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Pixar – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 17:24:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 Pixar – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Os animes são uma mídia para adultos? (Parte 2) http://www.finisgeekis.com/2016/07/13/os-animes-sao-uma-midia-para-adultos-parte-2/ http://www.finisgeekis.com/2016/07/13/os-animes-sao-uma-midia-para-adultos-parte-2/#comments Wed, 13 Jul 2016 18:12:48 +0000 http://finisgeekis.com/?p=8016

Na semana passada, eu me reuni ao Fábio Godoy do Anime 21, Diego Gonçalves do É Só Um Desenho e Vitor Seta do Otaku Pós-Moderno para responder a uma pergunta que todos já ouvimos diversas vezes.

Os animes que tanto curtimos são, de fato, um entretenimento para adultos?

Nessa semana, Cat Ulthar do Dissidência Pop e Kouichi Sakakibara do Animes Tebane se uniram a nós para refletir sobre a reputação dos desenhos japoneses, ora tidos como “coisa de criança”, ora como “diversão madura”.

E o que, em um caso ou no outro, estaria por trás dessa “maturidade”.

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Vinicius: Na semana passada, o Vitor mencionou os desenhos da Pixar como exemplo de um cinema infanto-juvenil com grande apelo para adultos.

Fico feliz que o estúdio tenha sido mencionado, pois ele é a primeira coisa que vem à minha mente quando penso em “animação” e “públicos-alvo” fora de um contexto japonês.

De fato, as animações da Pixar (e da Disney, antes dela) são verdadeiros primores, prova de que é possível fazer arte para todos os públicos. O próprio Justin Sevakis do Anime News Network as compara, com razão, às obras do Miyazaki e do Mamoru Hosoda.

Eu, mesmo, não tenho como discordar. Com o risco de perder alguns leitores, preciso confessar que, na minha opinião, A Bela Adormecida (1959) é a melhor animação já feita, superando qualquer coisa já produzida no Japão ou em qualquer outro lugar do mundo.

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Dito isso, parece-me sim que essa filosofia de animação, em seu esforço para não impor barreiras à compreensão, é frequentemente menosprezada.

Ou, para usar as palavras do Diego, ser “para adultos” tornou-se, de fato, um “atestado de qualidade” para uma parte do público (embora este “atestado” seja exigido de forma bem seletiva).

Isso com certeza tem menos a ver com a animação em si do que com a subcultura ocidental que veio a se identificar com os animes.

Talvez isto seja sinal de uma nova “contracultura” do século XXI. Talvez seja um mecanismo de defesa de pessoas que passaram a vida ridicularizadas por “gostar de desenhos”. Talvez, tão simplesmente, seja um produto da nostalgia pelos anos 1990, que leva jovens adultos a considerar o entretenimento padrão “da sua época” como o supra-sumo da arte.

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O que eu acho significativo é que essa não é uma opinião restrita a um círculo de fãs, mas disseminada entre os próprios críticos. Um dos maiores exemplos de memória recente foi a repercussão do Oscar de 2015, quando Kaguya Hime não faturou a estatueta de Melhor Animação.

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O grande vencedor

Um site citou a vitória de Big Hero 6 como “prova de que os votantes do Oscar não sabem nada sobre animação”. Outro, que o Oscar “não faz a menor ideia do que fazer com filmes excepcionais”. Um terceiro disse que, se A Viagem de Chihiro fosse apresentada hoje, provavelmente perderia para Lilo & Stitch.

Não quero pôr a mão no fogo para defender o Oscar. Suas políticas internas são, realmente, detestáveis. Porém, me parece claro que os votantes da academia adotam a “acessibilidade” como um critério essencial. Por mais que alguns tenham criticado o prêmio por levar em consideração a recepção infantil, parece haver um consenso de que uma animação que atinja a todos é preferível a um trabalho de nicho.

O que me leva a um outro ponto. Muitos dos animes considerados “adultos” não são apenas sofisticados. Eles requerem, também, uma bagagem cultural muito específica.

É o caso de Mawaru Penguindrum com o atentado ao metrô de tóquio em 1995 , de Joker Game com a Segunda Guerra Sino-Japonesa e de Showa Genroku Rakugo Shinjuu… bem, do começo ao fim.

