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InXile – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 16:40:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 InXile – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Torment: Tides of Numenera”: o futuro dos RPGs é uma casa dividida http://www.finisgeekis.com/2017/03/20/torment-tides-of-numenera-o-futuro-dos-rpgs-e-uma-casa-dividida/ http://www.finisgeekis.com/2017/03/20/torment-tides-of-numenera-o-futuro-dos-rpgs-e-uma-casa-dividida/#comments Mon, 20 Mar 2017 21:41:57 +0000 http://finisgeekis.com/?p=15893  Certa vez, assistindo à intro de Majora’s Mask, minha noiva fez o seguinte comentário:

Os jogos no passado eram mais mágicos.”

“Por quê? ” eu perguntei.

“Porque deixavam mais a cargo da imaginação.”

Não dá para negar o argumento. Os Zeldas do N64 não fizeram sucesso apenas por serem jogos bons. É preciso de algo a mais para transformar polígonos ambulantes em personagens cativantes.

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Quase vinte anos depois, a situação parece ter mudado. Basta um titubeio pelo uncanny valley para que um jogo seja crucificado. Mass Effect: Andromeda foi o alvo mais recente, mas sem dúvida não será o último.

Assim, é curioso notar que o CRPG mais financiado da história do Kickstarter segue um caminho completamente diferente.

Não qualquer CRPG, mas o sucessor espiritual de um dos maiores games de todos os tempos: Planescape Torment.

Tides of Numenera

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Produzido pela InXile, desenvolvedora de Brian Fargo que ressuscitou a franquia Wasteland anos atrás, Torment: Tides of Numenera traz vários dos criadores de Planescape de volta para um novo épico.

O game da InXile se passa no cenário de Numenera, do qual já falei aqui antes. Trata-se de uma idade das trevas futurista, ambientada um bilhão de anos no futuro.

Oito “humanidades” já ascenderam e foram extirpadas por apocalipses planetários. No Nono Mundo, como a Terra passa a ser chamada, uma sociedade primitiva sobrevive em meio a destroços de civilizações passadas.

O cenário é uma realização ambulante da 3ª lei de Arthur C. Clarke: “qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”. De naves interdimensionais a monstros biomecânicos, nanorrobôs a seitas místicas, seu universo é tão exótico que borra as distinções entre “fantasia” e “ficção científica”.

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Nada mais justo para um sucessor espiritual de Planescape: Torment, baseado no celebrado cenário Planescape de D&D, que o próprio Monte Cook, criador de Numenera, ajudou a criar.

O enredo

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Fiel ao seu cenário, o game da InXile começa com um mistério. Em uma abertura digna de Haibane Renmei, nosso protagonista “nasce” enquanto despenca do céu. Ou, mais precisamente, quando se espatifa no chão e descobre, como o Nameless One de Planescape: Torment, que não é capaz de morrer.

Nossa personagem em Tides of Numenera é um Deus. Na verdade, um ex-Deus.  

Vaga pelo Nono Mundo uma figura críptica chamada de Changing God, um imortal com o poder de criar novos corpos e transferir sua consciência para eles. Os corpos rejeitados se tornam castoffs, indivíduos que compartilham seus poderes, mas não suas memórias.

Seus experimentos com a imortalidade atraíram a ira de uma força misteriosa conhecida como The Sorrow, uma contra-força da natureza àqueles que violam seu equilíbrio. Na sanha de evadi-la, o Changing God se vê em uma perseguição que durará séculos, mudando freneticamente de corpos atrás de uma forma capaz de destruí-la.

Em Tides of Numenera, nosso protagonista é o último dos castoffs. Descobrindo que a Sorrow persegue estes castoffs com a mesma energia com que caça o Changing God, ele parte em uma jornada atrás do indivíduo que outrora habitou seu corpo.

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Se a sinopse acima foi o bastante para dar um nó em sua cabeça, já podem imaginar o tipo de jogo que Tides of Numenera é. Tal como seu precedessor, Planescape: Torment,  game da InXile é um festival de criatividade, exotismo e uma das lores mais interessantes a dar as caras em um RPG.

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Planescape: Torment ficou célebre pelo seu roleplay “cabeça”, e Tides of Numenera faz jus ao seu legado. Esqueça o final tricolor de Mass Effect 3 ou a moral binária de Fable ou Star Wars: KotOR. O game da InXile traz um dos leques mais diversos de atuação que um CRPG pode oferecer.

O jogo é baseado no elegante sistema Cypher, o mesmo utilizado no RPG de mesa de Monte Cook. Três atributos (força, velocidade e intelecto) regem todas as interações, e pontos de “esforço” podem ser gastos para facilitar tarefas em que teríamos dificuldade.

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Cypher tem sido elogiado como uma das maiores surpresas do RPG de mesa, e Tides of Numenera mostra que sua reputação é merecida. Sua jogabilidade é minimalista e eficiente, um sopro de ar fresco em comparação aos clássicos isométricos da Infinity Engine que visa a simular.

O combate, por turnos, é taticamente superior ao contemporâneo Pillars of Eternity, embora não alcance o refinamento de Divinity: Original Sin ou mesmo Wasteland 2, título anterior da InXile.

Seu diferencial mais memorável, no entanto, é que eles não são sinônimos de derramamento de sangue. Batalhas em Torment: Tides of Numenera são chamadas de “crises”, e sempre podem ser resolvidas de diversas maneiras, das quais a luta é apenas uma.

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Ambiente, maquinário e uma série de gadgets podem ser aproveitados para resolver situações. NPCs (mesmo se hostis) estão quase sempre abertos ao diálogo, e uma lista formidável de skills nos dá uma gama de possibilidades para manipulá-los aos nossos interesses.

