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Bethesda – finisgeekis https://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 18:16:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32&ssl=1 Bethesda – finisgeekis https://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Os donos do jogo: a guerra (nem tão fria) entre criadores e produtores https://www.finisgeekis.com/2018/12/17/os-donos-do-jogo-a-guerra-nem-tao-fria-entre-criadores-e-produtores/ https://www.finisgeekis.com/2018/12/17/os-donos-do-jogo-a-guerra-nem-tao-fria-entre-criadores-e-produtores/#respond Mon, 17 Dec 2018 20:58:08 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20737 Obsidian e Bethesda têm uma relação tempestuosa.

Em 2010, a equipe da primeira, chefiada por Chris Avellone, lançou Fallout: New Vegas, um dos mais celebrados jogos da franquia. Seu publisher, a Bethesda, prometeu um bônus aos criadores se o jogo ultrapassasse a nota 85 no Metacritic.

New Vegas obteve 84. O bônus foi negado. Pelo contrato com a Bethesda, a Obsidian também foi excluída dos royalties. Dos cerca de US$ 300 milhões que o game arrecadou, nenhum centavo parou nos bolsos da companhia.

Oito anos depois, a produtora parece ter sido atingida por um karma guiado à laser.

Fallout 4, lançado em 2015 sem qualquer participação da Obsidian, vendeu bem, mas foi atacado por fãs por desrespeitar a lore da franquia. E Fallout 76, o MMO que glamoriza o genocídio nuclear, foi chamado de “maior mico dos games nos últimos tempos”.

Foi a Obsidian, porém, que disparou o tiro de misericórdia. Anunciado no começo no mês, The Outer Worlds é um Fallout em tudo menos no nome, cujo trailer faturou aplausos na mesma medida em que 76 atraiu vaias.

Parceria entre a equipe de New Vegas e os criadores originais da franquia Fallout, o lançamento parece a vingança de autores que perderam, por um motivo ou outro, o controle sobre sua própria obra.

O próprio tom jocoso do trailer, com sua caricatura de corporações gananciosas e insensíveis, soa como um comentário do atual estado da indústria AAA.

“Bem vindo à fronteira da Galáxia” diz uma personagem. “Bem, pelo menos era até as corporações a comprarem, darem-lhe uma marca e começarem a vendê-la a preços estapafurdiamente inchados”.

“Enfrentar a corporação nos deixou com duas escolhas” diz outra “Ruim e pior”.

“Mas tudo bem, eu acho. O importante é que você continue a ser você”.

Chris Avellone e os criadores da Obsidian não foram os primeiros a sentirem o lado áspero do carinho corporativo. Pelo contrário, essa guerra fria – às vezes, não tão fria – entre artistas e os donos do jogo é tão característica dos games quanto seus pixels e leaderboards.

Uma mídia sem autores

Warren Robinett, designer do game Adventure, foi quem disparou um dos primeiros salvos. Em 1978, era política da Atari dissociar os nomes dos criadores dos jogos que faziam. Autoria, para a empresa, deveria ficar com a marca, não com as pessoas que a compunham.

Impedido de chamar o game de seu, Robinett escondeu seu nome em uma fase secreta. A brincadeira, homenageada em Jogador No 1, se tornou um dos primeiros easter eggs da história dos games.

Parzival joga Adventure em Jogador No 1

O protesto de Robinett inspirou um grupo de programadores a abandonar a Atari e criar sua própria publisher– a Activision. Embora sua empresa tenha vingado (e como!), a filosofia contra que se rebelou estava longe de morrer.

Ao contrário de filmes (vistos como a obra de um diretor) ou seriados (a obra de um showrunner ou roteirista), games, sobretudo os AAA, são encarados como obras de corporações.

É verdade que certos criadores, como Sid Meier e Hideo Kojima, cresceram o suficiente para estamparem seus nomes em franquias. Mesmo assim, é nos estúdios (quando não nas produtoras) que a maioria dos gamers pensa quando têm de enumerar seus favoritos.

Pillars of Eternity, assim, seria um “game Obsidian”; Assassin’s Creed, um “game Ubisoft”; Mass Effect, um “game Bioware”. Mesmo que cada título na franquia tenha, às vezes, uma equipe diferente – ou, no caso de Mass Effect: Andromeda, um estúdio completamente distinto.

A demissão de Hideo Kojima anos atrás mostra que nenhuma estrela é grande demais para ter o tapete puxado sob os pés. E – o que é pior – que essas companhias estão dispostas a percorrer longas distâncias para apagá-los de suas obras.

No divórcio com o criador de Metal Gear, a Konami fechou a subsidiária com seu nome – Kojima Productions LA – cancelou um de seus projetos pessoais e removeu seu nome das artes da capa.

Capa de MGS V: The Phantom Pain. O nome de Kojima (sobre o título, na imagem à direita) foi removido das caixas.

A Konami não foi a única empresa japonesa a colocar criadores em seu lugar. John Szczepaniak, autor de The Untold History of Japanese Developers (“A História Não Contada dos Desenvolvedores Japoneses”), contou que estúdios adotam a linha dura contra qualquer arroubo de individualismo.

Segundo ele, algumas produtoras proíbem que nomes de staff sejam divulgados no Japão. Isto fez com que o Castlevania original permanecesse um jogo anônimo até 2013, quando Szczepaniak identificou seu possível criador como um certo Hitoshi Akamatsu, do qual quase nada se sabe.

Caso ainda mais intrigante é o da TOSE. Com escritórios em vários países e mais de 1000 lançamentos em 40 anos de carreira, a empresa é uma das mais prolíficas do mundo dos games. Mas ninguém sabe quem trabalha para ela, ou que jogos, exatamente, fizeram.

A empresa “ninja” – nas palavras de Koichi Sawada, seu representante nos EUA – é focada quase que exclusivamente em outsourcing e evita tomar crédito pelo que faz. “Nossa política é não ter uma visão” disse ele em uma entrevista à Gamasutra.

Embora seus desenvolvedores sejam listados nos créditos de seus games, muitos deles usam pseudônimos, continuando uma prática comum na indústria desde a era dos fliperamas.

Encontrar um criador no palheiro do anonimato, como o exemplo do Castlevania mostra, é mais difícil do que parece.

Toru Iwakuni, criador de Pac Man

É difícil não ver nessas decisões a ética corporativista de muitas empresas japonesas, que punem estrelismos e premiam a conformidade.

“A relação entre criadores e jogos” diz Yusaku Yamamoto, jornalista japonês, no prefácio do livro Untold Story, “é como a relação entre os átomos e as moléculas que compreendem toda a matéria na Terra”.

Um átomo – não um indivíduo, um artista, muito menos um gênio – é, de fato, como foi tratado Toru Iwatani, criador do lendário Pac Man. Em uma entrevista de 2007, ele diz que não recebeu nenhum prêmio ou honraria pela sua contribuição aos games. “Eu era apenas um funcionário”.