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Isso me lembra de uma entrevista antiga de Mamoru Oshii. Nela, o diretor disse que animes são uma parte da cultura japonesa, e que seus temas jamais serão apreciados por ocidentais da forma como o são em seu país de origem. Não existe uma “cultura global”. Um japonês, diz ele, jamais entenderia a Guerra do Vietnã, e seria ingenuidade acreditar que a recíproca seja verdadeira.

Como vocês vêem a indústria atual nesse sentido? O próprio Justin Sevakis do ANN disse, ano passado, que a popularidade de animes no Ocidente (com a vinda ao Netflix e ao Hulu) estava fazendo diretores priorizarem gêneros “fáceis de se exportar”.

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Um exemplo entre tantos

Vocês acham que esse pode o futuro do anime (ao menos no curto prazo)? Ou existem sinais de que a indústria esteja adotando um caminho contrário?

Kouichi: A própria existência dos termos demográficos “Seinen” e “Josei” já deixa clara a existência de uma parcela da indústria da animação que quer atingir o público adulto. Infelizmente para o desenvolvimento dessa discussão, acho que ninguém vai ter a coragem de se opor.

Obras com um público bem restrito existem há muito tempo, mas de fato acredito que só recentemente elas começaram a ganhar um espaço maior durante as ditas “temporadas”.

Recentemente, escrevi um artigo sobre Ergo Proxy, que em meio a toda a “dissecação” do tema, eu me vi pesquisando latim e referências filosóficas do século XVIII e XIX para simplesmente começar a entender uma pontinha do enredo proposto. Dizendo isso já podemos imaginar o quão complexa é a obra, e como é restrito seu público alvo e consecutivo a isso, o quão afetado são seus lucros.

O que me chama atenção em todo caso, não é a existência ou não de obras focadas no público adulto nas últimas temporadas, ou existência real de um grande público adulto interessando em animação, mas sim, até onde animações adultas conseguem atrair adultos?

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Não é por nada não, mas no meio “otaku” em que convivo, eu costumo ver muitos adultos mais interessados em Moe e Ecchi, que em obras mais complexas como o já citado Joker Game ou até mesmo Young Black Jack, do fim de 2015.

Dito isso, me surge outra questão: se adultos vão se interessar por obras infantis/adolescentes, até onde é lucrativo produzir obras restritas para o público adulto, que não se mostra muito seletivo?

Diego: Eu tenho um ou dois comentários a fazer nessas últimas considerações do Vinicius, mas antes eu queria comentar algo que o Fábio falou no seu primeiro comentário: o que surgiu primeiro, animes para adultos ou  adultos vendo animes?

Recentemente, eu terminei de ler o livro Quadrinhos – História Moderna de uma Arte Global, que faz uma espécie de panorama dos principais movimentos e artistas relacionados aos quadrinhos da década de 60 até a atualidade.

Uma coisa interessante nele é que se você olhar bem a partir das décadas de 60 e 70 você tem quase que um movimento mundial de surgimento de quadrinhos “adultos” (é quando temos, por exemplo, o underground americano, com quadrinhos que retratam sexo, consumo de drogas e por ai vai)

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E meio que só pra “jogar” mais uma referência, isso me lembra também algo que Paul Gravett comenta no seu livro Mangá: Como o Japão Reinventou os Quadrinhos Ele fala do movimento Gekigá e de como ele veio após algumas gerações que já tinham crescido lendo mangá desde pequenos. Havia, então, uma demanda por esse produto por adultos que não queriam abandonar o hábito de leitura, mas também não queriam os quadrinhos infantis de antes.

Então eu acredito que a resposta a essa pergunta, Fábio, é uma espécie de meio termo. Você tem toda uma geração (ou mais) que de certa forma foi “acostumada” com a mídia, e que conforme foi crescendo não quis “desapegar”, e a isso você junta uma série de artistas que querem expandir os limites da mídia, e bom, aqui estamos agora.

Agora, Vinicius, sobre essa questão de o anime exigir uma certa bagagem, eu diria que isso depende muito de anime a anime, mesmo dentre as obras adultas.

