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{"id":21784,"date":"2019-06-12T14:40:57","date_gmt":"2019-06-12T17:40:57","guid":{"rendered":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/?p=21784"},"modified":"2019-06-12T14:40:57","modified_gmt":"2019-06-12T17:40:57","slug":"anime-x-livro-penguin-highway","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/2019\/06\/12\/anime-x-livro-penguin-highway\/","title":{"rendered":"Anime x Livro: “Penguin Highway”"},"content":{"rendered":"

Anime x Livro\u00a0tem como objetivo comparar romances da literatura com suas adapta\u00e7\u00f5es na telinha japonesa. A proposta \u00e9 sair do fla-flu e esmiu\u00e7ar essas s\u00e9ries (e livros) em detalhe.\u00a0<\/em><\/p>\n

O Studio Colorido pode n\u00e3o ser um grande nome de refer\u00eancia na anima\u00e7\u00f5es japonesa. Desde 2018, por\u00e9m, as coisas podem ter come\u00e7ado a mudar.<\/p>\n

Misturando fantasia, fic\u00e7\u00e3o cient\u00edfica e um retrato c\u00e2ndido do final da inf\u00e2ncia,\u00a0Penguin Highway\u00a0<\/em>se tornou um hit<\/em> da cr\u00edtica e um cart\u00e3o de visita a seu diretor, Hiroyasu Ishida. Com seu romance de origem finalmente lan\u00e7ado em \u00e1guas ocidentais, temos uma oportunidade de ouro para mergulhar a fundo nos porqu\u00eas desta adapta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

<\/p>\n

Em especial porque o romance em quest\u00e3o veio da pena de Tomohiko Morimi, autor de algumas das hist\u00f3rias mais criativas a ganharem as telas nip\u00f4nicas nos \u00faltimos tempos.<\/p>\n

Seria o romance de Morimi tudo isso mesmo? E esteve Ishida \u00e0 altura para reinterpret\u00e1-lo?<\/p>\n

Vamos juntos descobrir.<\/p>\n

Clique nos t\u00edtulos para ir direto \u00e0s se\u00e7\u00f5es. Ou ent\u00e3o s\u00f3 continue abaixo, se estiver com tempo.\u00a0<\/em>AVISO (DESNECESS\u00c1RIO): Cont\u00e9m SPOILERS para\u00a0<\/em>Penguin Highway)<\/p>\n

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Penguin Highway <\/em>\u00e9 um romance not\u00e1vel nem tanto pelo seu conte\u00fado, mas por quem o escreveu. Lan\u00e7ado originalmente em 2010, o livro \u00e9 a primeira obra de Tomihiko Morimi a ser lan\u00e7ado em ingl\u00eas \u2013 e, at\u00e9 onde sei, no Ocidente como um todo.<\/p>\n

Se voc\u00ea n\u00e3o o reconhece de nome, talvez suas obras lhe d\u00eaem uma pista. Morimi \u00e9 autor de Tatami Galaxy <\/em>e Yoru wa Mijikashi Arukeyo Otome, <\/em>cujas adapta\u00e7\u00f5es em anime, feitas pelo diretor Masaaki Yuasa, se tornaram hits\u00a0<\/em>entre f\u00e3s do g\u00eanero.<\/p>\n

\"\"

Capa japonesa de “Penguin Highway”<\/p><\/div>\n

Penguin Highway <\/em>venceu o pr\u00eamio Nihon SF Taishou <\/em><\/a>\u2013 o equivalente japon\u00eas do Nebula<\/em><\/a>. Rotulado de fic\u00e7\u00e3o cient\u00edfica, o romance \u00e9 na verdade uma obra de fantasia, recheado com uma dose suficiente de cultura pop para parecer uma vers\u00e3o light <\/em>de Haruki Murakami.<\/p>\n

Sua trama acompanha Aoyama, um garoto estudioso que sonha em vencer o Nobel. Seu desejo parece pr\u00f3ximo de realizar quando um mist\u00e9rio cient\u00edfico acontece diante de seus olhos:<\/p>\n

Uma horda de pinguins invade sua cidade.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Ao lado de seus amigos, Ushida e Hamamoto, Aoyama se compromete a desvendar o mist\u00e9rio. As coisas, todavia, n\u00e3o s\u00e3o o que parecem. E quando se aproxima de solucionar o enigma, mais perto ele fica de aprender uma li\u00e7\u00e3o importante sobre si mesmo.<\/p>\n

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<\/a>\"\"<\/p>\n

Penguin Highway, <\/em>a anima\u00e7\u00e3o, foi dirigida por Hiroyasu Ishida, mais conhecido pelo badalado (e nem t\u00e3o bem avaliado) Typhoon no Noruda<\/a>.<\/em><\/p>\n

Misturando fen\u00f4menos naturais, fantasia e coming-of-age <\/em>com uma pitada de romance, <\/em>seu longa parece, de fato, uma elabora\u00e7\u00e3o de temas j\u00e1 ensaiados em Typhoon. <\/em>Que ambos tenham sido produzidos pelo mesmo est\u00fadio apenas refor\u00e7a a impress\u00e3o.<\/p>\n

O material parece ter ca\u00eddo como uma luva \u00e0 Ishida, e sua obra coleciona cr\u00edticas positivas, al\u00e9m de ter faturado o Pr\u00eamio Satoshi Kon por Excel\u00eancia em Anima\u00e7\u00e3o no Fantasia Festival<\/a>, Montreal, onde teve sua premi\u00e8re.<\/p>\n

M\u00e9rito do material de origem? Ou teria o dedo criativo de Ishida sido o respons\u00e1vel pela m\u00e1gica?<\/p>\n

