Gankutsuou\u00a0<\/em>come\u00e7a a desviar bruscamente do romance.<\/p>\nEm vez de confiar no espectador para formar suas pr\u00f3prias conclus\u00f5es, o Conde do anime decide for\u00e7ar a barra, convidando todos a participar de uma “ca\u00e7a ao tesouro” para descobrir as pistas de um antigo crime.<\/p>\n
O crime em quest\u00e3o, \u00e9 o enterro do beb\u00ea de Villefort e Mme. Danglars. Recado que os dois entendem imediatamente.<\/p>\n
\u00c9 uma apela\u00e7\u00e3o digna de um filme de terror B, que faz todos os presentes suspeitarem imediatamente do Conde. O fato da mans\u00e3o de Auteuil parecer o castelo do Dr\u00e1cula s\u00f3 torna a cena mais tacanha.<\/p>\n
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Acreditar que um mestre calculista como Dant\u00e8s faria uma provoca\u00e7\u00e3o t\u00e3o amadora \u00e9 uma incoer\u00eancia de co\u00e7ar a cabe\u00e7a.<\/p>\n
A situa\u00e7\u00e3o s\u00f3 piora com a pr\u00f3xima “artimanha” que apronta. Dois epis\u00f3dios depois, Edmond envia uma carta (assinada com seu pr\u00f3prio nome!) a todos os membros de seu compl\u00f4.<\/p>\n
O\u00a0twist\u00a0<\/em>\u00e9 um recurso para introduzir os espectadores ao passado de Dant\u00e8s, que at\u00e9 esse ponto n\u00e3o tinha sido abordado. Na pr\u00e1tica, parece uma par\u00f3dia de\u00a0Eu Sei o que Voc\u00eas Fizeram no Ver\u00e3o Passado.\u00a0<\/em><\/p>\nO resultado \u00e9 que todos todos os inimigos de Dant\u00e8s come\u00e7am a trocar suspeitas sobre o Conde, coisa que o Edmond do livro jamais deixou acontecer. T\u00e3o cuidadoso ele \u00e9, na verdade, que at\u00e9 mesmo evita reuni-los no mesmo lugar! No romance, Dant\u00e8s convida os Villeforts e Danglars ao jantar, mas n\u00e3o os Morcerf.<\/p>\n
A tramoia for\u00e7a Gankutsuou<\/em> a apelar a uma s\u00e9rie de contor\u00e7\u00f5es narrativas para que a hist\u00f3ria volte aos trilhos. Comparado ao in\u00edcio e ao fim, fi\u00e9is \u00e0 prosa de Dumas, isto faz a por\u00e7\u00e3o central do anime parecer muito mais fraca que o resto.<\/p>\nFranz e Noirtier<\/strong><\/h4>\n<\/p>\n
Paralelo \u00e0 vingan\u00e7a de Dant\u00e8s,\u00a0O Conde de Monte Cristo\u00a0<\/em>nos conta a hist\u00f3ria de Maximilien e Valentine, dois pombinhos vivendo um amor imposs\u00edvel.<\/p>\nMaximilien, como dito acima, \u00e9 um pobre soldado, filho de M. Morrel, ex-patr\u00e3o de Edmond quando ele era marinheiro. Valentine \u00e9 a filha do procurador Villefort, uma aristocrata prometida a Franz d’\u00c9pinay em um casamento arranjado.<\/p>\n
Na sua luta para fugir do destino armado pelo pai, a jovem tem apenas um aliado: seu av\u00f4 Noirtier, que vive paralisado devido a um derrame.<\/p>\n
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A situa\u00e7\u00e3o \u00e9 complicada por fatos que est\u00e3o al\u00e9m de seu controle. Valentine \u00e9 filha do primeiro casamento de Villefort, que agora vive com outra mulher, H\u00e9lo\u00efse.<\/p>\n
