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Joker Game – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 17:39:42 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 Joker Game – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Os animes são uma mídia para adultos? (Parte 1) http://www.finisgeekis.com/2016/07/06/os-animes-sao-uma-midia-para-adultos-parte-1/ http://www.finisgeekis.com/2016/07/06/os-animes-sao-uma-midia-para-adultos-parte-1/#comments Wed, 06 Jul 2016 19:29:55 +0000 http://finisgeekis.com/?p=7891 Para nós, otakus ocidentais, a pergunta parece absurda. Não é raro encontrar comentários de que a animação japonesa é o território para “mentes maduras”, uma luz no fim do túnel em meio à infantilidade grudenta de Hollywood.

De fato, do nosso lado do Pacífico os animes não apenas conquistaram um público devoto entre os maiores de idade. Eles se consagraram como a animação “para adultos” por excelência.

Por incrível que pareça, nem todos concordam com isso. E não falo de desafetos da animação japonesa, mas de alguns de seus maiores fãs e divulgadores.

Justin Sevakis, do Anime News Network, é um dos que têm atacado o senso-comum. Segundo ele, mesmo no Japão a animação é encarada como um passatempo infanto-juvenil – ou, na melhor das hipóteses, como um entretenimento “para toda a família”.

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Com a exceção dos filmes do Studio Ghibli e das grandes franquias para o público jovem, animes são um entretenimento de nicho. Emissoras de TV só aceitam transmiti-los porque são pagas pelos produtores.

Para Sevakis, não haveria, no Japão inteiro, mais do que algumas centenas de milhares de otakus. Para o japonês comum, “anime” é sinônimo de infantilidade. Ou, o que é ainda pior, de adultos que se recusam a crescer, hikikomoris e pervertidos fascinados por dakimakuras e jogos eroges.

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E que habitam quartos como esse

Há razões para crer que Sevakis possa estar exagerando. Uma pesquisa online feita pela agência DoHouse em 2010 concluiu que cerca de metade dos japoneses assiste a animes na TV.

Se números por si só não forem reveladores, a oferta de animes na última temporada com certeza é. Embora a maior parte dos lançamentos corresponda a gêneros com grande apelo entre o público juvenil, algumas séries distoam – e muito – da imagem da mídia como um “hobby de crianças”.

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Showa Genroku Rakugo Shinju, que ganhará em breve uma segunda temporada, nos trouxe um drama lento e pés-no-chão sobre uma das artes mais tradicionais do Japão. Já Joker Game pisou em todos os calos e arriscou abordar um dos períodos mais polêmicos da história japonesa.

Seriam esses animes prova de uma mudança de demografia? Ou, pelo menos, de que há um nicho de otakus adultos, interessados em algo mais além de battle shounens e slice of lifes escolares? Ou estaria o Justin Sevakis certo, e não seria isso tudo apenas nossa impressão?

Essa não é uma pergunta simples. Felizmente, não preciso encará-la sozinho. Fábio Godoy do Anime21, Diego Gonçalves do É Só um Desenho e Vitor Seta do Otaku Pós-Moderno  se juntaram a mim para tentar respondê-la.

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Diego: Antes de mais nada, eu acho… não exatamente “pertinente”, mas interessante apontar que no último Festival de Annecy, Guillermo del Toro fez um comentário sobre como ele acha que a animação é uma arte adulta.

Acho que no mundo inteiro temos essa noção de que “desenhos são para crianças”, e com a quantia brutalmente maior de obras em animação saindo para esse público do que para qualquer outro, acho que é difícil não haver, nas pessoas, pelo menos uma noção de que a maioria das animações é mesmo para crianças.

Isso dito, eu acho que não podemos tratar os animes da mesma forma que tratamos, digamos, os desenhos americanos. Porque a animação japonesa é quase que uma mídia própria, por assim dizer. E dentro dessa mídia você vai, sim, ter os animes mais voltados para crianças e adolescentes, como Naruto, Dragon Ball, One Piece, Death Note e por ai vai.

