Warning: Use of undefined constant CONCATENATE_SCRIPTS - assumed 'CONCATENATE_SCRIPTS' (this will throw an Error in a future version of PHP) in /home/finisgeekis/www/wp-config.php on line 98

Warning: Cannot modify header information - headers already sent by (output started at /home/finisgeekis/www/wp-config.php:98) in /home/finisgeekis/www/wp-includes/feed-rss2.php on line 8
Michael Chabon – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Sun, 24 Feb 2019 13:38:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 Michael Chabon – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Os super-heróis sempre foram politizados? http://www.finisgeekis.com/2018/06/27/os-super-herois-sempre-foram-politizados/ http://www.finisgeekis.com/2018/06/27/os-super-herois-sempre-foram-politizados/#respond Wed, 27 Jun 2018 12:16:19 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20248  

Temos que conceder aos quadrinhos. É fácil ser tachado de diversão vazia. Também é fácil ser acusado de panfletagem, provocação barata, veículo de doutrinação política.

Mais difícil, e o que os comics americanos vêm fazendo há décadas, é ser criticado pelas duas coisas ao mesmo tempo.

Todos nós já escutamos a acusação. HQs estão desesperadas atrás de relevância, agarrando-se a qualquer manchete para alavancar vendas. Da guerra na Síria à eleição de Donald Trump, não há um factóide que escape aos super sentidos dos heróis.

Mas teria sido sempre assim?

Críticos da politização os quadrinhos dizem que não. Segundo eles, quadrinhos estão se tornando mais politizados, histéricos e rasos. O fenômeno é novo – e poderia ser fatal. Se as coisas não voltarem rápido ao curso, o futuro da indústria poderia estar em risco.

Se isso é verdade, como explicar a palhinha de Barack Obama como personagem de Homem Aranha em 2009? Ou o retrato de um Doutor Destino em prantos após o atentado às Torres Gêmeas?  Ou ainda a HQ que transformou Magneto em um sobrevivente do Holocausto?

Causas mudam, pessoas envelhecem e partidos se renovam. Mas os quadrinhos parecem ter um flerte com a política que vai muito além do momento atual.

Essa é a opinião de Robert Jewett e John Lawrence no provocante Capitão América e a Cruzada contra o Mal. Escrito no calor do 9/11, mas ainda relevante aos dias de hoje, o livro argumenta que super-heróis sempre foram politizados – e ninguém deveria se orgulhar disso.

Para Jewett e Lawrence, a politização dos heróis não se deve à geração millenial, à Guerra ao Terror de Bush, ao Civil Rights Movement, nem mesmo à Guerra Mundial que deu vida a Capitão América e tantos outros. Ela vem de antes, muito antes de existirem quadrinhos. Muito antes, na verdade, até de existir um Estados Unidos.

As colônias inglesas na América, eles explicam, foram assentadas por Puritanos, uma facção radical dos cristãos britânicos que se viam na missão de reformar a sociedade – e, especialmente, o Novo Mundo.

Essa fé exacerbada deu origem a duas mentalidades muito diferentes entre si, mas que marcaram a história dos EUA até os dias de hoje.

A primeira foi a do realismo profético, a ideia de que a sabedoria de Deus está além do nosso alcance, e ninguém deve tomar para si o pedestal de executor de Sua vontade. É ideia de que demos julgar antes de agir e de que, não sendo oniscientes, precisamos tolerar os que pensam diferente.

Para os autores, essa é mentalidade por trás da tradição constitucional dos Estados Unidos, da desconfiança em relação a consensos e, posteriormente, do pensamento de autores que valorizavam a tolerância e a pluralidade intelectual.

A segunda foi a do nacionalismo zelota, a ideia de que os americanos seriam um povo escolhido, uma Nova Israel encarregada de purificar o mundo de hereges. É a ideia de que os valores que defendem não são apenas certos, mas divinos, e que preço nenhum é grande demais para protegê-los.

Foi do nacionalismo zelota, segundo eles, que veio a bagagem ideológica do Destino Manifesto, a conquista do Oeste, a Trilha das Lágrimas e a erradicação de povos indígenas. E, mais recentemente, o longo histórico de intervenções militares em nome do “bem”, da invasão das Filipinas à Guerra do Iraque, passando pelo Vietnã e as ditaduras na América Latina.

