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destaque – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Thu, 28 Feb 2019 14:46:09 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 destaque – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 “Maquia”: o cinema Okada levado ao seu limite http://www.finisgeekis.com/2018/11/19/maquia-o-cinema-okada-levado-ao-seu-limite/ http://www.finisgeekis.com/2018/11/19/maquia-o-cinema-okada-levado-ao-seu-limite/#comments Mon, 19 Nov 2018 21:25:22 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20675 Alguns filmes nos dizem tudo o precisamos só de olhar suas fichas.

P.A. Works é um estúdio conhecido pelos seus visuais deslumbrantes. Kenji Kawai, por suas trilhas sonoras comoventes. Mari Okada, pelos roteiros mais chorosos do mundo dos animes. Ao combinar os três em um mesmo projeto, sabemos exatamente o que nos aguarda: um filme grande, farto, capaz de fazer o marmanjão mais sisudo se afogar em lágrimas.

A parceria tem nome e sobrenome: Sayonara no Asa ni Yokusoku no Hana wo Sazarou, ou Maquia: When the Promised Flower Blooms. Estreia de Okada como diretora, o longa oferece isso e muito mais.

O enredo

A história acompanha as desventuras de Maquia, membro de um povo conhecido como Iorph.  Sua raça tem a aparência de adolescentes loiros e vive de tecer mantas cujas tramas podem ser “lidas” como um escrito. Eles também são imortais.

Iorph vivem isolados, pois sua longevidade proíbe relações normais. “Você não deve amar ninguém” uma anciã diz a Maquia. “A partir do momento em que amar alguém você estará de fato sozinha”.

A solidão de Maquia, porém, está apenas começando. Interessado em gerar uma linhagem que, como os Iorph, viva para sempre, o líder do reino de Mezarte decide sequestrar uma noiva da tribo e forçá-la a se casar com seu herdeiro.

Maquia sobrevive ao ataque, mas se vê jogada de cabeça em um país dilacerado pela guerra. Suas andanças a levam ao encontro de um bebê cuja mãe foi assassinada por soldados. Contra seu melhor julgamento, a garota decide adotá-lo.

A história de uma mãe arrastando sua criança por um campo de batalha é uma das imagens clássicas da literatura de guerra. Bônus se a criança for adotiva: uma metáfora poderosa (e esperançosa) de que um povo dilacerado é capaz de se reatar. Não é à toa que Kono Sekai no Katasumi Ni , conto sobre a tragédia de Hiroshima, escolheu esta mesmíssima imagem para encerrar sua narrativa.

Maquia poderia se tornar outra versão desse mote, não fosse pela imortalidade de sua protagonista. Como Iorph, Maquia está condenada a viver para sempre nas peles de uma adolescente. Já seu filho, Ariel, está fadado a crescer, envelhecer – e, inevitavelmente, morrer nos seus braços.

Mommy issues

Mari Okada ganhou fama como a rainha indisputável do melodrama. Pela força bruta de seus temas,Maquia é o trabalho mais ambicioso, sensível e visceral que já veio de sua pena.

Que o abismo entre Maquia e Ariel seja uma tragédia não anunciada não reduz em nada o poder de sua execução. O desenvolvimento nos chega aos poucos, uma morte por mil pequenos cortes.

A imortalidade força Maquia a uma vida itinerante. Para não atrair suspeitas, mãe e filho circulam de cidade a cidade, tendo apenas a companhia um do outro.

Ariel, porém, deseja separar-se. É possível culpá-lo? Um adolescente não deveria ter de dividir a cama com uma garota da sua idade. Talvez ele deseje criar raízes, fazer amigos. Viver uma vida que tenha sentido. Senão isso, uma vida que ao menos que pertença a ele, defeitos e tudo.

Em uma cena, Ariel é forçado a beber além da conta por seus colegas de trabalho. Ele retorna a casa embriagado, vacilante de enjoo, medo e culpa. O reencontro com a mãe não termina bem. Ariel precisa de uma figura de autoridade. Um porto seguro. Eternamente em fuga, fisicamente presa na juventude, Maquia é incapaz de oferecer qualquer um dos dois.

Okada teve uma relação tempestuosa com sua própria mãe, e é tentador ver na protagonista um desabafo pessoal. Uma mãe infantilizada, despreparada para os desafios do mundo adulto, cujo filho, a despeito de seus esforços, a trata apenas como uma igual.

