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Planescape: Torment – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 18:14:37 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 Planescape: Torment – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Torment: Tides of Numenera”: o futuro dos RPGs é uma casa dividida http://www.finisgeekis.com/2017/03/20/torment-tides-of-numenera-o-futuro-dos-rpgs-e-uma-casa-dividida/ http://www.finisgeekis.com/2017/03/20/torment-tides-of-numenera-o-futuro-dos-rpgs-e-uma-casa-dividida/#comments Mon, 20 Mar 2017 21:41:57 +0000 http://finisgeekis.com/?p=15893  Certa vez, assistindo à intro de Majora’s Mask, minha noiva fez o seguinte comentário:

Os jogos no passado eram mais mágicos.”

“Por quê? ” eu perguntei.

“Porque deixavam mais a cargo da imaginação.”

Não dá para negar o argumento. Os Zeldas do N64 não fizeram sucesso apenas por serem jogos bons. É preciso de algo a mais para transformar polígonos ambulantes em personagens cativantes.

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Quase vinte anos depois, a situação parece ter mudado. Basta um titubeio pelo uncanny valley para que um jogo seja crucificado. Mass Effect: Andromeda foi o alvo mais recente, mas sem dúvida não será o último.

Assim, é curioso notar que o CRPG mais financiado da história do Kickstarter segue um caminho completamente diferente.

Não qualquer CRPG, mas o sucessor espiritual de um dos maiores games de todos os tempos: Planescape Torment.

Tides of Numenera

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Produzido pela InXile, desenvolvedora de Brian Fargo que ressuscitou a franquia Wasteland anos atrás, Torment: Tides of Numenera traz vários dos criadores de Planescape de volta para um novo épico.

O game da InXile se passa no cenário de Numenera, do qual já falei aqui antes. Trata-se de uma idade das trevas futurista, ambientada um bilhão de anos no futuro.

Oito “humanidades” já ascenderam e foram extirpadas por apocalipses planetários. No Nono Mundo, como a Terra passa a ser chamada, uma sociedade primitiva sobrevive em meio a destroços de civilizações passadas.

O cenário é uma realização ambulante da 3ª lei de Arthur C. Clarke: “qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”. De naves interdimensionais a monstros biomecânicos, nanorrobôs a seitas místicas, seu universo é tão exótico que borra as distinções entre “fantasia” e “ficção científica”.

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Nada mais justo para um sucessor espiritual de Planescape: Torment, baseado no celebrado cenário Planescape de D&D, que o próprio Monte Cook, criador de Numenera, ajudou a criar.

O enredo

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Fiel ao seu cenário, o game da InXile começa com um mistério. Em uma abertura digna de Haibane Renmei, nosso protagonista “nasce” enquanto despenca do céu. Ou, mais precisamente, quando se espatifa no chão e descobre, como o Nameless One de Planescape: Torment, que não é capaz de morrer.

Nossa personagem em Tides of Numenera é um Deus. Na verdade, um ex-Deus.  

Vaga pelo Nono Mundo uma figura críptica chamada de Changing God, um imortal com o poder de criar novos corpos e transferir sua consciência para eles. Os corpos rejeitados se tornam castoffs, indivíduos que compartilham seus poderes, mas não suas memórias.

Seus experimentos com a imortalidade atraíram a ira de uma força misteriosa conhecida como The Sorrow, uma contra-força da natureza àqueles que violam seu equilíbrio. Na sanha de evadi-la, o Changing God se vê em uma perseguição que durará séculos, mudando freneticamente de corpos atrás de uma forma capaz de destruí-la.

Em Tides of Numenera, nosso protagonista é o último dos castoffs. Descobrindo que a Sorrow persegue estes castoffs com a mesma energia com que caça o Changing God, ele parte em uma jornada atrás do indivíduo que outrora habitou seu corpo.

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Se a sinopse acima foi o bastante para dar um nó em sua cabeça, já podem imaginar o tipo de jogo que Tides of Numenera é. Tal como seu precedessor, Planescape: Torment,  game da InXile é um festival de criatividade, exotismo e uma das lores mais interessantes a dar as caras em um RPG.