Como diria Aoyama, vamos desvendar esse mist\u00e9rio.<\/p>\n

<\/a>\"\"<\/p>\n

\u00a0 Aoyama<\/strong><\/h3>\n

\u00a0\"\"<\/strong><\/p>\n

Eu sou extremamente inteligente e nunca pego leve com meus estudos. <\/em><\/p>\n

\u00c9 por isso que eu serei muito importante no futuro. <\/em><\/p><\/blockquote>\n

As frases de abertura do livro de Morimi dizem tudo o que \u00e9 preciso para entender seu protagonista. Ele \u00e9 um saco.<\/strong><\/p>\n

Aoyama \u00e9 aquele tipo de crian\u00e7a que pensa que ser mimado pelos pais \u00e9 reconhecimento, e que ler a National Geographic e montar naves de LEGO o tornam um garoto prod\u00edgio. Ele ama se achar melhor que os outros, coisa que n\u00e3o para de repetir \u2013 literalmente \u2013 do primeiro ao \u00faltimo cap\u00edtulo.<\/p>\n

Filho de cientistas, o garoto age como se ele, pr\u00f3prio, fosse um dos candidatos ao Nobel.<\/p>\n

Ele chama nuvens de \u201ccumulonimbus\u201d, \u00e9 f\u00e3 de xadrez e bebe caf\u00e9 como os adultos. Carrega um caderno diferente para cada fen\u00f4meno que estuda e tem uma obsess\u00e3o por seios femininos \u2013 tudo, ele garante, em nome da ci\u00eancia.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Que Aoyama n\u00e3o seja nem de longe t\u00e3o adulto quando finge parecer \u00e9 algo que Morimi nunca esconde. Pelo contr\u00e1rio, n\u00e3o demora para cair a ficha de que seu linguajar chupinhado do Discovery Channel \u00e9 uma fantasia que veste para esconder suas criancices.<\/p>\n

\u201cTodos os pesquisadores sofrem de c\u00e1ries\u201d ele diz, ao ser confrontado por n\u00e3o escovar os dentes. \u201cVoc\u00ea realmente n\u00e3o fica nervoso\u201d, comenta um amigo \u201cN\u00e3o se eu penso sobre peitos\u201d ele responde.<\/p>\n

Nem sempre sua seriedade convence, e os momentos em que sua m\u00e1scara cai trazem as maiores p\u00e9rolas da prosa de Morimi:<\/p>\n

Sempre que eu vejo um rastro de vapor eu n\u00e3o consigo evitar olh\u00e1-lo. Uchida e eu combinamos que n\u00f3s assistir\u00edamos a um lan\u00e7amento de \u00f4nibus espacial algum dia, mas eu sinto que se eu visse algo assim t\u00e3o incr\u00edvel meu pesco\u00e7o mais voltaria a sua posi\u00e7\u00e3o original\u00a0<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Infelizmente, nem a ironia de Morimi salvam seus di\u00e1logos de sucumbirem ao peso do technobabble. <\/em>E ap\u00f3s p\u00e1ginas e p\u00e1ginas narradas por um mala-sem-al\u00e7a, \u00e9 dif\u00edcil n\u00e3o sentir que nosso tempo com o livro foi desperdi\u00e7ado.<\/p>\n

Os di\u00e1logos do anime s\u00e3o fidel\u00edssimos aos do romance \u2013 em muitos casos, \u00e0 \u00faltima s\u00edlaba. Assim, \u00e9 impressionante como a magia visual de Ishida conseguiu transform\u00e1-lo em um protagonista cativante. Enquanto que no romance s\u00f3 dispomos da vers\u00e3o de Aoyama, o diretor escancara a cada cena o qu\u00e3o distante seu discurso furado \u00e9 da realidade. Seja quando est\u00e1 apavorado, tentando arrancar um dente<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

fazendo bico ao experimentar caf\u00e9<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

ou queimando de febre.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Nada mais aut\u00eantico a uma personagem infantil do que v\u00ea-la agindo como uma crian\u00e7a de verdade.<\/p>\n

\u00a0A mulher do consult\u00f3rio<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Eu deixei o apartamento e descobri que o c\u00e9u sobre o morro tinha uma cor incomum. Haviam nuvens fofas cobrindo o c\u00e9u e elas estavam todas pintadas de um rosa p\u00e1lido. Eu nunca tinha visto um c\u00e9u daqueles antes. Havia um buraco nas nuvens al\u00e9m das montanhas, e a luz do entardecer brilhava atrav\u00e9s dele.<\/em><\/p>\n

Eu me virei para tr\u00e1s e vi a mulher acenando da sua varanda.<\/em><\/p>\n

Ela tamb\u00e9m era rosa.<\/em><\/p><\/blockquote>\n

A mulher do consult\u00f3rio \u00e9 a personagem mais importante \u2013 e, acrescento eu, intrigante dessa hist\u00f3ria. O fato de n\u00e3o sabermos sequer do seu nome \u00e9, em si, uma pista. Ela \u00e9 um grande mist\u00e9rio<\/strong>, que o pequeno Aoyama far\u00e1 sua miss\u00e3o desvendar.<\/p>\n

Como n\u00f3s mesmos descobrimos sem grande esfor\u00e7o, Penguin Highway\u00a0<\/em>n\u00e3o \u00e9 apenas uma hist\u00f3ria sobre pinguins. O \u201cexperimento\u201d que Aoyama realiza, no fundo, \u00e9 apenas um: entender por que seu cora\u00e7\u00e3o bate t\u00e3o r\u00e1pido quando pensa naquela mulher.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Funcion\u00e1ria no dentista que frequenta, a mulher conhece Aoyama durante uma consulta, quando flagra o garoto pregando uma pe\u00e7a no bully<\/em> da escola.<\/p>\n