Por exemplo, Master Keaton, anime de 39 episódios de 1998, é um anime episódico que segue o dia a dia de um investigador de seguros e ex-arqueólogo.

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É uma obra criada como direcionada a adultos na faixa dos 30, e sua estrutura lembra muito série americanas como CSI ou alguma outra de investigação, no sentido de ser algo mais formulístico.

Enfim, é um anime que facilmente qualquer leitor ocidental consegue entender sem problemas. Outro anime do tipo seria Galery Fake, sobre uma espécie de anti-herói que trabalha no submundo das venda de arte de forma ilegal. O anime é de 2003 (acredito) e é super acessível.

E eu argumentaria ainda que o próprio Joker Game é sim bastante acessível, porque embora o leitor ocidental não tenha normalmente essa bagagem cultural do lado oriental da segunda guerra, o próprio anime não trabalha realmente muito isso: é apenas “cenário” ali, e fora isso ele é uma história de espiões bastante “comum”, ou ao menos assim me parece.

Isso dito, de fato tem sim animes que exigem algum conhecimento, e que concordaria que as experiências de um espectador oriental e um ocidental seriam completamente diferentes. Exemplos seriam animes que usam pesadamente do folclore e do simbolismo próprio ao Japão, como Uchouten Kazoku, Hotarubi no Mori e, Kyousougiga e outros nessa linha.

houtarubi no mori

Cat: Essa é uma pergunta que, para um melhor entendimento, deve sair apenas do nicho dos animes japoneses, e abordar todo o trabalho de animação que exista, seja de qual país for, para depois adentrar em algo mais específico, como o Anime japonês.

Penso que a razão das animações serem prontamente associadas a um público infantil seja a influência, por vezes perversa, da televisão.

Geralmente animações, sejam ocidentais ou animes, são exibidos em canais ou programas infantis. Todo mundo deve lembrar dos velhos tempos da TV brasileira onde não era difícil poder assistir um anime ou outro, desde Cavaleiros do Zodíaco a Hunter x Hunter. Isso seria culpa do senso comum.

Em uma análise um pouco mais aprofundada do senso comum, verifica-se que quando um desenho possui uma temática mais madura ele seria a exceção, uma deturpação do sentido clássico da animação, que é entreter as crianças, como no caso de South Park e afins. Portanto, o desenho “adulto” seria o estranho no ninho.

Entretanto, sabe-se que as coisas não são bem assim. A animação surgiu como mais uma forma de expressão da arte cinematográfica. Como existem filmes que são infantis, outros não, assim ocorre com as animações, sejam ocidentais ou animes. Tudo é a questão da vontade criativa do seu criador. Isso ocorre em qualquer tipo de expressão artística, como a literatura, a música, as artes plásticas, há material voltado para todas as idades.

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Há animações para todas as idades, para crianças, para jovens, para adultos. No Japão há canais para cada demografia especializada. Como poderia ser classificado como infantil obras como Akira, Ghost in The Shell, Serial Experiments Lain, entre outros? Isso falando de animações japonesas, pois no ocidente não é diferente, como a clássica animação francesa surrealista Planeta Fantástico

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Claro que há obras que transitam entre várias demografias, ou melhor dizendo, muitos diretores, roteiristas e produtores inserem subtextos ou metalinguagem em suas obras no sentido de mascarar certas temáticas que não seriam apropriadas abordar para o público alvo de maneira direta.

Por exemplo, Digimom Tamers, dirigido por Chiaki Konaka, que produz muito material de horror lovecraftiano, que não é nada infantil, mas conseguiu inserir essa temática em uma obra voltada para o público infantil, de uma maneira a não levantar qualquer tipo de controvérsia. Mas um adulto, cito como exemplo eu, ao ver a obra depois de tantos anos verifica que ela mostra nas entrelinhas muito mais que uma criança consegue perceber conscientemente.

Outro exemplo clássico é Sakura Card Captors, somente quando adulto, ou pelo menos mais maduro que fui perceber a tensão homossexual que existe entre os personagens da série (Sakura X Tomoyo e Yukito X Toya). Quando eu era criança, esse tipo de material passava despercebido, assim como ocorre na maioria dos casos. Assistir uma obra na infância e depois assistir na idade adulta, são experiências totalmente diferentes.