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Planescape: Torment ficou célebre pelo seu roleplay “cabeça”, e Tides of Numenera faz jus ao seu legado. Esqueça o final tricolor de Mass Effect 3 ou a moral binária de Fable ou Star Wars: KotOR. O game da InXile traz um dos leques mais diversos de atuação que um CRPG pode oferecer.

O jogo é baseado no elegante sistema Cypher, o mesmo utilizado no RPG de mesa de Monte Cook. Três atributos (força, velocidade e intelecto) regem todas as interações, e pontos de “esforço” podem ser gastos para facilitar tarefas em que teríamos dificuldade.

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Cypher tem sido elogiado como uma das maiores surpresas do RPG de mesa, e Tides of Numenera mostra que sua reputação é merecida. Sua jogabilidade é minimalista e eficiente, um sopro de ar fresco em comparação aos clássicos isométricos da Infinity Engine que visa a simular.

O combate, por turnos, é taticamente superior ao contemporâneo Pillars of Eternity, embora não alcance o refinamento de Divinity: Original Sin ou mesmo Wasteland 2, título anterior da InXile.

Seu diferencial mais memorável, no entanto, é que eles não são sinônimos de derramamento de sangue. Batalhas em Torment: Tides of Numenera são chamadas de “crises”, e sempre podem ser resolvidas de diversas maneiras, das quais a luta é apenas uma.

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Ambiente, maquinário e uma série de gadgets podem ser aproveitados para resolver situações. NPCs (mesmo se hostis) estão quase sempre abertos ao diálogo, e uma lista formidável de skills nos dá uma gama de possibilidades para manipulá-los aos nossos interesses.

Em uma época em que CRPGs se confundem com FPSs e Hack n’ Slash, esse é um destaque que não pode ser subestimado. Sua ênfase em caminhos não-violentos faz de Tides of Numenera um jogo marcadamente lento, mas traz nuances de roleplay virtualmente inéditas desde o Torment original.

Muito disso é fruto de seu volume colossal de escrita. Tides of Numenera transborda de diálogos de uma maneira que mesmo o CRPG, gênero conhecido pela exigência de leitura, poucas vezes faz.

O jogo abusa do tell don’t show – tanto, em alguns momentos, que nos sentimos jogando não um RPG isométrico, mas uma visual novel.

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Se o texto não parece supérfluo, o mérito é da altíssima qualidade de sua escrita. E não digo isso com leviandade: o game é assinado por uma equipe de peso, incluindo Patrick Rothfuss, autor de A Crônica do Matador do Rei.

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O escritor Patrick Rothfuss

Seja como for, não há dúvidas de que Tides of Numenera não será um jogo para todos. Mesmo eu, que me gabo de valorizar uma boa história acima de tudo, senti falta dos arroubos de adrenalina que CRPGs contemporâneo me ensinaram a gostar.

De fato, ao viajar pelos mistérios do Nono Mundo, não pude deixar de me perguntar

Existe ainda espaço para um game como esse?

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Em 2011, quando Dragon Age II foi lançado, o escritor da Bioware David Gaider disse estar apreensivo com o futuro do gênero. Os videogames estavam ficando cada vez mais realistas e cinemáticos, exigindo cada vez menos da imaginação.

Em alguns aspectos, isso era tudo o que a indústria precisava. Dublagem e motion capture popularizaram o talento de atores reais. Gêneros expansivos como o mundo aberto se tornaram hegemônicos. Sob a deusa cadela do fotorrealismo, os games se tornaram mais populares do que nunca.

O problema, como fãs de RPG de mesa sabem muito bem, é que a imaginação é infinita. Não importa quão fotorrealista seja um game AAA, ou quão competentes sejam seus designers. Jogo algum pode competir com uma mente em polvorosa.

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É notável que o recente Mass Effect: Andromeda tenha sido criticado (entre outras coisas) por oferecer “mais do mesmo”. Sua saga se passa em outra galáxia centenas de anos no futuro, mas seu diálogo é contemporâneo; seus aliens, humanos e racionais. Tudo business as usual.