“Progresso Americano” de John Gast (1872)

As duas tradições ultrapassaram sua origem religiosa e ganharam espaço na cultura popular. O realismo profético deu origem a personagens como Atticus Finch de O Sol é Para Todos e o Jurado No 8 de 12 Homens e uma Sentença.

“Heróis” que não vestem capas e acreditam no jeito “certo” de se resolver as coisas. Que acham, como o Shepard “Paragon” de Mass Effect, que não podemos deixar o medo comprometer quem nós somos.

Gregory Peck como Atticus Finch em “O Sol é Para Todos”

O nacionalismo zelota, por outro lado, ganhou vida com os caubóis, justiceiros e vingadores encapuzados. São os pistoleiros de filmes de faroeste, policiais vigilantes como Dirty Harry e, é claro, super-heróis.

Eles acreditam que os fins justificam os meios e que o mal não merece tolerância. Aos vilões, só a violência.

O Complexo de Capitão América

Para Jewett e Lawrence, essa mentalidade deu origem ao que chamam de complexo de Capitão América: o uso de meios não-democráticos para defender valores democráticos.

O zelota faz a guerra em nome da paz, “matando milhares para salvar milhões”.  Ele apoia a censura em nome do diálogo, silenciando as pessoas “erradas” para dar voz às “certas”.

Como um delírio imaginado por George Orwell, ele é um duplipensamento ambulante, rebatendo ódio com ainda mais ódio, distribuindo socos, tiros e mísseis em nome do amor e tolerância.

O herói zelota acredita que seus excessos devem ser perdoados, pois ele luta em nome do bem, e seus inimigos são do mal. Ele não é o agressor, e sim a reação, a resistência contra as forças malignas da sociedade. Foram os vilões que atacaram primeiro, oprimindo fracos e silenciados, e agora eles terão o que merecem.

É por isso que o Capitão América usa um escudo, e não uma espada, bastão ou arma de fogo. É por isso que os heróis de Star Wars são da Rebelião ou da Resistência, e “Impérios” sempre são do mal.

Que o escudo antimísseis sugerido pelo presidente americano Ronald Reagan em 1983 se chamasse “Star Wars” não é mera coincidência. Essa é a lógica por trás da política externa dos EUA, que sempre se enxergaram como o defensor da luta contra uma conspiração maior, seja o nazismo, o comunismo ou o jihadismo.

Mas isso não é privilégio de uma única ideologia de governo. Jewett e Lawrence são cuidadosos em frisar que o mesmo pensamento pode ser visto em todos os lugares. Direita e Esquerda, Republicanos e Democratas vestiram a camisa dos zelotas em momentos diferentes da história. Seja para ajudar tolher direitos em nome da segurança ou para sacrificar regressistas nas chamas da revolução.

O importante, dizem eles, não é a causa defendida, mas seus meios. E é aí que super-heróis encontram a política, com consequências trágicas para todos nós.

Super-heróis e o “Fascismo Pop”

O mais fantástico nas histórias de herói não são os próprios heróis, mas o fato de que seu mundo não funciona sem eles.

No universo das HQs, o sistema opera mal. As leis servem para proteger bandidos e dificultar a vida dos justiceiros. Tribunais são corruptos. A polícia é fraca ou amedrontada. Afinal, que pode fazer um mero soldado contra super vilões e ameaças galácticas?

Para obter justiça de verdade, precisamos de pessoas excepcionais, mais fortes, mais capazes, mais corretas. Heróis que vem de fora e que conseguem resolver nossos problemas num piscar de olhos, desde que tiverem espaço para fazer seu trabalho.

Esses heróis têm o poder para destruir o mundo, mas eles não farão isso, pois sabem mais que a gente. Afinal, eles não são apenas mais poderosos que gente comum, mas também melhores como pessoas. E de tão melhores, e tão mais sabidos, esses Übermenschen são a última esperança contra o mal que nos aflige.

O universo dos heróis é um mundo de medo e submissão, em que as pessoas não têm escolha senão rezar por uma intervenção divina. Que vários heróis (e vilões) tenham sido interpretados como divindades de algum panteão é uma consequência obrigatória deste cenário.

