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medievalismo – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Thu, 28 Feb 2019 14:46:09 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 medievalismo – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Make Leeds Medieval”: voltando à Idade Média nos confins da Inglaterra http://www.finisgeekis.com/2018/07/16/make-leeds-medieval-voltando-a-idade-media-nos-confins-da-inglaterra/ http://www.finisgeekis.com/2018/07/16/make-leeds-medieval-voltando-a-idade-media-nos-confins-da-inglaterra/#respond Mon, 16 Jul 2018 23:07:51 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20279 Medievalista” é o nome que damos àqueles entusiastas da Idade Média que fazem de tudo para reviver o período: LARP, feiras de época, banquetes medievais com direito a hidromel.

Também é o nome que damos aos historiadores especializados em Idade Média. Para esses medievalistas, o importante não é reviver o passado, mas desenvolver explicações científicas para o que aconteceu.

Na sua rotina, não há espaço para espadas, armaduras, pourpoints ou hidromel. Eles passam suas vidas lendo fontes, decifrando textos em latim, fazendo projetos de pesquisa e prestando contas à FAPESP.

Como medievalista do segundo grupo, nunca tive problema com os do primeiro (e admito que, na minha distante adolescência, já troquei espadadas em tardes de LARP.) Mesmo assim, não tenho como negar que nossas tribos raramente se misturam.

A não ser, é claro, que você esteja na cidade de Leeds, nos fundilhos de Yorkshire no norte de Inglaterra durante o International Medieval Congress.

O IMC Leeds, como é conhecido, é simplesmente o maior congresso de história medieval do mundo. Só esse ano foram nada menos que 2800 participantes de mais de 60 países.

Justamente por conta de seu tamanho, o congresso tem uma fama meio dúbia no meio acadêmico. Alguns acreditam que ele se esmera mais no espetáculo do que na qualidade da programação. Mesmo assim, o fato é que muito historiadores (como eu) pagam uma visita de quando em quando para mostrar a cara e saber o que está rolando.

É fato, também, que a feira medieval que armam anualmente — chamada de Make Leeds Medieval (“Faça Leeds Medieval”) pode ser só um espetáculo, mas é um espetáculo bem divertido.

Se deixar sua casa parecida com um castelo é uma ideia que te atrai, a feira de artesanato seria um paraíso para você. Make Leeds Medieval contou com todo tipo de bugiganga histórica a venda. Os produtos variavam de réplicas de joias medievais, baseadas em reconstruções arqueológicas, a instrumentos de época.

Porém, se você quiser voltar para casa com um alaúde, é bom economizar uma grana. Um mero ímã de geladeira na feira não saía por menos de £12. Que dirá um instrumento artesanal?

Felizmente, a festa contou com sua própria equipe de músicos, tocando peças típicas para a alegria dos visitantes.

O instrumento do meio lhe pareceu estranho? Ele é um hurdy-gurdy, espécie de sanfona que se toca girando uma manivela. Por incrível que pareça, alguns historiadores acreditam que ele deriva do violino – com que, de fato, carrega várias semelhanças.

Ben Grossmann, tocador de hurdy-gurdy que já gravou com Loreena McKennitt

O hurdy-gurdy foi tocado ao longo de toda a Idade Média e Moderna e já foi representado na obra de vários artistas, como o pintor holandês Hieronymus Bosch. Musicistas contemporâneos, como a cantora canadense Loreena McKennitt, mantém a tradição viva, usando o instrumento em suas composições.

Hurdy-gurdy no quadro “Os Jardins das Delícias Terrenas” de Bosch

Mas nem só de música se faz uma festa. E visitantes com um espírito aventureiro podiam ter seu dia de caçador, posando com uma ave de rapina.

O estande de falcoaria é algo que já tinha vista na minha última visita em 2014 e que me deixou bastante revoltado. Os pássaros pareciam bastante desconfortáveis debaixo do sol a pino, sobretudo as corujas, acostumadas a dormir de dia. Achei uma grande crueldade animal e me recusei a participar.

Pelo visto, eu não fui o único a reclamar. Nessa edição, as aves ganharam uma proteção extra contra o sol, embora pareçam tão tristes e estressadas quanto antes.

Falando em calor, medievalistas brasileiros ficarão surpresos ao saber que não havia hidromel a venda no festival. Isto talvez tenha a ver com uma política da própria universidade, cujo DCE tem um pub nos subsolos servindo bebidas alcoólicas durante todo o dia. Incluindo a Congress Ale, uma cerveja (meio sem sal) em celebração ao congresso.