Não em Tides of Numenera. Ao viajar pelo Nono Mundo, me deparei com cristais vivos que se comunicam por memórias, artrópodes que se alimentam de eletricidade, uma nave espacial sapiente que viaja através das dimensões, uma cidade-viva lovecraftiana que serve de lar a milhares de pessoas.

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E tudo isso foi só o começo.

Jogos diferentes possuem apelos diferentes. Para alguns, ele está na excitação do combate. Para outros, na dificuldade, beleza gráfica; na sensação de construirmos uma personagem, um lar, uma cidade só nossa.

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Em Tides of Numenera, flagrei-me buscando curiosidades. Como uma criança ouvindo um adulto ler um livro infantil, embarcava no jogo ansioso pelas coisas inusitadas, chocantes ou maravilhosas, que ele iria me trazer.

Ele nunca desapontou. De NPCs secundários ao vendor trash, cada objeto carrega uma história instigante. É quase possível imaginar o entusiasmo de seus escritores, inserindo tanto detalhe em coisas tão pequenas.

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Um caminho para o futuro… ou um retorno ao passado?

Três anos se passaram desde o começo da chamada renascença do RPG isométrico. Parece bem claro, hoje, que o CRPG ocidental se tornou uma casa dividida.

A profecia de que videogames conseguiriam dar vida aos nossos sonhos não se cumpriu. De um lado, o universo AAA ofereceu um deslumbre visual e dramático sem igual, mas constrangido às fórmulas do MMORPG, da sandbox-Ubisoft e de outras modas do momento.

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Do outro lado, Tyranny e agora Tides of Numenera parecem fazer o novo RPG isométrico dar um passo atrás. Não porque sejam ruim, ou pior que seus antecessores, mas porque resgatam um universo de possibilidades que CRPGs ocidentais parecem ter abandonado.

Jogos densos, lentos e cerebrais, com baixa fidelidade gráfica, feitos para serem degustados aos poucos, não varados em noites de binge.

Qual caminho é mais promissor? Difícil responder. Por um lado, é trágico ver ícones dos novos tempos –  como Mass Effect – buscarem sua redenção na megalomania, celebridades do momento e pornô softcore.

Por outro, Tides of Numenera parece cumprir seus objetivos bem demais. Desenvolvimento e worldbuilding são importantes, mas mesmo no distante passado, quando dependíamos de dados e da imaginação do mestre para nos situar, um pouco de excitação era o tempero de nossas quests.

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O novo RPG isométrico não traz o espetáculo visual de Horizon Zero Dawn, o mundo aberto expansivo de Breath of the Wild, ou o hack n’ slash instigante de Nier: Automata. Ele é storytelling nu e cru; puro demais, talvez, para se sustentar na indústria em pleno 2017.

No entanto, há uma razão para o storytelling, simples e direto como é, ter sobrevivido firme e forte ao passar dos séculos. Mesmo com o advento do espetáculo e da euforia das novas mídias.

A mente, dizia John Milton, é o seu próprio lugar. E em si mesma faz um inferno do céu; um céu do inferno. Com ela, engine nenhuma é capaz de competir.

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“Numenera”: Em um bilhão de anos, o que significará ser humano? http://www.finisgeekis.com/2016/02/22/numenera-em-um-bilhao-de-anos-o-que-significara-ser-humano/ http://www.finisgeekis.com/2016/02/22/numenera-em-um-bilhao-de-anos-o-que-significara-ser-humano/#comments Mon, 22 Feb 2016 23:45:01 +0000 http://finisgeekis.com/?p=2295

2016 pode estar apenas começando, mas alguns jogos, de tão aguardados, nos fazem pensar que o tempo não anda. Para mim – e, imagino, tanto outros que acompanham a renascença dos RPGs isométricos – é o caso de Torment: Tides of Numenera.

O game da inXile foi anunciado em 2013, já arrecadou mais de US$ 5 milhões no Kickstarter, teve a data de lançamento adiada algumas vezes e agora está em early access. Todo cuidado é pouco: o que Pillars of Eternity fez com Baldur’s Gate e Wasteland 2 fez com Wasteland e Fallout, Tides of Numenera pretende fazer com Planescape: Torment.

