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Nier: Automata – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Wed, 26 May 2021 21:21:56 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 Nier: Automata – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Por que “Nier: Replicant” nos faz chorar http://www.finisgeekis.com/2021/05/26/por-que-nier-replicant-nos-faz-chorar/ http://www.finisgeekis.com/2021/05/26/por-que-nier-replicant-nos-faz-chorar/#respond Wed, 26 May 2021 21:21:55 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22862 Computadores podem te fazer chorar?

Essa foi a pergunta de um anúncio da Electronic Arts do início dos anos 1980, quando videogames ainda eram novidade.

Hoje, numa época em que games estão no acervo de museus e inspiram livros de poesia, é dífícil acreditar que isso um dia gerou dúvida. Pergunte a um gamer se já derramou lágrimas diante de uma tela e é provável que você precisará de um lugar para sentar. A resposta será longa – e, provavelmente, deixará você também em prantos.

Até que ponto nos emocionamos com um dado jogo depende de nossas experiências pessoais. Porém, não é segredo que alguns títulos forçam a barra para nos encolher à posição fetal.

Nier: Replicant, clássico cult de 2010 remasterizado esse ano aos novos sistemas, é um deles. Esquisito, avant-garde e não tão polido em termos de gameplay, o jogo de Yoko Taro é um exemplo da diferença que faz uma bela história. Não fosse sua capacidade sobrenatural de nos tocar pelas vísceras, é provável que acabasse tão abandonado e esquecido quanto as ruínas de seu universo pós-apocalíptico.

Qual, é o segredo? Como era de se esperar de um game com cinco finais diferentes, a resposta é mais complexa do que parece.

(AVISO: Contém SPOILERS de Nier: Replicant)

1) Ele nos motiva a fazer coisas. As mesmas coisas. Muitas vezes

Até seu mais ardente fã reconhece: Nier eleva o grinding a níveis estratosféricos, mesmo para o padrão de JRPGs. E não falo apenas das múltiplas vezes que somos obrigados a completar suas missões para acessar todo seu conteúdo.

Se colocarmos na ponta do lápis, veremos que a maior parte do jogo não passa de fetch quests. Muitas vezes, envolvendo itens raros, que exigem que visitemos os mesmos cenários incontáveis vezes, lutando contra hordas de inimigos idênticos.

Curiosamente, o que parece à primeira vista seu grande defeito é também a principal razão de seu charme.

Isso porque repetição não serve apenas para encher linguiça. Como todos aqueles que já choraram com um refrão de uma música sabem, ela é uma excelente maneira de nos fazer lembrar das coisas. Inclusive de sentimentos.

É fácil tratar NPCs em um RPG como meios a um fim: ferramentas, com máscaras humanas, que usamos para descansar, obter quests, vender itens e mais. Muitos são os games em que pessoas são reduzidas a objetos, vending machines à nossa conveniência.

As quests de Nier, pelo contrário, nos forçam a encarar NPCs como pessoas. E funcionam justamente porque são repetitivas.

Úrsula, a mulher do farol, não nos pareceria tão ingrata se não tivéssemos de subir e descer uma escadaria para atender a cada um de seus pedidos. A morte do velho pescador só nos parece significativa porque gastavamos horas a fio completamento cada uma de suas nove missões.

Popola e Devola não seriam tão parte da vida de Nier – e sua virada final jamais seria tão impactante – se não tivessem agido como quest givers de tantas tarefas banais ao longo de todo o jogo.

Mesmo os upgrades de armas, maior fonte de griding do jogo, são deveres “humanizados” que nos presenteiam com histórias. Muitas delas relacionadas a personagens e cidades que visitamos.

Nier: Replicant cria esses laços afetivos desde seu prólogo, mas é na segunda parte que entendemos,  visceralmente, o que eles significam. É apenas quando a vila de Popola é atacada que sentimos o vazio deixado pelos NPCs que morreram.

A mudança também afeta o meio-ambiente. Na medida em que as sombras se tornam mais forte, animais ficam mais raros. As focas na praia de Seafront desaparecem – talvez ( o jogo não nos conta) comidas pelos aldeões, cujos suprimentos minguam dia após dia.  

Estamos diante de um mundo em colapso. E é apenas por conhecê-lo tão bem que sentimos a gravidade de sua decadência.

2) Ele soa como se tívessemos acabado de chegar no paraíso. No meio do ensaio da orquestra angelical

Ainda mais que sua sensibilidade, Nier: Replicant é renomado por sua música. Mesmo aqueles que nunca jogaram o game já devem ter ouvido algumas de suas belas faixas.

Mas a música de Okabe não é apenas marcante. É marcante de uma maneira  muito específica. A combinação de uma orquestra bombástica, instrumentos eletrônicos e vocais líricos estaria mais em casa em um clipe velho do Nightwish do que em uma história que se pretende séria.

Tente imaginar Song of the Ancients embalando Nomadland ou Gods Bound by Rules na trilha de The Last of Us: Part 2 e entenderá o que quero dizer.

O SAY EEM MANOWEN EE SO HEE I

Sua trilha tem, sim, muito a ver com o universo do anime. Em especial, com o tipo de música industrial e vocalizada que compositores como Yuki Kajiura e Hiroyuki Sawano transformaram em sua marca registrada.

Isso não é uma coincidência.

Filmes live action contam com edição de primeira, cinematografia e expressividade de seus atores para contar uma história. Embora a trilha ajude, não esperamos que ela venda o peixe por si só. Um simples close no rosto de uma personagem pode passar mais emoção que todos os instrumentos do mundo.

Não é à toa que estudantes de cinema às vezes recebem a dica de que precisam assistir a filmes no mudo.  Sem a música para ajudar, fica claro se os elementos visuais estão fazendo seu trabalho direito.

