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Não me Abandone Jamais – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Wed, 31 Mar 2021 21:28:30 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 Não me Abandone Jamais – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Klara e o Sol”: as máquinas podem nos reensinar a ser humanos http://www.finisgeekis.com/2021/03/31/klara-e-o-sol-as-maquinas-podem-nos-reensinar-a-ser-humanos/ http://www.finisgeekis.com/2021/03/31/klara-e-o-sol-as-maquinas-podem-nos-reensinar-a-ser-humanos/#respond Wed, 31 Mar 2021 21:27:10 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22750 Pense um pouco sobre aquilo que mais teme e é provável que você encontre uma diferença.

Sentimentos revolta daquilo que não pertence ao nosso mundo. Quando queremos descrever algo como atemorizante, com frequência o fazemos comparando-o ao que há de mais estranho, sinistro, alienígena.

Pelo mesmo princípio, é justamente apagando essas diferenças que nos comunicamos para evocar empatia.

Máquinas – em especial, robôs – ocupam uma posição conhecida nessa gangorra. Se temos facilidade de nos identificar com os RD D2s e Wall-Es da ficção, androides mais complexos invariavelmente caem no Vale da Estranheza, apavorando-nos cada vez mais com sua não-humanidade quanto mais se esforçam para imitá-la.

É de se esperar que um livro protagonizado por uma inteligência artificial se esforçasse para afastar suas personagens dessa armadilha.

Mas Kazuo Ishiguro, vencedor do Nobel de literatura em 2017, não é um escritor comum.  E Klara e o Sol, seu mais novo livro, não é uma ficção científica como qualquer outra.

Fábula a solidão e sofrimento humanos vistos através dos olhos de uma androide, o romance é sobre aquilo que nos diferencia das máquinas. Mas é também sobre como elas, presas como estão no vale da estranheza, talvez enxerguem uma humanidade à qual nós mesmos já estejamos cegos.

Klara é uma AA (“amiga artificial”), espécie de androide doméstica. No primeiro capítulo, nós a encontramos na vitrine de uma loja, observando crianças passeando com suas próprias AAs à espera do dia em que ela, própria, será adotada.

Seus desejos parecem próximos de se concretizar quando recebe a visita de Josie. A garota se encanta pela AA, e promete que um dia virá para buscá-la. Dias se passam, novos modelos de androides são lançados no mercado, Klara é eventualmente removida da vitrine. Mas ela continua certa de que Josie cumprirá sua promessa.

Não é preciso ter assistido a I.A.: Inteligência Artificial ou Chobits! para saber que essa não é uma história que terminaremos de olhos secos.

Josie retorna para adotá-la, mas quanto mais lemos sobre a criança, mais percebemos que o mundo de Klara é mais complicado que sua programação é capaz de perceber.

Há algo de terrivelmente errado com a criança, que nós, através dos olhos ingênuos da androide, percebemos assim que sua mãe visita a loja. Ande como a minha filha, é o teste que utiliza para testar suas capacidades.

“Eu acho que você vai gostar da nossa casa” a menina diz “Mas pode ter alguma coisa acontecendo. Eu não tenho certeza do que é. Eu nem sei se é alguma coisa ruim.”

“Mas às vezes as coisas ficam, bem, estranhas.”

No Vale da Estranheza

Estamos no território de Não me Abandone Jamais, que se inicia como uma história bucólica sobre um internato no interior da Inglaterra para se revelar uma fábula devastadora sobre clonagem e colheita de órgãos.

Ainda mais que naquele romance, Klara e o Sol é sufocado por uma agonia que se manifesta desde a primeira página.

Como uma androide à beira da pane, é possível sentir os circuitos próximos de queimar com uma tragédia que cada revelação torna mais exasperante.

Josie possui uma doença séria de que não parece que irá sarar. Seu único amigo de verdade é o namorado, Rick, que sofre discriminação por não ter “ascendido”. Há uma tensão crescente entre a empregada e a mãe sobre o destino da filha. Klara não diz, mas suas observações deixam claro que nem todos querem o bem da garota. E que o próprio conceito de “bem” e “mal” desse mundo futurista pode ser tão distante da nossa realidade do que a androide cujas memórias visitamos.