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É difícil navegar por fórums de CRPG sem topar com uma menção ao título da Black Isle. Planescape: Torment é um dos mais populares games que ninguém jogou. Devido à sua arquitetura contraintuitiva,  o RPG foi um tremendo fracasso de vendas. Ao mesmo tempo, ele guarda a honra de ser um dos jogos mais complexos e bem escritos de todos os tempos.

Tides of Numenera promete unir o útil ao agradável. Ao contrário de seu “predecessor espiritual” e suas inclementes regras de AD&D, o game é baseado no sistema Cypher,  que preza pela simplicidade e clareza.

O que sairá da experiência só saberemos nas próximas semanas (ou meses). Felizmente, não precisamos esperar para ter um gostinho do que está por vir. Tides of Numenera é inspirado um RPG de mesa criado por Monte Cook e lançado em 2013.

Se o livro de referência é algum indicativo, gamers podem esperar um 2016 bombástico. Numenera não é apenas o cenário mais criativo a dar as caras na “renascença isométrica”,  como tem o potencial de ser um jogos mais profundos dos últimos tempos.

Quão profundo? A ponto nos convidar a questionar o que é ser humano.

O que é ‘Numenera’?

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Numenera é um mundo de ficção científica disfarçado de fantasia. Ou é assim como o descreve seu criador, Monte Cook, no livro base do cenário. Inspirado na 3ª lei de Arthur C. Clarke (“qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”), Cook nos apresenta uma sociedade medieval construída sobre as ruínas de uma grande civilização futurista.

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Na verdade, não apenas uma, mais oito. O Nono Mundo, como se chama o planeta de Numenera, acompanha a vida da humanidade após oito apocalipses. Quem foram os outros povos? Por quanto tempo eles permaneceram vivos? O que os extinguiu? Ninguém sabe dizer. Para os humanos do futuro, as “maravilhas” do passado não passam de magia.

Numenera não é ambientada em em um futuro “próximo” de alguns séculos ou milênios. Pelo contrário, o Nono Mundo tem início mais de um bilhão de anos depois dos nossos dias. É um futuro tão, mas tão distante que a própria natureza já não é mais a mesma.

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O sol inchou e engoliu Mercúrio. Os continentes se unificaram em uma nova Pangéia. Todas as plantas e animais mostram sinais de engenharia genética. Mesmo apontar o que é “natural”  ou “artificial” tornou-se um desafio.

Os habitantes do Nono Mundo não fazem ideia do que aconteceu, mas nem por isso deixam de fazer uso das coisas que os antigos deixaram para trás. Estes “detritos” das eras passadas são os “numenera”, máquinas, instrumentos ou peças cujas funções originais foram perdidas, mas que os novos humanos reaproveitam da forma que podem.

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Tal com em Fallout e outras ficções pós-apocalípticas, os poucos que preservam algum conhecimento científico o protegem com devoção sectária. A Ordem da Verdade – versão ainda mais futurista do Brotherhood of Steel – é uma cabala de “cientistas” que exerce sobre o Nono Mundo o mesmo poder de que a Igreja Católica usufruía na Idade Média.

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Com direito a seu próprio papa

O singular do cenário é justamente o quão distante ele é do nosso presente. Para se ter uma ideia, o período jurássico terminou por volta de 145 milhões de anos atrás. Estamos falando, portanto, de um futuro quase sete vezes mais longe da nós do que nós estamos dos dinossauros.

É possível imaginar um mundo tão diferente? Para alguns, com certeza não. Em 1922, o grande dramaturgo George Bernard Shaw escreveu uma peça ambientada em um futuro “tão longe quanto alcança o pensamento”: o ano de 31920 d.C. Sua brincadeira sequer chega perto do exercício mental que Numenera nos propõe.

Já para outros, não há limites para a imaginação. Nos últimos tempos, não apenas autores de ficção científica, mas também historiadores começaram a pensar na humanidade em uma perspectiva cósmica. E as ideias que eles levantaram podem mudar completamente a forma como vemos o mundo.