Temendo que a garota roube a heran\u00e7a de seu filho, a madrasta arma para que Valentine seja assassinada. Tudo com o apoio de Monte-Cristo, que lhe ensina um ou dois truques sobre envenenamento.<\/p>\n
E algumas “coisas” mais<\/p><\/div>\n
Esse\u00a0sub-plot\u00a0<\/em>d\u00e1 as caras em\u00a0Gankutsuou.<\/em>\u00a0Infelizmente, \u00e9 levado para destinos siderais.<\/p>\nEm dado momento, Valentine tomba comatosa, v\u00edtima do veneno de H\u00e9lo\u00efse. Franz e Maximilien (que, no livro, s\u00e3o rivais amorosos) se unem para sequestr\u00e1-la junto com seu av\u00f4.<\/p>\n
Noirtier (que n\u00e3o consegue mais falar) aproveita a ocasi\u00e3o para plugar sua consci\u00eancia \u00e0 de Franz. E lhe passa o\u00a0infodump <\/em>dos\u00a0infodumps<\/em>,\u00a0narrando a verdade sobre o Castelo d’If, a vingan\u00e7a de Edmond e outras coisas que nem Franz, nem eu (nem, imagino, ele) entenderam direito.<\/p>\n<\/p>\n
N\u00e3o h\u00e1 nada no romance minimamente parecido com essa cena.<\/p>\n
A amizade entre Franz e Maximilien n\u00e3o existe. Franz, como bom noivo oitocentista, n\u00e3o d\u00e1 a m\u00ednima para sua futura esposa.\u00a0 O sequestro n\u00e3o acontece. Noirtier n\u00e3o faz nenhuma revela\u00e7\u00e3o sobre o passado de Dant\u00e8s –\u00a0 pelo contr\u00e1rio, sequer sabe das coisas que Maeda coloca em sua boca.<\/p>\n
Mesmo assim, por mais fantasiosa que seja, a cena \u00e9 uma jogada de mestre como adapta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Ao atribuir uma grande exposi\u00e7\u00e3o a duas personagens secund\u00e1rias, Maeda encontrou um jeito de nos passar parte da backstory\u00a0<\/em>que Dumas leva mais de 1000 p\u00e1ginas para construir.\u00a0E ainda acrescentar detalhes importantes de sua pr\u00f3pria\u00a0lore\u00a0<\/em>que a transi\u00e7\u00e3o para o\u00a0sci fi\u00a0<\/em>acabou exigindo.<\/p>\nN\u00e3o fosse o bastante, ainda tivemos um velhinho\u00a0badass\u00a0<\/em>desparafusando sua m\u00e3o rob\u00f3tica para revelar uma caneta m\u00e1gica. Qu\u00e3o legal \u00e9 isso? Dumas que me perdoe. Maeda ganhou essa.<\/p>\n<\/p>\n
O Duelo<\/strong><\/h3>\n<\/p>\n
Se o jantar em Auteuil \u00e9 quando a trilha de domin\u00f3 de Dant\u00e8s termina de ser montada, seu duelo com Albert \u00e9 quando a primeira pe\u00e7a leva o peteleco.<\/p>\n
Tudo come\u00e7a quando rumores sobre o passado de Mondego come\u00e7am a circular em Paris. Enfurecido pelas not\u00edcias, Albert acusa Beauchamp, seu amigo jornalista, de espalhar mentiras sobre a sua fam\u00edlia.<\/p>\n
N\u00e3o demora para que ele perceba que a fonte do esc\u00e2ndalo \u00e9 outra: Hayd\u00e9e, a protegida do Conde, que denuncia Mondego em foro p\u00fablico.<\/p>\n
Procurado pelo jovem, Edmond o insulta de prop\u00f3sito para que o desafie a um duelo. Novamente, tudo parte de seu plano: sujar o nome de seu rival e matar seu filho em uma \u00fanica tacada.<\/p>\n
O epis\u00f3dio \u00e9 importante nem tanto pelo duelo em si, mas pelo que acontece imediatamente antes dele. Na v\u00e9spera do combate, o Conde recebe a visita de Merc\u00e9d\u00e8s, que lhe diz palavras que nem ele, nem o leitor, esperavam ouvir:<\/p>\n