Animes para a TV  são uma mídia bastante diferente. Estúdios operam a toque de caixa, dando espaço limitado a diretores para que exercitem toda sua criatividade. Por mais que contem com olhos gigantes e designs exagerados, suas personagens não chegam aos pés da expressividade de um ser humano. Movimentos labiais são simples e não tem a intenção de “bater” com o diálogo que está sendo dito.

Como disse a própria Yuki Kajiura – que tem no currículo trilhas como Fate/Zero, Madoka e Noir:

Na animação, a música desempenha um papel mais importante que em filmes de verdade porque filmes têm som e atmosfera. Mas às vezes a animação sofre com a falta de alguma coisa. Se é apenas a imagem, é difícil de entender, mas a música adiciona atmosfera e cria uma atmosfera completa para a cena em aprticular. […] A melhor trilha sonora não é apenas sobre a música, mas transmite muitas emoções e sentimentos em uma cena em particular.

Com Nier: Replicant é a mesma coisa.

Mesmo para os padrões de 2010, quando foi originalmente lançado, o game de Yoko Taro não era uma produção das primeiras. Sua fidelidade gráfica não é das melhores. O jogo conta com pouquíssimos modelos de personagem. Sua animação é tão limitada que seus NPCs sequer mexem os lábios – coisa que o jogo esconde, com uma câmera que nos impede de ver seus rostos de perto.

Mas animação fina é desnecessária em um jogo que conta com faixas como Emil / Sacrifice, Grandma ou Song of the Ancients. É difícil não se emocionar quando nosso próprio corpo reage com calafrios.

3) Ele nos lembra que, no grande esquema das coisas, somos insignificantes

Esse é um ponto que o jogo tem em comum com sua sequel – sobre a qual já escrevi no passado. Ainda assim, não dá para não mencioná-lo de novo. Replicant/Gestalt, afinal de contas, é o tubo de ensaio onde a criatividade errática de Yoko teve a oportunidade de amadurecer na genialidade de Automata.

Nier nos sacode nas bases porque nos lembra que somos insignificantes. Para mudar o mundo, para perpetuar nossas comunidades – até mesmo, para salvar a nossa consciência.

Sim, nós ações têm consequências. Algumas, como a exploração não-sustentável do meio-ambiente, podem bem trazer um apocalipse como o retratado pelo jogo.

Porém, mesmo a humanidade que perecerá nesse cataclisma é um ínfimo segundo diante da eternidade do universo. Um dia morreremos. Um dia, todos que nos conheceram morreremos. Um dia, não existirá mais sequer uma “Terra” para preservar as ruínas do que um dia fomos.

Essa é a linha mestra que une cada decisão criativa do jogo. Nier luta para proteger a vida de uma irmã, sem se dar conta de que ela não está mais viva. Os últimos habitantes da Terra se esforçam para preservar o que restou da civilização, sem se dar conta de que não são humanos e a verdadeira sociedade já há muito desapareceu.

Todos os inimigos que derrotamos? Em vão. Todos as armas que aprimoramos, os itens que colecionamos? Inúteis. Todas as pessoas que ajudamos? Meros replicantes, desprovidos de alma.

No fundo, nada importa.

Esse pessimismo está longe de ser novidade. Poucos deram voz a ele melhor que Percy Shelley em Ozimandias – um poema tão querido pela cultura pop que influenciou de Watchmen a Breaking Bad:

Ao vir de antiga terra, disse-me um viajante:

Duas pernas de pedra, enormes e sem corpo,

Acham-se no deserto. E jaz, pouco distante,

Afundando na areia, um rosto já quebrado,

De lábio desdenhoso, olhar frio e arrogante:

Mostra esse aspecto que o escultor bem conhecia

Quantas paixões lá sobrevivem, nos fragmentos,

À mão que as imitava e ao peito que as nutria

No pedestal estas palavras notareis:

“Meu nome é Ozymandias, e sou Rei dos Reis:

Desesperai, ó Grandes, vendo as minhas obras!”

Nada subsiste ali. Em torno à derrocada

Da ruína colossal, a areia ilimitada

Se estende ao longe, rasa, nua, abandonada.

É um texto que poderia servir de epitáfio à cidade de Façade, mas que cai como uma luva à vida de Nier e seus amigos. Nossas ações podem parecer relevantes no momento em que as tomamos. Porém, nos quase 14 mil anos que separam Replicant de Automata, serão completamente esquecidas, como os obras de Ozimandias.

E o game torce a faca nesse ponto, literalmente apagando nossos saves tão cedo chegamos no final.  

Mas é justamente aí que a versão 1.22474487139…, como seu remake é chamado, mostra a que veio.

Seu novo epílogo, inédito no jogo original, deixa claro que a mesma insignificância que nos condena pode ser nossa maior salvação.

Se o futuro longínquo nos reserva apenas o vazio, estamos livres para construir nossa felicidade no aqui e no agora.

Se a vida não tem sentido, cabe a nós dar a ela o sentido que escolhermos.

Se a marcha da história nos leva a um caminho sem fim, não há por que vivermos sob as amarras da tradição, dos rancores, do passado.

O rei de Façade pode abandonar seu posto, sacrificando a vida em nome de Nier. Yonah pode ceder lugar a sua replicante, condenando à morte toda a humanidade. E Kainé pode abandonar o ódio que a alimentou desde a morte da avó, pois seu coração finalmente descobriu algo mais forte.

Um instante, conquanto efêmero,  em que ela sabe que está completa.