A “Big History” e o futuro da humanidade

Historiadores costumam brincar que não é possível estudar “Deus e a sua época”. É preciso ter um foco, nos limitar a alguma época ou lugar. Do contrário, seríamos afogados em trabalho infinito.

Ou, pelo menos, é o que diz a maioria. Outros, mais rebeldes, decidiram pensar diferente.

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Big History” é uma tentativa de fazer o que Monte Cook sugeriu com Numenera: investigar toda a história, desde o Big Bang até o fim dos tempos.

O termo foi inventado nos anos 1980, mas a ideia não é nova. O sonho de uma história “completa”, que fosse capaz de nos “colocar” na galáxia, ou mesmo prever o que seres humanos farão no futuro já convive conosco há algum tempo.

Ele já apareceu, inclusive, em vários clássicos da ficção científica. Entre eles, a saga Fundação, de Issac Asimov, e Last and First Men, de Olaf Stapledon – que  o próprio Cook cita como inspiração de Numenera.

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A questão, que tanto fascinou esses autores, é que pensar em uma “história cósmica” requer levar em conta coisas que mal conseguimos imaginar. Um bilhão de anos é tempo suficiente para que os continentes se rearranjem, extinções em massa aconteçam e mesmo o Homo sapiens evolua para uma nova espécie.

Em nossa rotina de anos, décadas e séculos, é surreal pensar nisso fora de um programa do Neil deGrasse Tyson. Como seriam as pessoas desse futuro remoto? O que aconteceria com os países após mudanças geológicas? Existiria cultura humana? Existiriam humanos?

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Nessa escala, as perguntas são outras. De onde viemos? Qual o sentido da vida? Para onde a civilização caminha? O que significa ter “humanidade”? A ciência deixa de ser uma ferramenta para resolver questões pontuais para tentar responder aos antigos mitos de origem.

Qualquer semelhança com o mundo da religião não é mera coincidência. Não é a toa que, em Numenera, a Ordem da Verdade abriu mão da fachada acadêmica para se transformar em um culto, com direito à sua própria liturgia e guerras santas contra facções hereges.

Os novos “pensadores” têm mais em comum com os antigos sábios do que com os pesquisadores de hoje em dia, com sua rotina burocrática e seus departamentos bem divididos. Trabalhando em conjunto, eles não buscam conhecimento especializado, mas uma “teoria de tudo”.

Rumo à psico-história?

O problema é que com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. E com conhecimento absoluto, somos lembrados de algo que nossos antepassados já sabiam muito bem: a consciência do bem e do mal traz consigo o sofrimento.

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Se realmente existisse uma “teoria de tudo”, o que aconteceria com nosso livre arbítrio? Se nossa inteligência, nossa morte e mesmo nossos gostos e inclinações pudessem ser teorizados e previstos, nós continuaríamos realmente no controle?

Qual o sentido de viver se tudo está “escrito nas estrelas” – ou nos átomos, genes ou números?

Não é preciso esperar um bilhão de anos para fazer a pergunta. Em nossos tempos de big data, transhumanismo e genoma decodificado, muitos cientistas já começaram a perder o sono.

Felizmente para nós, a maioria acredita que o livre-arbítrio é real. O universo humano  é muito complexo para ser ditado apenas pelas leis da física, ou quaisquer outros princípios elementares. E quando mais subimos na “escada” da sociedade humana – do nosso destino pessoal à trajetória de países, civilizações, planetas – mais complexas e imprevisíveis as coisas se tornam.

Mas Numenera não para por aí. O Nono Mundo não é apenas futurista: é construído nas ruínas de civilizações que tiveram o poder de alterar a própria natureza. E por “alterar” não falo de coisas simples, como desviar o trajeto de um rio, mas de transcender a mortalidade, construir estrelas, reescrever as leis da física.

O que impede seres humanos de usarem esse poder para controlar o desenvolvimento da espécie? De decidir quem nasce e quem morre, de projetar indivíduos “sob medida”, de fundir tecnologia e natureza até o ponto em que não saibamos o que é uma coisa e o que é a outra?

