso de Dark Souls, é que apenas memórias fazem upload. Todas as melhorias que o jogador comprou para seu corpo permanecem no corpo. Se a nova androide morrer antes de recuperá-lo, estas melhorias desaparecerão.

20170325143742_1.jpg

Torment: Tides of Numenera leva o princípio a um nível ainda mais extremo: somos, literalmente, recompensados por morrer.

O RPG nos coloca na pele de um herói imortal, e nos lança todo tipo de artimanha para que tentemos nos “matar”.  De poças de ácido a brinquedos assombrados, espelhos assassinos a seitas canibais, o game mostra uma coleção de armadilhas digna de um filme de terror B.

numenera maw.png

Ao falharmos, ganhamos mais desafios, cenários, experiências. O que poderia ser um simples game over vira uma porta para novas possibilidades.

Fracassos como os desses jogos oferecem algo que nenhum dos tipos acima é capaz de fazer: eles tornam seus jogos mais difíceis, sem com isto torná-los mais chatos.

Esse é um ponto importante, pois vai na contramão do que a maioria dos games, nos dias de hoje, têm coragem de fazer.

Dos filmes interativos do David Cage a Call of Duty, a busca por fail states alternativos geralmente visa a tornar os games mais populares – acessíveis a um público que, cada vez menos, está disposto a jogar até o fim.

bulletstorm spoof.png

Ledo engano. Como mostrou Jesper Juul, as pessoas se divertem justamente quando erram.  Games triviais cansam rápidos e são esquecidos. Games desafiadores na medida certa nos seduzem por semanas a fio.

Nos videogames, como na vida, a tragédia é o tempero que nos move à frente.

5- Cumplicidade

nier automata 2b 9s.png

Vamos imaginar que você é um jogador hardcore, do tipo que faz Hidetaka Miyazaki arder de raiva. Derrotou todos os bosses, libertou todas as cidades, salvou (e dormiu com) a princesa. Um último inimigo se coloca diante de você, mas ele não é páreo para sua espada. Ninguém é.

Então você descobre que o inimigo é seu antigo amigo de infância, que as pessoas nas cidades eram civis, não militares, que os bosses eram guerreiros do bem e que a princesa é uma deusa das trevas, que o seduziu para ajudá-la a conquistar o mundo.

Parabéns, “herói”.

spec ops the line

O que você acaba de fazer pode ser considerado uma “vitória”? Ou não seria isto, também, uma forma de derrota?

Aqui, precisamos sair do game design e entrar no universo da literatura. Trair a expectativa do público, invertendo o bem e o mal, é uma das estratégias mais conhecidas da ficção. De Sailor Moon a Old Man Logan, está presente em todo lugar.

A diferença, nos videogames, é que os enganados somos sempre nós. Ao nos fazer ludibriar para fazer o mal achando que estamos fazendo o bem, os jogos nos tornam cúmplices do que aconteceu.

Prayer for Mono shadow of the colossus.jpg

Em Shadow of the Colossus, enfrentamos gigantes para salvar nossa amada apenas para descobrir, tarde demais, que estes colossos estão longe de serem malignos.

Em Nier: Automata, encarnamos uma androide com a missão de salvar a terra de uma invasão de máquinas. O que começa como um hack n’ slash descerebrado logo se mostra uma jornada filosófica num mundo pós-apocalíptico, e percebemos que a “humanidade” que defendemos é bem diferente do que imaginávamos.

nier automata commander.png

Em outros casos, a cumplicidade não está em nos enganar, mas em nos premiar por fazer coisas que nos repugne. Em Heavy Rain, para salvar seu filho de um serial killer, uma personagem é chantageada a decepar o próprio dedo.

Suceder na amputação caseira é uma “vitória”, pois nos aproxima do nosso objetivo. No entanto, ela não nos traz alegria, só um calafrio que revira nossos estômago.

heavy rain finger scene.jpg

Derrotas por cumplicidade não são exatamente “fracassos” no sentido gamístico. Pelo contrário, elas só funcionam se nós “ganharmos”. Elas são o que Jesper Juul chama de fracassos fictícios.  A mesma sensação que temos ao assistir a um filme trágico, sabendo que não podemos mudar o que acontece.

A diferença, nos games, é que nos sentimos responsáveis.

Quando lemos ou assistimos a uma tragédia, nós nos emocionamos, mas não desejamos averter o desastre. Entendemos que é da tristeza que depende a beleza da obra. Sentimo-nos “bem” vendo os outros (na tela ou na página), sofrendo.

Não nos games. Quando o controle está nas nossas mãos, tudo o que passa com nosso avatar – e seus entes queridos – vai direto ao nosso coração.

Não importa quanto sentido aquilo faça no contexto do jogo. Não importa quão bem construída ou necessária a tragédia for dentro da experiência. Nós sentimos culpa por aquilo, pois fomos nós que apertamos os botões que engatilharam o desastre.

witcher 3 bad ending.jpg

Se parece difícil enxergar esse tipo de twist como um fracasso, basta se lembrar dos exemplos em que foi implementado.