O problema de se tirar essa delírio do Velho Testamento e aplicá-lo nos dias de hoje – de se fazer, enfim, política com super-heroísmo – é que essas ideias não se misturam. Pois elas já foram tentadas uma vez, e seus resultados foram devastadores.

Jewett e Lawrence chamam de “Fascismo Pop” a mistura de nacionalismo, vigilantismo e repúdio ao sistema que informa a ética dos super-heróis. Ela é, na sua opinião, um desenvolvimento extremo do Complexo de Capitão América e do motivo pelo qual o velho herói deveria pendurar o escudo.

Não errou a Marvel ao pintar o Capitão América com as cores da Hydra. No fundo, o herói sempre foi um fascista.

Se você, como fã de quadrinhos, ficou furioso ao ler isso, saiba que Jewett e Lawrence não foram os únicos a chegar nessa conclusão. A sacada não escapou a Michael Chabon, autor de um dos mais premiados romances sobre quadrinhos e um dos roteiristas de Homem Aranha 2.

Em sua fábula vencedora do Pullitzter, Chabon descreve um quadrinista judeu dos anos 1930 que percebe que seu herói se tornou a imagem daqueles que mais detesta:

“Joe Kavalier não foi o único dos pioneiros dos quadrinhos a perceber a imagem refletida do fascismo inerente no seu super-homem anti-fascista – Will Eisner, outro judeu quadrinista, deliberadamente vestiu Falcão Negro, seu herói dos Aliados, em uniformes modelados nas elegantes roupas com a cabeça da morte da Waffen-SS. Mas Joe foi talvez o primeiro a sentir a vergonha de glorificar, em nome da democracia e liberdade, a brutalidade vingativa de um homem muito forte. (…) Agora ocorria a Joe pensar se tudo o que eles haviam feito, desde o começo, não era ceder aos seus piores impulsos e fomentar a criação de uma nova geração de homens que veneravam a força e a dominação.”

O que isso diz sobre nós?

Capitão América e a Cruzada contra o Mal é um livro urgente, persuasivo e desconfortável. Mesmo assim, não pude afastar a impressão de que sua tese é um tanto convincente demais.

Jewett e Lawrence dizem que a febre dos heróis implica num culto a pessoas excepcionais, que estão acima das leis e não se integram ao mundo que salvam.

Como conciliar isso com a mensagem de empoderamento das histórias contemporâneas e o princípio, defendido por filmes, convenções, cosplayers e caridades, de que todos podemos ser heróis?

Heroes’ Alliance, grupo de cosplayers que visita crianças em hospitais infantis.

Ou o suposto nacionalismo de sua ideologia com o globalismo militado por tantos políticos e artistas mainstream? E que ganha, às vezes, contornos tão violentos quanto os dos zelotas de outrora?

Jewett e Lawrence publicaram seu livro em 2003, pensando nas consequências nefastas do contraterrorismo de George W. Bush. Foi o mesmo dilema que inspirou o célebre Guerra Civil da Marvel: a cilada 22 entre um governo tirânico e uma ameaça que ninguém sabia como enfrentar.

Seu objeto não são os quadrinhos em si, mas os desmandos da política americana – e suas similaridades com a cultura pop. Só que a cultura pop já não é mais a mesma, e sua mensagem, que já conta 15 anos, precisa de uma atualização.

O que nos resta daqui para a frente?

“Dois caminhos estão abertos para aqueles que gostariam de reformar a sociedade americana de hoje, ou aceitar sua missão de servir ao mundo. Há o caminho da violência redentora, que pode tomar a forma da grande revolução ou da cruzada. Este caminho promete despedaçar a injustiça com uma fúria virtuosa, punindo os malfeitores, emancipando os explorados e tornando o mundo seguro para a bondade. Mas também há o caminho do amor redentor. Sua promessa é menos definida, e seus resultados, mais imprevisíveis. Pois, quando o amor é exercitado, pessoas se tornam livres. Novos impulsos despertam que ninguém pode dominar em antecipação. Este, então, é o caminho dos audaciosos e generosos de espírito, aqueles que conseguem viver sem ídolos e encarar um futuro incerto sem medo.”

Jewett e Lawrence provavelmente apostavam na segunda opção. E, de fato, houve muito avanço. Não foram poucos os quadrinistas que reinterpretaram seus heróis, atentando às suas contradições.