Sondas Von Neumann

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Essa é uma daquelas hipóteses que parece boa, até pensarmos nela com mais calma. Graças à Mass Effect, temos um retrato bem convincente do que seria o “pior cenário”.

No game da Bioware, a humanidade descobre ruínas alienígenas e entra em contato com tecnologias avançadas. Graças à isso, a ciência avança a um patamar nunca antes visto, permitindo fontes infinitas de energia, viagens intergaláticas e o contato com outras civilizações.

Em dado momento, no entanto, fica claro que tudo não passa de uma armadilha. A tecnologia em questão foi desenvolvida pelos Reapers, uma raça de naves ciborgues que invade a galáxia a cada 50000 anos para extinguir toda a vida sapiente.

A “ajuda” que os Reapers oferecem é, no fundo, uma ferramenta de controle. Tal como o monólito de 2001, eles “forçam” as espécies a evoluir de uma maneira previsível e observável.

Os Reapers também têm uma “teoria de tudo”. Eles prevêm que a inteligência artificial inevitavelmente destruirá a vida na galáxia. Para eles, a única forma de impedir o desastre é evitar que comece: eliminando os inventores antes que dêem o passo final.

Destruir ou incorporar?

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Se fãs de Mass Effect se decepcionaram com o final de sua saga, talvez lhes seja um consolo saber que a Bioware não foi a primeira a contar essa história. Nausicaa do Vale do Vento, um clássico de Miyazaki e outra inspiração para Numenera, antecipou a jornada do Comandante Shepard em mais de trinta anos.

Nausicaa se passa em um cenário muito parecido com RPG de Monte Cook. O mundo civilizado foi destruído pela guerra, e as pessoas sobrevivem de “detritos” de uma época mais evoluída. Tal como em Numenera, humanos usam relíquias do passado sem saber como elas funcionam, e a tecnologia caminha bem próxima da magia.

A diferença é que, no conto de Miyazaki, a natureza decide revidar. Para salvar o planeta da aniquilação, o mar podre – uma floresta tóxica de fungos e insetos – começa a se espalhar pela superfície terrestre.

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Nausicaa acredita que a natureza não está errada, e que se os humanos pararem de agredi-la, tudo voltará ao normal. A verdade, no entanto, está muito além do que ela imaginava.

Em um fim digno da trilogia da Bioware, Nausicaa encontra uma inteligência de uma civilização passada, que lhe conta que o mar podre não é natural. Ele foi desenvolvido por seres sapientes para “trazer ordem ao caos”, e “salvar” a humanidade por meio de sua destruição. Só um apocalipse, diz ela, protegeria os seres humanos de acabarem com todo o planeta.

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Mass Effect joga a escolha em nossas mãos como um grande dilema moral. Nausicaa, por outro lado, não tem nenhuma dúvida sobre qual é o caminho certo:

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Morrer, sofrer, ser extinto não são coisas ruins. Elas fazem parte da natureza, e o ser humano, para viver em harmonia com seu ambiente, precisa aprender a aceitá-las. A vida é arriscada e imprevisível, mas é assim que as coisas devem ser. Nunca, em hipótese alguma, nós devemos controlá-la.

Será muito interessante ver o que a equipe da inXile pretende nos contar desse dilema. Felizmente, pelo menos dessa vez nós não dependemos dos desenvolvedores. Por se tratar de um RPG de mesa, todos nós podemos vivenciar nosso futuro distante no Nono Mundo. E decidir, por nós mesmos, o que nos fará humanos daqui há um bilhão de anos.

 

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O papel da imaginação http://www.finisgeekis.com/2015/03/30/o-papel-da-imaginacao/ http://www.finisgeekis.com/2015/03/30/o-papel-da-imaginacao/#respond Mon, 30 Mar 2015 19:45:30 +0000 http://finisgeekis.com/?p=147

Eu acho que o meio está rapidamente se movendo na direção de se tornar mais cinemático do que era – o que é bom e ruim, eu creio. É bom na medida em que agora podemos mostrar tanto quanto contamos. E é ruim porque nós subitamente precisamos mostrar, e menos fica a cargo da imaginação… algo com que, de várias maneiras, nós jamais poderemos competir.