Nesse tema eu também poderia citar uma série de postagens que fiz sobre a influência do misticismo gnóstico nos animes. O gnosticismo é uma corrente filosófico/religiosa antiquíssima e nada infantil, entretanto alguns de seus elementos e ensinamentos podem ser observados nas mais diversas obras, como Neon Genesis Evangelion, voltada para o público infanto-juvenil, mesmo possuindo uma complexidade ímpar.

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Assim, digo com certeza, que animes não são uma mídia para adultos, nem para crianças, tampouco para velhos, mas sim uma forma de entretenimento voltada para qualquer público dependendo da vontade do seu criador.

Muitas vezes uma obra voltada para crianças pode ser permeada de elementos adultos, colocados de forma não intencional ou, como ocorre muitas vezes, de forma intencional. Os animes são como qualquer outra forma de entretenimento, podem se encaixar em qualquer nicho ou faixa etária, basta procurar o que te interessa.

Fábio:  Eu me sinto plenamente representado pela resposta do Gato agora, era isso o que eu tentava dizer – o que não quer dizer que essa seja “a verdade”.

A verdade é que, na verdade, nem tentamos responder muita coisa, muito menos encontrar alguma verdade, não é? Com mais ou menos fundamentos cada um aqui deu sua opinião. E tudo bem. Mas no fundo falamos cada um de coisas diferentes e por isso as aparentes discordâncias, suponho.

Anime é pra adulto. Anime é pra criança. Anime é pra todo mundo e não é para ninguém em particular. Cada anime tem seu público-alvo. Sem repetir demais o Gato, alguns são mais infantis, outros são mais adultos, outros possuem temas adultos contados de forma que crianças consigam absorver – não necessariamente entender.

Ao mesmo tempo, a maioria dos animes é produzido para o público jovem adulto, mas são razoavelmente infantis ou infantilizados. Animes infantis e infanto-juvenis são produzidos em menor número absoluto mas com outra lógica de negócio, e costumam ter mais episódios e temporadas – e muito adulto assiste esses animes também. E existe uma minoria de animes realmente adultos.

Historicamente, a animação surgiu como uma técnica cinematográfica, e como toda arte, não era produzida para alguém em particular mas por ser produzida por adultos tendia a ser ela própria adulta ou puramente experimental.

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A Culpa é do Samba, curta da Disney de 1948, originalmente concebido para a participação de Carmen Miranda.

Com Disney nos EUA e com Tezuka no Japão (esse muito influenciado por aquele) a arte da animação se voltou fortemente para as crianças, e o sucesso desses dois artistas e empreendedores provavelmente é responsável pela imagem da animação como arte para crianças até hoje – mesmo que o próprio Tezuka tenha chegado a produzir também para adultos.

Sobre a Disney eu não sei, e por saber tão pouco prefiro apostar que ele também nalgum momento tentou encantar adultos, não apenas crianças – mas sua empresa, hoje, certamente investe em obras para toda família, algumas com as tais mensagens adultas mastigadas para crianças consumirem.

E não é como se em qualquer momento histórico tenha deixado de existir artistas que produzissem para adultos.

São quatro pontos de vista diferentes: o vocacional, o comercial, o artístico e o histórico. Cada um falou um pouco sobre alguns deles. Todos são válidos, nenhum é conclusivo. Se a pergunta for “Anime é para adultos?” no sentido de potencial, a resposta é sempre sim, pode ser. Se for no sentido determinístico, então a resposta é sempre não – anime não é só para adultos, afinal.

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Os animes são uma mídia para adultos? (Parte 1) http://www.finisgeekis.com/2016/07/06/os-animes-sao-uma-midia-para-adultos-parte-1/ http://www.finisgeekis.com/2016/07/06/os-animes-sao-uma-midia-para-adultos-parte-1/#comments Wed, 06 Jul 2016 19:29:55 +0000 http://finisgeekis.com/?p=7891 Para nós, otakus ocidentais, a pergunta parece absurda. Não é raro encontrar comentários de que a animação japonesa é o território para “mentes maduras”, uma luz no fim do túnel em meio à infantilidade grudenta de Hollywood.