Crunch, créditos e lágrimas

Mas não é só corporativismo que leva criadores a cair das graças de seus publishers. E seria ingênuo achar que esse é um problema apenas do Japão.

No Ocidente, o caso mais revoltante talvez seja o da Rockstar e Team Bondi, desenvolvedora australiana responsável por L.A. Noire. Cerca de 100 criadores foram sumariamente cortados dos créditos, ou listados apenas na sessão “Agradecimentos Especiais”.

Segundo ex-membros da Team Bondi, integrantes da equipe que foram desligados do estúdio durante o desenvolvimento não tiveram seu trabalho reconhecido.

A acusação é preocupante quando levamos em conta a terrível cultura de crunch promovida pela Rockstar sobre seus funcionários e estúdios parceiros. Criadores indispostos a aceitar condições insanas de trabalho – que, em Red Dead Redemption 2 contou com jornadas de até 100 horas semanais – poderiam se ver podados dos créditos.

Red Dead Redemption 2 Easter Egg

Referência ao “crunch” dos funcionários da Rockstar em Easter Egg de Red Dead Redemption 2

Como tantas outras coisas nos games, a prática não tem nada de novo. Já em 1984 Arthur Abraham, criador de King’s Quest e da engine AGI, foi omitido dos créditos após ter sido demitido da Sierra, responsável pelo game. Richard Moss encontrou casos parecidos entre desenvolvedores de Assassin’s Creed Starcraft.

Bem vindos ao futuro… tentem não quebrá-lo

Fonte: Eurogamer

Estariam as coisas prestes a mudar? Em alguns sentidos, elas já mudaram.

Bastante – e para o bem.

A própria trajetória da Obsidian nos seus anos pós-New Vegas é uma prova dos novos tempos. Com Pillars of Eternity – e seu 77 mil backers no Kickstarter- o estúdio provou o mérito do crowdfunding para colher os frutos de seu prestígio.

O mercado indie, de fato, deu a muitos criadores o poder de lidar com suas obras – e interagir com seus fãs – nos seus próprios termos. E ferramentas intuitivas, como Construct 2, RPG Maker ou a engine Unity permitiram que qualquer um se tornasse um desenvolvedor, com relativamente pouco custo e conhecimento prévio.

Porém, como que mora sozinho bem sabe, a faca da independência tem dois gumes. Com a democratização dos games, o mercado nunca foi tão concorrido – e a chance de ser notado, tão pequena.

Em 2016, o número de jogos lançados no Steam foi tão grande que representou 40% de todos os games já lançados na plataformaMesmo esses números empalidecem em comparação com os de 2017, que contou com quase o dobro de lançamentos.

Tal como aconteceu com a literatura e a música, o mercado independente de games virou um mar vermelho de shovelware. A utopia, como bem disse Eric Kain, virou um Velho Oeste.

Número de games lançados no Steam entre 2004 e 2017

E a equipe da Obsidian, de novo, parece ter levado uma bala perdida. Após Pillars, o desempenho de seus games não foi lá o esperado.

Tyranny, lançado em 2016, teve uma recepção morna e gerou faíscas entre os desenvolvedores e a publisher Paradox, universalmente amada como a defensora dos underdogs. O motivo teria sido “diferenças culturais” sobre processos de trabalho entre a californiana Obsidian e seus produtores suecos.

Num golpe de ironia, considerando a maneira como nós, ocidentais, criticamos a hierarquia nipônica, a empresa sueca pareceu horizontal demais aos desenvolvedores americanos.

Agora, a Obsidian está prestes a ser comprada por ninguém menos que a Microsoft, o maior sinônimo de impessoalidade corporativa que não veste orelhas de rato. A gigante anunciou que comprará também a inXile, fundada pelo lendário Brian Fargo, que trouxe Wasteland e Planescape: Torment  atualizados ao século XXI.

A fantasia de uma Terra do Nunca independente, em que Avellone, Fargo e seus pares poderiam compensar com juros o que sofreram na grande indústria, parece ter acabado.

Torçamos, para o bem deles – e tantos outros na sua situação – que a “corporação”  de que se tornarão uma engrenagem não se mostre tão patética como a que satirizam em The Outer Worlds.

Ou, pelo menos, para que dessa vez recebam seu bônus.

 

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Os museus, o apocalipse e a fé de ‘Fallout’ na humanidade https://www.finisgeekis.com/2015/11/23/os-museus-o-apocalipse-e-a-fe-de-fallout-na-humanidade/ https://www.finisgeekis.com/2015/11/23/os-museus-o-apocalipse-e-a-fe-de-fallout-na-humanidade/#comments Mon, 23 Nov 2015 18:45:06 +0000 http://finisgeekis.com/?p=899 (ATENÇÃO: contém pequenos spoilers de Fallout 4)

Escolha qualquer jogo de fantasia. Encontre um fã de carteirinha. Pergunte a ele se já sonhou em viver dentro de seu mundo virtual. Com quase toda a certeza ele dirá sim, soltará um suspiro e contará das noites em que sonhou em morar em Whiterun ou Balmora.

Escolha um jogo de ficção científica e faça o mesmo experimento. Você custará a achar alguém que prefira bater ponto a passear pela galáxia.

E fãs de jogos pós- apocalípticos? Decerto ninguém é louco o suficiente para preferir uma horda de zumbis ou prédios irradiados ao nosso conforto contemporâneo.

Bem, mais ou menos. Como eu disse em uma outra ocasião, existe um charme irresistível no apocalipse. A New California Republic pode não ser nosso destino favorito de férias, mas imaginar o que será de nosso mundo quando tudo for para as cucuias sempre excitou a imaginação dos mais criativos.

Explorando a Commonwealth de Fallout 4, não pude deixar de notar que os pensamentos coletivos têm alguma semelhança.

Para começar: todos, por algum acaso, envolvem museus.

bioshock museum

Lugares de memória

O padrão fica claro quando analisamos os truques que os games usam para conquistar nossa atenção. Como é sempre a primeira impressão aquela que fica, jogos costumam ter muito cuidado com os primeiros ambientes que apresentam ao jogador.

Mass Effect não perde tempo em apresentar a Citadel. Skyrim nos dá logo de cara acesso a Whiterun, com Jorrvaskr e a Sky Forge. Planescape: Torment introduz a metrópole interplanar de Sigil tão cedo o jogador termina o primeiro dungeon. Esses lugares não são apenas bonitos ou interessantes. Eles dão o tom para toda a experiência.

citadel ME1

Fallout 4 leva isso ao extremo. Após saírmos do vault e visitarmos as ruínas de nossa antiga casa, uma missão nos coloca dentro de uma power armor com uma minigun em mãos, lutando contra um deathclaw. Para completar a experiência, ganhamos até um bobblehead de brinde.

bobblehead

Tudo o que há de mais característico na série Fallout parece ter sido condensado em um único momento. O objetivo, claro, é o convencimento. Se esta setpiece meteórica não despertar vontade de experimentar o restante do jogo, provavelmente nada despertará.