Mas ao mesmo tempo você tem obras que eu duvido que fossem entreter alguém muito jovem. E eu nem me refiro a coisas como Showa ou Joker Game, embora possa incluir, mas penso em coisas como Kino no Tabi, Mushishi, ou mesmo animes que são ridiculamente complexos e intrincados, como Ghost In The Shell Stand Alone Complex, ou Mawaru Penguindrum, são obras que se você der pra uma criança ver, mesmo pra um adolescente (digamos, até uns 15, 16 anos), a criança não vai entender nada.

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Na minha opinião, anime não “é” de faixa etária alguma, temos obras para todas as idades, desde criancinhas na pré escola (Hamtaro), passando por adolescentes (Naruto, Dragon Ball), jovens adultos (digamos, Joker Game), até mesmo adultos para lá dos 30 anos (Master Keaton, por exemplo).

Isso dito, eu vou encerrar com uma pequena provocação, que é a seguinte: que fosse, então, algo de criança, haveria ai algum problema? Por que temos essa noção que o que é “para crianças” é, de alguma forma, inferior aos demais? Ser “para adultos” é algum tipo de “atestado de qualidade” ou de respeito?

Fábio: O próprio Vinicius, ao abrir essa conversa, e o Diego depois, trouxeram vários dados, entre estatísticos e factuais, que mostram sem muito espaço para dúvidas que pelo menos parte da produção de animes, inclusive da produção mainstream (ou seja, o anime para TV, ou se preferirem, os “animes de temporada”), tem como público alvo pessoas adultas.

Se elas são apenas hikikomoris e outros rejeitos sociais contados em centenas de milhares (um número pequeno para o tamanho da população japonesa) eu não vou debater por enquanto, mas ainda assim que se note: hikikomoris e qualquer um que por qualquer razão desvie do padrão da sociedade, vivendo ora dentro dela em posição desconfortável, ora como um pária à sua margem, continuam sendo adultos.

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Antes de qualificarmos os adultos que assistem anime precisamos primeiro chegar a um acordo sobre eles existirem ou não. E eles existem. E existem animes de conteúdo adulto que portanto só podem ser produzidos para eles. O que veio primeiro: adultos consumindo anime ou animes produzidos para consumo adulto?

Essa questão é relevante mas não tratarei dela nessa introdução. Se e quando a discussão chegar nesse ponto vamos argumentar e pesquisar sobre isso.

Sendo isso apenas uma introdução, introduzir-me-ei: como muitos brasileiros, meu primeiro anime foi Cavaleiros do Zodíaco. Eu ainda não sabia o que era anime e portanto não sabia que Cavaleiros era isso. Juro, eu não tinha consciência de que aquilo vinha do Japão.

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Claro, devo ter notado isso em alguns momentos, como quando parava para pensar nos nomes deles ou no fato da base de operações dos heróis ser no Japão, mas não é como se nosso país tivesse uma tradição em animações mesmo e eu cresci assistindo-as de toda parte do mundo. Bom, basicamente dos EUA com Hanna Barbera, Looney Tunes, Ducktales, Tom & Jerry e Pica-Pau, principalmente, mas como também sempre fui fã da TV Cultura assistia com alguma frequência desenhos de origem europeia.

Bom, a maioria era chato, pensando bem, mas o ponto não é esse: animação, “desenho”, era algo necessariamente estrangeiro, poderia vir de qualquer lugar do mundo, então mesmo quando eu percebia a, er, “japonicidade” de Cavaleiros do Zodíaco, isso simplesmente não me dizia nada.

Eu já era adolescente quando assisti Cavaleiros do Zodíaco. Só fui ter consciência da indústria de animação japonesa como algo especial anos depois, assistindo anime em VHS pirata de famosa loja de animes piratas que já sustentou sozinha eventos de anime no bairro da Liberdade por alguns anos.

