Que o sucesso arrebatador de Demolidor,\u00a0<\/em>Breaking Bad,\u00a0<\/em>Game of Thrones,\u00a0<\/em>Mad Men <\/em>e tantos outros\u00a0n\u00e3o nos iluda. A s\u00e9rie mais impressionante da \u201cEra de Ouro<\/a>\u201d da telinha pode estar em outro castelo.<\/p>\n Fargo, <\/em>seriado do FX que encerra sua segunda temporada essa semana, passou meio batido no radar entre tantos lan\u00e7amentos de peso. Remake (ou spin-off) de um filme<\/a>\u00a0um tanto obscuro dos irm\u00e3os Coen ambientado no meio-oeste americano, a produ\u00e7\u00e3o n\u00e3o parecia ter os quesitos para competir com her\u00f3is de aluguel, traficantes internacionais e g\u00eanios da publicidade.<\/p>\n <\/p>\n Errou quem apostou no fracasso. Sua primeira temporada faturou o Globo de Ouro<\/a> de melhor miniss\u00e9rie e melhor ator, e a segunda est\u00e1 no p\u00e1reo para repetir a dose, com indica\u00e7\u00e3o a tr\u00eas estatuetas<\/a>.<\/p>\n O sucesso n\u00e3o poderia ser mais justo. Fargo <\/em>n\u00e3o \u00e9 apenas uma \u00f3tima s\u00e9rie; \u00e9\u00a0uma compila\u00e7\u00e3o do melhor que a TV de alto n\u00edvel tem a oferecer.<\/p>\n Das m\u00e3os de Noah Hawley<\/a>, autor de quatro romances e roteirista de\u00a0Bones, <\/em>o seriado\u00a0se destaca n\u00e3o pelo que foge das f\u00f3rmulas, mas pelo qu\u00e3o bem se apropriada daquilo que deu de\u00a0mais certo nas produ\u00e7\u00f5es recentes.<\/p>\n Se h\u00e1, como alguns acham, uma “nova forma” de se fazer TV,\u00a0Fargo\u00a0<\/em>\u00e9 o seu maior monumento.\u00a0Poucas produ\u00e7\u00f5es, por exemplo, j\u00e1 incorporaram t\u00e3o bem:<\/p>\n Uma das maiores viradas\u00a0da TV contempor\u00e2nea foi o abandono dos paladinos da justi\u00e7a e suas miss\u00f5es altru\u00edsticas. Brett Martin atribuiu a revolu\u00e7\u00e3o \u00e0 popularidade dos \u201cHomens dif\u00edceis<\/a>\u201d: personagens em crise, com mais defeitos que virtudes, que fogem do didatismo esperado dos role models<\/em>.<\/p>\n A mudan\u00e7a pode ser vista dos livros<\/a> aos quadrinhos<\/a>, mas foi na TV que encontrou sua express\u00e3o mais bomb\u00e1stica. Com o sucesso de The Sopranos e The Wire<\/em>, depois Mad Men <\/em>e Breaking Bad <\/em>at\u00e9 chegar em Jessica Jones<\/em>, as produtoras entenderam que anti-her\u00f3is s\u00e3o muito mais carism\u00e1ticos do que indiv\u00edduos perfeitos.<\/p>\n Fargo <\/em>leva isso \u00e0 estratosfera. Seu elenco, surpreendentemente grande e bem desenvolvido para uma miniss\u00e9rie de dez epis\u00f3dios, traz algumas das melhores misturas de ang\u00fastia, raiva, amor e confus\u00e3o a terem\u00a0agraciado a telinha.<\/p>\n Seu enredo acompanha uma fam\u00edlia de mafiosos de Fargo \u2013uma cidade<\/a> na Dakota do Norte \u2013 tentando resistir \u00e0 expans\u00e3o de um grupo rival. H\u00e1 uma for\u00e7a-tarefa de policiais lutando para evitar que a guerra vire um banho de sangue. E h\u00e1 um casal de civis que, tal como Buscap\u00e9 em\u00a0Cidade de Deus<\/em>, se v\u00ea perdido na linha de tiro, com balas a voar para todos os lados.<\/p>\n Quem est\u00e1 \u201ccerto\u201d nessa hist\u00f3ria? Isto \u00e9 para o espectador determinar. A \u00fanica certeza que ele pode ter \u00e9 que no mundo de Noah Hawley n\u00e3o existem mocinhos ou vil\u00f5es simples. Os Gerhardts, a m\u00e1fia de Fargo, mostram respeito \u00e0 fam\u00edlia, lealdade e certa \u201chonra entre ladr\u00f5es\u201d, mas s\u00e3o malfeitores truculentos \u2013 mesmo com seus subordinados. Seus rivais formam um imp\u00e9rio criminoso que n\u00e3o perde em nada para as redes de corrup\u00e7\u00e3o de True Detective<\/em>, mas cujos membros, de t\u00e3o frios e corporativos, nos parecem at\u00e9 bons profissionais. \u00a0A pol\u00edcia supostamente zela pela ordem, mas est\u00e1 infiltrada pelo crime organizado e corro\u00edda por disputas internas. E a pobre donzela que foge do perigo ao lado de seu esposo\u00a0\u00e9 uma psicopata new age.<\/p>\n <\/p>\n \u00a0<\/strong><\/p>\n Dois guarda-costas mudos com sobretudos de couro. Um assassino de aluguel chamado \u201cO Agente Funer\u00e1rio\u201d que trabalha\u00a0de smoking e \u00e9 acompanhado por dois meninos orientais. Um rei do crime de black power que recita poemas do Lewis Carroll. Um capanga que parece a fus\u00e3o de Aldo Raine<\/a> com o P\u00e1ssaro Trovejante<\/a>. Um \u00f3vni.<\/p>\n <\/p>\n Ser \u201cs\u00e9rio\u201d, \u201cadulto\u201d, e \u201cgritty\u201d \u00e9 muito f\u00e1cil. O dif\u00edcil, como Christopher Nolan aprendeu do jeito mais duro, \u00e9 chegar a isso sem ser rid\u00edculo.<\/p>\n <\/p>\n Nem s\u00f3 de sofrimento, bufadas e grunhidos se faz uma pessoa. Qualquer s\u00e9rie que se proponha a ser \u201crealista\u201d precisa encontrar espa\u00e7o para essas outras facetas do ser humano: o humor, o inesperado, o irracional, o nonsense.<\/p>\n Sem as trapalhadas de Jesse Pinkman e a campainha de T\u00edo Salamanca, Breaking Bad <\/em>n\u00e3o passaria de um Traffic <\/em>de baixo or\u00e7amento. Sem o cortador de grama e Roger Sterling vomitando na frente dos clientes, Mad Men <\/em>bem serviria de novela de \u00e9poca.<\/p>\n1- Os “her\u00f3is”\u00a0com defeitos.<\/h3>\n
2- O nonsense<\/strong><\/h3>\n