É de se esperar, portanto, que o cenário escolhido para uma missão tão importante seja igualmente icônico. E ele é – olha lá! – um museu.

Fo4-museum-of-freedom-concept

Há alguns anos, The Last of Us nos trouxe outro mundo pós-apocalíptico para explorar. Tal como em Fallout 4, um episódio inicial dás as cartas do enredo. Com a morte de sua parceira, o protagonista Joel se vê sozinho com Ellie, começando uma relação que se tornará o cerne da trama.

Onde se passa esse momento crucial da história? Em vários lugares, entre os quais – você adivinhou – um museu.

last of us museum

Se as semelhanças acabassem por aí, poderia ser coincidência. O problema é o que está em exposição nesses museus.  Fallout 4 nos leva ao sugestivamente intitulado “Museu da Liberdade”, com uma coleção patriótica sobre a história dos Estados Unidos. Entre os destaques, manequins com uniformes da época da Guerra da Independência e murais ufanistas.

Museum_of_Freedom_Mural

Já no museu de Last of Us, nós encontramos… uma coleção patriótica sobre a história dos Estados Unidos, com destaque para manequins com uniformes da época da Guerra da Independência.

last of us museum 2

Os ingleses estão chegando

À Primeira vista, é tentador dizer que se trata de puro nacionalismo. Jogos, como toda produção cultural, tendem a prestar homenagem à cultura que os produziu. Considerando que estamos falando do país que desenvolvou America’s Army, parece óbvio que um game americano fosse aproveitar a chance de demonstrar seu orgulho.

Em Fallout 4, a homenagem não poderia ser mais escancarada. Os “bom moços” da Wasteland chamam-se minutemen, originalmente uma milícia de colonos formada durante a Guerra de Independência. Para a eventualidade do jogador não entender a referência, seu líder se veste com roupas do século XVIII, muito embora viva em 2287

Preston_Garvey

Mesmo assim, há algo além de patriotismo nessas exposições virtuais. Com o risco de dizer o óbvio, estes museus estão destruídos. E por “destruídos”, não digo apenas em ruínas, mas extintos.

O Museu da Liberdade em Fallout 4 e a galeria em The Last of Us não são mais museus. São apenas prédios reaproveitados – ou completamente abandonados. Não existem mais “museus” no futuro; não há coisas para preservar. Afinal de contas, para que se preocupar com o passado em um mundo que já acabou?

Essa é uma reflexão poderosa, que não foi incluída nesses jogos à toa. Pelo contrário, ela é uma referência a uma das obras fundadoras do gênero pós-apocalíptico.

A máquina do tempo

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H.G. Wells é um dos grandes pioneiros de ficção científica, embora nossa geração tenha queimado seu legado com adaptações cinematográficas bastante medíocres.

Nada disso tira o mérito de A Máquina do Tempo, uma das grandes obras da história da literatura. O romance acompanha um inventor que descobre uma maneira de viajar ao futuro. Ele avança centenas de milhares de anos no futuro e encontra uma sociedade que perdeu todos os resquícios de humanidade.

A diferença entre ricos e pobres se tornou tão aguda que as duas classes evoluíram para espécies diferentes. As elites tornaram-se os eloi, um povo manso e inofensivo que não trabalha e passa seus dias descansando. Os trabalhadores transformaram-se nos morlocks, monstros que vivem na escuridão e se alimentam dos eloi, os quais criam como ovelhas.

Em dado momento, o protagonista visita o Palácio da Porcelana Verde, uma enorme ruína sem função aparente. Examinando o local, ele encontra corredores cercados por caixas acinzentadas. Com alguma surpresa, ele percebe que elas são expositores de vidro, abandonados há tanto tempo que haviam sido tomados pela poeira. O palácio misterioso era na verdade um museu.

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O protagonista, aterrorizado, percebe o que aconteceu com a humanidade. “Passado” e “futuro” só existem quando há o progresso. Reduzidos a animais, nascendo, engordando e morrendo sem pensar no amanhã, os eloi estão presos no presente eterno. Em seu mundo não existe mais história. Um povo que não vai a lugar algum é um povo que não tem um passado a relembrar.

A esperança na humanidade

Essa angústia está presente em toda ficção pós-apocalíptica, de A Estrada Mad Max. Nesses futuros destruídos, as pessoas não criam, apenas reaproveitam o que já foi feito. Elas não vivem, elas tentam não morrer. Elas não inventam, só “descobrem” saberes de outras épocas.

Os sobreviventes do apocalipse não precisam de museus porque, tal com os eloi, eles não estão indo para lugar nenhum. Em 50, 100 ou 200 anos, sua sociedade (caso ainda exista) continuará exatamente a mesma. Eles não precisam de patriotismo, porque “pátrias” não existem mais. A autoridade pública se reduziu a aldeias, senhores da guerra, justiceiros. Não há sentido celebrar a independência americana, pois não há mais Estados Unidos.

Nisso, Fallout 4 é diferente. Em um dado momento do jogo, um personagem diz que está cansado de “sobreviver”. Está na hora de reconstruir.

E reconstruir o jogador irá. Ao contrário da maioria dos jogos sobre o tema, o cenário de Fallout 4 não é um campo de batalha, mas um mundo esperando ser reerguido. O jogador passa mais tempo – e ganha mais experiência – devolvendo uma vida aos habitantes da Commonwealth do que explodindo cérebros de supermutantes.

sanctuary fallout 4

O mais brilhante é como, fiel ao clássico de H.G. Wells, conforme as pessoas conquistam o seu futuro elas “redescobrem” seu passado. Uma missão faz o jogador percorrer a Freedom Trail, uma rota turística que une os pontos históricos de Boston. Em outra, os minutemen pedem ajuda para reconquistar o Fort Independence, uma fortaleza do século XVIII.

fallout 4 castle

Na ficção pós-apocalíptica, a espécie humana dificilmente ganha uma chance de tentar de novo. Fallout parece acreditar que há esperança para a humanidade, que um novo recomeço é possível. Não é à toa que, a despeito dos ghouls, dos mutantes e de toda a radiação, os fãs da série adoram habitar seus mundos virtuais.

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https://www.finisgeekis.com/2015/11/23/os-museus-o-apocalipse-e-a-fe-de-fallout-na-humanidade/feed/ 1 899
RPG ou FPS? O problema dos gêneros em videogames https://www.finisgeekis.com/2015/11/16/rpg-ou-fps-o-problema-dos-generos-de-videogame/ https://www.finisgeekis.com/2015/11/16/rpg-ou-fps-o-problema-dos-generos-de-videogame/#comments Mon, 16 Nov 2015 21:50:29 +0000 http://finisgeekis.com/?p=882

Fallout 4 já vendeu mais de 12 milhões de unidades e está no caminho de se tornar um dos títulos mais populares da geração. Nem todo o sucesso, no entanto, o salvou dos desafetos. Na linha de Mass Effect 3, Dragon Age II, Diablo III e tantos outros no passado, o game foi alvo de uma review-bombing no Metacritic, com mais de 700 avaliações negativas – várias com nota 0.