Amante, ela pr\u00f3pria, de xadrez, n\u00e3o demora para que ela se torne uma esp\u00e9cie de bab\u00e1 de Aoyama, passando tardes e tardes ao seu lado em uma mesa no Caf\u00e9 \u00e0 Beira Mar.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

A natureza desses encontros ganha contornos diferentes no livro e no anime. Se no romance seu amor n\u00e3o passa de um\u00a0crush\u00a0<\/em>por uma figura materna – vindo de um garoto que ainda tem 3888 dias para se tornar um adulto, como Aoyama mesmo nos conta – no anime de Ishida ganha contornos mais… picantes (veja abaixo, “A Descoberta da Sexualidade).<\/p>\n

Hamamoto<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Ela era como uma amante de chocolate diante de uma caixa de bombons, pairando sobre o tabuleiro como se decidindo qual pe\u00e7a comer primeiro.<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Hamamoto \u00e9 a garota com que todo menino nerd sonhou alguma vez em namorar. Inteligente, cheia de si \u2013 e, de quebra, bonita \u2013 ela \u00e9 a \u00fanica personagem capaz de colocar nosso protagonista em seu lugar.<\/p>\n

Tal como Aoyama, Hamamoto \u00e9 filha de um cientista – e n\u00e3o faz quest\u00e3o de escond\u00ea-lo. A garota sabe jogar xadrez, conhece a Teoria da Relatividade e passa seu tempo livre montando experimentos.<\/p>\n

Sua vers\u00e3o animada n\u00e3o ficaria mais fiel \u00e0 original se Ishida tivesse escrito o romance ele pr\u00f3prio. A Hamamoto das telas \u00e9 uma recria\u00e7\u00e3o da personagem de Morimi nos seus menores detalhes.<\/p>\n

Ao contr\u00e1rio de Aoyama, que passa seu tempo construindo naves e esta\u00e7\u00f5es espaciais de LEGO, Hamamoto tem o tique de empilhar pedras em muros. Ishida n\u00e3o destaca este detalhe da mesma forma que Morimi, mas ele pode ser visto nas tomadas em que aparece brincando.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

No livro, Hamamoto \u00e9 descrita como uma garota de pele clara e cabelos castanhos, que \u201cparecia que tinha se mudado para c\u00e1 de algum lugar na Europa\u201d. O visual caucasiano \u00e9 sabidamente dif\u00edcil de reproduzir em animes, em que todas as personagens possuem pele clara e cabelos coloridos.<\/p>\n

Ishida, por\u00e9m, esteve \u00e0 altura do desafio. N\u00e3o s\u00f3 ela parece ligeiramente mais p\u00e1lida que seus colegas, como ganhou olhos azuis e roupas retr\u00f4, no melhor estilo\u00a0Marnie<\/em>.<\/p>\n

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Uchida<\/strong><\/h3>\n

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Uchida era do tipo silencioso, mas aquele era um sil\u00eancio muito mais significativo que o habitual<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Para um parceiro t\u00e3o recorrente em suas aventuras, Aoyama tem muito pouco a dizer sobre<\/em> Uchida. N\u00e3o por acaso. No romance de Morimi, o garoto \u00e9 o Pink para o C\u00e9rebro de Aoyama, uma imagem inversa do protagonista que parece s\u00f3 existir para nos lembrar de qu\u00e3o excepcional nosso her\u00f3i \u00e9.<\/p>\n

Se Aoyama \u00e9 corajoso, Uchida \u00e9 um chor\u00e3o. Se Aoyama \u00e9 anal\u00edtico, Uchida \u00e9 emotivo. Se Aoyama \u00e9 cego para os sentimentos mais \u00f3bvios daqueles ao seu redor – e, at\u00e9 mesmo para os seus – Uchida parece entender tudo, embora nem sempre o ponha em palavras.<\/p>\n

Personagem-tipo, nunca escrito para ser mais do que um pedestal ao protagonista, Uchida era uma tela em braco para Ishida pintar seu pr\u00f3prio retrato de um garoto comum na pr\u00e9-adolesc\u00eancia. E um bom retrato ele pintou, com todo o esmero de que a anima\u00e7\u00e3o \u00e9 capaz.<\/p>\n

A diferen\u00e7a n\u00e3o est\u00e1 no conte\u00fado, mas nos detalhes. Com uma sensibilidade digna de\u00a0Mem\u00f3rias de Ontem,\u00a0<\/em>o diretor transforma a personagem na porta-voz daquele lado rid\u00edculo, embara\u00e7oso da inf\u00e2ncia que a maturidade\u00a0fake\u00a0<\/em>de Aoyama tenta a todo custo esconder.<\/p>\n

Descrever um menino chorando, apanhando de bullies, fugindo de medo \u00e9 uma coisa. Ver Uchida titubeando de volta para casa, sujo de ranho e lama ap\u00f3s ter ca\u00eddo enquanto brincava, \u00e9 de uma honestidade t\u00e3o brutal que traz\u00a0flashbacks\u00a0<\/em>dos nossos pr\u00f3prios traumas de inf\u00e2ncia.<\/p>\n

 <\/p>\n

O \u201cImp\u00e9rio Suzuki\u201d<\/strong><\/h3>\n

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Suzuki tinha a voz mais alta na nossa classe e era muito forte. Os meninos sob seu comando o obedeciam sem question\u00e1-lo. Aquela estrutura era fascinante, e eu a estava estudando, fazendo anota\u00e7\u00f5es que eu batizei de <\/em>Observa\u00e7\u00f5es sobre o Imp\u00e9rio Suzuki.<\/p><\/blockquote>\n