Fora dos quadrinhos, o imaginário geek também conta com bons exemplos. Que uma personagem como Geralt de Rivia pôde nascer dos escombros do comunismo é prova de que o realismo profético tem voz na cena nerd.

Mas heróis zelotas – com ou sem capa – ainda existem, e a linguagem da violência, da fúria virtuosa contra os “do mal”, ainda persevera em quadrinhos, séries, filmes e tweets de criadores.

Num presente em que a coexistência é uma necessidade e os problemas não se resolvem mais com o porrete, esta retórica é tão problemática quanto é atrasada.

Sim, o futuro é incerto. Mas talvez, como dizem Jewett e Lawrence, seja essa a grande prova de nosso tempo. A capacidade de viver sem heróis, e sem deixar, tal qual Comandante Shepard, que o medo leve embora nossos princípios.

 

]]>
http://www.finisgeekis.com/2018/06/27/os-super-herois-sempre-foram-politizados/feed/ 0 20248
3 livros para entender o mundo geek http://www.finisgeekis.com/2018/02/28/em-busca-dos-nerds-3-livros-para-entender-o-mundo-geek/ http://www.finisgeekis.com/2018/02/28/em-busca-dos-nerds-3-livros-para-entender-o-mundo-geek/#respond Wed, 28 Feb 2018 22:53:48 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=19998 O geek dominou a cultura. Filmes de super-herói, antes debochados, são louvados como obras-primas do cinema. Campeonatos de e-sport disputam espaço com as modalidades tradicionais. Convenções como a CCXP agregam todo tipo de artista, de fanzineiros das antigas a celebridades que nunca abriram um gibi um vida.

Não foi uma conquista sem baixas, e muitos têm se perguntado se o resultado valeu a pena.

Faz sentido falar em “nerds” em um mundo em que todos se incluem na categoria? O que heróis com superpoderes, rip-offs de Game of Thrones, cash-grabs de animes e o culto às “referências” diz sobre nossa cultura, quando é a praticamente tudo o que produz?

Em um mundo assim geekificado, em que o mergulho em qualquer franquia está ao alcance de uma wiki, o que raios significa ser um “nerd”?

Aqueles que vivem nessa cultura talvez não saibam, mas essa é uma pergunta que já tem quase vinte anos. Desde a virada do milênio, não foram poucos os autores que refletiram sobre esse novo modo de vida.

Não falo em escritores “nerds” como Ernest Cline, George R.R. Martin ou J. K. Rowling, que lotam convenções e inspiram cosplays. Mas em autores – dos mais variados estilos e gêneros – que se propuseram a escrever sobre nerds.

E, por meio deles, entender o que raios se passa com a nossa época.

1) Densha Otoko

Resultado de imagem para densha otoko o homem do trem capa

 

Dos livros dessa lista, Densha Otoko (O Homem do Trem) é aquele que sucedeu em se tornar, ele próprio, um fenômeno da cultura pop. O “romance” – se é que pode ser chamado assim– foi adaptado a mangá e dorama e traduzido ao redor do mundo.

O livro conta a história de um rapaz introvertido que, um dia, protege uma mulher de um bêbado no trem. Do seu ato de heroísmo nasce uma paixão improvável. Virgem, recluso e viciado em doujins, o homem do trem se vê diante de um desafio maior que intimidar tarados: dar os primeiros passos em um relacionamento de verdade.

O romance é notável menos pelo conteúdo que pelo seu formato. Para início de conversa, não se trata de uma obra de ficção, muito menos de um “livro” stritu sensu. Densha Otoko é uma compilação de mensagens trocadas no fórum japonês 2channel (o famoso 2ch).

Trem, como nosso protagonista é chamado, é um otaku real. Apavorado com o início do namoro, decide pedir ajuda aos únicos amigos que têm: outros otakus solitários dos fundilhos do 2ch.

Desse coaching improvável nasceu uma história de amor verídica, salpicada por desabafos, celebrações e doses cavalares de kaomojis, os emoticons orientais feitos de sinais ASCII.

Resultado de imagem para densha otoko kaomoji

Edição japonesa de Densha Otoko

Seu “autor”, Nakano Hitori, é um nome fantasia para naka no hito (“Um de Nós”), internauta anônimo que acompanhou a conversa e a editou de maneira inteligível.

