\u00a0N\u00e3o \u00e9 preciso ser \u201cdo meio\u201d para reconhecer o talento no mundo do anime. Amantes de cinema de uma forma geral t\u00eam a lista dos\u00a0artistas que admiram na ponta da l\u00edngua. No entanto, n\u00e3o \u00e9 todo dia que\u00a0alguns dos nomes\u00a0mais conceituados em atividade\u00a0resolvem juntar esfor\u00e7os num \u00fanico\u00a0projeto.<\/p>\n

Miss Hokusai<\/em><\/a> parece ser uma dessas pe\u00e7as raras. A pel\u00edcula j\u00e1 est\u00e1 dando as caras em festivais e estar\u00e1 dentro de breve dispon\u00edvel ao p\u00fablico geral fora do Jap\u00e3o. Trata-se de um filme sobre a filha do famoso pintor de A Grande Onda de Kanagawa<\/a> e herdeira de seu talento, muito embora (como outros parentes\u00a0de lendas vivas) tenha acabado obscurecida pelo sucesso do pai. Al\u00e9m da premissa pouco usual, o que chama aten\u00e7\u00e3o \u00e9 o dream team <\/em>que segura suas pontas. A obra \u00e9 baseada no mang\u00e1 de Hinako Sugiura, entusiasta da era Edo (1603-1868) que largou a profiss\u00e3o de mangak\u00e1 para fazer consultoria hist\u00f3rica sobre a \u00e9poca. A anima\u00e7\u00e3o est\u00e1 sob o comando de Yoshiki Itazu, que tem no curr\u00edculo Vidas ao Vento<\/em>\u00a0de Miyazaki e o inacabado The Dreaming Machine <\/em>de Satoshi Kon. A arte de fundo \u00e9 assinada por Hiroshi Ohno, o mesmo do sensacional The Wolf Children.\u00a0<\/em>O roteiro e a dire\u00e7\u00e3o, por sua vez, est\u00e3o nas m\u00e3os de Miho Maruo e Keiichi Hara.<\/p>\n

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Desconhecer os rostos por traz das obras n\u00e3o \u00e9 incomum, ainda mais quando lidamos com um contexto de produ\u00e7\u00e3o t\u00e3o distante (e n\u00e3o s\u00f3 em geografia). Entretanto, o que me intrigou em Maruo e Hara \u00e9 o fato de terem escapado quase que completamente do radar. Na tentativa de remediar esta situa\u00e7\u00e3o, entrei em contato com Colorful, <\/em>uma colabora\u00e7\u00e3o de ambos \u00a0lan\u00e7ada em 2010 e que s\u00f3 teria passado mais batido se tivesse sido enrolada em um manto da invisibilidade.<\/p>\n

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Na linha do t\u00edpico melodrama japon\u00eas, o enredo segue a trajet\u00f3ria de uma alma que, para se redimir de algum erro em uma vida passada, \u00e9 for\u00e7ada a encarnar no corpo de um garoto suicida. Sem lembran\u00e7as de sua pr\u00f3pria vida nem as mem\u00f3rias do\u00a0adolescente,\u00a0ela busca se aclimatar a sua nova realidade. Makoto, o rapaz cuja alma substitui, convive com uma fam\u00edlia em crise\u00a0e n\u00e3o parece ter grandes amigos. Ele tentara se matar com overdose de rem\u00e9dios, ap\u00f3s flagrar a m\u00e3e\u00a0em um motel com seu instrutor de dan\u00e7a. Segundos antes, a garota de seus sonhos, uma adolescente como ele, entrara no mesmo motel acompanhada de um homem mais velho.<\/p>\n

Colorful <\/em>n\u00e3o esconde suas obviedades, e algumas de suas cenas\u00a0soam t\u00e3o gen\u00e9ricas quanto seu t\u00edtulo. Mesmo assim, o longa merece destaque pela maneira como lida com seus temas espinhosos. Dizem que a grande virtude de um humorista \u00e9 o deadpan<\/em>, a capacidade de se manter s\u00e9rio durante uma piada. Se existe algum equivalente para o drama, a dupla de Maruo e Hara\u00a0sem d\u00favida o dominam. A leveza do filme chega at\u00e9 a ser cruel, mas de crueldade tamb\u00e9m \u00e9 feita a vida. No mundo real, nem todas as tristezas merecem um litro de l\u00e1grimas.<\/p>\n

O arco da colega de Makoto, menor de idade que troca sexo por dinheiro e favores, \u00e9 um ponto forte\u00a0em particular. Logo de cara nos lembramos de uma hist\u00f3ria parecida em\u00a0Ano Hana<\/a>. O clich\u00e9 n\u00e3o \u00e9 novo; de fato, virou lugar comum no cinema franc\u00eas, nas m\u00e3os de transgressores wannabes em suas cr\u00edticas pasteurizadas \u00e0 \u201csociedade\u201d. A dist\u00e2ncia que\u00a0Colorful <\/em>mant\u00e9m\u00a0desse fetiche \u00a0\u00e9 um dos m\u00e9ritos\u00a0da trama. Hiroka, a musa de Makoto, \u00e9 uma garota p\u00e9s-no-ch\u00e3o, que como cada um de n\u00f3s faz seus c\u00e1lculos e toma suas decis\u00f5es. Ela sabe o que deseja e sabe que tudo tem um pre\u00e7o. Se ela difere dos outros \u00e9 porque a dignidade n\u00e3o est\u00e1 l\u00e1 muito alto na sua lista de prioridades. Artistas\u00a0frequentemente esquecem que as pessoas n\u00e3o s\u00e3o basti\u00f5es de causas e vis\u00f5es de mundo. Pessoas simplesmente vivem, e \u201cvalores\u201d, para alguns, valem mais (com o perd\u00e3o do trocadilho) se trocados por uma bolsa Prada. Tal como a crueldade, de mesquinhez tamb\u00e9m \u00e9 feita a vida.<\/p>\n

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Miss Hokusai <\/em>parece ser um filme maior e mais en\u00e9rgico que Colorful\u00b8<\/em> e ser\u00e1 interessante ver que diferen\u00e7a isso ter\u00e1 no trabalho da dupla. Do melodrama adolescente \u00e0 biopic\u00a0<\/em>de \u00e9poca \u00e9 um grande salto, mas um que artistas competentes s\u00e3o capazes de dar. \u00c9 esperar para ver, e caso Colorful\u00a0<\/i>n\u00e3o sacie os curiosos de plant\u00e3o, n\u00e3o deixem de conferir o trailer do novo longa:<\/p>\n