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4 maneiras como a música transforma nossa experiência com os games http://www.finisgeekis.com/2019/11/06/4-maneiras-como-a-musica-transforma-nossa-experiencia-com-os-games/ http://www.finisgeekis.com/2019/11/06/4-maneiras-como-a-musica-transforma-nossa-experiencia-com-os-games/#respond Wed, 06 Nov 2019 20:18:41 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22055 Pense em algum jogo que tenha te emocionado, e é provável que não é apenas do gameplay que você se lembrará. Jogos têm muitos atrativos. Alguns deles só ganham vida com a batuta de um maestro.

Às vezes, são músicas que fazem parte da mecânica, como as melodias de Zelda: Ocarina do Tempo. Às vezes, são trilhas bombásticas como as da série Final Fantasy ou Nier: Automata. Em outras, são “palhinhas” das próprias personagens, como a canção de Leliana em Dragon Age: Origins ou o dueto de Booker e Elizabeth em Bioshock: Infinite.

Troy Baker e Courtnee Draper, dubladores de Booker e Elizabeth, praticam o dueto de seus personagens em “Bioshock: Infinite”

Seja qual for a melodia que nos faça arrepiar, é inegável que os games não seriam os mesmos sem elas. O que muitos fãs não imaginam é que existe toda uma ciência – quando não  feitiçaria – por trás das trilhas que tanto amamosQue afeta não apenas o que ouvimos, mas também o que vemos, sentimos – e até pensamos. 

Quem conta é Winnifred Phillips, compositora das trilhas para franquias como God of War, Assassin’s CreedLittle Big Planet, que coleciona prêmios por suas músicas e escritos. No livro A Composer’s Guide to Game Musicela destrincha o que faz de instrumentos e joysticks parceiros tão perfeitos um para o outro:

1) A música pode fazer o tempo “passar” mais rápido… ou mais devagar

Sayonara Wild Hearts

Você já teve a impressão de gastar horas em uma jogatina para descobrir que apenas 20 minutos haviam se passado? Ou, pelo contrário, ligar o console para completar algumas side-quests e descobrir, alguns níveis depois, que a noite já caiu?

Para a surpresa de ninguém que já sentiu as horas voarem durante um show, a música afeta nossa percepção de tempo.

Segundo um estudo, músicas escritas em tons maiores fazem ouvintes perceberem a passagem do tempo de forma mais lenta, enquanto que as escritas em tons menores dão a impressão de que os minutos passam mais rápido. Outros estudos encontraram efeitos parecidos relacionados ao volume, andamento e complexidade das músicas. `

Essa propriedade é fundamental para um game como Sayonara Wild Hearts, “álbum interativo” lançado para consoles que coleciona elogios desde o seu lançamento em outubro.

Com apenas 1h de duração, o game precisa convencer as pessoas de que vale a pena comprá-lo em vez de um jogo mais longo. Para alguns críticos, pelo menos, seu híbrido de música e gameplay foi tão efetivo que transformou essa hora em  uma das melhores de suas vidas.

Opinião similar têm os fãs de GRISgame singelo com pouco mais de 3h de duração, que compensa a simplicidade de seus quebra-cabeças com uma trilha de arrancar lágrimas.

O inverso vale para jogos muito longos, que podem afugentar quem tem pouca paciência para atividades repetidas. Ter de revirar cada pedra em uma sandbox da Ubisoft, ou morrer trocentas vezes diante de um chefão num roguelite não é o programa de fim de semana mais agradável para quem é adulto e tem horas limitadas de tempo livre. Uma trilha sonora eficiente, porém, nos faz mergulhar nas tarefas mais meniais sem que percebamos o tempo passar.

Quem já perdeu dezenas de horas mineirando irídio em Mass Effect 2 pelo puro prazer de escutar a música do Galaxy Map sabe bem do que estou falando.

2) A música afeta a forma como enxergamos

Que a música mude nossa percepção do tempo é fácil de entender. Música, afinal, nada mais é que notas e pausas espalhadas pelo tempo.

Menos óbvio é saber que ela muda também o que nossos olhos são capazes de ver.

Um estudo da Universidade de Groningen, citado por Phillips, colocou pessoas diante de imagens de rostos escondidas por ruído e pediu a elas que identificassem o que viam. Parte das pessoas cumpriu a tarefa ouvindo música triste; a outra metade, música alegre.

Os pesquisadores descobriram que aqueles que escutavam música triste identificaram rostos tristes com mais facilidade. Música alegre, por outro lado, tinha um efeito parecido com rostos felizes. Alguns dos participantes foram tocados de tal forma pela música que disseram ver rostos felizes ou tristes mesmo onde não existiam rostos!

Nier: Automata, possuidor de uma das trilhas mais marcantes dos últimos tempos, é um exemplo do que games são capazes quando colocam isso em prática.

Logo de início, o jogo nos lança em uma cidade em ruínas, sem uma alma sapiente exceto inimigos que querem nos matar. É nosso primeiro contato com o que restou da Terra no futuro apocalíptico do jogo. Fiel à imagem de desolação, a trilha que nos embala é melancólica e sutil. Contudo, assim que descobrimos o acampamento da Anemone – nossos primeiros aliados vivos no planeta – a música se torna mais vigorosa e bombástica, até explodir em um vocal esperançoso.

O que era o esqueleto de uma cidade morta se torna o primeiro estágio de uma jornada épica.

Independente da emoção que um jogo quer despertar, a música também afeta o quanto do jogo nós somos capazes de ver ao mesmo tempo.

Outro estudo citado por Phillips revelou que estar de bom humor  aumenta o campo de visão de uma pessoa, enquanto que emoções negativas tornam nossa vista mais restrita.