Atire a primeira pedra quem não sofreu ao sacrificar Kaidan ou Ashley em Mass Effect. Quem não se sentiu pesado quando (SPOILER) John Marston morre ao fim de Red Dead Redemption. Ou quando, em Heavy Rain, (SPOILER) descobrimos que Scott Shelby é o assassino do origami.

Esses desenlaces não são apenas tristes. Por se tratar de uma mídia participativa, temos a impressão de que poderíamos ter feito diferente. Mesmo quando tudo não passa de uma impressão.

O código, tal como as estrelas, é indiferente ao sofrimento dos homens.

thessia mass effect.png

Muito já foi escrito sobre o que separa o jogo das outras mídias como uma forma de arte. Para Jesper Juul, estamos olhando para o lugar errado. Concentramo-nos nas conquistas quando, na verdade, games são a arte do fracasso.

Ao pessoalizar o sofrimento, videogames se tornam a linguagem trágica por excelência, mais potentes que qualquer mídia que Sófocles ou Shakespeare poderiam ter imaginado. O suicídio de Ofélia não nos arrepia como a morte de Ciri no “final ruim” de The Witcher 3.

Como diz 9S de Nier: Automata, as máquinas (tal como os gamers!) parecem buscar o fracasso.

]]>
https://www.finisgeekis.com/2017/04/04/game-over-como-os-games-tornam-o-fracasso-viciante/feed/ 0 16007
O que “The Witcher 3” nos ensina sobre afeto https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/ https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/#respond Mon, 29 Jun 2015 20:54:06 +0000 http://finisgeekis.com/?p=421

Qual foi a última vez que você se pegou pensando em uma personagem de videogame como uma pessoa real? Que passou o dia agonizando após um criatura de pixels e voz pré-gravada lhe dar as costas, ou “morrer” graças às suas ações?

Para fãs de CRPG a pergunta é quase retórica. O gênero veio de histórias coletivas criadas em rodas entre amigos e levou a mesma vibe aos computadores e consoles. Se fãs de estratégia esperam nações e territórios e fãs de tiro olham para balas e alvos, RPGistas estão atrás de pessoas.

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

E espadas e muito sangue. Claro, uma coisa não exclui a outra

Jogos de interpretação… ou jogos de afeto?

Se você não é um recém-chegado ao gênero, sabe que o afeto não é uma firula, mas a lógica que dá sentido a tudo.  Com os orçamentos multimilionários, efeitos especiais e cenas de ação, é tentador tornar as experiências cada vez “maiores”, mais “decisivas” e “épicas”.  No entanto, maior não é sempre melhor. A morte de Obi-Wan nos toca muito mais do que a explosão de Alderaan. “Salvar o mundo das forças do mal” é uma premissa muito mais maçante do que encontrar a pessoa amada, ganhar reconhecimento ou apenas sobreviver.

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Jogadores de Dark Souls sabem do que estou falando

Na série Mass Effect, as decisões que mudam o destino da galáxia são importantes porque dizem respeito aos companheiros que reunimos ao longo da jornada. Impedir a guerra entre os Quarians e os Geth é vital não pelos seus motivos estratégicos, mas para salvar a vida de Tali, confidente de Shepard desde o primeiro jogo. Curar o genophage é uma decisão difícil porque envolve Wrex, um dos amigos mais queridos do comandante.

Games de outros gêneros também focados em narrativa seguem o mesmo caminho. John Marston é um excelente protagonista porque Red Dead Redemption não é um jogo sobre a conquista do Oeste, mas o drama pessoal de um homem arruinado em busca de sua mulher e filho. Do enredo meia-boca de Beyond: Two Souls o que se salva é o belo capítulo em que a protagonista é adotada por um grupo de mendigos, que logo se torna sua família adotiva. E, com o devido SPOILER WARNING, no final de The Last of Us Joel deixa claro que entre Ellie e o futuro da humanidade, ele prefere sua jovem companheira.

Isso para ficar só nas últimas gerações

Isso para ficar só nas últimas gerações

The Witcher III: The Wild Hunt não é muito diferente. Um dos muitos (e justíssimos) elogios que o game recebeu é quão “pequeno” é seu foco. Geralt de Rivia ronda uma terra devastada em busca de sua filha adotiva, recolhendo, no caminho, os cacos de vidas destruídas pela guerra. Da guerra em si, das “forças do mal” e do destino do universo ele não sabe nada. Os protagonistas das outras batalhas não lhe dizem respeito.

Entretanto,  por mais popular que tais histórias sejam, há um sentimento de que suas protagonistas sejam fúteis, cafonas. Em parte, isso se justifica pelas inúmeras tentativas horríveis de se contar esse tipo de história. (Watch Dogs, estou olhando para você). Em parte, porém, a crítica tem outra fonte: a obsessão pela “força” das personagens e seu potencial como role models.

A tirania das personagens fortes.

ciri

Existe uma tendência (que suspeito que Star Wars tenha tornado popular) de achar que herois estão acima dos reles mortais. Tal como um mestre Jedi, o protagonista não tem vínculos fortes e se dedica integralmente à sua causa.  Ele precisa servir de exemplo aos outros, não se rebaixar às suas paixões. Para alguns, esse modelo de Jedi é a marca que faz de uma personagem “forte e independente”.