Sim, você leu isso direito. Uma universidade tem seu próprio pub. Mostre isto ao seu reitor da próxima vez que ele encasquetar com uma cervejada durante uma festa no campus.

Resultado de imagem para old bar university of leeds

The Old Bar, nos subsolos da Universidade de Leeds

Porém, tanto aqui como na Inglaterra, não é para beber e ouvir música que as pessoas vão a feiras medievais. A Idade Média é estereotipada como uma época de violência, e é justamente o combate que atrai multidões.

Em Leeds, o show ficou por conta da Sociedade de Arqueologia do Combate do Royal Armouries, o maior museu de história militar do Reino Unido. Eles não são meros entusiastas (como eu em meus anos de LARP) mas arqueólogos, que também apresentaram um paper no primeiro dia de congresso.

Em meus tempos de moleque, ver uma apresentação como essa ao vivo seria um sonho realizado. De fato, estaria mentindo se dissesse que o espetáculo não me impressionou. Mas confesso que, quanto mais o tempo passa, mais esse tipo de entretenimento me incomoda.

Não falo aqui da atenção desmesurada que pontos relativamente pouco importantes da história militar recebem (saber manejar uma espada, no final das contas, era bem menos importante do que garantir uma rede logística). Ou o estigma de que a Idade Média foi a era da guerra e da fome, como se fossem Carlos Magno e Ricardo Coração de Leão os orquestradores do Holocausto ou Holodomor.

A imagem de “Idade Média” que esses shows promovem, com seus cavaleiros prateados munidos de espadas longas e alabardas, só surgiu na história humana no final do século XV. Para todos os fins, ela diz mais respeito à Renascença e modernidade que aos mil anos de história que sucederam o fim do Império Romano.

Não é um problema exclusivo de reenactors. De obras clássicos como Excalibur a hits recentes como Game of Thrones e The Witcher, a Idade Média “clássica” com que sonhamos parece ser aquela do instante de seu fim. Que até games orgulhosos de sua pesquisa histórica como Kingdom Come: Deliverance escolheram o século XV para situar-se mostra quão arraigado é esse retrato.

Na cultura popular, a Renascença engoliu a Idade Média.

Isso não é uma crítica direta ao festival de Leeds, que procedeu melhor do que muita gente. Em primeiro lugar porque, ao contrário de outros reenactors, eles têm um motivo muito bom para sonhar com o século XV.

Leeds fica em Yorkshire, um dos epicentros da Guerra das Rosas (1455-1487), um dos maiores conflitos da história da Inglaterra. E, em particular, o palco da Batalha de Towton, um dos enfrentamentos mais sangrentos que o país já sofreu.

Batalha de Towton, em representação contemporânea

Em segundo porque o festival deu conta do recado. A feira contou com expositores inusitados, como um revivalista vestido de sogdiano, uma antiga civilização no que é hoje Irã, Uzbequistão e Tajiquistão.

 

E também uma segunda apresentação de combate, lutando com armas e armaduras da época tardo-romana. Nas palavras dos próprios guerreiros, um show para mostrar de onde os cavaleiros do Rei Arthur vieram, e outro para quando eles aposentaram as esporas.

E por falar em Rei Arthur, é evidente que que o personagem mais icônico das fábulas “medievalistas” daria as caras:

Dragões soltando fumaça pelas ventas é o exato tipo de coisa que deixa alguns historiadores de cabelos em pé com o IMC. Mas não dá para negar que eles (e todo o festival) cumpriram um papel.

Quando a apresentação de combate acabou, vi um garotinho de pouco mais de cinco anos correr de encontro a um dos guerreiros. Ele chorou e se esperneou, dizendo que não queria ir embora. Seus pais só o levaram depois de tirar várias fotos com os dois apresentadores.

Sim, não é a coisa mais científica de todos. Mas talvez instigar essa curiosidade  no coração de uma criança já dê conta do recado. São as novas gerações, afinal de contas, que pesquisarão a história do futuro.

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“Cosplay, Steampunk e Medievalismo”: muito além da fantasia http://www.finisgeekis.com/2017/09/25/cosplay-steampunk-e-medievalismo-muito-alem-da-fantasia/ http://www.finisgeekis.com/2017/09/25/cosplay-steampunk-e-medievalismo-muito-alem-da-fantasia/#comments Mon, 25 Sep 2017 22:16:34 +0000 http://finisgeekis.com/?p=18329 Hoje trago a vocês um artigo um pouco diferente.