Saber Marionette J e Love Hina, foram esses os primeiros animes que assisti. Em japonês com legendas em português, com plena consciência de que eram animes (“e não desenhos”, o que levei uns anos para desaprender) e de que isso fazia deles algo especial, diferente das animações com as quais eu estava acostumado até então.

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E eram bem diferentes mesmo! Diferentes inclusive do tal Cavaleiros do Zodíaco. Não são obras adultas não importa como se olhe para elas, mas eu já era um adulto quando assisti, e assisti junto com outros adultos, e ainda que fossem produtos adolescentes (não infantis, e mesmo isso já os diferenciava de tudo o que eu havia conhecido até então – inclusive Cavaleiros) eventualmente tocavam em temas mais sérios (não complexos, apenas mais sérios mesmo), coisas com as quais eu podia me identificar ou me emocionar sinceramente.

Acho que até hoje eu vou chorar assistindo os episódios finais de Saber Marionette J – mesmo hoje em dia não é qualquer anime que acerta o timing emotivo como aquele, quem assistiu sabe do que estou falando e quem não assistiu, por favor acredite nas minhas palavras.

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Depois disso, conheci muito mais animes. Na verdade, conheci só mais alguns e estagnei por anos apenas lendo mangás, mas as duas indústrias são contíguas, então nunca estive muito afastado.

Quando retornei aos animes, os conheci aos montes. Animes novos, antigos. Filmes animados, animes para TV, especiais direto para o vídeo. Os mais diferentes tipos de traço, narrativa, gênero. E para diversos públicos-alvos distintos. Animes para crianças. Animes para adultos. Eles com certeza existem. Mesmo se não existissem acredito que eu continuaria assistindo animes – eu sou um pouco pária social, como as centenas de milhares de japoneses que o Sevakis apontou, hehe.

Mas não acredito que seria só eu, nem acredito que apenas párias como eu assistiriam. E é porque todos nós, párias ou não, assistem animes, e os produtores japoneses sabem disso, em um país com uma população cada vez mais velha, que animes para adultos são produzidos.

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Eu sou adulto e assisto animes. Mais do que isso: eu só comecei a assistir animes porque animes depois de adulto. E embora nem japonês seja, embora não exista um só engravatado japonês pensando especificamente em mim (meia-verdade: supostamente a recente onda de mais produtos da franquia Cavaleiros do Zodíaco tem sim muito a ver com os fãs ocidentais), eu sei que, em que pese a diferença de valores entre japoneses e ocidentais, muita coisa do que eu assisto definitivamente só pode estar sendo produzida tendo o espectador adulto como paradigma necessário.

Vitor: Na minha visão, a noção do público-alvo como indicador de audiência recomendada é algo extremamente duvidoso em uma obra de animação.

E isso não se restringe às animações japonesas. Em 2004, o estúdio Pixar abordava temas como vigilantismo, desestruturação familiar e frustração pessoal e profissional em um dos seus maiores sucessos, Os Incríveis.

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Aqui vai uma sinopse básica desse filme: uma família de (ex)super-heróis tem que resolver suas diferenças para enfrentar um novo vilão. Perfeito para levar as crianças para o cinema, certo?

Pois é, animações infantis não são idealizadas por mentes infantis. No Oriente, quem faz esse papel, até há mais tempo e com mais intensidade, nos cinemas, é o Studio Ghibli, com filmes carregados de críticas sociais, simbolismos e levantamento de bandeiras, que mesmo assim funcionam com o público infantil.

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Essa pequena divagação me leva ao ponto principal: em animações, público-alvo é uma noção puramente comercial, uma orientação mercadológica de quem investe nesses produtos.

Poderíamos mergulhar numa discussão ainda mais ampla que remete à origem da animação e a práticas culturais nas sociedades orientais e ocidentais, o que nos ajudaria a entender por que o publico infantil é, na esmagadora maioria das vezes e nos dois polos do globo, o associado às animações.