É uma estratégia usada com frequência em jogos de terror. Ao nos bombardear com música tensa, estes games nos deixam estressados, o que reduz nossa visão periférica. E nos deixa mais vulneráveis a  todo tipo de monstro, zumbi ou cachorro assassino prestes a nos emboscar.

A infame cena dos cachorros do primeiro Resident Evil, um dos jumpscares mais famosos da história dos games, é a prova viva de que essa ideia funciona.

3) A música afeta que mensagem tiramos das histórias

De todas as coisas que a música poderia influenciar, histórias contadas não parecem estar muito altas na lista. Livros, afinal de contas, não precisam de trilha sonora. Romeu e Julieta não se torna menos trágico se o lermos escutando Kpop (possivelmente, torna-se  ainda mais trágico, se bem que não pelos mesmos motivos). 

Phillips discorda. E traz argumentos para provar seu ponto.

A compositora cita um estudo da Universidade Hildesheim, na Alemanha que sugere que a música muda a forma como interpretamos o enredo de uma obra. 

Os pesquisadores gravaram um curta que acabava em um cliffhanger e o combinaram com cinco trilhas sonoras de estilos e humores diferentes. Cada participante teve de assistir apenas a uma das versões e dar sua opinião sobre a motivação das personagens e o que aconteceria depois.

Ao compararem as respostas dos diferentes grupos, os pesquisadores descobrirem que elas eram “batiam” com o humor da música. Ouvir um ou outro tipo de trilha sonora fez com que as pessoas avaliassem as motivações das personagens de forma distinta. Não só isto, a música também afetou suas previsões sobre o provável final do filme.

Até que ponto a trilha de um determinado jogo não nos faz entender a história de uma forma ou de outra? Nos faz tomar essa personagem como heroína ou aquela outra como vilã? É difícil responder a essa questão, pois raramente temos a oportunidade de jogar uma mesma cena com várias trilhas diferentes.

Philips, porém, dá alguns exemplos de como essa “manipulação musical” geralmente acontece. O mais comum é dar temas específicos a personagens ou lugares e repeti-los ao longo dos jogo. Isto permite que sua atenção seja “guiada” ao que os autores querem dizer.

Em Mass Effect 3, por exemplo, o reencontro de Shepard e sua ex-companheira, Miranda Lawson, é embalado pela faixa Reflections, trilha da cena de romance de Mass Effect 2. Associar a personagem a esta música tem o efeito de provocar uma sensação de carinho e nostalgia, independente do jogador ter ou não feito perseguido um romance com Miranda no jogo anterior – ou mesmo gostar dela para início de conversa.

Witcher 3 faz algo similar com o tema Kaer Morhenouvido pela primeira vez no tutorial, ambientado na fortaleza ancestral dos witchers. Esta fortaleza reaparece mais à frente, não mais como um castelo imponente, mas uma triste ruína. O tema também retorna em uma versão alternativa, tão dilapidada quanto as paredes de Kaer Morhen.

Se rever a casa de Geralt neste estado já seria triste por si só, a música faz da visita uma experiência devastadora, preparando-nos para um episódio trágico que, logo descobrimos, terá na fortaleza o seu palco.

4) Músicas despertam empatia como se fossem pessoas de verdade.

Quase todos nós temos uma música do peito. Nem por isso diríamos que gostamos dela da mesma forma como gostamos do nosso namorado ou de nossa mãe. Coisas inanimadas são uma coisa;  pessoas são outra, completamente diferente.

Para Phillips, contudo, a diferença pode ser mais sutil do que imaginamos.

Um estudo publicado na revista Music Perception descobriu que a música emociona mesmo pessoas que têm dificuldade em expressar ou reconhecer sentimentos, como os que fazem parte do espectro autista. A hipótese dos autores é que, ao ouvir uma música, nós subconscientemente a imaginamos como uma “persona” por quem sentimentos empatia, como se fosse outro ser humano.

Isso é importante para games porque empatia, junto com atmosfera, é um dos requisitos para se chegar à presença virtual, um estado de completa imersão em que o mundo exterior parece sumir, e sentimos-nos, literalmente, transportados ao jogo.

Se você já chegou nesse estágio na sua experiência com algum game, é muito provável que tenha sido embalado por alguma música.  Sejam os temas icônicos de Chrono Trigger ou a canção de Mordin em Mass Effect 3, prestes a dar a vida para destruir o genophage.

E talvez os gráficos, nomes e mesmo tramas por trás desses momentos um dia sumam de nossa memória. Mas a música, provavelmente, continuará. E nós trará calafrios cada vez que a escutarmos por acidente.

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Por que “Nier: Automata” é uma narrativa tão marcante http://www.finisgeekis.com/2017/05/01/por-que-nier-automata-e-uma-narrativa-tao-marcante/ http://www.finisgeekis.com/2017/05/01/por-que-nier-automata-e-uma-narrativa-tao-marcante/#respond Mon, 01 May 2017 22:23:38 +0000 http://finisgeekis.com/?p=16483  

(Aviso: contém SPOILERS de Nier: Automata)

Dizer que Nier: Automata é um jogo excepcional já é quase chover no molhado.

Seu criador, Yoko Taro, sempre foi conhecido por pensar fora da caixa, mas nenhuma de suas obras, até agora, chegou tão perto do rótulo de “mainstream”.

Historiadores dos games dirão se sua visão inusitada do pós-apocalipse foi ou não um divisor de águas. Seja como for, é inegável que o jogo nos trouxe uma narrativa muito mais sofisticada do que estamos acostumados a ver em nossos consoles.

Nier: Automata apresenta um argumento ousado que vira de ponta cabeça o que entendemos por “narrativa” – e uma mensagem, curiosamente,  tão velha quanto a própria ficção.

