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H\u00e1 algo de podre no reino dos animes. Ou, pelo menos, \u00e9 o que se diz por a\u00ed.<\/p>\n
F\u00e3s de Makoto Shinkai, o celebrado diretor de 5 Cent\u00edmetros por Segundo<\/em>, devem saber que seu novo filme, Kimi no Na Wa<\/a><\/em>, acaba de ser lan\u00e7ado no Jap\u00e3o. Alguns figur\u00f5es<\/a>\u00a0da ind\u00fastria j\u00e1 tomaram a internet para despejar seus elogios.<\/p>\n O que talvez n\u00e3o tenham ouvido \u00e9 que o filme provocou tamb\u00e9m rea\u00e7\u00f5es um tanto estranhas.<\/p>\n <\/p>\n Hiroki Azuma, um dos principais especialistas em anime no Jap\u00e3o, disse que o filme \u00e9 a prova de que \u201ca era dos otakus” finalmente acabou<\/a>.<\/p>\n Nas suas palavras:<\/p>\n Eu concordo completamente com a an\u00e1lise do [Daisuke] Watanabe. [A imagina\u00e7\u00e3o]\u00a0do\u00a0sekaikei<\/em> e dos games\u00a0bishoujo\u00a0<\/em>ganharam popularidade nacional ao dar\u00a0a seus protagonistas vidas pessoais satisfat\u00f3rias. Mas eu n\u00e3o estou otimista em rela\u00e7\u00e3o ao que vem depois.\u00a0Kimi no na Wa<\/em> parece menos um come\u00e7o de uma era do que o fim de outra. Para ser sucinto, ao assistir\u00a0Shin Godzilla\u00a0<\/em>e\u00a0Kimi na Na Wa\u00a0<\/em>eu senti que a era otaku acabou<\/strong>. A imagina\u00e7\u00e3o dos otakus ‘Gainax’ da primeira gera\u00e7\u00e3o e os otakus ‘sekaikei’ <\/em>da segunda gera\u00e7\u00e3o amadureceu. (…) Aquela falta de rumo e de esperan\u00e7a desapareceu completamente. Isto pode ser bom e isto pode ser ruim. Em todo caso, como algu\u00e9m nascido em 1971 que acompanhou m\u00eddia otaku a vida inteira, eu acho que esse ano ser\u00e1 visto no futuro como um\u00a0turning point<\/em>.<\/p>\n<\/blockquote>\n <\/p>\n Como era de se esperar, o coment\u00e1rio causou\u00a0frisson<\/em>. Alguns leram nele o julgamento de que a m\u00eddia otaku teria “crescido”, e n\u00e3o estaria mais nas m\u00e3os de fanboys.\u00a0J\u00e1 outros ressuscitaram <\/span>o velho argumento<\/a> de Hayao Miyazaki de que otakus s\u00e3o uma praga que precisa acabar.<\/span><\/p>\n Outros ainda, imagino, devem ter se\u00a0perguntado por que raios um “especialista” decidiu implicar\u00a0com o filme de um dos diretores mais celebrados da anima\u00e7\u00e3o contempor\u00e2nea.<\/p>\n Em tempo: otakus podem respirar tranquilos. Azuma n\u00e3o quis dizer que f\u00e3s de anime\u00a0estejam mortos, nem que o anime \u00e9 uma m\u00eddia degenerada. Ele, pr\u00f3prio, est\u00e1 envolvido como poucos na m\u00eddia: \u00e9 o autor da\u00a0hist\u00f3ria de\u00a0Fractale<\/a>\u00a0\u00a0<\/em>e publicou livros sobre o mundo dos animes (os quais eu mesmo j\u00e1 comentei aqui<\/a>\u00a0antes).<\/p>\n Pelo contr\u00e1rio, o que Azuma est\u00e1 dizendo\u00a0\u00e9 algo muito maior e mais importante – por\u00e9m, n\u00e3o necessariamente mais \u00f3bvio.