A descri\u00e7\u00e3o de Aoyama dos bullies <\/em>de sua escola \u00e9 uma das mais brilhantes do romance de Morimi. E Suzuki, junto a Kobayashi e Nagasaki, seus fi\u00e9is escudeiros, um trio de cretinos de que todo nerd estudioso se lembrar\u00e1 muito bem.<\/p>\n

O \u201cImperador Suzuki I\u201d, como Aoyama o chama, \u00e9 o antagonista da primeira parte de Penguin Highway. <\/em>Ao descobrir que os garotos est\u00e3o fazendo um “experimento”, Suzuki e seu imp\u00e9rio fazem de tudo para atrapalh\u00e1-los. O ponto baixo de sua crueldade vem em uma cena envolvendo uma vending machine –\u00a0<\/em>e mais fluidos corporais que esperar\u00edamos encontrar em um anime infantil.<\/p>\n

Como tantos outros valent\u00f5es da fic\u00e7\u00e3o \u2013 e tamb\u00e9m da vida real \u2013 n\u00e3o demora para que Suzuki se mostre mais inseguro que covarde, menos violento que solit\u00e1rio.<\/p>\n

Desde a primeira cena, fica claro que odeia Aoyama por ser o garoto dos olhos de Hamamoto, por quem ele pr\u00f3prio tem uma queda. Embora Ishida nunca chegue a ter pena do sujeito, seu filme deixa claro que muito de sua dor – e, consequentemente, sua crueldade – vem do sofrimento de achar-se burro.<\/p>\n

O subtexto \u00e9 menos forte no romance de Morimi, em que Suzuki e seu comparsas tentam impressionar Hatamoto vencendo Aoyama em seu pr\u00f3prio jogo. O \u201cImp\u00e9rio\u201d se torna uma equipe rival de exploradores, tentando solucionar um mist\u00e9rio ainda maior para conquistar os olhos de Hatamoto.<\/p>\n

Felizmente, essa trama bisonha foi eliminada quase por completo do anime de Ishida. Suzuki ainda nutre uma rixa por Aoyama, e suas tentativas de sabotar seus experimentos continuam um ponto-chave no enredo. Mas o garoto e seu \u201cimp\u00e9rio\u201d nunca deixam de ser o que aparentam \u00e0 primeira vista: tr\u00eas\u00a0bullies\u00a0<\/em>n\u00e3o muito espertos, intimidados pela sua intelig\u00eancia.<\/p>\n

Uma caracteriza\u00e7\u00e3o menos original que a do romance, mas ainda assim mais veross\u00edmil.<\/p>\n

 <\/p>\n

<\/a>\"\"<\/p>\n

Aoyama come\u00e7a o romance ao lado de seu fiel escudeiro Uchida, buscando mapear o trajeto de um c\u00f3rrego local. Eles chamam sua empreitada de \u201cProjeto Amazonas\u201d, uma refer\u00eancia aos exploradores que desbravaram os confins do rio brasileiro no passado.<\/p>\n

Sua busca \u00e9 colocada em hiato quando sua cidade \u00e9 invadida por uma horda de pinguins. N\u00e3o pinguins normais, mas criaturas que surgem do nada, sobrevivem a atropelamentos e desaparecem quando transportados para longe.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

O mist\u00e9rio come\u00e7a a se complicar quando ele descobre que a mulher do consult\u00f3rio \u00e9 a respons\u00e1vel pelos bichinhos. Em dado momento, ele a flagra transformando uma lata de Coca-Cola em um pinguim.<\/p>\n

O poder, contudo, n\u00e3o parece ser volunt\u00e1rio. E mudan\u00e7as no seu estado de esp\u00edrito tem consequ\u00eancias assustadoras.\u00a0Em dada cena, seu dom d\u00e1 lugar a uma revoada de morcegos.<\/p>\n

Ao saber dos experimentos de Aoyama, sua colega Hamamoto lhe conta que ela, tamb\u00e9m, est\u00e1 pesquisando uma coisa. Uma apari\u00e7\u00e3o misteriosa no meio das florestas da cidade, conhecida como “a lua de prata”.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

N\u00e3o demora para que o garoto perceba que a lua, os pinguins e sua dentista misteriosa s\u00e3o partes do mesmo enigma. E que toda aquela confus\u00e3o, cedo ou tarde, explodiria diante de seus olhos.<\/p>\n

O pior acontece quando a mulher do consult\u00f3rio, em vez de um pinguins, come\u00e7a a produzir monstros. Quando o valent\u00e3o Suzuki resolve capturar um esp\u00e9cime, as autoridades interv\u00e9m. E a pacata cidade de Aoyama e seus amigos viram o palco de um epis\u00f3dio de\u00a0Stranger Things<\/em>.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Cabe ao garoto e \u00e0 mulher do consult\u00f3rio salvarem o dia. Surfando uma estrada (literal) de pinguins, em um cl\u00edmax t\u00e3o surreal que daria inveja a Satoshi Kon.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Como as imagens deixam claro, Penguin Highway, <\/em>o filme, \u00e9 a adapta\u00e7\u00e3o que todo autor que vende os direitos da sua obra amaria receber. O\u00a0anime de Ishida acompanha praticamente \u00e0 letra o enredo do livro. A mudan\u00e7a n\u00e3o est\u00e1 no qu\u00ea <\/strong>acontece, mas em como <\/strong>a hist\u00f3ria \u00e9 contada.<\/p>\n