\n– Edmond – disse ela – voc\u00ea n\u00e3o matar\u00e1 meu filho!<\/p>\n
O Conde deu um passo atr\u00e1s, soltou um grito d\u00e9bil e deixou cair a arma que segurava.<\/p>\n
– Que nome \u00e9 esse que voc\u00ea pronunciou, madame de Morcerf? – disse ele.<\/p>\n
– O seu! – ela exclamou, removendo seu v\u00e9u – o seu que talvez apenas eu, de todos, nunca esqueci. N\u00e3o \u00e9 a Mme. de Morcerf que vem at\u00e9 voc\u00ea, Edmond, \u00e9 Merc\u00e9d\u00e8s.<\/p>\n
– Merc\u00e9d\u00e8s est\u00e1 morta, madame – disse Monte-Cristo – e eu n\u00e3o conhe\u00e7o ningu\u00e9m com esse nome.<\/p>\n
– Merc\u00e9d\u00e8s vive, monsieur, e Merc\u00e8d\u00e9s se lembra, pois apenas ela o reconheceu assim que ela o viu, e mesmo antes de v\u00ea-lo, assim que ouviu sua voz, Edmond, o sotaque da sua voz. E desde aquele momento ela o segue passo a passo, ela o espiona, ela o teme e ela n\u00e3o tem necessidade de procurar a m\u00e3o de onde partir\u00e1 o golpe que matar\u00e1 M. de Morcerf. (cap\u00edtulo LXXXIV)<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\nO encontro \u00e9 um baque na confian\u00e7a do Conde, que finalmente se d\u00e1 conta de\u00a0 duas coisas. Primeiro que seu disfarce n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o bom quanto imaginava.<\/p>\n
Segundo que, na sanha para se vingar de quem o injusti\u00e7ou, ele pode acabar fazendo inocentes sofrer. Incluindo, entre eles, o antigo amor de sua vida.<\/p>\n
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O duelo \u00e9 um momento crucial tanto no anime quanto no filme por motivos radicalmente opostos.<\/p>\n
No livro, \u00e9 a acusa\u00e7\u00e3o de perf\u00eddia, mais do que qualquer outra coisa, que motiva Albert a procurar as armas.<\/p>\n
Desde a sua primeira apari\u00e7\u00e3o, ele \u00e9 descrito como um jovem orgulhoso e valente. \u00c9 essa bravura que o leva a explorar as ruas de Roma e cair nos bra\u00e7os de Luigi Vampa.<\/p>\n
Seu\u00a0role model<\/em>\u00a0para tudo isso n\u00e3o \u00e9 outro que seu pai. Da\u00ed o baque que sente ao saber que seu her\u00f3i \u00e9 um covarde que fraudou seu t\u00edtulo de nobreza.<\/p>\nNo anime, pelo contr\u00e1rio, Albert \u00e9 descrito como um menino carente de uma figura paterna. Ele n\u00e3o d\u00e1 a m\u00ednima para\u00a0o que\u00a0<\/strong>o Conde lhe diz. \u00c9 o fato de t\u00ea-lo enganado, de n\u00e3o reciprocar o afeto que sente, que o machuca.<\/p>\nIsso torna Albert uma personagem mais humana e pr\u00f3xima da \u00e9poca atual. Infelizmente (e talvez justamente por isso), tamb\u00e9m o faz parecer um chor\u00e3o.<\/p>\n
O julgamento \u00e9 enfatizado pela interven\u00e7\u00e3o de Merc\u00e9d\u00e8s, que chora aos bra\u00e7os de Bertuccio dizendo que “seu beb\u00ea n\u00e3o sabe o que faz”. De aristocrata do Segundo Imp\u00e9rio, a nobre virou uma m\u00e3e helic\u00f3ptero.<\/p>\n
N\u00e3o era exatamente o que Dumas tinha em mente com suas personagens.