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Tasuku \u00e9 um “acompanhante de suicidas”. Por um m\u00f3dico pagamento, ajuda pessoas que desejam se matar a planejar sua partida \u2013 e a n\u00e3o mudar de ideia na hora H.<\/p>\n
Tasuku n\u00e3o parece ter remorsos. Pelo contr\u00e1rio, leva seu \u201ctrabalho\u201d com uma frieza assassina. \u00a0Por\u00e9m, o que faria se um de seus \u201cclientes\u201d fosse algu\u00e9m que conhecesse?<\/p>\n
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Essa \u00e9 a pergunta que faz Inio Asano em A Cidade da Luz<\/em>, rec\u00e9m-publicado no Brasil. Na verdade, apenas\u00a0uma <\/em>das perguntas.<\/p>\n <\/p>\n Muitos mangak\u00e1s t\u00eam estilos autorais. Poucos j\u00e1 foram chamados de \u201cvozes de uma gera\u00e7\u00e3o<\/a>\u201d. Asano pertence ao segundo grupo, e sua obra de 2004, lan\u00e7ada pela Panini<\/a>, nos mostra o embri\u00e3o de quem veio a se tornar um dos maiores nomes dos quadrinhos contempor\u00e2neos.<\/p>\n Asano n\u00e3o \u00e9 um escritor simples, tampouco escreve sobre coisas f\u00e1ceis. Como outras de suas obras, Hikari no Machi <\/em>\u00e9 um labirinto de voyeurismo, sofrimento e coincid\u00eancias macabras.<\/p>\n Hikari no Machi <\/em>(em japon\u00eas, \u201cA Cidade da Luz\u201d) \u00e9 um bairro atravessado por t\u00edpicos pr\u00e9dios residenciais japoneses: quadrados, gigantescos e opressivamente cinzentos.<\/p>\n <\/p>\n \u00c9 um cen\u00e1rio t\u00e3o comum quanto assustador, um contraponto perfeito \u00e0s casas de madeira e paredes de papel que marcam o Jap\u00e3o buc\u00f3lico.<\/p>\n S\u00e3o um dos s\u00edmbolos mais ic\u00f4nicos da faceta moderna do pa\u00eds \u2013 e dos problemas que a tornaram famosa: estresse, rotinas de trabalho insanas, suic\u00eddio.<\/p>\n N\u00e3o por acaso, \u00e9 o mesmo pano de fundo de Kara no Kyoukai 1<\/a> <\/em>e Paranoia Agent<\/a><\/em>, duas contundentes (e assustadoras) f\u00e1bulas sobre a histeria urbana.<\/p>\n <\/p>\n Tasuku, o “acompanhante de suicidas”, \u00e9 um morador do bairro. Decidiu se tornar um \u201cprofissional\u201d da \u00e1rea ap\u00f3s topar com sites sobre o assunto no computador do pai.<\/p>\n Nos quadros de Asano, acompanhamos como sua \u201cprofiss\u00e3o\u201d depravada o entrela\u00e7a \u00e0 vida de outros: aqueles que o ajudam, que tentam impedi-lo, que s\u00e3o por ele destru\u00eddos.<\/p>\n Seu pai \u00e9 um recluso emasculado pela dem\u00eancia. Vive em um apartamento decr\u00e9pito, coberto de lixo, aguando um tomateiro que h\u00e1 muito j\u00e1 secou.<\/p>\n Haruko \u00e9 uma garota da sua idade, que teve o corpo horrorosamente mutilado em um ataque com faca. Seu agressor, um g\u00e2ngster chamado “Terceiro Olho”, n\u00e3o \u00e9 um psicopata, mas um esfor\u00e7ado pai solteiro.<\/p>\n <\/p>\n N\u00e3o \u00e9 preciso spoilers <\/em>para notar que a f\u00e1bula de Asano caminha por estradas bem sombrias. Que sua cidade tenha o nome de \u201cLuz\u201d pode parecer uma ironia, mas ela atende a uma verdade maior.