As críticas são várias, mas apresentam um denominador comum. Usuários se queixam do crescente distanciamento da série daquilo que a tornava especial. Aqui e acolá, a acusação aparece com todas as letras: Fallout estaria deixando de ser um RPG para se tornar um FPS. Narrativas ramificantes, diálogos complexos e sistemas de promoções criativas teriam sido substituídos por tiroteios acelerados.

A “perda da pureza”  é uma alegação comum nos games, e nem sempre despropositada. De todas as séries, poucas têm uma história tão antiga com esse problema quanto Fallout. Originalmente um dos maiores expoentes da “era de ouro” dos RPGs isométricos, a franquia foi revitalizada pela Bethesda em 2008 como um game em tempo real e primeira pessoa, nos moldes de The Elder Scrolls.

As semelhanças terminam na power armor

As semelhanças terminam na power armor

É difícil imaginar dois estilos de jogos mais incompatíveis. Contudo, a aposta funcionou, em parte pelo sucesso da Bethesda em apresentar um dos maiores clássicos dos games a uma nova geração de fãs, em parte por New Vegas, que trouxe de volta a equipe dos Fallouts 1 com as liberdades da nova engine.

O embate muito provavelmente está não nos jogos ou nos fãs, mas no vocabulário vago ao qual nos acostumamos. Se um rótulo como “RPG” se aplica a coisas tão diferentes uma da outra, por que continuamos a utilizá-lo?

Gêneros de videogame: auxílio ou confusão?

cartridges

Gêneros de entretenimento são categorias estranhas. Todos sabemos, intuitivamente, o que as coisas que gostamos são, mas dificilmente somos capazes de descrevê-las. Se o que marca um RPG são sistemas de level-up e potencial de customização, seria Borderlands 2 mais RPG do que Fallout 4? E Mass Effect 2, que destilou talentos, atributos e perícias ao mínimo necessário, mas entregou um dos enredos mais impactantes de sua geração? Não seria isso, também, a marca de um grande RPG?

E quando jogos deliberadamente misturam gêneros? Como descrever Battlestations: Pacific, que permite que o jogador alterne entre estratégia em tempo real e simulador de vôo em uma mesma batalha? E Dark Cloud, misto de JRPG com construção de cidades?

E Zelda: Ocarina do Tempo? Seria ele uma “ação-aventura” open world, tal como as sandboxes da nossa época? Por que não “quebra-cabeça”, já que seus dungeons são basicamente combinações de blocos a serem empurrados, e seus bosses são derrotados com a repetição de sequências memorizadas?

A confusão é tamanha que muitos já sugeriram largar a divisão por gênero como um todo. Essa é uma visão comum entre críticos e desenvolvedores independentes, que acham que categorias muito marcadas reduzem as possiblidades criativas e incentivam a produção de mesmices.

Gamers, no entanto, pensam diferentes. Por mais que uma parcela dos consumidores curta a experimentação, uma pesquisa publicada esse ano constatou que 74% dos compradores considera a informação sobre gênero útil na hora de adquirir um jogo novo.

Do lado dos criadores, interagir com seus pares também é importante para que seu trabalho seja notado. Num momento de saturação de mercado e intensa competição por espaço entre games indies, garantir que seu jogo chegue àqueles que podem gostar dele é um imperativo. Se isso significa fazer malabarismos com uma terminologia vaga, então este é um sacrifício que os desenvolvedores terão de suportar.

Como resolver esse problema? Não existe uma resposta milagrosa. Felizmente, este não é um problema recente, e o passar dos anos nos trouxe saídas promissoras.

1- Expandir as categorias

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Um ponto que os críticos dos gêneros sempre fazem é que os motivos que levam pessoas a curtir um dado jogo são diferentes. Alguns buscam mecânicas que lhes sejam familiares. Outros vão atrás de cenários ou temas (fantasia, steampunk, cyberpunk, Segunda Guerra Mundial). Outros querem algum apelo emocional específico (adrenalina, medo, tristeza). Outros ainda têm preocupações bem mais pragmáticas (isso é jogável sem um controle?).

Para tal, seria útil dividir os “grandes gêneros” em vários eixos. Esta é a solução do Moby Games, um banco de dados de videogames na internet. Nele, “gênero” é definido por gameplay, mas jogos são ainda classificados por duas outras categorias: perspectiva e tema.

Quer um jogo com mecânicas de RPG, mas detesta games em primeira pessoa? Busque por títulos com perspectiva isométrica. Não suporta mais games de tiro ambientados na era contemporânea? Entre na categoria FPS e selecione algo mais exótico no campo “tema”.

O resultado foi um imenso glossário com explicações detalhadas sobre todas as subcategorias. Se não for o suficiente, o site também dá uma explicação histórica contando a evolução do gênero ao longo das décadas.

Até que ponto suas definições vão agradar fãs hardcore são outros quinhentos. Algumas escolhas parecem bastante pertinentes. RPGs, por exemplo, são definidos como descendentes dos RPGs de mesa cujo foco é o desenvolvimento de personagens.

Já outras são de coçar a cabeça. Visual Novel e vôo aparecem como “tema”, não “gênero”, muito embora várias pessoas os associem a tipos específicos de gameplay. Limitações à parte, é difícil encontrar um compêndio mais detalhado fora de uma tese acadêmica.

2 – Deixar a escolha nas mãos dos jogadores

Gry PC Street Cleaning Simulator (PC)

Essa é a solução poliana da web 2.0. Críticos, acadêmicos e desenvolvedores conhecem muito da mídia, mas seus objetivos são bem diferentes daqueles dos consumidores. Se a intenção é atender demandas, porque não dar a voz para quem compra os jogos?

Uma funcionalidade do tipo está presente no Steam. A vantagem é que, no espírito das subdivisões do Moby Games, suas tags são extremamente versáteis, indo do “fofo” ao “crowdfunded”.

A desvantagem é que, como todo sistema de feedback aberto, classificação populares são vulneráveis às trollagens. O próprio steam teve de criar um sistema de controle após usuários criarem tags como “lixo” ou “não é um jogo”.

Para quem usa a internet há algum tempo, não há nada de novo sob o sol. Para a Amazon.com, trollagens de produtos tornaram-se tão populares que se transformaram em um ritual da web. A Mountain Dew já foi forçada a cancelar um concurso para eleger o nome de seu próximo sabor após “Hitler não fez nada de errado” liderar as votações. Num caso menos malicioso, Street Cleaner Simulator tornou-se um dos jogos mais celebrados de todos os tempos.