Apesar de ser cosplayer e medievalista (do tipo que faz pesquisa acadêmica, não batalha campal), não tenho grandes fetiches pela Idade Média (como leitores do blog estão cansados de saber, é o Japão dos anos 1930 que me ocupa esse espaço).

Mesmo assim, é difícil seguir na profissão sem topar com aqueles que vestem (literalmente) o tabardo de outras épocas.

Qual foi minha surpresa, assim, ao descobrir um livro que unia partes tão diferentes da minha vida. Cosplay, Steampunk e Medievalismolançado mês passado, é um livro que responde a todas as suas dúvidas sobre esses hobbies de performance – mesmos as que você não sabia que tinha.

capa cosplay steampunk medievalismo.jpg

O livro é um fruto do MnemonGrupo de Pesquisa em Memória, Comunicação e Consumo, liderado pela professora Mônica Nunes da ESPM.

O assunto está longe de lhes ser estranho. O grupo publicou outro livro especificamente sobre cosplay anos atrás, além de uma produção expressiva em periódicos acadêmicos.

Cada capítulo foi escrito por um autor diferente – que tentei, no melhor da minha habilidade, identificar nos meus comentários. Os papers são independentes e podem ser lidos em qualquer ordem, à conveniência do leitor.

Se você é um cosplayer, steamer ou revivalista e está interessado no livro pelo assunto, esteja avisado. Este é uma obra científica, direcionada a um público acadêmico. Para os não aclimatados no estilo, seus jargões e formalidade podem assustar.

Mesmo assim, a mera quantidade de depoimentos e curiosidades que o estudo traz já o torna uma leitura divertida e edificante.

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Asylum Steampunk Festival em Lincoln, onde pesquisadores do Mnemon fizeram trabalho de campo. Fonte

O livro é resultado de um trabalho de campo realizado em convenções de várias partes do Brasil e também na Inglaterra.

Para isto, utilizaram o método conhecido como flânerie. A técnica consiste em “passear” pelas convenções com aparente casualidade, de maneira a extrair testemunhos mais espontâneos dos participantes.

Não é a primeira coisa que nos vem à cabeça quando pensamos em pesquisa acadêmica. Entretanto, ao ler os inúmeros depoimentos compilados no livro, é impossível duvidar de seu mérito.

Cosplay, Steampunk e Medievalismo é uma janela ao coração dos hobbies de performance. Mesmo eu, cosplayer há nove anos e LARPer na adolescência, me flagrei descobrindo um universo novo.

Está certo o ditado: quem só conhece sua aldeia não conhece a sua aldeia.

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Lançamento de Cosplay, Steampunk e Medievalismo na Geek.etc.br

Cosplayers desconfiam de quem os olha “de fora”, e com razão. Como Pri Suicun disse na entrevista que deu a mim, quando cosplayers aparecem na mídia, quase sempre são retratados como doentes mentais.

Não é o caso desse livro. Pelo contrário, seu grande mérito é demonstrar que esses hobbies são expressões de desejos que, de uma forma, ou de outra, ardem em cada um de nós: viver sob princípios, encontrar uma comunidade, construir sua própria história.

Estamos todos confinados a uma época que não escolhemos, presos à certeza de que, um dia, tudo acabará. Diante do fim, procuramos um escape. Alguns, na longevidade de um livro. Outros, na efemeridade de uma foto.

Na vida, e não só no palco, todos nós usamos máscaras.

Steampunk: o futuro que nunca chegou

De um ponto de vista histórico, seus capítulos sobre o steampunk e o revivalismo são os mais interessantes.

O livro não é uma propriamente uma história sobre o retrofuturismo. Mesmo assim, traz um prato cheio para quem sempre quis saber mais sobre chaminés fumacentas e goggles acobreados.

Como Dora Carvalho nos conta, embora a estética se baseie em clássicos como Júlio Verne, H.G. Wells e Mary Shelley, sua origem é muito mais recente. O termo surgiu nos anos 1980, em uma tentativa de transportar o cyberpunk à era do gim e do vapor.

O que se buscou foi justamente o underground, o distópico. Nas palavras de Raul Cândido de Souza, co-fundador do Conselho Steampunk de São Paulo entrevistado no livro, um “vapor marginal.”

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Cosplay, Steampunk e Medievalismo acompanha o fenômeno não apenas nas convenções, mas também nas subculturas que as cercam.

Assim, Wagner Silva se debruçou sobre o colecionismo na cena Steampunk. Lilia Horta, por sua vez, escreve sobre as referências steampunk e medievalistas nos filmes de Miyazaki.