Quantos jovens pais mundo afora enfrentaram barras parecidas? São momentos de honestidade como esse que fazem Maquia brilhar.

Uma guerra vista de baixo

É difícil apontar o que corta mais fundo: seus conflitos familiares ou o terror sempre presente da guerra. Para Maquia, Okada pincela um mundo fantástico gigantesco, mas não parece interessada em colorir os detalhes. Seu cenário fantástico é um pano de fundo mais que um catalisador de seu enredo.

De fato, sua trama chega a ser confusa e inconstante, narrada em arcos fechados que parecem existir à revelia um do outro. Fãs de aventura fantástica talvez percam a paciência com esse descaso. Mas esse não é um filme para eles.

Muito da fantasia se perde em nomes próprios. Atenção demais é gasta identificando facções em guerra, enumerando baixas e descrevendo estratégias, quando os próprios conflitos do nosso tempo mostram que essas coisas pouco importam.

Maquia destila esses conflitos ao seu valor humano, em um retrato visto de baixo. Contado com uma sensibilidade honesta, dolorosamente feminina.

Considere Leilia, amiga de Maquia forçada a gerar um herdeiro para o príncipe. Leilia dá à luz uma garota. O palácio não está impressionado. Meninas não têm valor; apenas um filho homem pode levar o reino à frente.

O parto, contudo, leva a beleza do seu corpo. Em dada cena, nós a vemos atormentada, coberta de penduricalhos. Seu marido perdeu o interesse sexual por ela, e o palácio tenta várias simpatias para que consiga procriar. “Façam alguma coisa” grita o rei. “Pelo menos deem a ele outra mulher!”

Leilia foi sequestrada, estuprada e confinada em uma torre como chocadeira. Mas seu desespero vai além: ao ser rejeitada, ela perde até a capacidade de se resignar. Não basta privá-la da sua liberdade ou dignidade. A guerra precisou tirar qualquer sentido da sua vida.

Ou então considere Dita, que também dá à luz uma criança no curso do longa. As dores de seu parto são intercaladas a uma cena de batalha, de que seu marido participa. Os dois combatem pela própria vida, e não sabemos dizer qual das lutas é mais acirrada.

Na verdade, sabemos sim. É evidente que o choque de espadas e o trovejar de canhões é apenas um pano de fundo para o verdadeiro duelo.

Homens gostam de pensar que a história é escrita com o cano de uma arma. Okada nos lembra, como fizeram outras escritoras, que para cada guerreiro em marcha há uma mulher reunindo os cacos que a violência dispersou.

A tomada funciona graças à produção da P.A. Works, um trabalho prodigioso mesmo para os padrões do estúdio. De fato, Maquia é um filme grande, que está em seu elemento em tomadas ambiciosas, cenários detalhados e uma das melhores trilhas da carreira de Kenji Kawai.

Embora o filme nunca supere a beleza das tomadas de abertura, sua fotografia e ambientação nunca deixam a desejar. No país de Mezarte, vielas mediterrâneas dividem espaço com catedrais góticas, fornaças industriais e tavernas abarrotadas. Poucos são os animes que oferecem um retrato tão vibrante de uma cidade em movimento.

“100% Okada”

É uma pena, porém, que Maquia se deixe levar pela própria grandiloquência.

Como roteirista, Okada carrega nas tintas nos momentos mais inoportunos, cometendo exageros que beiram a manipulação. A cena de Maquia libertando Ariel de um cadáver em rigor mortis é a mais apelativa que já vi em qualquer um de seus animes. O funeral choroso de um cachorro chega a ser ridículo.

Melodramas são uma corda bamba, e Okada sempre deixou o excesso de lágrimas derrubá-la para um dos lados. Foi assim no final histérico de Ano Hana ou no último terço de Hisone to Masotan, incomparavelmente mais fraco que seu início.

Mesmo comparado a ele, no entanto, Maquia parece um retrocesso. Apesar de sua sensibilidade transbordante, Okada escreve (e dirige) como se nos guiasse pela mão, dizendo exatamente o que devemos sentir.

A coisa passa dos limites nas cenas finais, quando o clímax é intercalado com flashbacks de cenas chorosas de outros momentos do longa.  É um recurso batido, desnecessário e condescendente, que me leva a pensar se esse filme “100% Okada” não teria a ganhar com um diretor mais experiente.