3 – Adotar nomenclaturas bottom-up

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Uma alternativa para a anarquia digital do item acima é procurar categorias criadas no discurso informal e disseminadas pelo uso recorrente. Tal como as línguas se modificam e incorporam neologismos, também o vocabulário dos games muda ao longo do tempo. Se é verdade que categorias tradicionais como RPG, FPS e estratégia continuam sendo úteis, nada impede que novos termos entrem em cena para enriquecer o debate.

Um caso notável são os gêneros baseados em jogos – o que um publicitário talvez chamasse de “fenômeno Yakult”. Graças à bolha indie no PC, muitos gamers são familiares com o termo roguelike, aventuras cujos níveis são gerados proceduralmente e a morte é permanente. O que menos gente sabe é que o gênero é baseado no game Rogue, lançado originalmente em 1980.

O neologismo fez tanto sucesso que uma conferência internacional de criadores de roguelikes passou a ser organizada anualmente. O novo “gênero” consagrou-se a tal ponto que o variante rogue-lite começou a ser empregado para games que adotam apenas algumas das características de seu “pai fundador”.

Casos similares são os metroidvanias (side-scrollers baseados em Metroid e Castlevania para o NES) e o próprio JRPG. Num processo similar à popularização do anime fora do Japão, o que começou como um jargão ocidental transformou-se em um estilo que hoje já conta com exemplos americanos e europeus.

4- Conferir se o problema não está em outro lugar.

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E se o problema dos gêneros não estiver exatamente nos gêneros?

A pergunta vem de pesquisadores que não se conformaram com a teimosia do público. Ideias impopulares costumam ser descartadas ou aprimoradas com o tempo. Se o mesmo não aconteceu com o vocabulário dos games, é porque o incômodo está em outro lugar.

Eu já falei em outro artigo que as disputas entre “casuais” e “hardcore” geralmente só ocorrem quando um dos grupos se sente impedido de curtir seu entretenimento da forma que mais aprecia. Se pararmos para analisar as flamewars de Fallout 4, o que salta aos olhos não é um purismo de nomenclatura. Antes, é a sensação que um tipo de experiência deixou de existir para dar lugar a outro.

Há um temor de que protagonistas dublados impliquem em uma redução das opções de diálogo, que o combate em tempo real atrofie sistemas de talentos e perícias, que a ênfase em elementos cinemáticos exija a redução de ambientes, que o fato de que a maioria das pessoas não termina os jogos leve a histórias secundárias ou mal desenvolvidas.

Por mais que esteja curtindo Fallout 4, não posso deixar de concordar que esse é o caminho que a esfera AAA tomou. Há escolhas a serem feitas. E, tal como as decisões que tomávamos nos RPGs das antigas, elas podem exigir que um mundo seja destruído para poder ser salvo.

A Bethesda não foi a única a perceber isso. David Gaider, escritor-chefe de Dragon Age, chegou à mesma conclusão quando do lançamento do segundo jogo da série. Para o fã hardcore, infelizmente, isto significa pular da frigideira para a fogueira.

Entretanto, por mais que eu simpatize com a angústia, também não consigo levar o alarde a ferro e fogo. Graças ao sucesso do crowdfunding, vários dos grandes talentos da indústria migraram para canais independentes. Entre eles está a nata da “era de ouro” dos RPGs isométricos, como Chris Avellone e Brian Fargo.

Se há alguns anos só podíamos sentar e chorar quando nossa franquia do coração era desmembrada ao mudar de direção, hoje temos refúgios. Saudosos de Fallout podem experimentar Wasteland 2, sequência do game de 1988 que serviu de inspiração à franquia. Quem não se incomoda com um toque cyberpunk em seu pós-apocalipse também curtirá os novos Shadowrun (Returns, Dragonfall, Hong Kong). A série é baseada em um premiado cenário de RPGs de mesa, mais conhecido por sua clássica adaptação ao SNES

Nós estamos chegando em um momento em que quase qualquer estilo de jogo pode ser feito. De todas as liberdades que isso nos dá, a maior é saber que podemos finalmente soltar o cabo-de-guerra e deixar a indústria AAA seguir seu caminho. Graças à renascença dos RPGs (e de tantos outros gêneros), nós agora temos uma alternativa.

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4 dicas para você perder o medo de jogos muito longos https://www.finisgeekis.com/2015/07/20/4-dicas-para-voce-perder-o-medo-de-jogos-muito-longos/ https://www.finisgeekis.com/2015/07/20/4-dicas-para-voce-perder-o-medo-de-jogos-muito-longos/#respond Mon, 20 Jul 2015 23:57:02 +0000 http://finisgeekis.com/?p=487 Todo mundo conhece a história.  O sujeito passou a infância ou a adolescência vidrado em games. Virava noites com Zelda, Final Fantasy ou Baldur’s Gate. Chegou a todos os finais dos Fallout 1 e 2. Lembra de Ald’ruhn e Balmora, cidades de Morrowind, mais do que da casa em que passou a infância. Aí perguntamos: “E hoje, o que você anda jogando?” E a resposta: “Não dá mais. Hoje, só jogos curtos”.

Comigo foi assim semana passada. Em uma conversa recente, ouvi um colega dizer que investiu U$ 260,00 no kickstarter do Shenmue 3. Disse que chorou ao ver o anúncio na E3. Perguntei em que plataforma ele iria jogar; ele disse o PS4. Perguntei se ele tinha um PS4; ele disse que compraria só para jogar Shenmue. Eis que meu radar de gamer hardcore começou a apitar.

Lancei então a pergunta: e o Final Fantasy VII? O que achavam do remake?

Nesse ponto, o tom mudou. Outro colega disse: “Jogava quando era moleque. Hoje em dia é impossível.” Parou de jogar videogames? Não, jogava ainda, só não mais jogos longos.

Quando os tempos eram outros

Quando os tempos eram outros

A situação é compreensível. Segundo o HowLongtoBeat, site que cataloga médias de tempo que os gamers levam para terminar seus jogos, FFVII demanda alguma coisa entre 30h e 70h para ser terminado. E isso contanto apenas a quest principal: um complecionista pode rodar de 60h a absurdas 300h dependendo de qual for seu ritmo de jogo.

O game não é um ponto fora da curva. Zelda: Ocarina do Tempo podia chegar a 50h (supondo que você não ficasse travado em um dungeon por dias a fio, como acontecia comigo o tempo todo). Secret of Mana, o clássico de SNES, girava em torno de 30h a 70h caso você quisesse esgotá-lo. A dobradinha Baldur’s Gate 1 e 2 dificilmente saía por menos de 80h para a quest principal ou 200h contando missões secundárias. Se quiser colocar algum Elder Scrolls na lista, prepare-se: explorar tudo o que estes games têm a oferecer pode levar mais de 1000h.

Por jogo

Por jogo

Não é à toa que muitos abriram mão desse tipo de game em troca de títulos multiplayer, de pequeno porte ou vazios do ponto de vista narrativo. Aqueles que criticam FIFA e GTA como “diversão de ignorantes” cometem uma grande injustiça. Nos dias de hoje, quem tem 100h para gastar num jogo?