Em uma época em que CRPGs se confundem com FPSs e Hack n’ Slash, esse é um destaque que não pode ser subestimado. Sua ênfase em caminhos não-violentos faz de Tides of Numenera um jogo marcadamente lento, mas traz nuances de roleplay virtualmente inéditas desde o Torment original.

Muito disso é fruto de seu volume colossal de escrita. Tides of Numenera transborda de diálogos de uma maneira que mesmo o CRPG, gênero conhecido pela exigência de leitura, poucas vezes faz.

O jogo abusa do tell don’t show – tanto, em alguns momentos, que nos sentimos jogando não um RPG isométrico, mas uma visual novel.

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Se o texto não parece supérfluo, o mérito é da altíssima qualidade de sua escrita. E não digo isso com leviandade: o game é assinado por uma equipe de peso, incluindo Patrick Rothfuss, autor de A Crônica do Matador do Rei.

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O escritor Patrick Rothfuss

Seja como for, não há dúvidas de que Tides of Numenera não será um jogo para todos. Mesmo eu, que me gabo de valorizar uma boa história acima de tudo, senti falta dos arroubos de adrenalina que CRPGs contemporâneo me ensinaram a gostar.

De fato, ao viajar pelos mistérios do Nono Mundo, não pude deixar de me perguntar

Existe ainda espaço para um game como esse?

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Em 2011, quando Dragon Age II foi lançado, o escritor da Bioware David Gaider disse estar apreensivo com o futuro do gênero. Os videogames estavam ficando cada vez mais realistas e cinemáticos, exigindo cada vez menos da imaginação.

Em alguns aspectos, isso era tudo o que a indústria precisava. Dublagem e motion capture popularizaram o talento de atores reais. Gêneros expansivos como o mundo aberto se tornaram hegemônicos. Sob a deusa cadela do fotorrealismo, os games se tornaram mais populares do que nunca.

O problema, como fãs de RPG de mesa sabem muito bem, é que a imaginação é infinita. Não importa quão fotorrealista seja um game AAA, ou quão competentes sejam seus designers. Jogo algum pode competir com uma mente em polvorosa.

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É notável que o recente Mass Effect: Andromeda tenha sido criticado (entre outras coisas) por oferecer “mais do mesmo”. Sua saga se passa em outra galáxia centenas de anos no futuro, mas seu diálogo é contemporâneo; seus aliens, humanos e racionais. Tudo business as usual.

Não em Tides of Numenera. Ao viajar pelo Nono Mundo, me deparei com cristais vivos que se comunicam por memórias, artrópodes que se alimentam de eletricidade, uma nave espacial sapiente que viaja através das dimensões, uma cidade-viva lovecraftiana que serve de lar a milhares de pessoas.

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E tudo isso foi só o começo.

Jogos diferentes possuem apelos diferentes. Para alguns, ele está na excitação do combate. Para outros, na dificuldade, beleza gráfica; na sensação de construirmos uma personagem, um lar, uma cidade só nossa.

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Em Tides of Numenera, flagrei-me buscando curiosidades. Como uma criança ouvindo um adulto ler um livro infantil, embarcava no jogo ansioso pelas coisas inusitadas, chocantes ou maravilhosas, que ele iria me trazer.

Ele nunca desapontou. De NPCs secundários ao vendor trash, cada objeto carrega uma história instigante. É quase possível imaginar o entusiasmo de seus escritores, inserindo tanto detalhe em coisas tão pequenas.

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Um caminho para o futuro… ou um retorno ao passado?

Três anos se passaram desde o começo da chamada renascença do RPG isométrico. Parece bem claro, hoje, que o CRPG ocidental se tornou uma casa dividida.

A profecia de que videogames conseguiriam dar vida aos nossos sonhos não se cumpriu. De um lado, o universo AAA ofereceu um deslumbre visual e dramático sem igual, mas constrangido às fórmulas do MMORPG, da sandbox-Ubisoft e de outras modas do momento.

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Do outro lado, Tyranny e agora Tides of Numenera parecem fazer o novo RPG isométrico dar um passo atrás. Não porque sejam ruim, ou pior que seus antecessores, mas porque resgatam um universo de possibilidades que CRPGs ocidentais parecem ter abandonado.

Jogos densos, lentos e cerebrais, com baixa fidelidade gráfica, feitos para serem degustados aos poucos, não varados em noites de binge.

Qual caminho é mais promissor? Difícil responder. Por um lado, é trágico ver ícones dos novos tempos –  como Mass Effect – buscarem sua redenção na megalomania, celebridades do momento e pornô softcore.

Por outro, Tides of Numenera parece cumprir seus objetivos bem demais. Desenvolvimento e worldbuilding são importantes, mas mesmo no distante passado, quando dependíamos de dados e da imaginação do mestre para nos situar, um pouco de excitação era o tempero de nossas quests.

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O novo RPG isométrico não traz o espetáculo visual de Horizon Zero Dawn, o mundo aberto expansivo de Breath of the Wild, ou o hack n’ slash instigante de Nier: Automata. Ele é storytelling nu e cru; puro demais, talvez, para se sustentar na indústria em pleno 2017.

No entanto, há uma razão para o storytelling, simples e direto como é, ter sobrevivido firme e forte ao passar dos séculos. Mesmo com o advento do espetáculo e da euforia das novas mídias.

A mente, dizia John Milton, é o seu próprio lugar. E em si mesma faz um inferno do céu; um céu do inferno. Com ela, engine nenhuma é capaz de competir.

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