De fato, do nosso lado do Pacífico os animes não apenas conquistaram um público devoto entre os maiores de idade. Eles se consagraram como a animação “para adultos” por excelência.

Por incrível que pareça, nem todos concordam com isso. E não falo de desafetos da animação japonesa, mas de alguns de seus maiores fãs e divulgadores.

Justin Sevakis, do Anime News Network, é um dos que têm atacado o senso-comum. Segundo ele, mesmo no Japão a animação é encarada como um passatempo infanto-juvenil – ou, na melhor das hipóteses, como um entretenimento “para toda a família”.

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Com a exceção dos filmes do Studio Ghibli e das grandes franquias para o público jovem, animes são um entretenimento de nicho. Emissoras de TV só aceitam transmiti-los porque são pagas pelos produtores.

Para Sevakis, não haveria, no Japão inteiro, mais do que algumas centenas de milhares de otakus. Para o japonês comum, “anime” é sinônimo de infantilidade. Ou, o que é ainda pior, de adultos que se recusam a crescer, hikikomoris e pervertidos fascinados por dakimakuras e jogos eroges.

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E que habitam quartos como esse

Há razões para crer que Sevakis possa estar exagerando. Uma pesquisa online feita pela agência DoHouse em 2010 concluiu que cerca de metade dos japoneses assiste a animes na TV.

Se números por si só não forem reveladores, a oferta de animes na última temporada com certeza é. Embora a maior parte dos lançamentos corresponda a gêneros com grande apelo entre o público juvenil, algumas séries distoam – e muito – da imagem da mídia como um “hobby de crianças”.

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Showa Genroku Rakugo Shinju, que ganhará em breve uma segunda temporada, nos trouxe um drama lento e pés-no-chão sobre uma das artes mais tradicionais do Japão. Já Joker Game pisou em todos os calos e arriscou abordar um dos períodos mais polêmicos da história japonesa.

Seriam esses animes prova de uma mudança de demografia? Ou, pelo menos, de que há um nicho de otakus adultos, interessados em algo mais além de battle shounens e slice of lifes escolares? Ou estaria o Justin Sevakis certo, e não seria isso tudo apenas nossa impressão?

Essa não é uma pergunta simples. Felizmente, não preciso encará-la sozinho. Fábio Godoy do Anime21, Diego Gonçalves do É Só um Desenho e Vitor Seta do Otaku Pós-Moderno  se juntaram a mim para tentar respondê-la.

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Diego: Antes de mais nada, eu acho… não exatamente “pertinente”, mas interessante apontar que no último Festival de Annecy, Guillermo del Toro fez um comentário sobre como ele acha que a animação é uma arte adulta.

Acho que no mundo inteiro temos essa noção de que “desenhos são para crianças”, e com a quantia brutalmente maior de obras em animação saindo para esse público do que para qualquer outro, acho que é difícil não haver, nas pessoas, pelo menos uma noção de que a maioria das animações é mesmo para crianças.

Isso dito, eu acho que não podemos tratar os animes da mesma forma que tratamos, digamos, os desenhos americanos. Porque a animação japonesa é quase que uma mídia própria, por assim dizer. E dentro dessa mídia você vai, sim, ter os animes mais voltados para crianças e adolescentes, como Naruto, Dragon Ball, One Piece, Death Note e por ai vai.

Mas ao mesmo tempo você tem obras que eu duvido que fossem entreter alguém muito jovem. E eu nem me refiro a coisas como Showa ou Joker Game, embora possa incluir, mas penso em coisas como Kino no Tabi, Mushishi, ou mesmo animes que são ridiculamente complexos e intrincados, como Ghost In The Shell Stand Alone Complex, ou Mawaru Penguindrum, são obras que se você der pra uma criança ver, mesmo pra um adolescente (digamos, até uns 15, 16 anos), a criança não vai entender nada.