A frase acima é de David Gaider, escritor da Bioware, em entrevista que deu quando do lançamento de Dragon Age II. Sua opinião é ao mesmo tempo pé-no-chão e profética, e só mostra quanto Gaider está antenado na metamorfose pela qual os CRPGs passam. Dragon Age II foi criticado por simplicar demais as mecânicas do gênero, por emprestar demais dos games de ação e por – supostamente – ter se colocado como um “primo pobre” (e fantástico) do bem sucedido RPG/TPS Mass Effect. O lançamento causou alguma comoção – com direito até a uma “mea culpa” do diretor criativo Mike Laidlaw – mas ela pareceu superficial, se não mesmo derrotada. Entre os gráficos superiores, novos sistemas e orçamentos dignos de Hollywood, havia uma impressão sutil de que o novo, goste a gente ou não, chegou para ficar. Adicione a isso uma nova geração de gamers que conheceu pouco a era de ouro dos CRPGs e menos ainda os jogos de tabuleiro que a inspiraram e a situação piora ainda mais. Não há mais lugar para os RPGs de ontem, e quem pensa diferente pode fazer as malas e partir.

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Quem vibrou com esses títulos sabe a pena que isso é

Um recomeço inesperado

As malas eles fizeram, só que pouquíssimos (além de David Gaider) podiam imaginar quão longe eles chegariam. De 2011 até hoje há um Kickstarter de distância, e com a popularização do crowdfunding uma série de desenvolvedores não muito amado pelos investidores tradicionais arregaçaram as mangas e se puseram a desbravar fronteiras. O resultado? Em 2014, Divinity: Original Sin, homenagem saudosa à “era de ouro”, arrecadou 1 milhão de dólares dos fãs; Wasteland 2, sequel de um título obscuro de 1987, juntou quase 3. Pillars of Eternity, lançado esse mês, ultrapassou os 4 milhões, e Torment: Tides of Numenera, sucessor do clássico cult (e fracasso de vendas) Planescape: Torment está a caminho dos 5. Um gamer veterano que retomasse o hobby hoje após vinte anos de hiato se sentiria em casa: os velhos CRPGs isométricos são o novo preto.

As razões para isso talvez não sejam tão misteriosas. Já falei aqui antes do papel do “faz de conta” e da dificuldade dos games em reproduzi-lo. Se um roguelike ou uma narrativa emergente, como um RPG de mesa, trazem isso pelo acaso e pela imprevisibilidade, os CRPGs de eras passadas traziam pelo que lhes faltava. Não havia pixels suficientes para representar uma vestimenta, então estávamos livres para imaginá-la da forma que quiséssemos. Não havia uma voz oficial para o protagonista assinada por uma celebridade, então escutávamos a nossa. Não havia, muitas vezes, o aprisionamento de nossas personagens à uma lore rígida, então podíamos criar personagens do absoluto zero, muitas vezes reutilizando heróis de RPG de mesa ou outros videogames. Não havia a obrigação (ou o espaço em disco) para se contratar muitos dubladores, e assim nossos diálogos eram imensos, irrestritos e versáteis em opções.

O dilema lembra as disputas entre aqueles que consideram jogos um “playground” e os que pensam neles como narrativas, sucessores de filmes e livros. É uma discussão quase tão velha quanto Baldur’s Gate, e que levou desenvolvedores e pesquisadores a coçar muito a cabeça. O curioso dos RPGs é que, mais do que qualquer outro gênero, parecem estar no meio do tiroteio: seus “diferenciais” desde que mundo é mundo foram a liberdade de escolha e a qualidade narrativa, e há fãs de ambos os lados pronto para criticá-los quando pendem para um lado mais do que para outro. De onde vem a questão: e quando liberdade e narrativa forem auto excludentes? E se os longos textos e diálogos intermináveis – sem contar a preocupação em criar um enredo coerente – tirarem do jogador a sensação de autonomia? E se o emaranhado de atributos, cálculos e acrônimos incompreensíveis (porém indispensáveis) afugentarem um jogador que de outra forma teria amado mergulhar na história?