Por incrível que pareça, muita gente. É questão de saber usar bem o tempo, preparar-se para o desafio e – é claro – estar disposto a embarcar em jornadas virtuais que durem meses.

Abaixo, passarei algumas dicas para aqueles que sentem saudades das experiências digitais da juventude, estão dispostos a encarar o desafio, mas sentem dificuldade em voltar à forma.

1. Separe o relaxante do cansativo e organize sua agenda de acordo

Quests_(Skyrim)_Interface

O que sempre me espanta na maioria dos gamers “enferrujados” é que, ao mesmo tempo em que dizem que não têm tempo para jogos longos, eu os vejo a torto e a direito fazendo maratonas de séries de TV, virando a noite com reality shows ou passando horas no vaso navegando no 9gag. Por algum motivo, videogames parecem “pesar” mais do que todas essas outras atividades.

Por quê?

Games são vistos (não sem razão, diga-se de passagem) como entretenimento que exercita o cérebro. Enquanto que a reprise de um programa favorito nos permite deixar a cabeça no “automático”, a concentração, multi-tasking e perícia exigida pelos jogos nos obriga a ficar alertas. Depois de um dia cansativo, ninguém quer desperdicár as horas de descanso com mais trabalho.  Correto?

Em parte. Desenvolvedores também são gente, e sabem que às vezes não queremos nada além de cair no sofá e ligar o protetor de tela da vida por algumas horas. Por esta exata razão, muitos games são feitos com isso em mente. Por mais “adulto”, “sério” e “complexo” que um título seja, ele quase sempre vai ter um zilhão de atividades meniais, pensadas sob medida para esses momentos do dia em que queremos ‘desligar’.

Mass Effect ganhou os louros da crítica por sua história comovente. Mas é bom lembrar que a maior parte do jogo, quantitativamente falando, se passa viajando à toa pela galáxia, coletando minerais ou escaneando planetas. Os jogos da Rockstar têm momentos de grande tensão, mas nada nos impede de dirigir à esmo ouvindo o rádio de nosso carro virtual. E em Skyrim, para cada dragão que matamos há quilômetros de montanhas arborizadas com florzinhas para coletarmos.

Essas são atividades relaxantes, prazeirosas e que exigem pouco do cérebro. Podem ser muito mais legais (e esteticamente mais agradáveis) do que rever o mesmo gif de gato pela octagésima vez. Como cereja do bolo, elas cumprem uma função prática.  Fetch quests, por exemplo, existem em quase todos os jogos e geralmente dão algum benefício (seja em experiência, itens ou recursos) que pode fazer a diferença mais para a frente.

Where-the-Druffalo-Roam

Não fosse o bastante, essas atividades simples “treinam” o jogador para os momentos mais importantes do jogo, ajudando em outro grande porém: a dificuldade. Dirigir à esmo em GTA nos faz, com o tempo, memorizar o mapa das cidades, algo essencial para perseguições. O minigame de pugilismo do Witcher 3, muito mais difícil que as batalhas “normais”, diga-se de passagem, treina reflexos que fazem do combate bem mais tranquilo.

Mais: jogos podem ter 70h de duração, mas boa parte das quests têm começo, meio e fim e podem ser completadas em menos de uma hora. No tempo que leva para assistir a um episódio de CSI: Miami dá para liberar uma ruína Dwemer em Skyrim ou pegar o troféu de uma arachas no Witcher.

Morre logo que tenho de tomar banho em 20min

Caia dura que eu tenho que preparar o jantar

E quanto às missões principais? Os momentos de decisões sem volta, de perícia e estratégia? As boss fights? Estes deixamos para os fim de semana livres, férias e feriados; para os momentos em que realmente temos horas à fio livres para fazer o que quisermos e curtir a experiência sem culpa. Main quests de games geralmente fluem bem e são, no conjunto,  mais curtas que o total das atividades secundárias. Cuidando do conteúdo de “enchimento” ao longo da “semana útil”, o que resta da experiência pode ser terminado em poucos dias.

2. Crie um diário de campanha

Blackbooktext

Essa é uma dica que eu dava para os meus jogadores quando mestrava RPG de mesa. Na adolescência, quando não fazemos nada da vida, é fácil jogar com frequência. Já depois de envelhecermos não é incomum passarmos semanas sem tocar no console ou PC.

A consequência mais óbvia é “enferrujarmos” e perdemos a familiaridade com o sistema ou com os controles. Jogos complexos, que requerem reflexos ou memorização, são os mais afetados.  Nisso, a rotina do item anterior ajuda em muito. Combinada com uma dificuldade mais baixa (ao menos para o período de “aclimatação”) isto deixa de ser um problema.

No entanto, é muito provável que perdamos também qualquer ideia do que acontecia no jogo até aquele momento. Era o que acontecia nos meus encontros de RPG: apesar das pessoas guardarem uma noção básica da história, os detalhes, sutilezas e atmosfera eram esquecidos. Um jogo narrativo, destilado deste jeito, perde toda a graça.

É aqui que entram os diários de campanha. Como todo diário, a ideia é que seja uma récita do que aconteceu de importante até aquele momento. Ele pode ser feito dia após dia, semana após semana, ou antes de qualquer pausa significativa. Tudo é válido: o nome e identidade das personagens, os itens mais utilizados, os controles para as manobras de maior sucesso, desabafos. Para ficar mais interessante, ele pode ser “multimídia”, incluíndo imagens, screenshots, achievements e outras coisas mais.

Diários de campanha podem virar passatempos em si. Eles são muito populares em games de estratégia. Alguns fórums têm inclusive sessões específicas para os AARs (After Action Reports), em que um jogador narra sua jornada e os demais comentam.

AAR

Independente do nível de envolvimento, a estratégia funciona. Um bom diário de campanha é capaz de localizá-lo na história que deixou para traz em uma única lida. Ele não precisa ser feito enquanto jogamos; antes, é útil deixá-lo para as horas perdidas do dia, para as filas de banco e para os chamados da natureza. Aplicativos como o Evernote permitem que você exporte o documento para o computador, caso queira retrabalhá-lo depois.

3. Você não é obrigado a jogar até o fim, mas vale a pena se esforçar para chegar lá

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No final das contas, quando falamos de “jogos longos” single player estamos falando de dois tipos de experiência. De um lado, temos os títulos abertos, expansivos, que prezam pelo gameplay emergente e trocam profundidade por quantidade. Elder Scrolls, e as dezenas de séries que chupinharam seu sucesso, são os maiores exemplos.

Esses jogos, quando bem feitos, são lindos, viciantes e repetitivos. A ideia não é vender uma história, mas a sensação de se estar em outro lugar. Se fôssemos fazer um paralelo com o mundo analógico, eles seriam os passeios no parque ou no museu. Você não precisa (e nem deve) fazer ou ver tudo. Foque nas coisas que lhe agradam e, quando cansar, vá embora.