Entretanto, meu ponto aqui, por enquanto, é separar o comercial do artístico. É plenamente possível abordar temáticas adultas em obras direcionadas para o publico infantil, ainda que essas temáticas estejam “mastigadas” para uma mais fácil compreensão e absorção do seu publico-alvo, assim como deixar as mensagens lá, de forma que só a mamãe ou o papai que levaram os filhos para assistir Princesa Mononoke ou Os Incríveis, captarão.

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O que tudo isso tem a ver com o mercado de animes?É o fato dessas temáticas sempre estarem lá, há anos e aos montes, estigmatizadas pela tal noção comercial de público-alvo. O que acarreta em um bizarro sentimento de “perda” de maturidade ao consumir esse tipo de material, especialmente em uma sociedade estrita na questão da relevância social, como a japonesa.A pesquisa da DoHouse e o sucesso recente de obras com essa temática, citadas no começo da discussão, só reforçam isso. Há públicos dispostos a consumir essas obras, dentro e fora do nicho, mas como quebrar a barreira de uma mídia negativamente marcada?

 

Confiram semana que vem a segunda parte dessa discussão

 

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‘Joker Game’: lutando a guerra perdida no Japão dos anos 1930 http://www.finisgeekis.com/2016/04/11/joker-game-lutando-a-guerra-perdida-no-japao-dos-anos-1930/ http://www.finisgeekis.com/2016/04/11/joker-game-lutando-a-guerra-perdida-no-japao-dos-anos-1930/#comments Mon, 11 Apr 2016 20:03:30 +0000 http://finisgeekis.com/?p=3993 Em 1937, os japoneses montaram uma assalto contra Shanghai, na China. Sem explosivos, três soldados encheram um bambu com pólvora, acenderam um pavio e o jogaram próximo ao acampamento inimigo.

Infelizmente, eles calcularam mal o raio de detonação, e a “bomba” acabou explodindo antes que pudessem voltar para as trincheiras. A propaganda do Estado, entretanto, vendeu o episódio como um ataque suicida de três valentes defensores da pátria. Os pobres soldados foram batizados de “As Três Balas Humanas”.

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Em 1945, soldados japoneses em Zungen, na Nova Guiné, receberam a ordem para se suicidarem em uma carga banzai. Para a surpresa de todos, um oficial se recusou a obedecê-la. Ele mandou seus homens se refugiarem na selva e continuou lutando por meio de táticas de guerrilha.

Ao saber disso, o comando japonês ficou possesso. A notícia de que a tropa se sacrificara pela pátria já tinha sido transmitida. Desmenti-la seria um vexame. Para a Marinha Imperial Japonesa, preservar combatentes (em uma guerra em que já estavam em desvantagem numérica) era menos importante do que morrer com honra.

Quem conta a história é o mangaká Shigeru Mizuki, ex-fuzileiro naval e sobrevivente da Pacificação de Rabaul. Esses e outros episódios que descreveu em seus quadrinhos são exemplos da doutrina de sacrifício do Império do Japão, o princípio de que a vida dos cidadãos pertencia ao imperador e que deveria ser entregue sem pestanejar.

É a filosofia por trás dos ataques kamikaze, dos gyoukusai e dos suicídios em massa de civis. Nas palavras da propaganda oficial, a ideia de que o Japão, se caísse, cairia como um todo: cem milhões de pessoas morrem juntas.

Por motivos óbvios, esse não é um assunto que se vê todo dia, sobretudo na esfera otaku. Porém, o quadro pode estar para mudar. Joker Game, destaque na nova temporada de animes, é uma série que mergulha de cabeça nesse passado que muitos gostariam de esquecer.

Jogos dentro de jogos

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Adaptada de um romance de sucesso (o qual até já rendeu um longa metragem), Joker Game é um drama de espiões digno de John le Carré. Nele, acompanhamos a Agência D, um esquadrão de inteligência fictício do Exército Imperial Japonês em 1937.

Se a data não dá calafrios, deveria. É o começo da Segunda Guerra Sino-Japonesa, conflito que eventualmente empurraria o Japão à Segunda Guerra Mundial e que foi pretexto para alguns dos piores crimes contra a humanidade já cometidos.