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Na minha opinião, anime não “é” de faixa etária alguma, temos obras para todas as idades, desde criancinhas na pré escola (Hamtaro), passando por adolescentes (Naruto, Dragon Ball), jovens adultos (digamos, Joker Game), até mesmo adultos para lá dos 30 anos (Master Keaton, por exemplo).

Isso dito, eu vou encerrar com uma pequena provocação, que é a seguinte: que fosse, então, algo de criança, haveria ai algum problema? Por que temos essa noção que o que é “para crianças” é, de alguma forma, inferior aos demais? Ser “para adultos” é algum tipo de “atestado de qualidade” ou de respeito?

Fábio: O próprio Vinicius, ao abrir essa conversa, e o Diego depois, trouxeram vários dados, entre estatísticos e factuais, que mostram sem muito espaço para dúvidas que pelo menos parte da produção de animes, inclusive da produção mainstream (ou seja, o anime para TV, ou se preferirem, os “animes de temporada”), tem como público alvo pessoas adultas.

Se elas são apenas hikikomoris e outros rejeitos sociais contados em centenas de milhares (um número pequeno para o tamanho da população japonesa) eu não vou debater por enquanto, mas ainda assim que se note: hikikomoris e qualquer um que por qualquer razão desvie do padrão da sociedade, vivendo ora dentro dela em posição desconfortável, ora como um pária à sua margem, continuam sendo adultos.

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Antes de qualificarmos os adultos que assistem anime precisamos primeiro chegar a um acordo sobre eles existirem ou não. E eles existem. E existem animes de conteúdo adulto que portanto só podem ser produzidos para eles. O que veio primeiro: adultos consumindo anime ou animes produzidos para consumo adulto?

Essa questão é relevante mas não tratarei dela nessa introdução. Se e quando a discussão chegar nesse ponto vamos argumentar e pesquisar sobre isso.

Sendo isso apenas uma introdução, introduzir-me-ei: como muitos brasileiros, meu primeiro anime foi Cavaleiros do Zodíaco. Eu ainda não sabia o que era anime e portanto não sabia que Cavaleiros era isso. Juro, eu não tinha consciência de que aquilo vinha do Japão.

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Claro, devo ter notado isso em alguns momentos, como quando parava para pensar nos nomes deles ou no fato da base de operações dos heróis ser no Japão, mas não é como se nosso país tivesse uma tradição em animações mesmo e eu cresci assistindo-as de toda parte do mundo. Bom, basicamente dos EUA com Hanna Barbera, Looney Tunes, Ducktales, Tom & Jerry e Pica-Pau, principalmente, mas como também sempre fui fã da TV Cultura assistia com alguma frequência desenhos de origem europeia.

Bom, a maioria era chato, pensando bem, mas o ponto não é esse: animação, “desenho”, era algo necessariamente estrangeiro, poderia vir de qualquer lugar do mundo, então mesmo quando eu percebia a, er, “japonicidade” de Cavaleiros do Zodíaco, isso simplesmente não me dizia nada.

Eu já era adolescente quando assisti Cavaleiros do Zodíaco. Só fui ter consciência da indústria de animação japonesa como algo especial anos depois, assistindo anime em VHS pirata de famosa loja de animes piratas que já sustentou sozinha eventos de anime no bairro da Liberdade por alguns anos.

Saber Marionette J e Love Hina, foram esses os primeiros animes que assisti. Em japonês com legendas em português, com plena consciência de que eram animes (“e não desenhos”, o que levei uns anos para desaprender) e de que isso fazia deles algo especial, diferente das animações com as quais eu estava acostumado até então.

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E eram bem diferentes mesmo! Diferentes inclusive do tal Cavaleiros do Zodíaco. Não são obras adultas não importa como se olhe para elas, mas eu já era um adulto quando assisti, e assisti junto com outros adultos, e ainda que fossem produtos adolescentes (não infantis, e mesmo isso já os diferenciava de tudo o que eu havia conhecido até então – inclusive Cavaleiros) eventualmente tocavam em temas mais sérios (não complexos, apenas mais sérios mesmo), coisas com as quais eu podia me identificar ou me emocionar sinceramente.