É engraçado, no entanto, que ter “força” signifique muitas vezes ser avesso aos outros. A personagem “forte” não tem amigos; tem aliados, pessoas que servem para alguma coisa e que ela pode largar sem prestar satisfações. A personagem “forte” não tem compromissos amorosos, apenas cobaias para saciar suas vontades. A fidelidade, em um mote que poderia sair direto da boca de um Sith, é uma fraqueza a ser zombada. A personagem “forte”, por fim, não depende de ninguém: ela prefere a si mesma àqueles à sua volta, sua carreira à companhia dos entes amados, seu escritório à família e amigos.  A personagem “forte” só pensa em si e só deve a si própria sua felicidade. Os outros podem partilhar da sua alegria se ela deixar, mas não devem roubar a cena.

À primeira vista, Geralt parece ser o “forte” por excelência: um cavaleiro solitário sem comprometimentos, com poder para matar qualquer vilão, vencer qualquer disputa, conhecer qualquer monarca e ir para a cama com qualquer mulher. Porém, bastam algumas dezenas de horas no mundo dos witchers para conferir que a verdade não é bem assim.

Como eu já disse em outra ocasião, o mundo de The Witcher é um universo de monstros e Geralt de Rivia é um monstro à sua própria maneira. Pessoas cospem no chão quando o vêem e o xingam de “mutante”, “freak” e “bastardo desalmado”.  Ele não gosta do que faz, mas tem poucas alternativas. As mutações que lhe deram seus poderes lhe deixaram estéril e incapaz de mostrar emoções. Mesmo que ele desejasse mudar, ele está simplesmente excluído do mundo normal.

O que não significa que por trás do cabelo branco e dos olhos de gato não exista, de fato, uma pessoa normal.

Nesse sentido, seu momento mais tocante acontece quando visita a cidade de Novigrad. Geralt viu sua filha adotiva pela última vez na adolescência. Num mundo sem Facebook ou câmeras fotográficas, isto significa que a única imagem que ele tem dela vem de suas lembranças. Eis, então, que surge uma possibilidade de ver como ela se tornou, adulta. A reação do nosso caçador de monstros fala por si só:

Nada de diálogo explicativo. Nada de berros, lágrimas ou abraços. Reparem que quase não há trilha sonora. Apenas a expressão de dor de um homem que não é capaz de chorar, mas que acaba de ver que a criança que mais ama cresceu sem que ele estivesse lá para ver. A dor que muitos pais já sentiram ao perderem a infância de seus filhos; a mesma, provavelmente, que tomou conta de Solomon Northup em 12 anos de Escravidão, quando retorna para casa vê que sua filha está casada e já é mãe.

Quem acha que The Witcher é mais uma história do heroi durão derrotando meio mundo para salvar a pessoa X está perdendo o mais importante. Do triângulo amoroso com Triss e Yennefer à camaradagem de Zoltan e Dandelion, passando pela “amizade” conturbada de Lambert, Drijska e Roche, Geralt deve tudo àqueles à sua volta. O universo dos witchers, como o de outras séries do gênero, é um mundo cruel, em que pessoas procuram a companhia alheia para tentar afastar as trevas. Na maioria das vezes, sem sucesso.

hanged man tree

A insustentável leveza do ser

Mais de trinta anos atrás, o escritor tcheco Milan Kundera escreveu sobre essa “força”. Em seu livro, ele nos dá um cirurgião “forte”, “independente” e “realizado” com sua carreria, vida social e prazeres carnais. Uma pessoa, enfim, que ticaria todos os quadrados da cartilha do individualismo gamístico.  Entretanto, um belo dia ele larga tudo para viver ao lado daquela que jurou passar a vida ao seu lado.

Ao contrário dos role models celebrados a torto e a direito, as personagens de Kundera não vêem sentido nessa vida dos sonhos. O que para outros é “liberdade”, para eles é a insustentável leveza do ser. O ser humano – ou ao menos estes seres humanos não foram feitos para existir sozinhos. Daí que eles se mudam da Suíça para a Tchecoslováquia comunista, da cidade grande para o campo, de carreiras brilhantes e bem remuneradas a bicos no meio do nada, da vida “realizada” a uma morte sem sentido, num acidente de carro numa estrada de terra qualquer.

Por quê? Eu não sei. Talvez ninguém saiba. Na vida real (e nas melhores ficções) algumas coisas não fazem sentido. Mesmo assim, eu não consigo deixar de pensar que a obsessão pelos role models pode nos levar a um lugar perverso, tão apavorante, talvez, como o mundo dos witchers.

Em Cardcaptor Sakura, Kero-chan diz que o apocalipse é algo muito pior do que a explosão da terra: é a perda do afeto por todos aqueles que amamos. Que os justiceiros, na cruzada para impedir a primeira, tomem cuidado para não provocar a segunda. A insustentável leveza do ser pode ser um fim em si mesma. E por “fim” não digo propósito, mas game over. Ponto final.

]]> https://www.finisgeekis.com/2015/06/29/o-que-the-witcher-3-nos-ensina-sobre-afeto/feed/ 0 421