É uma pena que nenhum dos autores tenho abordado a influência do steampunk na cultura pop japonesa como um todo. Embora, dada a complexidade do assunto, não é possível culpá-los por conta disso.

Steampunk, afinal, tem uma longuíssima tradição nos animes, de clássicos como Nadia  a novidades como Kabaneri Princess Principal.  Isto sem falar nos JRPGs, em que tornou espécie de segunda pele.

midgar FFVII

A cidade de Midgar no game Final Fantasy VII

Para além das influências ocidentais, tenho a impressão que essas obras trazem inquietações bem particulares.  Não exatamente de sua bagagem como país asiático, mas do país que foi na virada do século – e que a bomba atômica condenou ao passado.

Como disse Mahiro Maeda, produtor de Last Exile:

Nós tínhamos essa imagem da Alemanha no início do século XX. Nós pensamos que a Alemanha do entreguerras tinha características muito interessantes. As pessoas pensam em algo sombrio e negativo por causa da ascensão do nazismo. Mas tantas coisas apareceram naquela época, como o crescimento rápido das cidades e riqueza. Tecnologia industrial, química, descobertas científicas (…) Eu acho que tudo o que a Alemanha produziu naquele tempo foi extremo e único.

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Last Exile

É uma visão que também encontra eco no Japão: um país fechado e agrícola que se converteu, quase da noite para o dia, em uma potência industrial, com direito a luz elétrica, ferrovias e encouraçados.

No país que se tornou o primeiro Estado asiático a derrotar um império Ocidental. E herdar, com igual crueldade, seus ideais colonialistas.

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Kotetsu, primeiro encouraçado da Marinha Imperial Japonesa. Originalmente batizado de CSS Stonewall, construído na França para a Confederação durante a Guerra Civil Americana. Mais steampunk, impossível.

Trata-se de um dilema que o próprio Miyazaki abordou em outro de seus longas, Vidas ao Vento. E que, como o filme bem lembra, teve consequências funestas.

Medievalismo: entre a justiça e a violência

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Batalha campal do Duché de Bicolline

A seção sobre medievalismo é igualmente instigante – embora, talvez por influência dos estudiosos em steampunk, tenha dado uma importância desmedida ao país da rainha Vitória.

Luis Martino diz que “não seria de todo errado registrar a data e o local de nascimento do medievalismo na Inglaterra do século XIX”. Na verdade, ele pode ser encontrado desde muito antes – e em muitos outros lugares.

Ele está presente, por exemplo, no romantismo alemão do século XVIII e na Alemanha unificada de Bismarck, que legou não só a história medieval, mas a própria noção de “história” como a conhecemos.

Ele pode ser visto nas fábulas ossiânicas do escocês James MacPherson, inspiradas no herói medieval Óisín. No hábito dos reis da França de batizarem seus filhos como Louis, em homenagem a Clóvis, primeiro rei cristão da Gália Merovíngia. E no uso da Joyeuse, espada de Carlos Magno, nas suas cerimônias de coroação.

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Joyeuse em exibição no Museu do Louvre em Paris. A espada foi reformada várias vezes ao longo dos séculos – o que a torna, também, uma recriação medievalista.

Isto sem contar nos “medievalismos” da própria Idade Média. Por exemplo, na Ordem do Garter, irmandade cavalheiresca fundada em 1348 e inspirada nos cavaleiros do Rei Arthur. Ou nas távolas redondas, “feiras medievais” em que membros da corte se fantasiavam de personagens da lenda arturiana.

O revivalismo existe desde que o passado era “presente”.

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Luis está certo, no entanto, ao lembrar que algo muito importante aconteceu na Inglaterra da rainha Vitória.  Diante de poluição, mudanças econômicas e máquinas que não entendiam, muitos oitocentistas preferiram sonhar com um mundo anterior.

Essa “revolta” teve uma expressão no Pré-rafaelismo, movimento que pregava um retorno à Idade Média – estético, mas também moral. Uma tentativa, como explica Cynthia Luderer, de resgatar algo de espiritual a um mundo cada vez mais desencantado.

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É um retorno com que sonham também os entrevistados pelo livro. Para eles, as mulheres do passado eram “mais femininas”; os homens, “mais cavalheiros”; a vida, mais “justa”.

Em algum lugar do presente, algo importante escapou pelas frestas. Com tabardos e crinolinas, boffers e xícaras de chá, eles estão dispostos a recuperá-lo.