Ou, melhor dizendo, em onde Ishida e seu roteirista, Makoto Ueda, decidiram mirar sua lente.<\/p>\n

<\/a>\"\"<\/p>\n

A “perfumaria”<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

O texto de Morimi segue uma estrutura quase epis\u00f3dica, em que a trama principal se perde em digress\u00f5es e epis\u00f3dios avulsos.<\/p>\n

S\u00e3o cenas de Aoyama peitando seus bullies, de Hamamoto jogando xadrez, de conversas quase id\u00eanticas no Caf\u00e9 \u00e0 Beira Mar, onde Aoyama e a mulher do consult\u00f3rio se encontram. Ou simplesmente listas tediosas\u00a0<\/em>dos achados do garoto, como se Morimi quisesse fazer o resumo de seu livro antes mesmo de terminar de escrever.<\/p>\n

Eu registrei essa descoberta significativa no meu caderno.<\/p>\n

> Quando o Mar aumenta, a mulher do consult\u00f3rio fica melhor<\/p>\n

> Quando o Mar diminui, a mulher do consult\u00f3rio fica pior<\/p><\/blockquote>\n

Em termos pr\u00e1ticos, isso acaba por diluir a cl\u00e1ssica estrutura em tr\u00eas atos da fic\u00e7\u00e3o, dando a impress\u00e3o, em alguns momentos, que a hist\u00f3ria n\u00e3o caminha a lugar nenhum.<\/p>\n

Isso n\u00e3o \u00e9 um problema para romances slice of life, <\/em>mais interessados em acompanhar a vida de suas personagens que em expor enredos complicados. Por\u00e9m, as cenas descritas por Morimi nem sempre s\u00e3o interessantes \u2013 e o linguajar pseudo-acad\u00eamico de Aoyama \u00e9, simplesmente, um saco.<\/p>\n

O filme de Ishida se livrou dessa \u201cgordura\u201d narrativa condensando-a em uma bel\u00edssima montagem musicada. Ao longe de apenas 2 minutos, o clipe nos traz alguns dos quadros mais belos de todo o longa. E, junto a eles, refer\u00eancias a cenas que Morimi desenvolve em detalhe em seu romance.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

O palavr\u00f3rio cient\u00edfico de Aoyama, por sua vez, \u00e9 representado por imagens de seus cadernos, pinceladas aqui e ali ao longo do filme. O recurso liberta Ishida da chatice cr\u00f4nica do protagonista, permitindo-o fazer o que conhece melhor: uma boa e honesta hist\u00f3ria sobre crian\u00e7as.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Esses ajustes podem parecer coisa pequena, mas s\u00e3o mudan\u00e7as que fazem toda a diferen\u00e7a. <\/strong>N\u00e3o apenas na fluidez do roteiro, mas nos pr\u00f3prios temas que abordam.<\/strong><\/p>\n

Os Jaguadartes<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Os monstros que a mulher do consult\u00f3rio produz n\u00e3o s\u00e3o criaturas quaisquer. Como tanto o livro quanto o filme nos deixam claro, eles t\u00eam uma origem liter\u00e1ria.<\/p>\n

O jaguadarte<\/a> (em ingl\u00eas jabberwocky<\/em>) \u00e9 uma cria\u00e7\u00e3o de Lewis Carroll para o cl\u00e1ssico Alice Atrav\u00e9s do Espelho<\/a>. <\/em>A arte de \u00e9poca mostrada no anime nada mais \u00e9 que uma ilustra\u00e7\u00e3o original de sua primeira edi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

O aparecimento dessas criaturas \u00e9 uma virada importante tanto no romance quanto no anime. Nas p\u00e1ginas de Morimi, por\u00e9m, as refer\u00eancias a Lewis Carroll v\u00e3o muito mais longe.<\/p>\n

No livro, os monstros aparecem logo no in\u00edcio da hist\u00f3ria. \u201cJaguadarte\u201d entra para o vocabul\u00e1rio de Aoyama e seus amigos, a ponto de batizaram a floresta em sua cidade de \u201cBosque dos Jaguadartes\u201d.<\/p>\n

A rela\u00e7\u00e3o entre os monstros e a mulher do consult\u00f3rio tampouco \u00e9 gratuita. Em Alice Atr\u00e1s do Espelho<\/em>, a protagonista do Pa\u00eds das Maravilhas <\/em>retorna a um mundo fant\u00e1stico, desta vez como pe\u00e7a em um gigantesco jogo de xadrez. Exatamente o jogo que a musa de Aoyama o convida a jogar \u2013 e que conecta o garoto \u00e0s duas mulheres da sua vida.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e0 toa, a primeira tomada do filme (repetida na sua conclus\u00e3o) mostra um tapete xadrez no quarto do menino.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Mais: os jaguadartes de Morimi s\u00e3o descritos como baleias-azuis com pernas humanas e asas de morcego. N\u00e3o por acaso, j\u00e1 que Aoyama \u00e9 obcecado por cet\u00e1ceos, e suas conversas com a mulher do consult\u00f3rio geralmente convergem at\u00e9 ele. Perto do fim do livro, um sonho do garoto o coloca frente a frente com um esp\u00e9cime falante:<\/p>\n

A baleia-azul estava murmurando alguma coisa.<\/p>\n

– Jabberwock, o que voc\u00ea est\u00e1 dizendo?<\/p>\n

– Deus \u00e0s vezes comete erros – a baleia-azul disse – \u00c9 apenas natural.<\/p>\n