O primeiro episódio acompanha o tenente Sakuma, um militar típico, que encarna a mentalidade esperada do Exército Imperial. Ele acredita que ordens devem ser obedecidas a todo custo, que a luta deve ser feita às claras, que o inimigo deve ser exterminado e que o suicídio é preferível à derrota.

Sakuma é escolhido como representante militar de uma unidade de espionagem composta apenas por civis. Não demora muito para que entenda porque nenhum dos seus colegas de quartel deu as caras. Na Agência D, bravura, disciplina e perícia com armas são secundários. A doutrina de sacrifício do Exército Imperial é motivo de chacota. Nesse mundo estranho, Sakuma logo percebe que é um peixe fora d’água.

Para a Agência D, o importante é a sutileza. Fluência em línguas estrangeiras, conhecimento de venenos, técnicas de sedução. Bons espiões não matam ninguém (nem a si mesmos). Eles cumprem suas missões e desaparecem sem disparar um tiro.

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A diferença fica clara em seu passatempo favorito: uma partida de pôquer em que todos trapaceiam. Para além do jogo “oficial” de cartas, fichas e blefes, há um metagame de sussurros, espiadas e “parceiros” de fora.

É assim, eles explicam, que o mundo real funciona. Quem o entende, sobrevive. Quem insiste em julgar o mundo pelas aparências, joga o joker game.

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Fora do universo de faz-de-conta do Exército Imperial, a mentira e a verdade andam de mãos dadas. Cumprimentos e acordos diplomáticos traem planos maquiavélicos. O maior aliado pode, quando as balas começarem a voar, se mostrar o pior dos inimigos.

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Se Sakuma conseguirá se adaptar – ou se não será, ele mesmo, feito de coringa – é o que descobriremos ao longo da temporada. Uma coisa é certa: A versão fascista do bushidô que Hirohito impunha ao seu regime (e que Sakuma compra sem pestanejar) podia funcionar em casa, mas não no mundo traiçoeiro da política internacional.

O exemplo que os espiões da Agência D citam é o Tratado Naval de Washington de 1922. Vitorioso na Primeira Guerra Mundial, o Japão foi convidado para discutir um acordo anti-armamentista para evitar tragédias futuras.

Infelizmente para o Japão, as potências ocidentais usaram a ocasião para colocá-lo em desvantagem, proibindo-o de ter uma força militar do mesmo tamanho da americana e da britânica. O governo japonês viu isso como um insulto e um sinal de que não deveria mais jogar limpo. O resultado foi uma corrida armamentista “às escondidas”, a exemplo do que Hitler faria na Alemanha.

As entranhas da guerra

É difícil saber quão fundo Joker Game pretende enveredar no submundo da Guerra do Pacífico. Embora não sejam lá tão conhecidos (sinal de que fizeram bem o seu trabalho), espiões japoneses se envolveram em operação realmente inacreditáveis, incluindo parcerias com a Yakuza, infiltrações em seitas budistas e mesmo atividades em solo brasileiro.

O seu braço mais notório talvez sido a kokuryuukai, ou Sociedade do Dragão Negro, uma mistura de máfia, sociedade secreta e corpo de inteligência que inspirou até vilões no universo DC.

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O Japão como um dragão negro no filme de propaganda Prelúdio de uma Guerra (1942)

De fato, essa underbelly da Segunda Guerra é um assunto tão delicado que levou ao menos um crítico a se recusar a avaliar Joker Game. O anime não é a primeira obra a levantar essa polêmica. O excelente Zero Eterno, publicado no Brasil pela JBC, também foi atacado pela maneira como glorificou os “velhos guerreiros” de Hirohito.

Fábio Godoy, do Anime 21, também mostrou receio pelo retrato aparentemente benigno do Exército Imperial na série. Já Rebecca Silvermann, do Anime News Network, chegou a citar seus familiares que lutaram na guerra como motivo para seu desconforto.