O peso do mundo

nier-automata-concept-1230x600Quando pensamos em “história”, geralmente o que nos vêm à cabeça é uma narrativa linear, com começo, meio e fim. Por mais ousado que seja um enredo, coisas sempre acontecem, uma após a outra.

Se isso for verdade, o que fazemos com a lore de um jogo, filme ou livro? Ela também não é parte daquela história (mesmo que não apareça diretamente)? E as backstories das personagens? E suas visões de mundo, seus planos para o futuro que não necessariamente colocarão em prática?

Essas questões levaram alguns estudiosos a interpretar narrativas não como flechas com começo, meio e fim, mas como “mundos” paralelos. Ou, mais precisamente, constelações de pequenos mundos.

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No centro está o mundo da história. Ele corresponde ao que acontece de “verdade” na ficção: os eventos que vemos, lemos ou jogamos na trama. Porém, ao lado desse mundo (e aqui está a grande sacada) existem muitos outros mundos alternativos.

São os “mundos” pessoais das personagens, com valores diferentes e interpretações diferentes sobre o que é o certo e o errado. São os sonhos, delírios, pesadelos e apreensões das pessoas que habitam a história. São os cenários distópicos que seguem uma tela de game over – e que, nós, jogadores, tentamos ao máximo evitar.

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Em alguns casos, esses “mundos” são literais. Em Majora’s Mask, Link viaja entre futuros alternativos, saltando de “mundo” a “mundo” na esperança de evitar a queda da Lua.

Em outros casos, são questões de ponto de vista. Shepard e os Reapers em Mass Effect podem habitar a mesma galáxia, mas vivem em “mundos” diferentes. O do herói humano é linear, baseado na liberdade e no agora. O de seus vilões é cíclico, medido em regras que só fazem sentido no nível sideral.

Nier: Automata pertence ao segundo grupo, com um pequeno (grande) diferencial:

Nele, o “mundo da história” não existe.

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Não, ao menos, a princípio.

Seu enredo é contado pelos mundos pessoais das personagens – que não são poucas. O problema é que nenhuma tem a verdade completa. Nem a garantia de que está perto de desvendá-la.

2B sabe das ordens mais sórdidas da Yorha, mas não se importa com suas consequências. 9S descobre a verdade sobre o Projeto Gestalt. A Comandante sempre a soube, mas não faz ideia de que ela – e suas guerreiras – foram feitas para serem descartadas.

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A2 não conhece os segredos da YorHa, mas está viva desde que a organização surgiu, e sabe que sua “cruzada” é inútil. Pascal entende o mundo das máquinas, mas não conhece aquele dos androides. Adam e Eve tampouco, mas sabem o que aconteceu aos alienígenas.

O que nenhum deles sabem é o significa ser “humano”. Quem foram, afinal de contas, essas criaturas estranhas que os criaram à sua imagem, e cujo mundo eles herdaram.

Os cegos e o elefante

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Existe uma parábola famosa do budismo que conta de um grupo de cegos tentando adivinhar qual é a aparência de um elefante. Cada um apalpa uma parte diferente do animal, mas quando comparam suas impressões, cada um descreve um animal diferente.

A moral da história é que nossos pontos de vista são limitados, e que mesmo que saibamos a “verdade”, dificilmente é a verdade completa.

Por trás do combate frenético e das melodias de Keiichi Okabe, Nier: Automata é uma nova versão dessa mesma fábula.

Presas em um mundo condenado, as máquinas de Yoko Taro tateiam inutilmente, buscando descobrir o que significa ser “humano” – e qual é o sentido da vida.

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Como aprendemos em uma cutscene, “Deus” – seja ele o que for – deu senciência às máquinas. Cada uma passou a buscar seu próprio sentido da vida – um “tesouro” particular.

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Para Pascal e o rei da floresta, a “humanidade” está na família. Para Adam, ela está no ódio. Para a seita de robôs da fábrica, em suicidar-se e “tornar-se um Deus”. Para a Comandante da YorHa, em ter uma causa para lutar – mesmo que esta causa seja uma mentira, e a luta, irrelevante.

Isso não é de se espantar. Nier: Automata, no final das contas, está imerso em filosofia. E não falo apenas das inúmeras referências a pensadores (Pascal, Engels, Hegel, Simone de Beauvoir) que o jogo nos dispara.

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Melhor que Filosofighters

Esses pequenos easter eggs divertem, mas não são o fundamental. Nier: Automata não é um jogo filosófico, e sim um jogo sobre a filosofia.

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“2B…”

É uma fábula sobre a tarefa que motivou as versões reais de todos esses bosses a gastar tanta tinta: entender qual é nosso lugar no mundo.

Pois nós, também, não sabemos qual é nosso “mundo da história”. Sabemos que a realidade existe, mas nós a filtramos a partir de nossas experiências.

O que é de “verdade” e o que é “impressão”? Onde termina a aparência e começa a essência?

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Não existem respostas definitivas, mas a filosofia é um caminho que nos dá algum sossego. Como dizia Platão, é um jeito de sair da “caverna” e encarar o mundo pelo que de fato é.

2B e 9S também saem de sua caverna. Durante a maior parte do jogo, eles permanecem vendados. Nos momentos crucias, porém, eles encaram o mundo com seus próprios olhos.

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Quem está “certo”? A2, que impede as máquinas de acessar o que restou da memória dos humanos (e cujo final, sarcasticamente, chama-se meaningless [C]ode)? Pascal, que prefere a mentira da “caverna” à lembrança de que suas crianças se mataram? Qualquer uma das versões de 2B e 9S, em seus 26 desfechos possíveis?

No final, existe “certeza”?