“Klara, você é admirável” diz no início do romance a gerente de sua loja “Você nota e absorve tantas coisas”.

Klara, de fato, não enxerga as coisas como os humanos. No seu entendimento, o sol de cuja energia seu sistema depende é uma entidade sapiente – quando não uma espécie de divindade. Seus “olhos” apreendem o mundo como uma série de polígonos divididos em quadrantes. Pessoas de seu contato, como Josie e Rick, são representadas com alto nível de fidelidade. Aquilo que lhe é desconhecido, porém, rapidamente se perde em um overload geométrico.

“Logo as cenas estavam mudando tão rápido ao meu redor que eu tive dificuldade em ordená-las. Em um certo ponto uma caixa se encheu com os outros carros, enquanto que as caixas imediatamente ao seu lado se encheram com segmentos de estrada e do campo ao redor.”

Mas Klara também percebe coisas que os próprios humanos não entendem. Em especial, ela tem uma incrível sensibilidade para emoções, sobretudo a solidão. Graças a essa empatia artificial, combinada a uma ingenuidade quase exasperante, entendemos que o romance se passa em um futuro distópico assolado por um apartheid genético, medidas orwellianas de vigilância e ideologias extremistas.

A arte do não dito

Como em Não me Abandone Jamais, nada disso é revelado com todas as letras. Pelo contrário, Ishiguro propositalmente nos mantém em um escuro tão angustiante quanto a interface de polígonos com que Klara enxerga o mundo.

Alguns segredos, como o rancor de um diretor de escola para com a mãe de Rick, nunca são explicados. Outros – como a natureza da doença de Josie ou o que significa ser “ascendido” – só se tornam claro após muitos capítulos.  É preciso esperar até quase o fim da história para descobrirmos que a “comuna” em que uma personagem outrora simpática vive é, na verdade, um baluarte fascista.

A literatura de gênero muitas vezes é criticada por sua abundância de nomes próprios. Em Klara e o Sol, Ishiguro faz uma ficção científica privada até mesmo de substantivos comuns. Sua prosa parece é desinteressada de technobabble. O que só torna suas meditações sobre tecnologia e o valor da humanidade ainda mais urgentes quando finalmente emergem das frestas.

Como toda boa ficção científica, Ishiguro não escreve apenas sobre ciência.  O medo de Klara de não ser comprada por Josie nada mais é que o terror de todos nós, na infância, de não encontrarmos outros que nos aceitem. As emoções conturbadas entre Josie e Rick – amargada, de um lado, pela doença da garota; de outro, pela suspeita de que o amor que sentem não é lá tão forte– são as mesmas que sentimos ao entender que a vida é feita de caminhos, e nossas paixões juvenis talvez não estejam lá para nos acompanhar no nosso.

“Talvez todos os humanos sejam solitários” nota Klara em dado momento “Pelo menos potencialmente.”

Nosso futuro pós-humano

O escritor britânico Kazuo Ishiguro

Klara e o Sol é o primeiro livro de Ishiguro depois de vencer o Nobel, e ele demonstra toda a nuance esperada do prêmio. Nas suas páginas, não há espaço para saídas fáceis ou morais prontas.

Como não poderia ser diferente em um livro sobre inteligências artificiais, sua história é uma reflexão sobre o que significa ser humano. Mais especificamente, sobre o medo de que aquilo que chamamos de “alma” não seja mais que o efeito de sinapses instigando corpos de carne e osso em direção à reprodução e ao seu final inevitável:

“Nossa geração ainda carrega os velhos sentimentos. Uma parte de nós recusa a abrir mão. A parte que deseja continuar acreditando que há alguma coisa inalcansável dentro de cada um de nós. Alguma coisa que é única e intransferível. Mas não há nada do tipo, nós sabemos disso agora. Você sabe disso. Para pessoas da nossa idade é uma coisa difícil de abrir mão. Nós temos que abrir mão, Chrissie. Não há nada lá. Nada dentro da Josie que está além das Klaras desse mundo continuar.”

Curiosamente, de todas as personagens do livro, é Klara que se recusa a acreditar nisso.

“Eu acredito que ele estava procurando no lugar errado” ela diz “Existia uma coisa muito especial, mas não estava dentro de Josie. Estava dentro daqueles que a amavam”.