– Isso \u00e9 inaceit\u00e1vel – diz a mulher.<\/p>\n

– Todos os pinguins concordariam comigo.<\/p>\n

– Bem, eu n\u00e3o sou uma pinguim.<\/p>\n

– O mar est\u00e1 vindo! O mar est\u00e1 vindo! – a baleia-azul disse misteriosamente.<\/p><\/blockquote>\n

Todos esses elementos aparecem no anime. Incluindo uma est\u00e1tua de baleia no Caf\u00e9 \u00e0 Beira Mar, onde Aoyama e sua amiga se encontravam para jogar xadrez.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Sem o contexto dado por Morimi, contudo, esses detalhes s\u00e3o pouco mais que easter eggs <\/em>de seu material de origem.<\/p>\n

A lua de prata<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

O surgimento dos pinguins n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico mist\u00e9rio com que Aoyama tem de lidar. Logo no in\u00edcio do livro, o garoto escuta rumores de uma \u201clua de prata\u201d que adoecia todos que olhassem para ela.<\/p>\n

A princ\u00edpio, Aoyama faz pouco caso para a lenda. \u00c9 apenas quando Hamamoto chama a aten\u00e7\u00e3o para um fen\u00f4meno estranho escondido entre as \u00e1rvores que o mito ganha tra\u00e7os de realidade:<\/p>\n

\u00c1rvores cercavam a clareira. Uma terra esquecida no cora\u00e7\u00e3o do Bosque dos Jaguadartes. Como um prato de sopa gigante esperando para ser enchido com algum tipo de l\u00edquido. Conforme eu andava por ele eu sentia que o c\u00e9u era como uma tampa colocada em cima da gente. Como se a tampa da minha cabe\u00e7a fosse puxada em dire\u00e7\u00e3o ao c\u00e9u.<\/em><\/p>\n

(…).<\/em><\/p>\n

No meio da grama, onde Hamamoto apontava, havia uma estranha esfera transl\u00facida. De acordo com sua dist\u00e2ncia a partir de n\u00f3s, o di\u00e2metro da esfera era aproximadamente cinco metros. Ela flutuava cerca de trinta cent\u00edmetros do ch\u00e3o. Ela n\u00e3o parecia usar nenhuma esp\u00e9cie de motor para se manter suspensa no ar. Eu sabia disto porque ela n\u00e3o produzia som algum.\u00a0<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Para o cr\u00e9dito de Morimi, o \u201cmar\u201d \u2013 como seria chamado pelas crian\u00e7as \u2013 \u00e9 o tipo de inven\u00e7\u00e3o que parece feita para uma tela de cinema.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

O “mar” n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico ringue em que o anime nocauteia seu material de origem. Ver uma motocicleta dissolvendo-se em pinguins \u00e9 o tipo de magia visual que nos remete \u00e0s obra-primas da anima\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

A prosa de Morimi tem seus momentos de inspira\u00e7\u00e3o (“N\u00f3s cruzamos a rua como bolinhas de gude atrav\u00e9s de um tapete”; “A mulher assobiou […] e os pinguins se ajeitaram como\u00a0cavalheiros brit\u00e2nicos”). \u00c9 preciso, contudo, mais do que compara\u00e7\u00f5es criativas para vencer o dom de Ishida.<\/p>\n

Ponto para o anime.<\/p>\n

<\/a>\"\"<\/p>\n

A inicia\u00e7\u00e3o amorosa<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Penguin Highway\u00a0<\/em>n\u00e3o \u00e9 apenas um conto de fantasia. Como toda hist\u00f3ria bem contada, \u00e9 tamb\u00e9m uma f\u00e1bula sobre rela\u00e7\u00f5es humanas. No seu caso espec\u00edfico, com uma pitadinha de amor.<\/p>\n

Ou, pelo menos, sua adapta\u00e7\u00e3o \u00e9.<\/p>\n

Aoyama decidiu “investigar” a mulher do consult\u00f3rio porque estava apaixonado por ela. Hamamoto se convidou ao seu projeto porque, secretamente, sentia ci\u00fames. Suzuki o atazanava porque curtia Hamamoto e o via como um rival.<\/p>\n

O amor \u00e9 a linha mestra nos principais conflitos no anime. Obcecado por sua “ci\u00eancia”, contudo, Aoyama parece incapaz at\u00e9 de acreditar em amor, quanto mais de enxergar seus efeitos. Quando fala sobre o assunto, \u00e9 dif\u00edcil n\u00e3o imaginar que estamos ouvindo as declara\u00e7\u00f5es de um rob\u00f4:<\/p>\n

– Ah. Ent\u00e3o o Suzuki est\u00e1 apaixonado pela Hamamoto. Eu n\u00e3o fazia ideia. Se ele se sentia desse jeito, ele devia ter me contado.<\/em><\/p>\n

– O Suzuki nunca faria isso.<\/em><\/p>\n

– Por que n\u00e3o?<\/em><\/p>\n

– Por que ele sente vergonha.<\/em><\/p>\n

– Por que o Suzuki sentiria vergonha de estar apaixonado pela Hamamoto? Ficar apaixonado com pessoas \u00e9 totalmente normal. Minha m\u00e3e e meu pai se casaram porque eles se apaixonaram. Se meu pai n\u00e3o tivesse se apaixonado eu nunca teria nascido.\u201d<\/em><\/p>\n

– Isso \u00e9 verdade \u2013 Uchida disse, rindo \u2013 Mas voc\u00ea simplesmente n\u00e3o entende.<\/em><\/p><\/blockquote>\n

No anime, o di\u00e1logo aparece com pouqu\u00edssimas altera\u00e7\u00f5es. Por\u00e9m, gra\u00e7as \u00e0 linguagem visual de Ishida – e de um competente trabalho de dublagem – n\u00f3s entendemos o tom professoral de Aoyama pelo que de fato \u00e9:\u00a0 o papo-furado de um garoto inseguro, intimidado pelos seus pr\u00f3prios sentimentos.<\/p>\n