Sem colegas para barrar seus excessos, Okada entrega um filme que parece uma obra de estreia: ambicioso e apaixonado, mas também patético, repetitivo e desconjuntado.

Dizem que escritores param de ser editados quando ficam famosos. Maquia é a prova de que isso nem sempre é bom. Artistas adoram reclamar de que sofrem interferência. A verdade, porém, é que boas obras devem tanto à tesoura quanto à caneta.

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4 lições de game design de “Cultist Simulator” http://www.finisgeekis.com/2018/11/06/4-licoes-de-game-design-de-cultist-simulator/ http://www.finisgeekis.com/2018/11/06/4-licoes-de-game-design-de-cultist-simulator/#respond Tue, 06 Nov 2018 18:39:20 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20639 Fallen London (né Echo Bazaar), criado pela Failbetter Games,  é o melhor game de browser que já joguei na vida. Com ecos de Neverwhere, o jogo nos leva a uma Londres alternativa enterrada no centro da Terra, onde beefeaters londrinos dividem espaço com traficantes de almas, embaixadores demoníacos e aberrações lovecraftianas.

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Contanto com nada além de mecânicas simples de card game, o jogo se tornou uma das experiências mais ousadas (e bem-sucedidas) de storytelling na mídia.

O sucesso levou a um spin-off, Sunless Seas, sobre um grupo de exploradores fazendo fortuna nos oceanos do submundo. E uma sequel (ainda em early access) que leva a fórmula ao espaço sideral.

Mesmo assim, havia algo de mágico em Fallen London que escapou a seus sucessores mais tradicionais. Infelizmente, a estrutura engessada dos jogos de browser, com seus limites de ação e microtransações, impediam que o game alçasse vôo.

Com Cultist Simulator, projeto pessoal de Alexis Kennedy, ex-CEO da Failbetter, o obstáculo finalmente foi removido.  

Mas, afinal, o que é Cultist Simulator?

Como seu título entrega, ele é um de tantos simuladores que nos permitem brincar de outras profissões. Nesse caso, porém, de uma profissão inusitada: o líder de uma seita na virada do século XX.

Como fizeram Aleister Crowley, criador da Thelema, ou Gerald Gardner, fundador da Wicca, o jogador deve escolher princípios fundadores, visitar bibliotecas obscuras e recrutar devotos. Tudo sob os olhos da Secretaria de Supressão, que pode a qualquer momento prendê-lo por subversão.

Ao contrário da vida real, no entanto, o mundo de Cultist Simulator é de fato místico – e suas forças sinistras exigem oferendas não-metafóricas. Para conduzir nossa seita a um dos muitos cenários de vitória pode ser necessário sacrificar pessoas, invocar seres de outras dimensões e viajar pelos labirintos do sonho.

Cultist simulator impressiona não só pela sua originalidade, mas pelo quão bem ele funciona como um card game. Com um visual ainda mais minimalista que Fallen London, ele se mostra não só um excelente RPG, mas uma verdadeira aula de game design.

Em especial, em como evitar defeitos que estão presentes desde os primórdios da mídia, mas que poucos criadores conseguem contornar:

1) Vendor trash não é um mal necessário

Muito tempo atrás, jogos nos davam pouquíssimas pistas sobre a importância de certos itens. Qualquer coisa – de um amuleto incrustado a um alfinete no chão – podia ser um quest item imprescindível para avançar na história. Se o largássemos ou o vendêssemos podiam ser obrigados a começar tudo de novo.

Para atender a um público cada vez mais impaciente, quest items passaram a ser “protegidos” da desatenção dos jogadores. Nos piores casos, itens comuns foram relegados a uma categoria “lixo”, com nada além dos nomes para diferenciá-los.

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O resultado é o vendor trash (“lixo de vendedor”), itens que servem apenas para serem vendidos – e que tiram quase completamente a diversão da loot. Afinal, quando a única diferença entre uma recompensa e outra é o valor em moedas, explorar se reduz a uma aula de aritmética.

Com um enredo baseado nas políticas de um bazar subterrâneo, Fallen London foi um marco na subversão do vendor trash. Cultist Simulator repete a dose, efetivamente eliminando a maldita categoria.

O jogo soluciona o dilema de uma forma inusitada. Nele, todos os itens são vitais. Pois tudo, da identidade do protagonista aos caminhos do próprio enredo, são itens de uma forma ou outra.