­Lido nos dias de hoje, Densha Otoko é menos o retrato de uma subcultura que uma viagem no tempo. A linguagem do 2ch, com sua etiqueta e vocabulários próprios, soa estranha a uma geração em que a nerdice já se libertou do anonimato.

Sua própria definição de “otaku” bate em teclas que, no Ocidente, já foram reviradas. O Homem do Trem é um outcast social, que encara seus gostos como um vício a ser superado.

Esse sentido é conforme à acepção corrente no próprio Japão, em que “otakus” são fissurados (não necessariamente em animes) cuja devoção ultrapassa os limites da salubridade.

Mesmo assim, em uma época em que o premiê japonês se veste de Mário e Tóquio é governada por uma cosplayer, é chocante ver Sailor Moon e Pretty Cure descritos como sintomas de doença.

A não ser que você seja o prefeito de Nagoya

A nerdice, para naka no hito (e a horda de otakus que representa), é uma fase a ser superada. Uma cópia pálida do mundo real criada por aqueles incapazes de curti-lo.

Trem joga fora suas figures como um viciado a um estoque de drogas. Hermès (como sua musa é chamada) surge para salvá-lo da pornografia, “curando-o” dos doujins. Seus colegas de fórum são menos amigos que companheiros de cárcere, apreciando sua companhia, mas também felizes de vê-lo partir.

564 Nome: Anônimo                   postado em 18/03/04  11:53

>> 562

Cara, esse sou eu.

Estava me divertindo acompanhando o tópico, mas este não é mais lugar prum nerd legítimo. Na verdade, acabou se transformando num tópico no qual o cara legal e a garota são resgatados dessa profunda existência miserável.

Do Ocidente, é difícil não vê-la como uma obra datada, a despeito de sua pertinência em seu Japão natal e em seu uso inventivo da língua. Para entender o “nerd” em nosso próprio entorno, é preciso buscar em outro lugar.

2) A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao

Imagem relacionada

Se Densha Otoko se tornou um fenômeno pop, A Incrível Vida Breve de Oscar Wao, de Junot Díaz, levou o geek à torre de marfim. A obra venceu o prêmio Pullitzer, inspirou estudos e chegou a ser considerada o romance mais importante do século XXI.

Seu herói improvável é Oscar de León (aos amigos, Oscar Wao), um nerd recluso que se sentiria em casa entre os otakus de Densha Otoko. Obeso, negro e de ascendência dominicana, ele tica todos os critérios de um outsider vivendo na periferia de Nova Jersey.

Inconfundivelmente estrangeiro para os americanos, ele é também um estranho a seus compatriotas. Contra a masculinidade exacerbada dos dominicanos, Oscar é virgem, tímido e delicado. Enquanto que seus conterrâneos falam o inglês picotado dos imigrantes, Oscar é letrado e erudito.

Poderia ser a premissa de uma versão latina de Big Bang Theory. Díaz, no entanto, transforma sua fábula em um épico sobre a história da República Dominicana no século XX.

Para isso, ele tece uma trama improvável, amarrando referências a quadrinhos e ficção científica ao realismo fantástico da literatura latina. A ambição é anunciada desde a epígrafe, que mistura uma citação de Galactus junto a versos de Derek Walcott, um dos maiores nomes da poesia caribenha.

Oscar é um geek que “veste sua nerdice como um Jedi porta um sabre-de-luz”, “sabe mais sobre o Universo Marvel que Stan Lee” e que “Não se passaria por Normal mesmo se tentasse.” Sua história, contudo, é narrada por nativos de um outro mundo: seus colegas dominicanos, divididos entre Nova Jersey e Santo Domingo tal como Oscar entre a realidade e o escapismo.

Oscar é filho de imigrantes fugidos da ditadura de Rafael Trujillo, um dos ditadores mais sanguinolentos da América Latina. Sua família pensa ter escapado do pior, mas o tirano terá a última risada.

A crueldade do Trujillato é tamanha que não pode ser sofrida por apenas uma pessoa. Sua família é alvo de um fukú, mistura de maldição caribenha com espírito maligno que persegue cada geração e leva-a à desgraça.