A literatura \u00e9 plenamente capaz de passar essas ideias. Infelizmente, a prosa de Morimi n\u00e3o d\u00e1 conta, e seus di\u00e1logos depenados, com poucos (e batidos) verbos de elocu\u00e7\u00e3o, fazem o protagonista parecer um desalmado.<\/p>\n

Que o pr\u00f3prio Morimi n\u00e3o d\u00ea a devida aten\u00e7\u00e3o aos sentimentos das suas personagens n\u00e3o ajuda. Em nenhum lugar isto fica mais claro que no festival de ver\u00e3o. Um epis\u00f3dio presente tanto no romance quanto no filme, mas que n\u00e3o poderiam ter sido apresentados de maneira mais diferente.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

No livro, a cena se desenrola como uma s\u00e9rie de encontros n\u00e3o relacionados, conforme o elenco da hist\u00f3ria explora as atra\u00e7\u00f5es da noite.\u00a0 Nenhuma destas trocas traz informa\u00e7\u00f5es nova, e a sequ\u00eancia soa apenas repetitiva. Um meandro desnecess\u00e1rio em um romance que j\u00e1 sofre de uma falta de dire\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

No anime, pelo contr\u00e1rio, as personagens s\u00e3o reunidas em uma emboscada digna de uma com\u00e9dia rom\u00e2ntica.<\/p>\n

Aoyama encontra Hamamoto e seu pai, que ainda n\u00e3o conhecia \u2013 ao contr\u00e1rio do livro, em que j\u00e1 haviam sido apresentados. A mulher do consult\u00f3rio surge segundos depois, e Aoyama se v\u00ea espremido dentro do pr\u00f3prio tri\u00e2ngulo amoroso.<\/p>\n

Cada linha de di\u00e1logo \u2013 original do anime \u2013 \u00e9 carregada de duplo sentido.<\/p>\n

\u201cQuer dizer que somos rivais\u201d diz o pai, ao ouvir de Hamamoto que ela e o garoto brincam juntos. \u201cN\u00f3s somos parceiros de pesquisa.\u201d Uma Hamamoto enciumada diz \u00e0 dentista. \u201cQuer dizer que \u00e9 por isso que voc\u00ea deixou de lado a nossa <\/em>pesquisa?\u201d ela diz a Aoyama com um olhar l\u00e2nguido.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Atento ao que \u00e9 de fato importante, o roteirista Ueda coloca a bola no campo do Aoyama. O tri\u00e2ngulo amoroso Suzuki-Aoyama-Hamamoto d\u00e1 um passo para tr\u00e1s, substitu\u00eddo por outro: Aoyama e suas duas musas.<\/p>\n

Prova: enquanto que no livro Aoyama irrita Suzuki ao dizer que gosta de Hamamoto, no filme \u00e9 o bully quem sugere que ele tem uma queda pela garota.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

N\u00e3o adianta se esconder atr\u00e1s dos outros, Aoyama. Nesse filme, \u00e9 voc\u00ea<\/strong> quem deve tomar uma decis\u00e3o sobre seus pr\u00f3prios sentimentos.<\/p>\n

E \u00e9, afinal, esse foco em sentimentos que nos leva \u00e0 mudan\u00e7a mais significativa de todas:<\/p>\n

A descoberta da sexualidade<\/strong><\/h3>\n

\"\"<\/p>\n

Morimi jamais esconde que os pinguins de sua hist\u00f3ria s\u00e3o pretexto para algo maior.\u00a0 No fundo, o romance \u00e9 uma cr\u00f4nica de seu amor pela mulher do consult\u00f3rio. E de como, igual a tantos garotos de sua idade com quedas por figuras maternas, ele aprendeu a super\u00e1-la.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Penguin Highway\u00a0<\/em>\u00e9 uma indireta, criativa e psicod\u00e9lica f\u00e1bula sobre o primeiro amor. Esse detalhe traz aquela lufada de frescor no texto de Morimi e o previne – assim como o anime que o inspirou – de se tornar apenas mais uma fantasia escolar.<\/p>\n

Se no livro esse sentimento pode se passar por um amor idealizado, contudo, o filme deixa claro que estamos falando de algo um tanto mais concreto: o despertar da sexualidade.<\/p>\n

A diferen\u00e7a de \u00eanfase fica mais clara quando Aoyama \u00e9 convidado a passar a noite no apartamento de sua musa.\u00a0No livro, a passagem \u00e9 a seguinte:<\/p>\n

Tudo o que eu podia ouvir era a chuva caindo fora da varanda e o som da mulher respirando.<\/p>\n

Seus olhos e l\u00e1bios estavam fechados, e ela dormia profundamente. Ela n\u00e3o falava durante o sono como minha irm\u00e3 fazia.<\/p>\n

Enquanto eu observava seu rosto, eu me flagrei me perguntando como que ele tinha adquirido aquela forma, quem decidia esse tipo de coisa. Claro, eu sabia que s\u00e3o os genes que decidem como seu rosto se parece. Mas n\u00e3o era isto que eu queria saber. Por que eu comecei a gostar tanto de olhar seu rosto? E como que os genes tinham conseguido fazer o rosto de que eu tanto gostava t\u00e3o completamente perfeito? Era isto que eu queria saber.<\/p>\n