Por linhas bem tortas, Yoko Taro parece dizer que sim. É por isso que o final “E” de Nier: Automata é anunciado como o final “verdadeiro”. De fato, ao longo das 3 playthroughs, é possível ter uma boa ideia da “verdade” por trás dessa Terra futurista.

Ao jogarmos com 9S, vários detalhes escondidos vêm à claro. Descobrimos que nossos inimigos possuem sentimentos. Que os goliaths possuem nomes e personalidades. Que a humanidade já foi extinta. Que androides e máquinas são a mesma “espécie”, lutando uma guerra inútil por um planeta desolado.

Mas será que podemos confiar no autor em um jogo com esse?
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Estamos falando de um game que nos faz questionar a todo momento o que fazemos. Que termina, literalmente, com uma batalha contra o staff da produção!
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Mesmo quando Nier: Automata desiste e nos mostra a “verdade”, é a contragosto, quase com desdém.

Jogos ricos em worldbulding, como Mass Effect, Dragon Age Bioshock, costumam pedir para que conheçamos seus mundos. Entradas de codex, voxophones audio diaries estão espalhados por toda parte, pedindo para ser lidos.

Em Nier: Automata, arquivos de sua “enciclopédia” foram escondidos a sete-chaves, em baús protegidos. Mesmo que os encontremos, são quase incompreensíveis sem um crash course na lore de Nier/Drakengard. 

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A cruzada de YorHa e a rede das máquinas não são os únicos “códigos inúteis” que encontramos pela frente. Fã da metanarrativa, Yoko Taro desafia a noção de “autor”. Seu “mundo” não faz sentido, mas carrega, mesmo assim, um peso.

Todos nós, como seus construtos infelizes, carregamos nossos próprios “tesouros”. Não é muito, mas é o que nos faz seguir em frente, com algum conforto, por esse mundo sem propósito.

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“Game over?” Como os games tornam o fracasso viciante http://www.finisgeekis.com/2017/04/04/game-over-como-os-games-tornam-o-fracasso-viciante/ http://www.finisgeekis.com/2017/04/04/game-over-como-os-games-tornam-o-fracasso-viciante/#respond Tue, 04 Apr 2017 15:55:14 +0000 http://finisgeekis.com/?p=16007

Tudo o que vive está fadado a terminar.

Com essas palavras começa Nier: Automata, o novo jogo de Yoko Taro que coleciona elogios.

Meio JRPG, meio bullet hell; meio ruminação filosófica, meio tributo metanarrativo, o jogo nos força, a todo momento, a repensar o que sabemos sobre nosso hobby.

Como sua frase de abertura já entrega, isso envolve o elemento mais importante da mídia.

fail state.

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Fail states são as condições de fracasso, aquele momento em que descobrimos que perdemos. Para o  designer e teórico Jesper Juul, eles são a característica que diferencia os jogos de qualquer outro tipo de ficção.

Nem toda essa importância, porém,  os salva de críticas. Para alguns, telas de game over são as maiores inimigas dos jogos. Um recurso defasado da era do fliperama que impede que games contem boas histórias.

É verdade que ninguém gosta de perder. É também verdade que um jogo impossível deixa de ser interessante.

Felizmente, ao longo dos anos designers criaram várias estratégias para tornar o fracasso não só tolerável, mas uma parte fundamental da diversão:

1 – Reduzir punição por fracasso

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Como tantas outras questões, a raiva com os fail states vem, em grande parte, de um problema de comunicação. Muitas vezes, quando falamos de “derrota”, “morte” ou “fracasso” o que realmente estamos pensando é em punição. 

“Fracasso”, com o perdão do pleonasmo, é o mero ato de fracassar. É o que acontece quando morremos em uma boss fight, perdemos a curva em um jogo de corrida ou erramos o salto em um jogo de plataforma.

“Punição” é o que acontece conosco quando fracassamos. Pode ser algo sério, como retornar ao menu inicial, ou algo simples, como um NPC rindo às nossas costas.

Gamers vivem reclamando que seus jogos estão ficando fáceis demais. Que as novas gerações, ao contrário da década “raiz”, não tem paciência para um desafio. Hoje em dia, dizem, “perder” um jogo se tornou quase impossível.

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Há um pingo de verdade aí, embora a explicação seja outra. Games de fato ficaram mais fáceis, mas não porque perdemos menos. Na verdade, fracassamos tanto em nossos jogos “casuais” quanto nos anos 1990, com pérolas como Battletoads.

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A diferença é que a punição, vinte anos atrás, era muito mais alta.

O motivo é histórico. Na era dos fliperamas, games precisavam ser difíceis e viciantes para obrigar as pessoas a gastar mais moedas.

Os fliperamas acabaram, mas a moda ficou – em parte, porque a tecnologia da época não permitia fazer diferente. Até o surgimento dos saves, com o primeiro Zelda, “perder” no jogo significava voltar do começo, quantas vezes fosse preciso.

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Para atrair um público mais amplo, jogos recentes viraram essa filosofia de ponta cabeça. De games em que vencer era uma proeza, chegamos a jogos que praticamente nos garantem que chegaremos ao fim.

Graças a checkpoints, não precisamos voltar mais ao início do nível a cada deslize. Com a possibilidade de salvar durante o combate, mesmo a luta mais ferrenha pode ser ganha na tentativa e erro.

Se antes o fracasso podia custar horas de jogo, hoje tudo o que perdemos é o tempo de clicar em um botão de load game.

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Punições menores parecem bem óbvias, mas levaram a uma consequência peculiar, que com certeza ferirá o ego dos puristas.

Com uma menor punição por fracasso, gamers passaram a errar cada vez mais. Para alguns especialistas, o fracasso é responsável por até 80% do tempo que passamos com um jogo.