Como diz um dos “guerreiros” citados no capítulo de Sami Neppo:

“para o grupo o lema: In Gladius Victoria Est significa: lute com honra, seja honesto, acuse os golpes, aceite perder, entenda seu erro, treine bastante e não trapaceie. E é isso que faço para a vida.

Isso não significa que medievalistas desejam voltar literalmente ao passado. O objetivo, no final das contas, é resgatar as coisas “boas” que se perderam – e abandonar as “ruins” que não cabem no presente.

Obviamente, distinguir umas das outras é mais difícil do que parece. Ao longo da história do revivalismo,  coisas ditas “ruins” já incluíram a ciência, as liberdades individuais e a própria ideia de progresso.

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Cartaz nazista retratando Hitler como um cavaleiro

É o ponto em que toca Davi de Sá, ao comentar sobre o papel da violência nas leituras sobre a Idade Média. Quando pensamos em medievalistas, quase sempre falamos de aspirantes a guerreiros que se batem com armas de espuma.

É como se mil anos de história tivessem sido caracterizados por um grande morticínio, à exclusão de todas as coisas. E devêssemos, por algum motivo arcano, ver nisso uma espécie de virtude.

Até que ponto é positivo remediar um passado feito só de guerras, razias e combates? Em especial quando estas lutas serviram a propósitos eticamente questionáveis, como as cruzadas?

Infelizmente, essa visão continua muito comum, a despeito dos esforços de historiadores de acabar com o mito da “Idade das Trevas”. É uma imagem, porém, que diz muito mais respeito à nossa mentalidade que a um passado medieval.

Como defendem alguns autores, a projeção dos males do mundo ao “passado” é uma forma de aliviarmos nossas neuras sobre o presente. É muito mais fácil lidar com erros herdados da Idade Média do que admitir que foi a própria modernidade que criou os seus demônios.

Felizmente, nem tudo está perdido. Embora não seja o foco dos grupos estudados pelo Mnemon (apesar disto aparecer em alguns capítulos), o medievalismo também é forte em grupos dedicados à música, gastronomia e outros aspectos da cultura.

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Revivalista tocando hurdy gurdy no IMC Leeds, um dos maiores congressos de história medieval do mundo

Conclusão: o que tirar disso tudo?

Existe algo em comum entre cosplayers, steamers e medievalistas? A cada página que lia dos pesquisadores do Mnemon, minhas certezas diminuíam.

Como conciliar escapistas que só querem se divertir de steamers politicamente engajados? Revivalistas que idolatram o passado daqueles que não trocariam o presente por nada? Medievalistas que se chamam de cosplayers daqueles que se prezam como uma tribo a parte?

Como conciliar os desejos e testemunhos, às vezes conflitantes, dos próprios fãs? Como explicar um movimento que pregue o retorno aos “valores do passado”, mas que atribui a esse passado valores contemporâneos, como a “tolerância” e o “respeito às diferenças”?

Como todo grande trabalho científico, Cosplay, Steampunk Medievalismo traz mais perguntas que respostas. E é mérito de seus pesquisadores terem tido a humildade para reconhecê-lo.

Como diz Óscar Ruiz no prefácio à coletânea:

Nessa ocasião foram as dinâmicas cosplay de jovens paulistas que se me apresentaram como um conjunto de máscaras que (eu) deveria decodificar como antropólogo e sobre as quais emitir um juízo a respeito do que de fato significavam. Vã ilusão, a antropológica e a minha, de acreditar que podemos dizer algo sobre “o fundo” das coisas, que corresponde à vida cultural de grupos e de pessoas.

Ilusão porque em primeiro lugar nosso próprio etnocentrismo nos obriga a pensar que as coisas, a cotidianidade cosplay, por exemplo, têm algo mais ou significam algo mais do que a própria encenação de imagens que reelaboram a vida social (das pessoas e das coisas). E ilusão também porque seguimos suspeitando que a identidade é algo que está “no fundo” e, portanto, é tarefa disciplinar visibilizá-la, como se fosse uma operação neutra, e não mediada por saberes, poderes e tecnologias próprias.

Ciências sociais, por lidarem com seres humanos, estão sempre à mercê da imprevisibilidade. E jovens, bem diz uma das autores citadas pelo livro, são difíceis de se etiquetar.

Até que ponto tudo isso converge para um denominador comum? E se não converge, como podemos fazer sentido dessa diferença – se nada mais, para entender para onde estamos indo como sociedade?

São questões que darão pano para manga a futuros trabalhos. E que eu, sem dúvida, terei o maior prazer de acompanhar.

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