Cultist simulator possui uma moeda, que pode ser usada para adquirir certos itens e pagar despesas. Serviços ocultos, porém, são pagos e comprados em spintrias, o dinheiro do submundo. Visões oníricas podem consumir sentimentos e inspirações; rituais podem exigir “pagamento” na forma de pessoas ou conhecimento.

Alguns dos muitos “itens” de Cultist Simulator

Mesmo os atributos básicos do protagonista (saúde, razão e paixão) são uma espécie de moeda, em um sistema que remete ao sistema Cypher do RPG Numenera. E o próprio ato de “trabalhar” envolve bens imateriais.

Um quadro pode ser “pintado” com “pavor”, “desassossego” ou “satisfação”, tornando-o mais inspirado – e valioso ao mercado de arte. E um trabalho braçal além de fundos gera “vitalidade”, que pode ser usada para se recuperar de ferimentos.

Para piorar, a maior parte dos itens expira depois de alguns minutos. Alguns simplesmente desaparecem; outros se transformam em outras coisas – que podem ser letais. Um prisioneiro, por exemplo, se “transforma” em um cadáver após certo tempo de cativeiro, colocando o jogador na mira direta da polícia.

Esse esquema faz com que o jogador nunca caia numa zona de conforto, já que nada que do que possui pode ser facilmente descartado. Pior: como cada atividade requer um recurso diferente, não é possível sequer saber se estamos “ricos” ou “pobres”. De nada adianta uma fortuna incalculável em dinheiro se a ação que buscamos exige, por exemplo, um “lampejo”.

Com um conceito tão diferente de recompensa, era inevitável que outro grande defeito dos games acabasse também por ir abaixo:

2) O grinding não precisa ser maçante

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Como bom game de browser,  Fallen London sofria do calcanhar de Aquiles tradicional do gênero: o grinding.

Para atiçar nosso interesse, o jogo nos recompensava por ações repetitivas em um esquema de caixa de Skinner.

A mecânica funcionava para dar algum desafio ao jogo (e para servir de desculpa às microtransações). Infelizmente, fazia muito pouco à qualidade de sua narrativa.

Cultist simulator não se livra completamente do grinding. De dinheiro a itens mágicos, passando por seguidores, pergaminhos secretos e contratos, há todo tipo de recompensa que pode ser “farmada” pela repetição.

Mesmo assim, ele contorna seus excessos com uma solução ao mesmo tempo óbvia e inusitada: a ameaça (imprevisível) da derrota.

Se o atributo “saúde” chegar a zero, morremos. Para tanto, é preciso se alimentar regulamente, o que implica em acumular dinheiro. Para obter dinheiro, é necessário trabalhar ou completar contratos de ocultistas.

Nem todas as tarefas, porém, são seguras: atividades sobrenaturais geram “fascinação”, que em quantidade suficiente fazem o protagonista se perder em visões. Visões podem ser combatidas com “pavor”. “Pavor” demais, no entanto, levam à paranoia – e ao jogador terminando seus dias em um hospício.

Mesmo tarefas simples podem ter consequências inesperadas. Trabalhos braçais consomem saúde para serem realizados, o que pode colocar o jogador em maus lençóis se ele adoecer logo após o início de uma jornada.

Trabalhar como artista, por sua vez, gera “mística”, um atributo que chega a atenção das autoridades. Se o protagonista possuir algum esqueleto no armário (como um prisioneiro amarrado à espera do Homem de Palha), a carta pode levar tudo a perder.

Apostar em derrota é uma decisão arriscada, que faz de Cultist Simulator uma experiência (muitas vezes frustrante) de tentativa e erro. Se isto não nos faz desinstalar o jogo em fúria é porque “vitória” e “derrota”, no fundo, não são lá tão diferentes:

3) Fail states não precisam ser punições

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Fail states – condições de “fracasso” dentro de um jogo – são uma discussão quente entre designers de games.

Há quem tente evitá-los de toda forma, dizendo serem uma forma de gatekeeping a gamers casuais. Por outro lado, há quem acredita que jogos não são jogos sem eles.

Como eu disse em um outro artigo, a derrota é um elemento inevitável nos games. Tanto é que toda a mídia pode ser encarada como a arte do fracasso.

É ao saber transformar o game over em algo agradável – ou, pelo menos, não humilhante – que um designer mostra a que veio.