É uma mensagem surpreendentemente humanista, mas que empalidece diante da compaixão maior, pós-humana,  que Ishiguro defende nas entrelinhas.

Talvez, longe de instigar uma distopia, trazer à luz uma IA verdadeiramente humana signifique apenas que ganharemos um alento, ainda que fugidio, para a invariável solidão da nossa existência.

Talvez seja justamente de uma AA, encarando-nos através de seus polígonos, que ouviremos a voz da razão que impedirá nossa espécie de destruir a si mesma.

Em tempos de polarização política, obscurantismo desvairado e ideologias venenosas, não é demais acreditar que uma máquina possa nos devolver a humanidade que nós mesmos parecemos ter perdido.

“Esperança” disse ele “A maldita coisa nunca te deixa em paz.”

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Por que é errado criar humanos para o abate? http://www.finisgeekis.com/2019/02/18/por-que-e-errado-criar-humanos-para-o-abate/ http://www.finisgeekis.com/2019/02/18/por-que-e-errado-criar-humanos-para-o-abate/#respond Mon, 18 Feb 2019 19:14:19 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20821 The Promised Neverland, destaque da temporada de inverno, tem cativado leitores e espectadores com sua distopia alucinante.

Não é difícil entender por quê. A ideia de um mundo em que crianças são criadas para o abate é tenebrosa o suficiente para comover qualquer um.

Ou seria mesmo?

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Obviamente, não me anima a ideia de que eu ou você, leitor, possamos terminar nossos dias em uma bandeja. E, embora meu peixetarianismo não seja ideológico, tampouco nego que os animais da indústria de alimentos muitas vezes são tratados de forma horrível.

Imagine, porém, que nessa distopia hipotética nós sejamos criados e abatidos com a máxima humanidade. E que o fim chegue não na infância, como em Promised Neverland, mas ao final dos nossos 20 anos.

Imagine, ainda, que não precisemos ficar confinados. Que possamos nos divertir, experimentar todos os prazeres da carne, viver a vida sem trabalhar. Fazer, enfim, tudo o que quiséssemos. Menos escapar do relógio.

Esse mundo seria assim tão ruim?

Pergunta errada: seria ele muito diferente da realidade que temos hoje? Labutando das 8h às 18h, acatando escolhas feitas por outras pessoas, à espera de uma morte que mais dia, menos dia, chegará de qualquer maneira?

Não seríamos todos nós uma espécie de “gado”, aguardando um “abate” de outra natureza?

Não se preocupe, leitor, eu não estou ficando louco (pelo menos, não ainda).

A metáfora é obviamente uma provocação. Por mais morosa que seja nossa vida, ela nunca se comparará ao pesadelo de Neverland.

Mesmo assim, o fato dessa provocação nos incomodar prova que ela traz um fundinho de verdade.

E Kaiu Shirai, escritor de Neverland, não foi o primeiro a perceber isto.

Não me abandone jamais

Fãs do mangá de Shirai talvez não saibam, mas essa reflexão já foi feita por outra pessoa. E o resultado foi um dos romances mais impactantes dos anos 2000.

Escrito por Kazuo Ishiguro (que, a despeito do nome, é mais britânico que o chá das cinco), Não me Abandone Jamais se tornou um best-seller e ajudou seu autor a faturar um Nobel da literatura.

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Seu enredo acompanha Kathy, Tommy e Ruth, três crianças do colégio interno de Hailsham, no interior da Inglaterra. Narrado em primeira pessoa por uma das garotas, a trama parece, a princípio, uma história qualquer de amadurecimento.

Kathy e seus amigos estudam, descobrem sua sexualidade, fazem planos para o futuro. Até que as frestas em seu paraíso começam a aparecer.