Acho que até hoje eu vou chorar assistindo os episódios finais de Saber Marionette J – mesmo hoje em dia não é qualquer anime que acerta o timing emotivo como aquele, quem assistiu sabe do que estou falando e quem não assistiu, por favor acredite nas minhas palavras.

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Depois disso, conheci muito mais animes. Na verdade, conheci só mais alguns e estagnei por anos apenas lendo mangás, mas as duas indústrias são contíguas, então nunca estive muito afastado.

Quando retornei aos animes, os conheci aos montes. Animes novos, antigos. Filmes animados, animes para TV, especiais direto para o vídeo. Os mais diferentes tipos de traço, narrativa, gênero. E para diversos públicos-alvos distintos. Animes para crianças. Animes para adultos. Eles com certeza existem. Mesmo se não existissem acredito que eu continuaria assistindo animes – eu sou um pouco pária social, como as centenas de milhares de japoneses que o Sevakis apontou, hehe.

Mas não acredito que seria só eu, nem acredito que apenas párias como eu assistiriam. E é porque todos nós, párias ou não, assistem animes, e os produtores japoneses sabem disso, em um país com uma população cada vez mais velha, que animes para adultos são produzidos.

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Eu sou adulto e assisto animes. Mais do que isso: eu só comecei a assistir animes porque animes depois de adulto. E embora nem japonês seja, embora não exista um só engravatado japonês pensando especificamente em mim (meia-verdade: supostamente a recente onda de mais produtos da franquia Cavaleiros do Zodíaco tem sim muito a ver com os fãs ocidentais), eu sei que, em que pese a diferença de valores entre japoneses e ocidentais, muita coisa do que eu assisto definitivamente só pode estar sendo produzida tendo o espectador adulto como paradigma necessário.

Vitor: Na minha visão, a noção do público-alvo como indicador de audiência recomendada é algo extremamente duvidoso em uma obra de animação.

E isso não se restringe às animações japonesas. Em 2004, o estúdio Pixar abordava temas como vigilantismo, desestruturação familiar e frustração pessoal e profissional em um dos seus maiores sucessos, Os Incríveis.

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Aqui vai uma sinopse básica desse filme: uma família de (ex)super-heróis tem que resolver suas diferenças para enfrentar um novo vilão. Perfeito para levar as crianças para o cinema, certo?

Pois é, animações infantis não são idealizadas por mentes infantis. No Oriente, quem faz esse papel, até há mais tempo e com mais intensidade, nos cinemas, é o Studio Ghibli, com filmes carregados de críticas sociais, simbolismos e levantamento de bandeiras, que mesmo assim funcionam com o público infantil.

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Essa pequena divagação me leva ao ponto principal: em animações, público-alvo é uma noção puramente comercial, uma orientação mercadológica de quem investe nesses produtos.

Poderíamos mergulhar numa discussão ainda mais ampla que remete à origem da animação e a práticas culturais nas sociedades orientais e ocidentais, o que nos ajudaria a entender por que o publico infantil é, na esmagadora maioria das vezes e nos dois polos do globo, o associado às animações.

Entretanto, meu ponto aqui, por enquanto, é separar o comercial do artístico. É plenamente possível abordar temáticas adultas em obras direcionadas para o publico infantil, ainda que essas temáticas estejam “mastigadas” para uma mais fácil compreensão e absorção do seu publico-alvo, assim como deixar as mensagens lá, de forma que só a mamãe ou o papai que levaram os filhos para assistir Princesa Mononoke ou Os Incríveis, captarão.

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O que tudo isso tem a ver com o mercado de animes?É o fato dessas temáticas sempre estarem lá, há anos e aos montes, estigmatizadas pela tal noção comercial de público-alvo. O que acarreta em um bizarro sentimento de “perda” de maturidade ao consumir esse tipo de material, especialmente em uma sociedade estrita na questão da relevância social, como a japonesa.A pesquisa da DoHouse e o sucesso recente de obras com essa temática, citadas no começo da discussão, só reforçam isso. Há públicos dispostos a consumir essas obras, dentro e fora do nicho, mas como quebrar a barreira de uma mídia negativamente marcada?

 

Confiram semana que vem a segunda parte dessa discussão

 

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