Apesar de meu apreço pela “velha guarda”, sempre me incomodei com que direcionava essas limitações como críticas aos novos CRPGs do mundo AAA. Afinal de contas, trata-se de um estilo de jogo que veio a outro propósito, e tem um currículo próprio de inovações bem sucedidas. Quem nunca se impressionou com uma cinemática bem feita ou com a voz da Jennifer Hale que atire a primeira pedra. Entretanto, o “retorno” dos CRPGs isométricos conta uma história que não pode ser negada: há uma experiência única no gênero que se perdeu com o passar do tempo. E alguns gamers estão dispostos a voltar para buscá-las.

O retorno do filho pródigo

Aqueles que jogam desde os anos 1980 e 1990, todavia, sabem que a coisa não é tão simples. Há motivos para o gênero ter mudado em primeiro lugar, e muito do que era feito antigamente só era feito porque não se conheciam alternativas viáveis. O gamer contemporâneo que explore um título de vinte anos sofrerá o mesmo choque de um estrangeiro perdido em uma feira livre. Afinal, estamos falando de uma época anterior aos quest markers, auto-travel, autosave, regeneração automática; a era das mortes permanentes, diários de campanha pouco claros, resolução de tela sofrível e sistemas de combate desesperadores. A época em que era possível “perder” o jogo simplesmente por deixar de ter um item específico em um lugar específico em um momento específico.  Lembro-me com amargura de ter abandonado Planescape: Torment depois da terceira vez em que tive de recomeçar o jogo do zero por ter jogador fora quest items sem saber que eram importantes.

Seria a nostalgia suficiente para trazer esse estilo de volta à moda, ou seria preciso reinventá-lo? É possível reinventar esse tipo de jogo sem perder sua essência?

A despeito de seu sucesso, a nova leva de RPGs isométricos deixa algumas dúvidas. Divinity: Original Sin modernizou seu visual, sistema de combate, criação e customização de personagens, mas sofre de diálogos prolixos e um sistema de crafting para dar dor de cabeça em qualquer um. Wasteland 2 tem batalhas estupidamente difíceis e uma lista de perícias gigantesca, que exige um planejamento minucioso na hora de criar sua equipe. Qual foi minha surpresa, portanto, ao ver que os criadores de Pillars of Eternity resolveram nadar contra a corrente.

Segundo o diretor de projeto, Josh Sawyer, o objetivo do sistema de regras é impedir a criação de personagens inviáveis. Todos que já tiveram experiências com CRPGs sabem que montar cuidadosamente um protagonista é uma das tarefas mais importantes no gênero – e fonte de boa parte da diversão. Afinal, nada dá mais prazer do que ver uma personagem evitando um combate graças ao bom uso de perícias, ou derrotando um inimigo superior por meio da sinergia entre party members.

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A proposta é estranha, mas assusta menos quando vista em prática. Para os revoltados de plantão: não se alarmem. Há habilidades melhores que outras e o jogo ainda recompensa aqueles que dominam o sistema. Ademais, a dificuldade de alguns encontros vai fazer bom uso dessas recompensas. A “mágica” está em três fatores: níveis de dificuldade minuciosamente customizáveis, diversidade de builds para cada classe e a possibilidade de criar party members, “NPCs do jogador”, ao longo da aventura. Sozinhas, cada uma das medidas não impressionaria muito, mas juntas formam um equilíbrio interessante. Até que ponto vai ser suficiente para levar o gosto por CRPGs isométricos a uma nova geração é ponto para debate. De qualquer maneira, eles não estão sozinhos na luta. Os novos CRPGs do universo AAA também deverão se reinventar caso queiram resistir à popularidade das sandboxes e dos jogos de ação. A diferença é que, ao contrário de Pillars of Eternity, eles não têm um passado ao qual voltar. Dragon Age se diz “sucessor espiritual” de Baldur’s Gate, e várias franquias reivindicam o legado de uma “tradição” RPGística. Mas a verdade é que, mais do que nunca, estes jogos são cartas de despedida a uma origem perdida

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