Como alguém que também teve familiares no conflito, só que do lado do Eixo, confesso que tenho mais curiosidade em ouvir a versão desses vilões de outrora. E aqui, parece-me que os espectadores podem ficar tranquilos. Joker Game não parece ser uma exaltação da bravura suicida dos “heróis” do imperador.

Pelo contrário, ele parece mostrar o descompasso de um país que confraternizava com inimigos em Washington ao mesmo tempo em que mandava mulheres e crianças para a morte armados com lanças de bambu.

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Lutando a Guerra Perdida

O tenente Sakuma não foi o único a notar que a mão direita do Império não parecia saber o que a esquerda estava fazendo. Desde o ataque a Pearl Harbor (em alguns casos, até antes), muitos japoneses já tinham a impressão de que jogavam o joker game.

Para quem se interessa pelo assunto, não há livro melhor do que Japan at War: An Oral History, uma coleção de entrevistas com sobreviventes japoneses do conflito mundial.

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Quem não conhece o livro de nome deve conhecê-lo de reputação. Um de seus testemunhos, o da mulher de um padeiro que viu o kempeitai assassinar um cachorro por “atrapalhar as comunicações”, virou inspiração para o filme Cartas de Iwo Jima de Clint Eastwood.

Lendo as entrevistas, podemos ver claramente quem entendia o que realmente estava acontecendo e quem pagou pela própria ingenuidade.

Alguns, mais patriotas, achavam que o Japão perdera por pouco. Um dos entrevistados, um ex-soldado, chegou a dizer que o país teria vencido a guerra se não tivesse se acovardado após as bombas nucleares.

Já outros sabiam que a declaração de guerra tinha sido o começo do fim. Um deles, operário de fábrica, disse que adivinhara desde o princípio que o Japão perderia, pois todos os desenhos industriais que usavam eram importados. Se rompessem relações com o Ocidente, de onde arranjariam maquinário?

Como quem joga Hearts of Iron sabe muito bem, guerra não é só uma questão de coragem e boa mira. É preciso ter indústrias, tecnologia, linhas de abastecimento, combustível, dinheiro. Nos anos 1940, o Japão tinha tão pouco de tudo isso que precisava derreter estátuas do Buda para reaproveitar metal e diluir saquê em álcool puro, pois não havia arroz para se comer.

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Mamoru Shigemitsu

Caso mais trágico foi o do diplomata Mamoru Shigemitsu. Contrário à guerra, ele fez de tudo para convencer os países do Ocidente de que sua nação buscava a paz. Foi feito de coringa: o Japão queria invadir a China a todo custo e só o usou de fachada para ganhar tempo.

Sua humilhação não parou por aí. Em 1943, quando a derrota já era certa, Tojo o nomeou como ministro para que “tomasse a bala” pelo país. Ele foi o escolhido para assinar a Ata de Rendição a bordo do USS Missouri em 1945 e ainda foi preso por crimes de guerra a pedido da União Soviética. Tal como o tenente Sakuma, ele não percebeu (ou não conseguiu evitar) o verdadeiro jogo nas entrelinhas.

Considerando que o Japão acaba de se remilitarizar, talvez fosse inevitável que uma novo olhar sobre a Segunda Guerra chegasse até os animes. Eu digo mais: nos próximos anos, dependendo de quanto barulho Kim Jong-un fizer, veremos muitos mais Zeros, metralhadoras Nambu e bandeiras imperiais em meio aos nossos heróis shonen e colegiais em uniformes de sailor.

Nesse sentido, Joker Game parece, à primeira vista, ser uma lufada de ar fresco em um tema bem espinhoso. Em vez de heróis trágicos ou “isentos” com a cabeça nas nuvens, temos um retrato daqueles que sabiam, nas palavras de Bismarck, como as leis e salsichas eram feitas.

Se a série não tiver medo de pisar nos calos, por si só já valerá a temporada.

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