O romance é entremeado por espanglês, a mistura de espanhol e inglês falada por imigrantes latinos nos EUA. O próprio nome de guerra de seu protagonista (Oscar Wao) é uma corrupção espanholada de “Oscar Wilde”.

Díaz pinta um retrato do nerd lisonjeiro aos que se identificam com o termo. A nerdice, em seu livro, é uma expressão da marginalidade. Uma cultura sem vínculos, sem pátria e sem glamour em que deslocados, exilados e caretas podem se encontrar.

Uma cultura, no entanto, que só existe em função do que há por fora. Díaz não está interessado na nerdice pela nerdice, como tantos que vestem o rótulo. Oscar, para ele, é uma ferramenta para entender as vítimas do Trujillato – e os sobreviventes de tiranias de uma forma geral.

Uma tragédia tão insana, com sequelas tão amargas, que não pode ser contada de outra forma. Como ele disse em uma entrevista:

Ninguém pode escrever um romance político straightforward sobre o Trujillato e capturar seu poder fantasmagórico. Esta é outra razão pela qual eu tive de virar um nerd hard-core. Porque sem maldições e mangustos alienígenas e Sauron e Darkseid o Trujillato não pode ser compreendido, elude nossas mentes “modernas”. Nós precisamos dessas lentes da ficção, do contrário não conseguimos ver.”

O fúku que guia Oscar ao seu destino é a expressão de uma maldição maior, de que ser humano nenhum é capaz de fugir. A história.

3) As Incríveis Aventuras de Kavalier e Clay

Resultado de imagem para kavalier clay cover

É justamente a história o tema do precedessor de Díaz – e um dos primeiros grandes livros a trazer a nerdice à ficção literária.

Escrito por Michael Chabon em 2000, As Incríveis Aventuras de Kavalier e Clay foi um marco tanto para os romances quanto para os quadrinhos. Uma celebração do nascimento dos super-heróis e de sua importância para a cultura.

Josef Kavalier é um judeu checo que sonha seguir os passos de Houdini, o lendário escapista do início do século. Quando seu país é ocupado pelos nazistas, porém, o jovem é forçado a uma escapada de outra natureza.

Josef foge aos Estados Unidos para viver com seu primo, Samuel Clay. “Sam” é um aspirante a desenhista interessado nos recém-criados super-heróis. “Joe”, por sua vez, tem um herói à espera de uma pena: O Escapista, uma mary sue de si mesmo, capaz de invadir o Terceiro Reich de assalto e resgatar sua família.

Juntos, eles se tornam dois dos pioneiros da Era de Ouro dos quadrinhos americanos. Da agruras de dois primos deslocados nasce o germe da cultura nerd.

Vencedor do prêmio Pullitzer, Kavalier & Clay chegou a inspirar seu próprio quadrinho, baseado nas personagens – e no estilo – criados por seus heróis.

Resultado de imagem para kavalier clay escapist

O romance é uma defesa apaixonada do escapismo, que as pressões materialistas e os críticos da “alienação” ainda hoje insistem em condenar.

Para Joe, que assistia impotente à ascensão do Terceiro Reich, os quadrinhos eram o campo de batalha de que a vida lhe privara. Ao desenhar panzers destruídos, heinkels em chamas e soldados da Wehrmacht voando pelos ares, ele se aliviava da certeza de que, no início dos anos 1940, a Alemanha Nazista era um império imbatível.

Sam Clay, seu parceiro, travava uma luta de outra natureza. Gay em uma época em que homossexualidade era crime, ele se voltou aos quadrinhos para consumar fantasias proibidas.

Na sua pena, sidekicks como Bucky e Robin se tornam as máscaras de seus desejos. Sob o “armário” de vínculos paternais, Clay esconde romances homoafetivos.

Em suas revistas toscas, mal desenhadas, impressas em papel jornal, Joe e Sam encontram uma liberação que o mundo real é incapaz de prover. Um universo paralelo, simplista, mentiroso e irreal, mas de que a vida nua e crua dependia para se sustentar.

Ele sabia que não estava sendo razoável. Mas, por um ano agora, a falta de razão – a perseguição firme e esgotante de uma guerra de mentira contra inimigos que ele não podia derrotar, por meios que nunca poderiam dar certo – o havia oferecido a única possibilidade de salvação da sua sanidade. Que as pessoas cujas famílias não estivessem sendo mantidas prisioneiras fossem razoáveis.