Acho que por hoje já deu

Acho que por hoje já deu

Do outro lado, no entanto, há os jogos que são grandes por que realmente são uma montanha-russa de emoções e esperam se tornar parte de sua vida. São os JRPGs à la Final Fantasy, os jogos da Bioware, com suas quase 100.000 palavras de diálogo, as sandboxes da Rockstar, que têm de enredo quase tanto quanto oferecem de filler, e com qualidade semelhante.

Oh, but you will. You will be responsible

“Oh, but you will. You will be responsible”

Para esses jogos, não adianta fazer um piquenique e ir embora. Eles nos encorajam a comprar o desafio de Clarice Lispector, em seu conto Felicidade Clandestina. Nele, uma garota fica encantada ao ganhar um livro do Monteiro Lobato porque ele é enorme: ela sente que, mais do que lê-lo, vai viver parte da sua vida com ele. Aqueles que já passaram manhãs preguiçosas na escola imaginando as aventuras digitais que viveriam quando chegassem em casa, ou que sofreram no trabalho pensando se destruir o genophage foi mesmo a escolha certa sabem do que estou falando. Jogos longos vivem conosco por um tempo.

Se os primeiros, no mundo real, seriam uma caminhada, esses jogos são as séries de TV. Seus enredos são rebuscados, episódicos e cativantes, com muitos altos e baixos e suspense. Se você for parar para pensar, o tempo que gastamos nelas é mais ou menos o mesmo. Game of Thrones, de cabo a rabo, toma dos espectadores 50h; Breaking Bad, pouco mais de 60h. The Sopranos chega a 86h, e Mad Men passa da marca das 90h. Já se você quiser assistir Grey’s Anatomy em uma tacada, tenho más notícias: a série tem mais de 240h e ainda não acabou.

Ao contrário de sitcons e procedurais de polícia, essas séries não foram feitas para serem vistas “em migalhas”. É a especulação, a ânsia pelo final, a empatia a longo prazo com os personagens que fazem a alma do negócio. Longos games narrativos são a mesma coisa. Terminá-los não é fácil, mas o prêmio, como diria Jacob Taylor, vale cada gota de suor.

Jonas Mattson, um dos criadores de Witcher 3, disse isso com todas as letras em uma entrevista anos atrás:

Eu sou um fã de Skyrim, vários de nós amam Skyrim. Mas enquanto eles estão fazendo a coisa deles, como mundo aberto, pular e correr pelos cantos casualmente, nós estamos fazendo um pouco diferente. Nós estamos investidos pesado em narrativa e mundo aberto. Isto não foi realmente feito antes e nós queremos provar que pode ser feito.”

Agora, se mesmo com toda a boa vontade e organização do mundo terminar um aventura de 100h estiver ainda impossível, acalme-se. Afinal de contas, lembre-se de que…

4. Chegar ao final não é sinônimo de “complecionismo”

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Na minha infância, jogo era algo que se “zerava”. A gíria vem das máquinas de pinball, cujos marcadores de ponto tinham 6 ou 7 dígitos e voltavam para o zero quando chegavam a um número muito grande. Hoje, fala-se em “platinar”, oriundo dos achievements de nível platina, obtidos ao cumprir todos os outros de um dado título. O sentido é o mesmo: há um limite de coisas para se fazer em um jogo. Para “terminá-lo”, é preciso deixar tudo devidamente feito.

Assim pensa o “complecionista”. É uma forma incrível e desafiadora de se encarar o game, desde que se tenha muita paciência e tempo de sobra. Exatamente o contrário do que a maioria dos adultos pode dizer que têm. E não há nada de errado nisso.

Então né...

Agora volte ao mapa do começo desse post

Se você é daqueles que se desanima ao saber que está deixando coisas para trás, saiba que não é preciso ser um complecionista para curtir um jogo longo até o fim. Não porque “somos humanos e ninguém é perfeito” ou qualquer outra bobagem do tipo. Mas porque boa parte do conteúdo em jogos está lá só para dar volume.

Mass Effect tem missões para se coletar minerais e relíquias na superfície de planetas, mas o número destes recursos no jogo é muito maior do que o necessário para que as completemos. Na maioria dos RPGs, o ganho monetário é tão grande que se torna redundante após certo ponto: as recompensas, tesouros e jóias encantadas perdem todo o sentido. Já certos jogos têm o level cap tão baixo que pode ser atingido antes do final da experiência. Após isto, completar missões vira ‘esporte’: não há mais nenhum ganho concreto.

Não perca seu tempo. São todos hidden caches

Não perca seu tempo. São todos hidden caches

Desenvolvedores estufam seus jogos com essas prendas porque sabem que consumidores priorizam entretenimento que vai agradá-los por mais tempo. Porém, em excesso, isso torna a experiência enjoativa. Dragon Age: Inquisition tem cerca de 30h de jogo de alta qualidade dramática espaçadas em um cenário inchado por tarefas meniais e repetitivas. Tentar platiná-lo é um exercício de masoquismo. Pode agradar aos gamers mais devotos, mas de maneira nenhuma vale o esforço.

Onde 8/10 gamers desistem do jogo

Onde 8/10 gamers desistem do jogo

Há claro, outros problemas que tornam jogos longos complicados depois de uma etapa da vida. Infelizmente, nem todos têm solução. No entanto, em uma boa medida um pouco de organização e planejamento fazem toda a diferença. Tal como tricotar, fazer maquetes, cozinhar, tocar um instrumento ou praticar um esporte, jogar no final da contas não é uma questão de talento, mas de disciplina. E muita paciência.

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Dragon Age: O Charme do Desconhecível https://www.finisgeekis.com/2015/03/09/dragon-age-o-charme-do-desconhecivel/ https://www.finisgeekis.com/2015/03/09/dragon-age-o-charme-do-desconhecivel/#respond Mon, 09 Mar 2015 20:02:45 +0000 http://finisgeekis.com/?p=78 É possível sentir saudades de um lugar  que não existe?

Os protetores da memória dirão que não. Podemos nos iludir até cansarmos, inventarmos quantos refúgios quisermos para driblar qualquer senso de perda. Os espaços, objetos e pessoas que compõem nossa identidade independem de sortilégios psicológicos. Eles atendem a uma demanda maior: dizer o que somos, com quem devemos andar e o que precisamos deixar para o futuro. Contra isso, podemos reunir todos os mapas fajutos queimados nas pontas, as narrações em off e os rip-offs de trilhas do John Williams. Não muda nada. Uma coisa só é real se for real.