<\/p>\n Ao longo das p\u00e1ginas, as fachadas cinzentas realmente \u201ciluminam\u201d a vida de seus habitantes mais do que gostar\u00edamos de ter visto. Como a parte de baixo de uma pedra, escondendo insetos, vermes e outras criaturas nojentas, temos a impress\u00e3o de que certas coisas pertencem \u00e0 escurid\u00e3o.<\/p>\n <\/p>\n <\/p>\n Existem, \u00e9 verdade, arroubos de esperan\u00e7a aqui e a li.\u00a0Uma das personagens luta para restaurar A Cidade da Luz <\/em>ao que era antes: uma vila buc\u00f3lica, afastada do estresse da cidade grande.<\/p>\n Tasuku justifica seu \u201ctrabalho\u201d como um dever moral, \u201climpando\u201d a terra de suicidas covardes. Contudo, quando sua conduta coloca em risco sua pr\u00f3pria fam\u00edlia, ele \u00e9 for\u00e7ado a rever seu caminho.<\/p>\n N\u00e3o se trata do teor das a\u00e7\u00f5es, mas da mentalidade por tr\u00e1s delas. A tens\u00e3o \u00e9 ilustrada por uma das tramas paralelas, envolvendo um mangak\u00e1\u00a0workaholic.\u00a0<\/em>Atormentado pelos seus colegas baderneiros, o artista sofre um dilema que sem d\u00favida j\u00e1 tirou o sono do pr\u00f3prio Asano.<\/p>\n Para que trabalhar tanto, ver os anos passarem debru\u00e7ado contra a escrivaninha, se no final cada dia \u00e9 igual ao outro?<\/p>\n <\/p>\n Se o mundo est\u00e1 fadado a acabar, para que se importar em \u201cfazer bem\u201d em vida?<\/p>\n Mais do que outros de seus mang\u00e1s j\u00e1 publicados no pa\u00eds, A Cidade da Luz <\/em>traz o niilismo de Asano na sua forma mais concentrada.<\/p>\n A perseveran\u00e7a de Meiko em Solanin<\/a><\/em>, ou a metamorfose final de Punpun<\/a> <\/em>n\u00e3o encontram espa\u00e7o aqui. As personagens da Hikari no Machi\u00a0<\/em>t\u00eam sonhos modestos de um futuro melhor. Por\u00e9m, vivem um dia ap\u00f3s o outro, \u00e0 merc\u00ea de um universo indiferente.<\/p>\n <\/p>\n Se n\u00e3o digo mais de sua trama \u00e9 porque A Cidade da Luz<\/em>, de certa forma, \u00e9 uma obra imune a descri\u00e7\u00f5es.<\/p>\n O mang\u00e1 \u00e9 uma constru\u00e7\u00e3o estranha. Em certos momentos, parece menos uma hist\u00f3ria que uma cole\u00e7\u00e3o de leitmotivs <\/em>desenvolvidos em outras obras de Asano.<\/p>\n Sua trama \u00e9 um ensemble cast <\/em>igual ao de Nijigahara Holograph<\/a><\/em>: uma teia de hist\u00f3rias pessoais unidas pelo acaso. Tal como\u00a0Nijigahara<\/em>, conta com um pr\u00f3logo que age como chave, estimulando e valorizando leituras futuras.<\/p>\n Suas hist\u00f3rias, por\u00e9m, s\u00e3o muito mais intelig\u00edveis, e suas intersec\u00e7\u00f5es, mais evidentes.<\/p>\n Nijigahara <\/em>era um n\u00f3 g\u00f3rdio de narrativas fragmentadas, que dependia da surrealidade para guiar o leitor. Enxames de borboletas misteriosas nos indicavam que esta ou aquela cena eram importantes \u2013 e que, juntas, compunham uma esp\u00e9cie de c\u00f3digo.<\/p>\n <\/p>\n Em A Cidade da Luz<\/em>, os contos se sustentam (na sua maioria) com seus pr\u00f3prios p\u00e9s. A surrealidade, outrora essencial, se transforma em \u00a0gimmick<\/em>.<\/p>\n <\/p>\n Haruko, a menina mutilada, \u00e9 uma progress\u00e3o do que foi Akie \u00a0em Nijigahara\u00a0<\/em>e uma ponte do que se tornaria Aiko<\/a>, a grande hero\u00edna tr\u00e1gica do autor.<\/p>\n <\/p>\nHikari no Machi<\/strong><\/h3>\n
Um diamante bruto<\/h3>\n