Os gamers de hoje até podem reclamar, mas se tivessem de competir com seus “eus” de vinte anos atrás, provavelmente perderiam de lavada.

2 – Mudança persistente

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Checkpoints são maçantes.

Sim, temos a possibilidade de voltar atrás, mas quem tem paciência para fazer tudo de novo? E se tivéssemos uma forma de nos poupar do pior? De combinar clemência com a impressão de que nossos atos importam?

Boa notícia: ela existe. Chama-se mudança persistente.

Jogos com essa propriedade nos fazem voltar atrás ao perdermos, mas “guardam” parte de nosso progresso. Inimigos derrotados continuam mortos. Itens, experiência e habilidades compradas ficam no seu lugar. Quebra-cabeças resolvidos permanecem resolvidos.

Mundos com mudança persistente estão presente em alguns dos jogos de maior sucesso dos últimos tempos. Bioshock nos revive na Câmara Vita mais próxima sempre que morremos. Em Borderlands, um novo personagem é “gerado” em uma New-U caso percamos uma batalha.

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A estratégia não é nova; pelo contrário, é a essência da mecânica de respawn disseminada em RPGs, dos clássicos isométricos aos MMORPGs mais recentes. No entanto, não é por ser popular que se livrou de algumas críticas.

Games desse tipo são frequentemente acusados de prejudicar a suspensão de descrença, “barateando” a morte e minando a sensação de desafio. Embora certos jogos tenham remediado o problema “cobrando” alguma punição pelo respawn, para os críticos não é o suficiente.

Games, dizem eles, precisam de uma solução mais drástica.

3 – Fail states implícitos

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Para alguns criadores, nenhuma dessas táticas resolve o problema central. Pelo contrário, a própria existência de fail states é um defeito que precisa desaparecer.

Essa é a opinião de David Cage, autor de Heavy Rain e Beyond: Two Souls. Ele defende que a tela de game over é um fracasso narrativo. No mundo real, não voltamos a um save anterior quando alguma coisa dá errada.

A vida – para o bem ou para o mal – continua.

Se quiserem contar histórias sérias, videogames precisam fazer melhor do que proibir o jogador de encarar seus próprios erros.

Cage prefere desenlaces que reconheçam o fracasso, mas que forcem o gamer a lidar com suas consequências. Foi visto em uma missão de stealth? Dê um jeito de fugir dos guardas. Falhou em salvar um NPC? Meus pêsames, viva em um mundo em que ele não existe mais.

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Artifícios como esses são conhecidos como fail states implícitos e funcionam, na prática, bloqueando segmentos do jogo.

Em Morrowind, matar uma personagem necessária à quest central nos impede de completá-la. Em The Witcher 3, trair Yennefer com Triss (ou vice-versa) faz com que Geralt termine sua jornada chupando o dedo.

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Nenhum dos dois casos é um fracasso “clássico”, pois somos livres para continuar jogando. No entanto, algum elemento da nossa experiência possível é excluído.

Se é difícil enxergar esses fail states “moles” como fracasso, basta se lembrar do mais célebre entre eles.

Em Mass Effect, nosso protagonista, o comandante Shepard, é vítima de uma emboscada e precisa deixar um membro de sua equipe para morrer. A consequência não apenas remove um NPC importante do jogo, como o exclui de toda a trilogia.

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O exemplo de Virmire, como a missão é chamada, dá uma boa referência do impacto desse tipo de fail state. Jogos são fantasias de poder, que tentam nos convencer que qualquer coisa, com mais ou menos esforço, está ao alcance dos nossos braços.

Derrotas implícitas são poderosas porque nos lembram de que não podemos ter tudo.

Mais do que isso, elas são interessantes porque estão por toda parte. David Cage é um entusiasta de “filmes interativos”, mas seu comentário é também certeiro para jogos mais tradicionais.

Se pararmos para pensar, toda decisão, de certo ponto de vista, implica num “fracasso”. Ao ajudar um dos lados em uma guerra, “fracassamos” em apoiar o outro. Ao vivermos um romance com a personagem A, “fracassamos” na relação com a personagem B.

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Fazer escolhas é fechar portas. Quem já tomou algum grande passo na vida, do vestibular ao casamento, sabe disso melhor do que ninguém.

Fail states implícitos são necessários para a liberdade de escolha – e, consequentemente, para a sensação de que estamos no controle da nossa experiência.

4 – Em vez de excluir, aumentar a experiência

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David Cage pensa que as telas de game over devem acabar. Já outros designers acham que fail states devem ser mais explícitos, não menos.

Se fracassos implícitos reduzem a experiência do jogador, alguns dos exemplos mais bem-sucedidos de fail states nos trazem derrotas que a aumentam.

É o caso de Dark Souls, rei indiscutível do tough love, que transformou o game over em um prazer em si.

Personagens que morram (e acredite, eles morrerão com frequência), respawnam no último ponto de save, mas suas souls (moeda do jogo) permanecem no lugar. Se o jogador morrer uma segunda vez antes de recuperá-las, estarão perdidas para sempre.

A mesmíssima estratégia foi empregada em Nier: Automata, integrada de maneira superinteressante com sua lore. 2B, nossa protagonista, é uma androide. Quando é abatida em combate, sua organização envia um novo corpo equipado com o “back-up” das suas memórias na nuvem.

O pulo do gato, como no caso de Dark Souls, é que apenas memórias fazem upload. Todas as melhorias que o jogador comprou para seu corpo permanecem no corpo. Se a nova androide morrer antes de recuperá-lo, estas melhorias desaparecerão.

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Torment: Tides of Numenera leva o princípio a um nível ainda mais extremo: somos, literalmente, recompensados por morrer.