Eu tentei escrever sobre esse mist\u00e9rio no meu caderno, mas eu nunca tinha escrito nada daquele tipo nas minhas anota\u00e7\u00f5es, ent\u00e3o eu n\u00e3o soube encontrar as palavras para isso. Eu terminei apenas escrevendo\u00a0O rosto da mulher, felicidade, genes, perfei\u00e7\u00e3o.\u00a0<\/em>Ent\u00e3o eu escrevi sobre os ingredientes no espaguete da mulher e como extremamente gostoso ele tinha sido. Ent\u00e3o eu escrevi sobre como n\u00f3s t\u00ednhamos feito a salada como dois profissionais, come\u00e7ando com o molho, ent\u00e3o misturando os vegetais.<\/p>\n

Quando eu terminei de escrever, a mulher j\u00e1 estava dormindo.<\/p>\n

Ocorreu-me que se ela ficasse com frio, ela podia pegar um resfriado, ent\u00e3o eu peguei uma toalha na sua cama e e coloquei sobre ela.<\/p><\/blockquote>\n

No anime, n\u00e3o \u00e9 apenas sobre a salada que Aoyama rabisca em seu caderno:<\/p>\n

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E, antes de cobri-la, seus olhos caem num ponto bem espec\u00edfico de seu corpo:<\/p>\n

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Essa conota\u00e7\u00e3o j\u00e1 existe no romance de Morimi. O pr\u00f3prio autor a coloca nos l\u00e1bios de Aoyama:<\/p>\n

Mulheres adultas n\u00e3o deixam homens adultos entrarem em seus apartamentos com frequ\u00eancia. E elas nunca dormem na frente deles. Isto s\u00f3 acontece se eles forem um casal. Mas a mulher do consult\u00f3rio me deixou entrar no seu apartamento e dormiu na minha frente. Isto porque eu era s\u00f3 uma crian\u00e7a.<\/p><\/blockquote>\n

Entretanto, \u00e9 uma observa\u00e7\u00e3o que n\u00e3o leva a nada.\u00a0 No par\u00e1grafo seguinte,\u00a0 o garoto volta a falar sobre as origens do sono e a NASA e seus planos para ganhar o Nobel. No filme, por outro lado, somos deixados com a lembran\u00e7a daquela barriga descoberta. E o sentimento que algo mudou dentro de Aoyama.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel dizer que Ishida modificou seu material de origem. As duas sequ\u00eancias, afinal, s\u00e3o id\u00eanticas. Mesmo assim, o mero apelo \u00e0 linguagem visual \u00e9 suficiente para trazer uma bagagem que parece peitar os confins da prosa.<\/p>\n

<\/a>\"\"<\/p>\n

<\/div>\n

 <\/p>\n

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Penguin Highway<\/em> \u00e9 um romance med\u00edocre com uma linda met\u00e1fora sobre o amadurecimento, soterrada debaixo de uma prosa ins\u00edpida, um enredo recalcitrante e um protagonista antip\u00e1tico. Que Hiroyasu Ishida tenha constru\u00eddo a partir dele um filme desse calibre \u00e9 praticamente um milagre – e prova de que o diretor \u00e9 um dos novos talentos do anime contempor\u00e2neo.<\/p>\n

Como um escultor respeitando os veios da madeira, Ishida enxugou\u00a0Penguin Highway<\/em>\u00a0aos seus elementos fundamentais, libertando os temas-chave da f\u00e1bula de Morimi da enche\u00e7\u00e3o de lingui\u00e7a\u00a0 que os tornava dif\u00edceis de ver.<\/p>\n

Filmes que superam os livros em que s\u00e3o baseados s\u00e3o coisa rara.\u00a0Penguin Highway<\/em>,\u00a0por\u00e9m, entra para o seleto clube dos que violam a regra. E o faz nos ensinando uma li\u00e7\u00e3o que muitos roteiristas – e n\u00e3o poucos f\u00e3s – deveriam ter em mente:<\/p>\n

Mais conte\u00fado nem sempre \u00e9 o melhor.<\/strong> E o bom criador trabalha n\u00e3o s\u00f3 com a caneta, mas tamb\u00e9m com a tesoura.<\/p>\n

Um \u00fanico\u00a0quadro expressivo, encaixado em um filme sem um grama de gordura, pode nos tocar muito mais fundo que par\u00e1grafos e par\u00e1grafos de devaneios.<\/p>\n

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Gostou do artigo? Gostaria de ver outras adapta\u00e7\u00f5es destrinchadas? Deixe-me saber nos coment\u00e1rios!<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Anime x Livro\u00a0tem como objetivo comparar romances da literatura com suas adapta\u00e7\u00f5es na telinha japonesa. A proposta \u00e9 sair do fla-flu e esmiu\u00e7ar essas s\u00e9ries (e livros) em detalhe.\u00a0 O Studio Colorido pode n\u00e3o ser um grande nome de refer\u00eancia na anima\u00e7\u00f5es japonesa. Desde 2018, por\u00e9m, as coisas podem ter come\u00e7ado a mudar. Misturando fantasia, […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":21823,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"spay_email":"","jetpack_publicize_message":"","jetpack_is_tweetstorm":false},"categories":[576,581,580,17],"tags":[45,493,609,226,607,608],"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/i0.wp.com\/www.finisgeekis.com\/wp-content\/uploads\/2019\/06\/062019-cover-penguin-highway.jpg?fit=1570%2C1048","jetpack_publicize_connections":[],"jetpack_shortlink":"https:\/\/wp.me\/p9rUzW-5Fm","_links":{"self":[{"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/21784"}],"collection":[{"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=21784"}],"version-history":[{"count":17,"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/21784\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":21864,"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/21784\/revisions\/21864"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/media\/21823"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=21784"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=21784"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/www.finisgeekis.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=21784"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}