Gamers, no entanto, dirão diferente. Puxe um jogador de The Elder Scrolls à conversa e ele dirá quem é quem nas ruas de Sadrith Mora e qual o melhor lugar para se comprar comida em Whiterun. Chame um fã da Bioware ao desabafo e você escutará sobre as dores da traição do Jacob, o seu triângulo amoroso com o Alistair e a Leliana e o sacrifício dos Bull’s Chargers na Storm Coast. Pergunte sobre a primeira vez em que jogaram seus jogos e eles a compararão a uma viagem: por uma semana (ou um mês, ou um ano), Cyrodiil, Ferelden, Skyrim ou Orlais foram lugares em que de fato viverem, povoados com pessoas com quem de fato conversaram, e que deixaram lembranças mais vivas que qualquer foto.

O que diz de nós quando uma experiência virtual se torna mais verídica que o mundo de carne e osso? Somos nós que estamos impressionáveis ou é o mundo que ficou real de menos?

Quem conta um conto aumenta um ponto

Se RPGs de fantasia como TES ou Dragon Age passam a sensação de um mundo pulsante e fidedigno, não é só pela beleza gráfica, a complexidade de sua lore ou seu “realismo técnico”. Nem mesmo simplesmente por podermos alterá-los à revelia. Tamriel e Thedas são mundos cativantes em parte porque se mostram detentores de um passado e se projetam ao futuro, seja ao reagir (e acolher) as ações dos jogadores, seja no seu riquíssimo misto de tradição, mistérios e surpresas.

Muito do charme está não no que se sabe, mas justamente no que é desconhecido – e no que não é sequer sabível. Se muitos jogos entregam seu cenário como cartas marcadas, TES e Dragon Age apelam ao incerto e à nossa intrínseca curiosidade pelo disputável. Seus mundos não só não têm “certos e errados”, como também não separam entre religião e superstição, história e propaganda, deuses e mitos. Em sua jornada pelas terras fantásticas, o jogador não conta com a “verdade”, mas com versões; com os fiapos de informação que resgata de ruínas antigas e com a bagagem cultural de seu próprio personagem e sua predisposição a relevar algumas coisas em favor de outras. Em Dragon Age: Origins, o processo é literal. Vislumbramos um pouco do mundo do nosso avatar antes de, em seus pés, sermos atirados à demanda do destino. Se o restante do jogo não é lá muito diferente, o mesmo não podemos dizer das primeiras impressões. Como diz o “loremaster” de TES: Online, não há uma única verdade sobre o mundo; cada um o enxerga a partir de seu ponto de vista.

A despeito disso, TES faz pouco com o que tem em mãos. Como bem sabem aqueles que viveram a juventude com Morrowind, é possível jogar por centenas de horas sem abrir um único livro virtual, sem questionar pontos finos da lore ou mesmo prestar atenção à narrativa vaga que amarra as várias missões. Os incentivos para tanto são mínimos. Ruínas dwemer existem para serem exploradas, cidades para se obter missões e suprimentos, templos daédricos para se tentar a morte. O resto é cosmético. Em Dragon Age, em contrapartida, a lore é indissociável da experiência. No colo do protagonista são postas decisões que afetam toda uma realidade – incluindo a perspectiva de jogos futuros. Para se informar, não há “guia definitivo” ou livro sagrado. O que chega ao jogador são depoimentos, diálogos e entradas do códex, a enciclopédia virtual do jogo. Todos, da fofoca da taverna às escrituras divinas, têm seus próprios autores, vieses e propósitos ulteriores.   Um mundo que vive em conflito sobre sua própria definição é mais do que um mundo “realista”. É um mundo que passa a impressão de existir para além de nossa interferência. Isso torna nossa participação ainda mais especial – para o mundo, sem dúvida. Mas, fundamentalmente, para nós também.

Contudo, há algo a mais aqui. O escritor de Dragon Age, David Gaider, pode negar quanto quiser, mas há algo de nosso, do mundo real e do passado que de fato existiu, em sua criação. Assim nos diz Matt Goldman, o diretor de arte de DA: Inquisition, numa entrevista que deu para o guia de estratégia:

A premissa do Dragon Age é a exploração do que aconteceria se barganhas fáusticas fosse uma possibilidade real. O mundo de Thedas se balança em um momento estranho – como uma Europa do thomas moreIluminismo que não consegue se libertar das amarras da religião porque os demônios existem de verdade. A natureza de forte advertência dos arcos narrativos e esses paralelos históricos me levavam de volta aos pintores renascentistas setentrionais como Breughel e Holbein.

Esse retrato de Sir Thomas More é para mim uma perfeita síntese do dilema moral de Dragon Age (…). Sir Thomas More foi um humanista progressista, diplomata e escritor. Ele foi também um inquisidor e lutou contra a Reforma Protestante com métodos “tradicionais”. Um homem muito inteligente e de grande compaixão, pego entre o passado e o futuro.

 

O que talvez fosse de se esperar de uma franquia que adota um marcador temporal como título, a intenção não é apenas mostrar uma época distante, mas uma época que muda. Daí a necessidade de jogar a mudança nas mãos do gamer, tanto na forma de dilemas a serem resolvidos (aliar-se aos templários ou debandar a ordem? Colocar Alistair ou Anora no trono?) como em acasos maiores que nos aparecem independente do que façamos (a batalha de Kirkwall, a blight, o sumiço dos grey wardens). Pois, se as coisas mudam, nem sempre mudam para onde queremos, nem quando queremos. Coisa que Sir Thomas More sabia muito bem.

 Escapando para o real

Vamos, EI. Tente destruir minhas estátuas agora.

Vamos, terroristas. Tentem destruir minhas estátuas agora.

Toda fantasia, obviamente, tem suas referências, e nada é mais exótico do que nossa própria realidade. Daí os dwemer, “elfos das profundezas” de TES, serem modelados nos antigos assírios, o “Imperium” de Tevinter de Dragon Age se comunicar em um latim de faz-de-conta e o mundo de Thedas nos apresentar a uma coleção de pastiches medievais (avvars, banns, templários) que foram progressivamente “desmedievalizados” de jogo para jogo.

Mas quando essas referências são mobilizadas em um universo vivo e dinâmico, em que a participação do jogador é levada em conta, a coisa muda. De menções rasteiras aos “povos ancestrais”, passa-se a um mundo em miniatura parecido com o  nosso. É difícil dizer quem tem razão em uma guerra sobre memória, ou quem está certo nas disputas morais do nosso tempo. O velho “tudo é relativo” só funciona até certo ponto e, quando precisamos de respostas, não há fórums ou wikis que nos ajudem. Mas a guerra entre magos e templários, a natureza dos demônios, a existência do Maker e a identidade de Mythal são questões mais diretas. Não são “fáceis” porque essa nunca foi a intenção, porém num meio constantemente louvado por se tornar mais “realista”, elas conseguem tornar palpável a mais pesada das realidades: as dúvidas e as inquietações humanas.

Há quem diga que fugir do que somos é, ironicamente, parte da nossa natureza. O mais interessante é o que nos leva a fazer isso. Os mundos breves de Tamriel e Thedas são mais simples e, por isso mesmo, mais ordenados, didáticos e claros do que o mundo de fora dos monitores. Nisso eles parecem, por vezes, mais reais.

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