Existem várias maneiras de se fazer isso: reduzir a punição da perda (para incentivar a tentativa e erro), criar fail states que pareçam vitórias (ou vice-versa), recompensar jogadores por perderem, criando conteúdo que só pode ser acessado depois da “morte”.

Cultist Simulator consegue fazer de tudo um pouco. O jogo está recheado de fail states, dos mais convencionais (morrer, ser internado em um hospício, ser preso) a alguns que podem até ser considerados uma vitória.

No início do game, o jogador pode decidir ganhar seu sustento com um trabalho menial na firma Glover & Glover. Porém, caso se dedique muito a ele, pode concluir que a vida de escritório não é lá tão ruim e deixar toda sua seita para trás.

Em outros casos, livrar-nos de um fail state pode abrir nosso flanco a ameaças de outra natureza.

Na medida em que nossa seita cresce, somos perseguidos por “caçadores” a mando da Secretaria de Supressão. No início, detetives comuns. Depois, investigadores com poderes místicos que fariam inveja a John Constantine.

Há várias formas de se eliminar um caçador. Uma delas, na melhor vibe Lovecraft, consiste em mostrar a ele uma sabedoria eldritch que humano nenhum é capaz de absorver. Se as palavras forem fortes o suficiente, ele pode enlouquecer de imediato.

Porém, há sempre a chance do caçador reagir àquilo de outra forma. E, em vez de loucura, ser tocado pelo fascínio. Caçadores podem assim se tornar rivais, seguindo seu próprio caminho no underground da magia – e “vencendo” o jogo no lugar no jogador.

O game não para por aí. Seja qual o for o fim que nosso protagonista levar, sua história não precisa terminar com ele.

O jogo conta com um sistema de legado, que nos permite começar uma nova história de um novo ponto. Uma personagem que morra, por exemplo, abre o caminho “médico”, colocando-nos nos pés do doutor que nos atendeu no hospital.

O vínculo entre as histórias é sutil. Mas é justamente essa sutileza que faz do forte de Cultist Simulator – a narrativa – algo tão eficiente.

4) História longa não é sinônimo de história boa

Com recursos visuais mínimos, Cultist Simulator conta apenas com palavras para construir sua atmosfera. É surpreendente, portanto, que estas palavras sejam tão poucas.

A maior parte dos cards possui não mais que uma ou duas linhas de texto. Sua lore é destilada em pequenos snippets, deixando o melhor a cargo da imaginação.

Em tempos em que RPGs parecem fazer competição de verborragia,  o caminho de Cultist Simulator é mais que incomum. Isso acontece porque Alexis Kennedy tem ideias um tanto controversa sobre o papel da história em jogos.

Como ele mesmo disse em um depoimento:

“Palavras são como água para a história de um jogo. Você precisa garantir que você terá o suficiente ou a história morrerá, mas coloque palavras demais e a história se afoga. Quando você está escrevendo para um jogo a atenção do jogador é uma dádiva de momento a momento. Assim que o jogador achar que o texto é opcional – ou, pior, lição de casa – eles pararão de prestar atenção e esperarão o resto do jogo começar de novo. A partir daquele momento, palavras são piores que inúteis.”

Quem curte games há um certo tempo sabe exatamente do que ele está falando. Não são poucos os jogos que metralham jogadores com infodumps, cutscenes desvinculadas da ação e tutoriais que ninguém pediu.

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E, quando isso acontece, é difícil voltar atrás.

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Para Alexis, o problema vem em parte do costume de criadores de pagarem de escritores “sérios” fazendo seus jogos parecerem livros. Um costume que é incentivado pela própria mídia, que vende o “tamanho” de histórias como critério de qualidade.

Acontece que, como escritores sabem muito bem, tamanho não é documento. Pelo contrário: é justamente na capacidade de síntese que o verdadeiro artista mostra sua habilidade.

Pecar pela modéstia cumpre ainda outro objetivo, há tempos perseguido por criadores de RPG: incentivar que jogadores se reconheçam e expressem-se. 

Com a exceção da informação de nosso “legado” e um nome (opcional) no canto da tela, Cultist Simulator não nos dá informação nenhuma sobre quem nossa personagem deveria ser.

Tudo, de suas motivações a suas origens, gênero e aparência física ficam a cargo da imaginação.