Chabon, no entanto, não é um simples apologista. Seu livro é um retrato do poder fantasia, mas também de seu potencial para arruinar uma pessoa – ou uma sociedade.

Enfurecido com a relutância dos EUA em se unir aos Aliados, Joe decide fazer a justiça com as próprias mãos. O cartunista se torna ele próprio um vigilante, caçando nazistas nos becos de Nova York.

Em uma de suas patrulhas, depara-se com o esconderijo da Liga Ariana da América. O que encontra no seu interior, no entanto, faz seu queixo cair: todas as edições de sua HQ, O Escapista.

De um inimigo, Joe fizera um fã.

“Então, abruptamente, foi sua vez de se sentir envergonhado, não só por ter estendido, conquanto momentaneamente, a consideração da sua simpatia a um nazista, mas por ter produzido trabalho que agradava a tal homem. Joe Kavalier não foi o único dos pioneiros dos quadrinhos a perceber a imagem refletida do fascismo inerente no seu super-homem anti-fascista – Will Eisner, outro judeu quadrinista, deliberadamente vestiu Blackhawks, seu herói dos Aliados, em uniformes modelados nas elegantes roupas com a cabeça da morte da Waffen-SS. Mas Joe foi talvez o primeiro a sentir a vergonha de glorificar, em nome da democracia e liberdade, a brutalidade vingativa de um homem muito forte. (…) Agora ocorria a Joe pensar se tudo o que eles haviam feito, desde o começo, não era ceder aos seus piores impulsos e fomentar a criação de uma nova geração de homens que veneravam a força e a dominação.”

A epifania de Joe é um alerta ao mundo nerd como um todo. De todas as mídias “geeks”, as HQs de heróis sempre foram as mais abertamente panfletárias.

Aqueles que acusam gibis de comprarem pautas “engajadas” se esquecem de que a política – na sua forma mais chula e simplória – sempre foi o soro do super soldado que alimentou suas canetas.

Porém, ao adaptar questões complexas ao binarismo dos anos 1940, esses gibis instigam o mesmo fanatismo que abasteceu os desmandos da Segunda Guerra. E inspiram radicais como o “fã” nazista de Joe, que perpetuam a violência sob novas bandeiras.

Resultado de imagem para japanese american propaganda wwII

Em uma época em que filmes de heróis são louvados como bússola moral, essa é uma advertência que “nerds” deveriam escutar com atenção.

Conclusão: uma terceira linguagem?

Resultado de imagem para ccxp expositores

Um hobby patético de ratos de porão? Um prisma fantasioso para entender os absurdos da vida? Uma fantasia de poder, que pode nos aliviar, mas também nos destruir?

Lendo os três livros lado a lado, é difícil escapar à constatação de que o “nerd”, para esses autores, trazem mensagens bem diferentes. A ilusão de um mundo nerd unificado, vendida por convenções e lojas de camisa, pode ser mais efêmera do que parece.

Ou seria mesmo?

A pista quem nos dá é Junot Díaz. Ao comentar a prevalência de referências pop em seu romance, o escritor disse encará-las não só como conteúdo, mas como uma terceira língua ao lado do inglês e espanhol:

Eu diria que [a ficção científica e a fantasia] são uma terceira linguagem para nosso momento cultural. Desde sua consolidação como gênero, o SF [sci-fi] nos ajudou a administrar os deslocamentos e confusões e fantasias de “progresso” e certamente nos ajudou a ler o presente de formas que são indispensáveis. Eu mesmo estaria perdido sem meus óculos de SF.

A cultura pop pode ter nascido de orcs e tie fighters, waifus e mutantes, mas não precisa se limitar a eles. Ao contrário da profusão de livros, séries e jogos que veneram a nostalgia como um fim em si, Díaz e Chabon encontraram nelas um caminho para coisas maiores.

Um guarda-roupa encantado com o de C.S Lewis, que nos leva não à um mundo mágico de faz-de-conta, mas a um lugar mais interessante. A absurda, indescritível, às vezes alegre, às vezes trágica experiência humana.

]]>
http://www.finisgeekis.com/2018/02/28/em-busca-dos-nerds-3-livros-para-entender-o-mundo-geek/feed/ 0 19998