A verdade chega com Miss Lucy, uma professora rebelde, ao escutar um aluno dizer que sonha em ser ator de Hollywood:

“Se ninguém mais for falar para vocês” ela continuou “falo eu. O problema, ao meu ver, é que eles contaram para vocês, mas não contaram para vocês. Eles contaram para vocês, mas nem um de vocês realmente entendeu, e, eu ouso dizer, algumas pessoas estão bem felizes em deixar as coisas desse jeito. Mas eu não vou. Para que vocês tenham vidas decentes vocês precisam saber e saber propriamente. Nenhum de vocês vai para os Estados Unidos, nenhum de vocês será uma estrela de cinema. E nenhum de vocês trabalhará em supermercados como eu ouvi alguns de vocês falando outro dia. Suas vidas foram decididas para vocês. Vocês se tornarão adultos, então, antes de envelhecerem, antes de chegarem à meia idade, vocês começarão a doar seus órgãos vitais. É para isso que cada um de vocês foi criado.”

Não me Abandone Jamais se passa em um futuro alternativo em que fazendas de clones foram estabelecidas para suprir órgãos de transplante. A medida provocou um avanço inconcebível na medicina, a troco de um tenebroso custo humano.

Nas palavras de Miss Emily,  a diretora de Hailsham:

“Depois da guerra, no início dos anos cinquenta, quando as grandes descobertas da ciência seguiam uma à outra tão rapidamente, não houve tempo para refletir, para perguntar as questões delicadas. Subitamente existiam todas essas novas possibilidades à nossa frente, todas essas maneiras de curar tantas doenças que antes eram incuráveis. […] Mas, quando as pessoas começaram a se preocupar com os…estudantes, quando começaram a se preocupar com como vocês eram criados, se vocês deviam ou não existir, já era tarde demais. Como você pode pedir a um mundo que passou a tratar o câncer como curável, como você pode pedir a um mundo desses para se desfazer dessa cura, voltar para a idade das trevas?”

A genialidade de Ishiguro é que a verdade não nos aparece até as páginas finais. Esse não é um livro de ficção científica. É uma meditação sobre o livre arbítrio, a finitude da vida – e, em último caso, aquilo que nos faz humanos.

Os clones de Ishiguro passam suas infâncias nos colégios internos, protegidos do mundo exterior. Na adolescência, são remanejados a chalés, de onde podem sair e se divertir desde que retornem de noite.

Assim que se tornam adultos, seus órgãos começam a ser colhidos, uma cirurgia por vez. Clones ainda não operados servem de cuidadores para seus colegas, acompanhando-os durante suas horas finais.

Por motivos que não são explicados, nem as vítimas, nem a sociedade que as explora demonstra a menor revolta ou remorso. A distopia mexe seus pauzinhos com uma frieza hospitalar.

Não é difícil entender o porquê. Por trás das brumas da ficção especulativa, o romance de Ishiguro é uma alegoria contundente da nossa própria vida: da gaiola dourada dos anos de escola à liberdade da adolescência e, finalmente, à idade adulta, quando somos moídos pelas engrenagens do Sistema.

Tommy, Kathy e Ruth na adaptação de “Não me Abandone Jamais” (2010)

Não me Abandone Jamais é um livro emocionalmente devastador. Em grande parte, porque dá a todos entre nós a oportunidade de se reconhecer.

Em Kathy e seus amigos, ele traz a angústia de doentes terminais ao pesar suas pontas soltas contra o tempo que têm em vida.

Na terminologia asséptica de seu sistema, ele escancara a higiene desumana dos nossos sistemas de saúde, que tratam abortos como “subtrações” e mortes como “óbitos”.

Em Miss Lucy, o dilema de professores de escolas desfavorecidas, divididos entre mentir a seus alunos ou lhes contar que seus caminhos na vida estão traçados.

“Se você consegue andar por esse enredo sem tropeçar em paralelos com nossa própria sociedade e sistemas educacionais” bem disse Roger Ebert da sua adaptação cinematográfica  “você tem o pé mais firme que o meu”.

Um escritor menos talentoso se daria por satisfeito em levantar essas questões. Não que elas não sejam importante em nossa época– e suas soluções, tão complicadas como o são no seu universo fictício.

É de fato crucial perguntar se nossa sociedade forma seres humanos e não apenas “peões sortudos” com vidas confortáveis, resignados a um destino que não escolheram.

Mas o destino, Ishiguro nos lembra, chega a todos, dentro e fora de Hailsham. E o fato de vivermos vinte ou oitenta anos não muda o fato de que nosso tempo na Terra é contado.

Se nos resta alguma coisa, é a coragem para lhe dar um sentido.

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