É uma decisão arriscada, que nas mãos de um autor menos capaz seria uma receita para o desastre. De fato, houve quem criticasse sua criação como o “esqueleto de um jogo sem nada de carne“.

Mesmo assim, ela oferece uma lição valiosa para criadores de games – e, de certa forma, para toda uma geração obcecada em ter cada obra de arte transformada em seu espelho: a mente funciona melhor quando tem espaço para criar.

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“Make Leeds Medieval”: voltando à Idade Média nos confins da Inglaterra http://www.finisgeekis.com/2018/07/16/make-leeds-medieval-voltando-a-idade-media-nos-confins-da-inglaterra/ http://www.finisgeekis.com/2018/07/16/make-leeds-medieval-voltando-a-idade-media-nos-confins-da-inglaterra/#respond Mon, 16 Jul 2018 23:07:51 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=20279 Medievalista” é o nome que damos àqueles entusiastas da Idade Média que fazem de tudo para reviver o período: LARP, feiras de época, banquetes medievais com direito a hidromel.

Também é o nome que damos aos historiadores especializados em Idade Média. Para esses medievalistas, o importante não é reviver o passado, mas desenvolver explicações científicas para o que aconteceu.

Na sua rotina, não há espaço para espadas, armaduras, pourpoints ou hidromel. Eles passam suas vidas lendo fontes, decifrando textos em latim, fazendo projetos de pesquisa e prestando contas à FAPESP.

Como medievalista do segundo grupo, nunca tive problema com os do primeiro (e admito que, na minha distante adolescência, já troquei espadadas em tardes de LARP.) Mesmo assim, não tenho como negar que nossas tribos raramente se misturam.

A não ser, é claro, que você esteja na cidade de Leeds, nos fundilhos de Yorkshire no norte de Inglaterra durante o International Medieval Congress.

O IMC Leeds, como é conhecido, é simplesmente o maior congresso de história medieval do mundo. Só esse ano foram nada menos que 2800 participantes de mais de 60 países.

Justamente por conta de seu tamanho, o congresso tem uma fama meio dúbia no meio acadêmico. Alguns acreditam que ele se esmera mais no espetáculo do que na qualidade da programação. Mesmo assim, o fato é que muito historiadores (como eu) pagam uma visita de quando em quando para mostrar a cara e saber o que está rolando.

É fato, também, que a feira medieval que armam anualmente — chamada de Make Leeds Medieval (“Faça Leeds Medieval”) pode ser só um espetáculo, mas é um espetáculo bem divertido.

Se deixar sua casa parecida com um castelo é uma ideia que te atrai, a feira de artesanato seria um paraíso para você. Make Leeds Medieval contou com todo tipo de bugiganga histórica a venda. Os produtos variavam de réplicas de joias medievais, baseadas em reconstruções arqueológicas, a instrumentos de época.

Porém, se você quiser voltar para casa com um alaúde, é bom economizar uma grana. Um mero ímã de geladeira na feira não saía por menos de £12. Que dirá um instrumento artesanal?

Felizmente, a festa contou com sua própria equipe de músicos, tocando peças típicas para a alegria dos visitantes.

O instrumento do meio lhe pareceu estranho? Ele é um hurdy-gurdy, espécie de sanfona que se toca girando uma manivela. Por incrível que pareça, alguns historiadores acreditam que ele deriva do violino – com que, de fato, carrega várias semelhanças.

Ben Grossmann, tocador de hurdy-gurdy que já gravou com Loreena McKennitt

O hurdy-gurdy foi tocado ao longo de toda a Idade Média e Moderna e já foi representado na obra de vários artistas, como o pintor holandês Hieronymus Bosch. Musicistas contemporâneos, como a cantora canadense Loreena McKennitt, mantém a tradição viva, usando o instrumento em suas composições.

Hurdy-gurdy no quadro “Os Jardins das Delícias Terrenas” de Bosch

Mas nem só de música se faz uma festa. E visitantes com um espírito aventureiro podiam ter seu dia de caçador, posando com uma ave de rapina.

O estande de falcoaria é algo que já tinha vista na minha última visita em 2014 e que me deixou bastante revoltado. Os pássaros pareciam bastante desconfortáveis debaixo do sol a pino, sobretudo as corujas, acostumadas a dormir de dia. Achei uma grande crueldade animal e me recusei a participar.

Pelo visto, eu não fui o único a reclamar. Nessa edição, as aves ganharam uma proteção extra contra o sol, embora pareçam tão tristes e estressadas quanto antes.