<\/p>\n Para entend\u00ea-lo, no entanto, \u00e9 preciso viajar\u00a0um\u00a0pouco pela\u00a0hist\u00f3ria do Jap\u00e3o<\/p>\n <\/p>\n Nos anos 1980, o futuro parecia brilhante para a Terra do Sol Nascente. Enquanto muitas na\u00e7\u00f5es amargavam em crises financeiras e pol\u00edticas,\u00a0o pa\u00eds\u00a0contava com uma economia aquecida, uma popular ind\u00fastria midi\u00e1tica e otimismo\u00a0para dar e vender.<\/p>\n Para alguns, como o pol\u00edtico e escritor Shintaro Ishihara, o Jap\u00e3o estava a caminho de se tornar a pr\u00f3xima grande pot\u00eancia global. No livro\u00a0O Jap\u00e3o que Sabe Dizer ‘N\u00e3o’<\/a>, \u00a0<\/em>defendeu que os japoneses poderiam at\u00e9 mesmo abandonar o v\u00ednculo com os EUA nos quais se sustentavam\u00a0desde 1945.<\/p>\n Em 1995, dois baques colocaram\u00a0essa vis\u00e3o por terra.<\/p>\n Do primeiro, as imagens falam por si s\u00f3:<\/p>\n <\/p>\n <\/p>\n O Grande Terremoto de Kobe<\/a>\u00a0foi o maior tremor \u00a0a atingir o Jap\u00e3o desde 1923<\/a>. Com quase 7 pontos na escala Richter e um saldo de\u00a0mais de 6000 v\u00edtimas, foi uma trag\u00e9dia sem precedentes para a maioria\u00a0das pessoas vivas em\u00a01990.<\/p>\n Tal como os nova-iorquinos ap\u00f3s o 11\/09, os japoneses de 1995 sentiram que seu mundo havia virado de ponta cabe\u00e7a. Ao sa\u00edrem nas ruas pela manh\u00e3, encontraram uma cena que, at\u00e9 ent\u00e3o, esperavam encontrar apenas em filmes de\u00a0kaiju.<\/em><\/p>\n <\/p>\n Infelizmente, a trag\u00e9dia n\u00e3o pararia por a\u00ed. Apenas dois meses depois, <\/em><\/strong>a\u00a0seita apocal\u00edptica Aum Shinrikyo<\/a> realizou um ataque terrorista ao metr\u00f4 de T\u00f3quio.<\/p>\n <\/p>\n <\/p>\n Se a a\u00e7\u00e3o j\u00e1 foi terr\u00edvel, o\u00a0m\u00e9todo utilizado elevou o ataque a outro patamar de crueldade. Em vez de bombas, a Aum Shinrikyo fez uso do g\u00e1s Sarin<\/a>, uma arma qu\u00edmica de destrui\u00e7\u00e3o em massa que destr\u00f3i o sistema nervoso sem causar danos f\u00edsicos.<\/p>\n Em um minuto, milhares de\u00a0japoneses estavam penduradas no metr\u00f4 a caminho do trabalho. No instante\u00a0seguinte, pessoas inexplicavelmente come\u00e7aram a perder controle de seus sentidos, ficar cegas ou desabar ao ch\u00e3o.<\/p>\n <\/p>\n O atentado foi um dos eventos mais traum\u00e1ticos na recente hist\u00f3ria do pa\u00eds. Para alguns, atr\u00e1s apenas da Bomba de Hiroshima.<\/p>\n A repercuss\u00e3o na cultura\u00a0japonesa\u00a0foi gigantesca. O famoso escritor Haruki Murakami realizou uma s\u00e9rie de entrevistas com sobreviventes, que publicou como o livro Underground: O Ataque de G\u00e1s de T\u00f3quio e a Mentalidade Japonesa<\/a><\/em>. Hist\u00f3rias sobre seitas e atentados \u00e0 popula\u00e7\u00e3o civil tamb\u00e9m ganharam as p\u00e1ginas de muitos de seus romances.<\/p>\n <\/p>\n O epis\u00f3dio inspirou ainda v\u00e1rios animes e mang\u00e1s, incluindo\u00a0Oyasumi Punpun<\/em> de Inio Asano, Paranoia Agent <\/em>de Satoshi Kon e Mawaku Penguindrum <\/em>de Kunihiko Ikuhara.<\/p>\n <\/p>\n <\/p>\n\n
A era do imposs\u00edvel<\/strong><\/h3>\n