O RPG nos coloca na pele de um herói imortal, e nos lança todo tipo de artimanha para que tentemos nos “matar”.  De poças de ácido a brinquedos assombrados, espelhos assassinos a seitas canibais, o game mostra uma coleção de armadilhas digna de um filme de terror B.

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Ao falharmos, ganhamos mais desafios, cenários, experiências. O que poderia ser um simples game over vira uma porta para novas possibilidades.

Fracassos como os desses jogos oferecem algo que nenhum dos tipos acima é capaz de fazer: eles tornam seus jogos mais difíceis, sem com isto torná-los mais chatos.

Esse é um ponto importante, pois vai na contramão do que a maioria dos games, nos dias de hoje, têm coragem de fazer.

Dos filmes interativos do David Cage a Call of Duty, a busca por fail states alternativos geralmente visa a tornar os games mais populares – acessíveis a um público que, cada vez menos, está disposto a jogar até o fim.

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Ledo engano. Como mostrou Jesper Juul, as pessoas se divertem justamente quando erram.  Games triviais cansam rápidos e são esquecidos. Games desafiadores na medida certa nos seduzem por semanas a fio.

Nos videogames, como na vida, a tragédia é o tempero que nos move à frente.

5- Cumplicidade

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Vamos imaginar que você é um jogador hardcore, do tipo que faz Hidetaka Miyazaki arder de raiva. Derrotou todos os bosses, libertou todas as cidades, salvou (e dormiu com) a princesa. Um último inimigo se coloca diante de você, mas ele não é páreo para sua espada. Ninguém é.

Então você descobre que o inimigo é seu antigo amigo de infância, que as pessoas nas cidades eram civis, não militares, que os bosses eram guerreiros do bem e que a princesa é uma deusa das trevas, que o seduziu para ajudá-la a conquistar o mundo.

Parabéns, “herói”.

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O que você acaba de fazer pode ser considerado uma “vitória”? Ou não seria isto, também, uma forma de derrota?

Aqui, precisamos sair do game design e entrar no universo da literatura. Trair a expectativa do público, invertendo o bem e o mal, é uma das estratégias mais conhecidas da ficção. De Sailor Moon a Old Man Logan, está presente em todo lugar.

A diferença, nos videogames, é que os enganados somos sempre nós. Ao nos fazer ludibriar para fazer o mal achando que estamos fazendo o bem, os jogos nos tornam cúmplices do que aconteceu.

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Em Shadow of the Colossus, enfrentamos gigantes para salvar nossa amada apenas para descobrir, tarde demais, que estes colossos estão longe de serem malignos.

Em Nier: Automata, encarnamos uma androide com a missão de salvar a terra de uma invasão de máquinas. O que começa como um hack n’ slash descerebrado logo se mostra uma jornada filosófica num mundo pós-apocalíptico, e percebemos que a “humanidade” que defendemos é bem diferente do que imaginávamos.

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Em outros casos, a cumplicidade não está em nos enganar, mas em nos premiar por fazer coisas que nos repugne. Em Heavy Rain, para salvar seu filho de um serial killer, uma personagem é chantageada a decepar o próprio dedo.

Suceder na amputação caseira é uma “vitória”, pois nos aproxima do nosso objetivo. No entanto, ela não nos traz alegria, só um calafrio que revira nossos estômago.

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Derrotas por cumplicidade não são exatamente “fracassos” no sentido gamístico. Pelo contrário, elas só funcionam se nós “ganharmos”. Elas são o que Jesper Juul chama de fracassos fictícios.  A mesma sensação que temos ao assistir a um filme trágico, sabendo que não podemos mudar o que acontece.

A diferença, nos games, é que nos sentimos responsáveis.

Quando lemos ou assistimos a uma tragédia, nós nos emocionamos, mas não desejamos averter o desastre. Entendemos que é da tristeza que depende a beleza da obra. Sentimo-nos “bem” vendo os outros (na tela ou na página), sofrendo.

Não nos games. Quando o controle está nas nossas mãos, tudo o que passa com nosso avatar – e seus entes queridos – vai direto ao nosso coração.

Não importa quanto sentido aquilo faça no contexto do jogo. Não importa quão bem construída ou necessária a tragédia for dentro da experiência. Nós sentimos culpa por aquilo, pois fomos nós que apertamos os botões que engatilharam o desastre.

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Se parece difícil enxergar esse tipo de twist como um fracasso, basta se lembrar dos exemplos em que foi implementado.

Atire a primeira pedra quem não sofreu ao sacrificar Kaidan ou Ashley em Mass Effect. Quem não se sentiu pesado quando (SPOILER) John Marston morre ao fim de Red Dead Redemption. Ou quando, em Heavy Rain, (SPOILER) descobrimos que Scott Shelby é o assassino do origami.

Esses desenlaces não são apenas tristes. Por se tratar de uma mídia participativa, temos a impressão de que poderíamos ter feito diferente. Mesmo quando tudo não passa de uma impressão.

O código, tal como as estrelas, é indiferente ao sofrimento dos homens.

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Muito já foi escrito sobre o que separa o jogo das outras mídias como uma forma de arte. Para Jesper Juul, estamos olhando para o lugar errado. Concentramo-nos nas conquistas quando, na verdade, games são a arte do fracasso.

Ao pessoalizar o sofrimento, videogames se tornam a linguagem trágica por excelência, mais potentes que qualquer mídia que Sófocles ou Shakespeare poderiam ter imaginado. O suicídio de Ofélia não nos arrepia como a morte de Ciri no “final ruim” de The Witcher 3.

Como diz 9S de Nier: Automata, as máquinas (tal como os gamers!) parecem buscar o fracasso.

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