Falando em calor, medievalistas brasileiros ficarão surpresos ao saber que não havia hidromel a venda no festival. Isto talvez tenha a ver com uma política da própria universidade, cujo DCE tem um pub nos subsolos servindo bebidas alcoólicas durante todo o dia. Incluindo a Congress Ale, uma cerveja (meio sem sal) em celebração ao congresso.

Sim, você leu isso direito. Uma universidade tem seu próprio pub. Mostre isto ao seu reitor da próxima vez que ele encasquetar com uma cervejada durante uma festa no campus.

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The Old Bar, nos subsolos da Universidade de Leeds

Porém, tanto aqui como na Inglaterra, não é para beber e ouvir música que as pessoas vão a feiras medievais. A Idade Média é estereotipada como uma época de violência, e é justamente o combate que atrai multidões.

Em Leeds, o show ficou por conta da Sociedade de Arqueologia do Combate do Royal Armouries, o maior museu de história militar do Reino Unido. Eles não são meros entusiastas (como eu em meus anos de LARP) mas arqueólogos, que também apresentaram um paper no primeiro dia de congresso.

Em meus tempos de moleque, ver uma apresentação como essa ao vivo seria um sonho realizado. De fato, estaria mentindo se dissesse que o espetáculo não me impressionou. Mas confesso que, quanto mais o tempo passa, mais esse tipo de entretenimento me incomoda.

Não falo aqui da atenção desmesurada que pontos relativamente pouco importantes da história militar recebem (saber manejar uma espada, no final das contas, era bem menos importante do que garantir uma rede logística). Ou o estigma de que a Idade Média foi a era da guerra e da fome, como se fossem Carlos Magno e Ricardo Coração de Leão os orquestradores do Holocausto ou Holodomor.

A imagem de “Idade Média” que esses shows promovem, com seus cavaleiros prateados munidos de espadas longas e alabardas, só surgiu na história humana no final do século XV. Para todos os fins, ela diz mais respeito à Renascença e modernidade que aos mil anos de história que sucederam o fim do Império Romano.

Não é um problema exclusivo de reenactors. De obras clássicos como Excalibur a hits recentes como Game of Thrones e The Witcher, a Idade Média “clássica” com que sonhamos parece ser aquela do instante de seu fim. Que até games orgulhosos de sua pesquisa histórica como Kingdom Come: Deliverance escolheram o século XV para situar-se mostra quão arraigado é esse retrato.

Na cultura popular, a Renascença engoliu a Idade Média.

Isso não é uma crítica direta ao festival de Leeds, que procedeu melhor do que muita gente. Em primeiro lugar porque, ao contrário de outros reenactors, eles têm um motivo muito bom para sonhar com o século XV.

Leeds fica em Yorkshire, um dos epicentros da Guerra das Rosas (1455-1487), um dos maiores conflitos da história da Inglaterra. E, em particular, o palco da Batalha de Towton, um dos enfrentamentos mais sangrentos que o país já sofreu.

Batalha de Towton, em representação contemporânea

Em segundo porque o festival deu conta do recado. A feira contou com expositores inusitados, como um revivalista vestido de sogdiano, uma antiga civilização no que é hoje Irã, Uzbequistão e Tajiquistão.

 

E também uma segunda apresentação de combate, lutando com armas e armaduras da época tardo-romana. Nas palavras dos próprios guerreiros, um show para mostrar de onde os cavaleiros do Rei Arthur vieram, e outro para quando eles aposentaram as esporas.

E por falar em Rei Arthur, é evidente que que o personagem mais icônico das fábulas “medievalistas” daria as caras:

Dragões soltando fumaça pelas ventas é o exato tipo de coisa que deixa alguns historiadores de cabelos em pé com o IMC. Mas não dá para negar que eles (e todo o festival) cumpriram um papel.

Quando a apresentação de combate acabou, vi um garotinho de pouco mais de cinco anos correr de encontro a um dos guerreiros. Ele chorou e se esperneou, dizendo que não queria ir embora. Seus pais só o levaram depois de tirar várias fotos com os dois apresentadores.

Sim, não é a coisa mais científica de todos. Mas talvez instigar essa curiosidade  no coração de uma criança já dê conta do recado. São as novas gerações, afinal de contas, que pesquisarão a história do futuro.

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